sexta-feira, 31 de maio de 2019

Comércio Macabro - Contrabando de restos humanos se torna um negócio na India.


Você já parou para pensar na quantidade de objetos, mercadorias e encomendas que são enviadas diariamente ao redor do mundo?

Num planeta cada vez menor, com fronteiras cada vez menos definidas, os serviços de transporte de bens tem se tornado cada dia mais importantes. Eles são responsáveis por levar de um canto para outro itens necessários e comodidades essenciais - desde remédios e comida, a coisas mais corriqueiras como livros, móveis e eletrodomésticos. Seja lá o que você precise despachar para outra pessoa, existe algum serviço que será capaz de fazê-lo.

Agora imagine que você é um indivíduo tradicional, alguém cujo ramo de atividades envolve operar pequenos milagres. Em um mundo tão material, você é alguém que trabalha com o espiritual. Recorrendo a espíritos, entidades e forças sobrenaturais, você é capaz de canalizar energias, seja para curar ou provocar a morte, para aliviar doenças ou provocá-las, para contatar o outro lado ou fechar os canais de comunicação de uma vez por todas. Você é uma espécie de agente entre o físico e o imaterial. Digamos, portanto, que por falta de melhor definição, você seja um feiticeiro.

Suponhamos agora que em uma bela noite de lua cheia, justo quando você havia planejado traçar um pentagrama, queimar alguns incensos e invocar uma entidade das profundezas para um servicinho, se deu conta de que falta alguma coisa em seu baú de ingredientes místicos. Digamos que você não lembrou que havia usado um crânio humano mês passado e que ele foi consumido durante o ritual. A menos que seu suprimento necromântico ainda disponha de uma peça de reposição, será difícil pedir por esse tipo de coisa no vizinho. Nesse caso, seria melhor poder pedir que alguém entregasse o material necessário, na comodidade de sua casa, apenas fazendo o pedido para indivíduos dispostos a cumprir a sua parte por uma pequena comissão. Isso tudo, a menos que seu entregador seja capturado pela polícia e acusado de  tentar contrabandear ossadas humanas através de fronteiras internacionais.

De acordo com o jornal India Times, a Polícia Ferroviária da cidade de Bihar, estava realizando uma inspeção rotineira em busca de drogas e bebidas quando resolveram abrir as malas de um tal Sanjay Prassad, que se identificava como courier. Os policiais desconfiaram de Sanjay, pois ele pegava aquele mesmo trem duas, às vezes três vezes por semana. Ele também sempre levava três grandes e pesados caixotes de metal que eram despachados no compartimento de carga do Expresso entre Balia, na India e Sealdah, no Butão.

A polícia não encontrou bebidas ou drogas ao abrir os compartimentos, mas ossos humanos. Segunda as autoridades um total de 16 crânios humanos e 34 femurs foram achados nas caixas de metal trancadas com cadeado. Uma das caixas continha um outro item bizarro, um coração humano mumificado, guardado em uma caixa com palha seca. O material foi todo apreendido pelos confusos guardas de fronteira que detiveram  o "courier" para questionamentos.

Prasad admitiu durante o interrogatório que os ossos haviam sido encomendados por feiticeiros interessados em utilizá-los em rituais de magia negra e práticas de ocultismo. Eles haviam sido desenterrados numa região na fronteira da India com o Nepal, e estavam seguindo para a nação do Butão, onde o interesse por esse tipo de mercadoria parece ter se tornado corriqueiro nos últimos anos.

O courier explicou que realiza esse tipo de serviço há pelo menos sete anos e que já havia transportado centenas, talvez até milhares de ossadas de um canto para o outro. Necromantes aparentemente não escavam mais a terra de cemitérios em busca de ossos para seus experimentos, não quando existem pessoas dispostas a entregar a matéria prima na porta de sua casa. Sanjay contou que por uma questão de segurança, não tinha contato com as pessoas que suprem o material, ele é apenas um intermediário responsável por fazer as encomendas saírem do ponto A e chegar no ponto B. Apesar de seu inegável sendo de profissionalismo, as autoridades não ficaram satisfeitas com as respostas de Sanjay. 

De fato, o indiciaram por tráfico internacional de restos humanos.

Existem lugares no mundo em que rituais ocultos e de magia negra estão tão entranhados na cultura e costumes que parece impossível para nós ocidentais compreender sua extensão. O Butão, esse pequeno país na fronteira da India, certamente é um destes lugares. Uma procura no Google por "Magia Negra no Butão" irá resultar em centenas de curandeiros, místicos e necromantes oferecendo seus serviços. Todas essas pessoas precisam de "matéria prima" para suprir a demanda de trabalhos e encomendas. Ossos são necessários para a maioria dos rituais de magia negra, e estes, são em geral incinerados para produzir poeiras, unguentos, beberagens e outras fórmulas mágicas prescritas.

Segundo a polícia indiana o Butão se tornou o centro de um círculo internacional de contrabandistas de restos humanos, responsável por negociar cadáveres - inteiros ou em partes, para uso em cerimônias e rituais. A demanda, cada dia maior apenas atesta que os negócios vão de vento em popa.   

Essa não foi a primeira apreensão de restos humanos no norte da India. A região é alimentada por uma enorme malha ferroviária responsável por abastecer os mercados que demandam tal material. Em outubro de 2018, a polícia indiana descobriu duas dúzias de caixotes de madeira contendo ossos e restos humanos despachados para o Butão. Até mesmo inocentes bolsas e maletas de mão foram investigadas e no interior delas, agentes alfandegários encontraram ossadas, crânios, pele, unhas, dentes e todo tipo de ingrediente para ser usado em rituais necromânticos. 

Especialistas acreditam que esse tipo de contrabando tem movimentado cifras consideráveis, despontando como uma atividade extremamente lucrativa para os envolvidos. Sanjay explicou que as ossadas seriam entregues a compradores que desembolsavam entre 30 e 50 dólares por um fêmur e até 400 por um crânio. Tudo pago através de cartões de crédito internacionais em sites específicos que garantiam a idoneidade das transações. O coração mumificado, um item especial, havia sido comprado por um feiticeiro e havia custado 800 dólares.   

Curiosamente, quanto mais antigos os ossos, mais valiosos. Ossadas com meio século são desejáveis para um feiticeiro que se preze, mas ossos enterrados há pelo menos um século podem atingir um preço astronômico. Segundo a crença dos feiticeiros do Butão, a terra infunde nos ossos energias que são absorvidas. É essa energia que será usada para alimentar os rituais, portanto, quanto mais tempo na terra, maiores as forças reunidas.

Para muitos de nós a noção de restos humanos seguindo de um lado para o outro e sendo usados em rituais pode parecer uma abominação. E talvez, de fato o seja! Violação de cadáveres é um tabu na maioria das culturas, contudo, em certos lugares do mundo, tal coisa parece comum. Aquilo que nós chamaríamos de absurdo, para alguns como Sanjay Prasad, não passa de um trabalho.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Os Salgueiros - O Mestre Algernon Blackwood nos leva às profundezas da Floresta


É difícil encontrar uma história de horror capaz de capturar nossa imaginação e criar uma sensação de terror, ao mesmo tempo sutil e descritivo, como "Os Salgueiros" de Algernon Blackwood (1907).

Lembro que li esse conto pela primeira vez em uma antologia chamada Depois, reunida por Heloísa Seixas nos anos 2000. Os Salgueiros era a história principal e a mais celebrada pela organizadora que rendia a ela elogios rasgados. Aquilo me convenceu e li, como dizem, de uma sentada só, engolindo vírgulas, devorando pontos, ansioso pelo parágrafo seguinte que trouxesse uma revelação ou um alívio da tensão brutal que aquelas linhas impunham.

Não é demais reputar a Algeorn Blackwood o título de Mestre do Horror. H.P. Lovecraft o considerava assim, como um dos grandes do gênero, um degrau pequeno abaixo de Poe. Além disso, chamava "Os Salgueiros" de "a maior história estranha (weird tale) jamais escrita". Não é pouca coisa! 

Os fãs mais dedicados ao gênero devem conhecer a obra de Blackwood, mas aqueles que não conhecem não precisam se envergonhar: publicado relativamente poucas vezes no Brasil, ele permanece oculto do grande público. O que não significa que seus contos estejam inacessíveis.


Recentemente, a Editora Empíreo lançou uma edição caprichada da mais conhecida história de Blackwood, "Os Salgueiros". O volume vem em uma edição de capa dura, com ilustrações e com um extra valioso, em versão traduzida em português e na versão original, conforme concebida pelo autor. O fato de poder apreciar o conto em uma edição bilíngue é algo sensacional!

O texto só ganha em poder e ambientação quando lido em inglês. A tradução é primorosa, mas as linhas lavradas por Blackwood vibram com as descrições exasperantes de um pesadelo do qual não há como escapar. Estejam avisados portanto, que Os Salgueiros é daquelas histórias para grudar em sua imaginação e ser lembrada quando, e sempre que, você se afastar suficientemente da civilização e entrar em uma mata silenciosa sozinho. É daqueles contos para ser recordado quando ouvir um ruído desconhecido num bosque ou quando escutar o som de algo caindo num até então plácido lago.

Não pretendo falar demais da trama para não estragar. Boas histórias, como essa devem ser descobertas lentamente. Apenas sugiro ao leitor que leia essa história sem interrupções, que comece, continue e só pare quando chegar à última linha. Não trapaceie lendo o final e não caia na armadilha de pular um parágrafo. Salgueiros não é longa, é possível ler em algumas horas, preferencialmente antes de dormir. Dormir depois, já é outro assunto.


Nessa história, dois amigos decidem partir em uma viagem de canoa através do Rio Danúbio, em uma das regiões mais isoladas da Europa Central. Após dias percorrendo rios margeando florestas ermas, os dois acabam indo parar em uma pequena ilha - quase um banco de areia no meio de um pântano, à caminho de Bucareste. Esta parte do rio é descrita como uma "região de singular isolamento e desolação… coberto por um vasto mar de salgueiros". 

Com base nesse ambiente insalubre de opressiva natureza, se desenrola a trama. Não existe escritor capaz de conjurar uma aura de horror perante o mundo natural como Blackwood. Outras histórias dele, como "O Wendigo," também captura um senso de ameaça presente na natureza selvagem, com um predador selvagem tão terrível quanto em "Os Salgueiros", mas aqui ele vai além.

A floresta em que os canoístas adentram é uma presença viva, praticamente um personagem que participa ativamente da trama. A mata é como uma entidade cheia de olhos e ouvidos, observando constantemente os dois pobres sujeitos perdidos em uma ilha que parece diminuir. As plantas e criaturas que habitam esse lugar afetam a percepção febril dos dois e faz com que eles se perguntem constantemente "se estamos sozinhos, então por que sentimos que alguém está observando"?

Essa sensação desagradável vai se tornando cada vez mais incômoda e logo a sanidade cede espaço para a paranoia e o medo. A construção da história é incrível, o leitor sente a tensão aumentando a cada página e lá pela metade, é impossível não ficar angustiado querendo saber como vai terminar a trama.


Os elementos do pântano, da floresta, da mata virgem parecem conspirar, criando um ambiente muito propício a loucura e desespero. Em um dos momentos mais memoráveis, alguma coisa, que parece ser um homem - mas que pode ser "qualquer outra coisa" aparece flutuando  na água - talvez o cadáver de um pescador que eles encontraram anteriormente, mas talvez outra coisa desconhecida.

A aventura romântica da exploração e da jornada através do rio, em uma das últimas regiões selvagens da Europa, é muito bem narrada. Passando-se no início do século XX, ela poderia ser retratada em qualquer época no passado, já que a floresta intocável que os cerca é idêntica a que existia ali ao longo dos séculos. Essa refúgio selvagem permaneceu fechado para o homem moderno que tolamente acredita explorá-lo. Na verdade ele é meramente atraído para uma armadilha em seu interior. 


A narrativa descreve um manto verde que impede os amigos de enxergar o horror que está bem diante de seus olhos, um horror profano, à princípio curioso com essa invasão de seus domínios, mas que pode se tornar furioso a qualquer momento.

Blackwood manipula as palavras, extraindo um senso de reverência e inquietude dos personagens. Um dos pontos principais da história é mostrar como a mente deles próprios acaba dando asas aos seus medos mais profundos. Mesmo sem ver nada, a mente conspira para criar um pavor do qual não há escapatória, não existe trégua, não cabe recurso...

Como dito, a edição bilíngue da Empíreo acerta em cheio, sendo imperdível para os entusiastas do medo e da tensão. 

Salgueiros está em meu top 5 de histórias de horror favoritas.  

Para saber mais sobre Algeorn Blackwood, leia aqui AQUI


sábado, 25 de maio de 2019

Art & Arcana: Uma História Visual - Resenha do Livro dedicado ao D&D


Art & Arcana: A Visual History (Arte e Arcana: Uma História Visual) é uma declaração de amor ao universo fantástico de Dungeons and Dragons como nenhuma outra. O visual do livro é simplesmente de tirar o fôlego, um tremendo compêndio de capa dura com incríveis quatrocentas e quarenta páginas, que celebram a história e significado do mais famoso e popular jogo de RPG de todos os tempos.

Mais do que isso, o livro conta o legado deixado pelo D&D e a forma como ele transformou para sempre o hobby que ajudou a popularizar. Através de diferentes épocas, o leitor acompanha as transformações e mudanças no design do jogo e do material que o integra. É uma bela jornada através de décadas: de um início modesto e sem grandes pretensões para um best seller que atrai cada vez mais pessoas.






Começando com o Original Dungeons and Dragons (chamado de "Pai de todos", por alguns), somos apresentados aos diferentes estilos artísticos do jogo, suas publicações icônicas, as capas que marcaram época, propagandas e tudo que se relaciona a história direta do D&D. Complementando essas imagens fantásticas resgatadas nos baús da velha TSR e nas salas de tesouro da Wizards of the Coast, temos entrevistas e declarações de pessoas que participaram dessa trajetória vitoriosa. 

O melhor é que esse é um livro claramente escrito por fãs e destinado aos fãs.

Os responsáveis pelos capítulos se esmeram em conjurar uma atmosfera de nostalgia e celebração ao redor da história do D&D. Os autores Jon Peterson, de "Playing at the Worlds" (Jogando nos Mundos), uma obra que disseca a criação do nosso amado hobby e Michael Witner que escreveu "Império da Imaginação: Gary Gygax e o Nascimento de Dungeons and Dragons", uma biografia do co-criador do jogo se juntaram para criar Art e Arcana. Juntos eles ganharam acesso aos bastidores da TSR Inc, a editora original do D&D, conversaram com as mentes que idealizaram o jogo e entrevistaram alguns dos criadores da identidade visual que passou a servir como sinônimo de RPG. O resultado é algo deslumbrante!





O livro é dividido em nove capítulos, sete deles dedicados cada um a uma edição - a edição 3,5 ganha um capítulo apenas para ela. Os dois capítulos restantes tratam de acontecimentos importantes e significativos na história do jogo., como a crise de 1983 na qual o jogo foi acusado de ser uma má-influência para crianças e adolescentes e a queda final da TSR. Cada capítulo possui um título que remete a campanhas, magias e suplementos famosos. O primeiro capítulo, por exemplo, tem por título "Detectar Magia", enquanto "Runas Explosivas" é o título que trata especificamente das dificuldades no período mais crítico do jogo. Bigbys Interposing Hand (o nome de uma antiga magia) é o título do capítulo dedicado a queda da TSR e a compra do jogo pela mega empresa Wizards of the Coast/Hasbro.

Ao longo dos capítulos ficamos sabendo que os primeiros artistas contratados pela TSR se inspiravam em Histórias em quadrinhos da Marvel Comics para construir as cenas de combate e ação. Ficamos sabendo como os artistas Dave Sutherland e David Trampier trabalharam para construir uma identidade visual própria do jogo, a chegada de talentosos ilustradores como Larry Elmore responsável pela capa do livro básico e pelas caixas, até histórias suculentas a respeito das edições mais recentes.

A arte de D&D, por sinal, recebe um grande destaque. A sessão "Arteology" examina as histórias por trás de algumas ilustrações mais icônicas, enquanto "Artist Favourite" (O Favorito do Artista), pergunta aos mais famosos artistas quais as suas obras mais queridas. O Capítulo "Deadliest Dungeons" (Masmorras Mortais) examina a criação das aventuras e campanhas legendárias desde a fundação de Dungeons & Dragons, examinando o processo criativo que levou ao surgimento de campanhas como Keep on the Borderlands e Tomb of Horrors. "Evilution" comenta as alterações visuais de alguns personagens icônicos como Acerarak e Strahd, com direito a sketches iniciais que mostram como o conceito destes personagens foi trabalhado. De modo similar, "Many Faces of…" (As muitas faces de...) é uma sessão que examina como algumas das mais famosas e mortais criaturas do jogo mudaram ao longo dos anos. Criaturas como o Beholder, Purple Worm e Mind Flayer são esmiuçadas em detalhes e passamos a conhecer detalhes fornecidos pelos seus próprios criadores. Finalmente, "Sundry Lore" examina os elementos que ajudaram a criar o conhecimento de D&D em paralelo com outros RPG. Já "Wired for Adventure" (Conectado para aventuras) especula o que o futuro reserva para o jogo e a arte de contar histórias.





Art & Arcana é um banquete para os olhos, de capa a capa. As páginas são recobertas de ilustrações coloridas de monstros, mapas, criaturas e heróis. A distribuição do material faz com que o leitor, mesmo o mais casual, se detenha nas páginas para apreciar os detalhes. Muitas das imagens mais famosas acabam remetendo a momentos da memória afetiva dos jogadores mais antigos, despertando lembranças guardadas lá no fundo. Eu me peguei várias vezes apreciando uma determinada imagem e lembrando de momentos da minha adolescência, quando essas mesmas imagens estampavam a capa dos livros que eu e meu grupo jogávamos. Nesse contexto, Art & Arcana é uma agradável visita à estrada das memórias antigas. 

Os autores foram ousados ao tocar em assuntos delicados que marcaram a história do jogo. Eles mergulham de cabeça no pânico que o jogo causou ao ser absurdamente associado a satanismo e faz uma exploração da reputação negativa que acompanhou o jogo nos anos 80. Temos acesso a páginas de jornal e artigos da imprensa que falavam sobre o assunto. Tudo tratado de forma direta e com completa clareza. Art & Arcana vai em busca de cada aspecto da história antiga e recente de D&D, prestando um trabalho quase biográfico das pessoas que criaram o jogo e o que elas pretendiam. Os autores demonstram isenção ao tratar desses temas espinhosos, mas são esclarecedores em cada aspecto.  

Fisicamente Art & Arcana é um livro maravilhoso! Cada página oferece uma surpresa e folheá-lo é um prazer para os sentidos. É o tipo do livro que pode tranquilamente ocupar o centro de mesa para ser apreciado pelas visitas, ou então um lugar de destaque na prateleira, para ser apanhado e lido de tempos em tempos. É provável que esse seja o livro mais impressionante e completo a respeito do nascimento de Dungeons and Dragons e todo fã deveria dar uma olhada com carinho, seja lá qual for a sua edição favorita.





Se você é um jogador "das antigas" de D&D ou um novato interessado em conhecer o longo caminho que o jogo percorreu até se tornar o que é hoje, Art & Arcana é simplesmente imperdível.

A história de nosso hobby jamais foi contada de uma maneira tão honesta, empolgante e surpreendente e chego a imaginar que jamais o será, novamente.

As narrativas, as histórias e as imagens são um festival para os fãs e todos aqueles que um dia rolaram dados na companhia de seus amigos e vibraram com o resultado de uma aventura.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

A Múmia de Gallotti - Uma descoberta macabra no Pão de Açúcar


Transcrito da BBC News Brasil

Ela não "provocava transe" em quem se aproximava dela, como diziam alguns a respeito da múmia da Princesa Kherima, nem "batia papo" com o imperador Pedro II, como a cantora-sacerdotisa Sha-amun-en-su - ambas parte do acervo do Museu Nacional, que foi perdido para as chamas ano passado. Mesmo assim, quase 70 anos depois de sua "descoberta", a Múmia da Chaminé Gallotti, como ficou conhecida, continua a intrigar alpinistas e estudiosos no assunto.

O mistério teve início na manhã de 19 de setembro de 1949.

Lá pelas sete da manhã, cinco amigos - Antônio Marcos de Oliveira, Laércio Martins, Patrick White, Ricardo Menescal e Tadeusz Hollup - se encontram na Praça General Tibúrcio, na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, com o objetivo de escalar o Pão de Açúcar, um dos morros cariocas mais conhecidos.

Não era uma escalada como outra qualquer. Em vez de simplesmente subir o paredão de 396 metros de altura por uma das três vias de acesso já desbravadas, os montanhistas, membros do Clube Excursionista Carioca (CEC), decidiram explorar uma quarta trilha, ainda mais perigosa e arrojada que as anteriores. Ninguém havia tentado aquela aproximação do cume por tal ângulo e a escalada seria arriscada.

"Os conquistadores levaram quase cinco anos para concluir a rota que ficou conhecida como Chaminé Gallotti, em homenagem ao senador Francisco Benjamin Gallotti (1895-1961)", contava Tadeusz Hollup, "Durante anos, aquele trecho foi considerado uma das mais difíceis escaladas do montanhismo brasileiro."

Ainda na clareira que dava acesso ao paredão, Hollup, então com 19 anos, começou a desconfiar de que algo estava errado quando viu um sapato de mulher, deteriorado pelo tempo, em plena Mata Atlântica. Não era algo normal de ser encontrado em uma localidade tão isolada.

"Será que, daqui a pouco, vamos encontrar a dona do sapato?", perguntou ele, em tom de brincadeira aos demais.

"Mesmo assim, não demos muita importância. Joguei o sapato fora e continuamos a subir", explicou em sua última entrevista, dada ao programa Esporte Espetacular, da TV Globo, em 22 de outubro de 2017.

Tadeusz Hollup, o último dos desbravadores da chaminé Gallotti, morreu no dia 27 de agosto de 2018, aos 88 anos. Ele continuava perfeitamente lúcido, principalmente quando contava a experiência daquele dia em particular.

Sem que soubessem, a escalada desafiadora não resultaria na tomada do cume, mas em uma descoberta muito mais estranha.

Alguns metros acima daquele ponto crucial de difícil acesso, Oliveira, o caçula do grupo, então com 18 anos, resolveu desbravar a encosta do morro. Começou a explorar a área, mapeando os caminhos e trechos mentalmente. Não poderia imaginar o que encontraria ao observar a fenda apelidada de Chaminé pelos alpinistas. Era por volta das 11h30 da manhã, quando ele se deparou com um cadáver, preso pela garganta, na estreita fenda de rocha.

Oliveira levou o susto de sua vida. Voltou correndo para os colegas sem conseguir conter a excitação pela macabra descoberta que havia feito. Ao contrário do que se poderia imaginar, o defunto não estava em estado de putrefação e, sim, mumificado.

"Quando o vento bateu mais forte, o cabelo da múmia, que era muito longo, pousou no meu ombro. Foi aí que vi que era uma pessoa entalada na fissura. Fiquei apavorado!", relatou Oliveira no documentário Cinquentona Gallotti (2004), escrito e dirigido por Priscilla Botto e Paulo de Barros.

Na mesma hora, berrou para os amigos: "Venham aqui, tem uma pessoa morta!".

Hollup e Menescal caíram na gargalhada. "Que história é essa?", quis saber Hollup, aos risos. Era inusitado, quase impossível que naquele lugar ermo estivesse um cadáver humano. "Achou a dona do sapato?", fez graça Menescal. Os dois levaram na brincadeira. Mas Oliveira, não.


Quando chegaram ao local, tomaram um susto daqueles. A coisa era séria mesmo! O cadáver estava preso na fenda através de uma corda rudimentar que descia pelas suas costas e dava uma volta na garganta, como se esta tivesse sido usada para descer o cadáver e depositá-lo gentilmente naquele lugar.

Diante da "descoberta" macabra, os amigos resolveram suspender a escalada, voltar e avisar a polícia. A tão sonhada conquista da Chaminé Gallotti - proeza alcançada só cinco anos depois, em 1954 - teria que ficar para outro dia.

Na manhã seguinte, os cinco voltaram à Urca, acompanhados de policiais, repórteres e legistas. A descoberta movimentou o imaginário popular da cidade. Alguns acreditavam que a vítima pudesse ser alguém assassinado e escondido naquela mata distante. Outros pensavam que pudesse se tratar de algum índio, possivelmente um chefe ou feiticeiro colocado ali pela sua importância. Outros imaginavam que o cadáver poderia pertencer a um macaco ou outro animal silvestre, capaz de escalar a Chaminé. Haviam muitas teorias... poucas certezas. 

Chegaram ao local e constataram que o cadáver estava lá e não era tão antigo quanto parecia. A primeira coisa que descobriram é que não pertencia a uma mulher, como imaginaram à princípio. Os cabelos eram longos, mas sem dúvida a múmia era de um homem de aproximadamente 35 anos, como mais tarde confirmou o legista. Munidos de grampos, martelos e brocas, o grupo de resgate atingiu o local em que ele estava encravado. Em seguida, com todo cuidado, iniciaram o trabalho de resgate visando descer o cadáver até a clareira, onde aguardavam os bombeiros. Naquela época, os escaladores usavam cordas de sisal e coturnos com tachas. Tudo muito rudimentar para os padrões atuais, ainda assim o resgate foi feito com grande presteza e habilidade.


A "descoberta" da múmia virou notícia em todos os jornais da época. O achado repercutiu em todo Brasil e chegou a ser noticiado outros países. As pessoas se perguntavam quem seria aquele indivíduo e como havia ido parar naquele local. Segundo a nota publicada na edição do dia 20 de setembro de 1949, do jornal O Globo, os restos mortais pertenciam a um "indivíduo de cor branca, com 35 anos presumíveis, de 'compleixão' (sic) franzina e com 1,60 m de altura". Ainda de acordo com o laudo, o defunto vestia um suéter e uma camisa sem mangas de algodão, não apresentava sinais de fratura, nem vestígio de bala ou facada. Não havia como dizer que ele morrera. E o pior: não trazia documentos ou qualquer tipo de identificação.

"Os legistas concluíram que o cadáver estava lá havia uns seis meses, pelo menos", relata Oliveira. Para alguns foi uma notícia triste, pois pensavam ter feito uma descoberta arqueológica sem igual. Alguns supunham que o homem poderia ser um dos míticos fenícios que teriam explorado a Costa do Rio de Janeiro muitos séculos antes da chegada dos portugueses. Quando concluíram que o cadáver era mais recente foi uma decepção geral.

Ainda assim, restavam as grandes questões a respeito de quem seria o sujeito, como ele chegou lá em cima e o que levou alguém a colocá-lo ali? 

Tudo era muito estranho e ninguém tinha qualquer ideia a respeito de sua identidade. Naquela época havia um número reduzido de praticantes de montanhismo na cidade e nenhum dos membros habituais havia sumido pela Chaminé Gallotti. Seria virtualmente impossível que o sujeito fosse um montanhista desconhecido em busca de fama, escalando sozinho a montanha. Ninguém poderia ser tão tolo ou descuidado a ponto de tentar alcançar o cume por conta própria, sem avisar ninguém, mas ainda assim, é o que parece ter acontecido.

A polícia fez questionamentos, abriu um inquérito, fez retrato falado e espalhou o retrato do cadáver pela cidade toda, mas não apareceu ninguém capaz de reconhecê-lo. Jamais foi descoberta a identidade do homem.


A única certeza que se tinha é que ele havia sido mumificado devido à maresia. O químico Emiliano Chemello, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), explica que a maresia pode ter sido um fator determinante na mumificação do cadáver. Isso porque o sal absorve a água, retardando processo de decomposição do corpo.

"Os antigos egípcios usavam um minério chamado natrão, rico em carbonato de sódio. Eles empacotavam o natrão, em pequenas bolsas, dentro do corpo da múmia, além de jogarem um punhado do minério sobre o cadáver. Quarenta dias depois, o defunto estava encolhido e duro", conta.

A diferença é que no caso do alpinista misterioso, o processo teria ocorrido naturalmente. O sol e o ambiente seco também contribuíram para a mumificação e fizeram a sua parte. A mumificação é um processo curioso, ela só ocorre quando certas circunstâncias estão presentes, tire um elemento e ela não acontece, mas no caso do homem misterioso, tudo conspirou para que seu corpo fosse preservado daquela forma sinistra.

Apesar de toda a repercussão nos jornais da época, nenhum amigo, parente ou familiar apareceu no Instituto Médico Legal (IML) para reconhecer o corpo. A identidade da "múmia", sete décadas depois, continua ignorada.

Mas essa é apenas uma das muitas perguntas sem resposta. Outra questão incômoda é como foi parar lá? Há várias hipóteses: de suicídio a assassinato. Para o extinto jornal A Noite, um dos muitos a cobrir o caso, os restos mortais pertenciam a um mendigo que teria se jogado morro abaixo. Não havia uma explicação razoável sobre como o homem teria atingido aquele ponto solitariamente para então se lançar no vazio. O fato de haver com ele uma corda também não tinha explicação.

Há quem sustente, ainda, a tese de que o corpo seria de algum morador de uma favela próxima, localizada entre o Morro da Urca e o Pão de Açúcar. Mas novamente, a questão de como ele chegou ali se mostra de difícil entendimento.


O historiador Milton Teixeira, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), rebate essas teorias com a sua própria. Ele acredita que, no Pão de Acúcar, existia uma caverna e que, nos anos 1940, um português ali se estabeleceu. O homem vivia da pesca e da venda de artesanato e seria uma espécie de eremita. Em dado momento, o sujeito simplesmente desapareceu e muitos acreditavam que teria simplesmente morrido.

A explicação é boa, não fossem relatos posteriores que davam conta de que o tal português viveu até os anos 1960, acompanhado em determinado momento por um casal de retirantes nordestinos que passaram a lhe fazer companhia. Em 1968, militares escalaram a montanha e ordenaram que eles deixassem a caverna, ou assim contam alguns.

Na impossibilidade de se chegar a uma conclusão sobre a identidade da múmia, alguns passaram a vê-la sob um ponto de vista esotérico. Teria sido ele alguém transportado por uma passagem ou portal até aquele ponto? Teria sido ele sacrificado em algum tipo de ritual bizarro? Ou seria ele simplesmente alguém que descobriu um acesso até então desconhecido e que tentou a sorte pagando com sua vida pela sua ousadia?

Finalmente, há uma última questão intrigante: Que fim levou a "múmia" do Pão de Açúcar?

Após o exame pericial, a múmia teria ficado no IML por pelo menos um ano. Findo esse prazo, ela deveria ter sido sepultada em alguma cova não identificada, como indigente. Há boatos, todavia, de que ela teria sido reivindicada por peritos da Universidade de Antropologia e Arqueologia que achavam interessante estudar o processo de mumificação salina pelo qual ele havia passado. Há registros de que o cadáver foi entregue aos cuidados de tais pessoas, mas nenhum nome foi anotado.

Supõe-se que depois disso ela possa ter sido enviada para o acervo do Museu Nacional. Múmias, afinal de contas, eram parte importante do Museu e nada mais justo do que uma múmia tipicamente brasileira ser integrada a coleção. Infelizmente, se esse foi o caso, a exemplo das peças egípcias que faziam parte do acervo de 20 milhões de itens do Museu Nacional, ela também teve um destino trágico.

A Múmia acabou se tornando uma curiosidade, quase uma Lenda Urbana na Cidade Maravilhosa , justamente em um dos seus mais famosos cartões postais.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Horror Folclórico - Uma lista de 10 filmes do gênero Horror Pagão



Um dos filmes de horror mais elogiado dos últimos anos foi A Bruxa, de Robert Eggers, um filme de suspense dentro do sub-gênero Horror Folclórico ("Folk-Horror"). Esse ano, teremos Midsommar, filme do igualmente elogiado Ari Aster, diretor de Hereditário.

Os dois caem no sub-gênero Folk Horror, um derivado dos filmes britânicos explorando a inquietação e isolamento do interior, onde cultos se formam para reviver antigas tradições e manter vivos os rituais. Some a isso, sobrenatural e uma dose de bruxaria e temos um gênero apto a render muitos outros filmes.

Uma das coisas mais interessantes no gênero é que o sobrenatural existe - seja ele manifestado por Deus, Diabo ou forças inexplicáveis, que atuam no mundo. O cerne desses filmes é "no que essas pessoas acreditam" e se elas podem usar essa crença para operar acontecimentos e fenômenos sobrenaturais. Para quem gostou de A Bruxa e está curioso com Midsommar, aqui vai uma lista de produções antigas, que podem ser encontradas (com algum esforço) e que são pilares do sub-gênero, alguns, até clássicos do horror.

1. A Noite do Demônio 
(Curse of the Demon - EUA/1958)


Parece encaixar bem que o primeiro filme desta lista seja uma obra inspirada pela literatura de M.R. James. Trata-se de uma adaptação do conto "Casting the Runes". Nele, um estudioso do folclore utiliza o resultado de suas pesquisas para apimentar os seus livros de horror, sem imaginar que uma de suas pesquisas o levará a encontrar algo impossível se considerar mera superstição. 

Dirigido por Jacques Tourneur, a adapação para o cinema é sensacional. O protagonista se torna um psiquiatra norte-americano, o Dr. John Holden (Dana Andrews), que viaja para a Inglaterra para expor o Dr. Julian Karswell (Niall MacGuiness), um eminente ocultista que é suspeito de controlar um culto satânico. O duelo entre o cientista cético e o ocultista envolvido com satanismo é a parte mais interessante da produção. A disputa final acaba envolvendo uma inscrição rúnica capaz de amaldiçoar aquele que a lê com a aparição de um demônio.

A Noite do Demônio é pura classe. Um filme contido, discreto e esquisito, sem dúvida uma das produções de terror mais sérias de um período marcado por bobagens sem nexo e de humor camp. O diretor Tournier é conhecido por provocar arrepios com o clássico Cat People. Um clássico!


2. A Face do Demônio 
(The Devils Own, Grã-Bretanha, 1966)


Em seu último filme, a ganhadora do Oscar Joan Fontaine interpreta Gwen Mayfield, uma professora de colégio se recuperando depois de uma estranha experiência na África. Ela teria sido enfeitiçada por um bruxo na África e desde então passa a se comportar de maneira estranha. Gwen decide retornar para o trabalho assumindo oposto de professora em um tranquilo vilarejo inglês - nada poderia dar errado, certo?

Bem é claro que forças satânicas e horrores irão se interpor em seu caminho.

Datado e cheio de falhas, As Bruxas é um horror de segunda, mas ainda assim que vale a pena assistir para quem deseja explorar o sub-gênero. Se vale de alguma coisa, ele é uma espécie de precursor de "O Homem de Palha" e a protagonista enfrenta um dilema similar, às voltas com um Culto e seu líder diabólico. 


3. Whistle and I’ll Come to You & A Warning to the Curious
(sem tradução, Grã-Bretanha 1968 e 1972)


Os dois episódios da BBC feitos para a televisão foram produzidos a partir de contos de MR James. Os dois usam a paisagem selvagem da Anglia Ocidental como pano de fundo, com o senso de isolamento e ameaça que o permeia. As adaptações são ótimas, perfeitamente estranhas, seguindo acadêmicos em busca de respostas para questões de história e folclore local.

Na primeira, um professor de universidade, confiante de qie o mundo sobrenatural tem uma explicação perfeitamente razoável, se sente desafiado quando visita uma vila em Norfolk. Lá ele encontra um estranho artefato, um tipo de apito que servia no passado para conclamar horrores além do conhecimento humano.

A segunda história, acompanha um arqueólogo que se envolve na busca por um antigo tesouro na Costa da Inglaterra. Uma fabulosa coroa que supostamente protege a Grã-Bretanha contra invasões ao longo de sua história.

Ao contrário dos demais filmes, consegui achar os episódios e não apenas os trailers. Então quer quiser assistir, fique à vontade.



4. As Bodas de Satã
(The Devil Rides Out, Grã-Bretanha - 1968)


Um filme atípico da Hammer Films, já que apresenta o legendário Christopher Lee no papel de um herói e não do vilão! Aqui, Lee interpreta Nicholas the Duch of Richilieu que tenta resgatar um amigo de um culto satânico, liderado por seu inimigo, o diabólico Charles Gray.

Embora nem todos os especialistas o coloquem no sub-gênero Folk-Horror, esse filme se destaca por introduzir um culto muito bem estruturado e vilões que fogem do tom farsesco típico. Os membros do Culto são pessoas bem educadas, ricas, manipuladoras e diabólicas. 

Para qualquer fã de horror, Devils Ride Out é um espetáculo (ainda que um pouco exagerado) que marca o ápice dos filmes a respeito de cultos diabólicos iniciado no mesmo ano por Bebê de Rosemary. Se vale a pena assistir? Com certeza!

5. O Caçador de Bruxas
(The Witchfinder General ou The conqueror Worm - Grã-Bretanha - 1968)


O lendário Vincent Price entrega uma de suas atuações mais memoráveis, no papel título, o Caçador de Feiticeiras. Ele orquestra a execução de centenas de mulheres e se gaba de suas façanhas. O personagem não é apenas detestável, por assassinar mulheres inocentes com o objetivo de lucrar, mas é um vilão abominável pelo caráter realçado pela atuação de Price.

A possível existência do sobrenatural não importa para o roteiro, o interessante é a visão sinistra e devastadora da avareza e maldade humanas encarnadas pelo personagem de Price. Um homem em uma posição de poder manipula os preconceitos e medos da população ao seu favor, criando um ódio voltado para uma minoria. Parece incrivelmente atual!

Ainda que seja um tanto lento, o filme consegue ser assustador e interessante na medida certa.


6. O Estigma de Satanás
(The Blood on Satan’s Claw, EUA - 1971)


Esse filme!!!! Esse filme!!!! Caras, eu encontrei esse filme por acaso e lembrei que havia assistido ele quando criança. Só me dei conta de que era ele enquanto escrevia esse artigo. 

Trata-se de um pesadelo rural de primeira. Passando-se na Inglaterra do século XVIII, ele conta a história de um roceiro local que acredita ter encontrado na sua fazenda o cadáver do próprio demônio. Claro, ninguém acredita na sua teoria, mas quando coisas estranhas começam a acontecer no vilarejo as pessoas na comunidade passam a acreditar nas teorias bizarras do sujeito.  

Se não me engano, é nesse filme que o demônio usa um jovem da paróquia para reconstruir seu corpo, com direito a pele, pelo e partes de cadáveres. Também é nesse que temos uma bizarra cerimônia pagã, com elementos diabólicos que incluem entre outras coisas mutilação, estupro e assassinato. E tudo isso passava no Corujão da Globo nos anos 80, quando moleques como eu estavam lá para assistir! 

O filme parece um tanto datado pelo trailer, mas ainda assim é um festival de Horror Folclórico da melhor qualidade. Já estou procurando e quem souber mais detalhes a respeito dele, pode me informar!


7. O Homem de Palha
(The Wicker Man - 1973)


É possível que esse seja o Folk Horror mais famoso de todos os tempos.

Mas quando "O Homem de Palha" (na verdade "O Homem de Vime" seria uma tradução melhor) foi lançado nos cinemas, fez pouco sucesso. Mas curiosamente, o filme começou a atrair as pessoas e aos poucos foi se convertendo em um inesperado sucesso de público e crítica. Ao longo dos anos, essa atração apenas se intensificou e transformou Wicker Men em um verdadeiro clássico do gênero.

Ele é uma batalha de ideologias e pontos de vista, Um policial cristão chega a uma ilha escocesa para investigar o desaparecimento de uma menina que teria sido sequestrada por um culto. Suas investigações o levam a confrontar os habitantes locais que parecem perfeitamente à vontade dentro de suas crenças, vivendo em um idílio pagão sob a supervisão de Lord Summerisle (Christopher Lee).

Wicker Men é um daqueles filmes estranhos e um pouco datado, mas ainda assim, a performance e a crítica social funcionam perfeitamente. Lee tinha enorme orgulho desse filme e é uma sorte ele não ter vivido para ver a medonha adaptação estrelada por Nicholas Cage que distorce totalmente a mensagem original.


8. Picnic na Montanha Misteriosa
(Picnic at Hanging Rock, EUA - 1975)


Há alguns bons filmes de Folk Horror além da Grã-Bretanha, e um dos mais interessantes, sem dúvida é Picnic na Montanha Misteriosa, um filme australiano que contrasta as locações bucólicas do gênero com um ambiente estéril assustador. Dirigido por Peter Weir, famoso por várias produções de Hollywood, ele é discreto, ponderado e assustador na medida certa.

Há algo de estranho e misterioso acontecendo, mas é difícil determinar exatamente o que. É nesse clima etéreo de horror invisível que o roteiro aposta suas fichas. Nele um grupo de moças de um colégio interno na Austrália decidem explorar uma isolada região rural e desaparecem sem deixar vestígios. Para alguns não é exatamente terror e sim drama, mas há coisas não mostradas nesse filme que levam para esse caminho.

O filme é estranho, não oferece soluções fáceis e brinca com as sensações do espectador ao apresentar um ruído intermitente sugerindo uma força sobrenatural à espreita. A sugestão mais óbvia é que a presença das moças virginais, no ápice de seu aflorar sexual atrai uma força primitiva disposta a levá-las e tornar cada uma delas, sua... 


9. A Bruxa de Blair
The Blair Witch Project EUA - 1999)


Sim, já se passaram 20 anos desde que o mundo foi paralisado pelo surpreendente fenômeno Bruxa de Blair.

O filme funciona perfeitamente como um Folk Horror pois coloca um grupo de jovens forasteiros (gente da cidade) diante de uma lenda local que eles tentam compreender. Tarde demais, eles concluem que o horror que está diante deles é absurdo e aterrador demais, mas então já é tarde demais. Sujeitos a privações como fome, sede e terror, o trio de jovens cinegrafistas se vê em um pesadelo do qual não há volta.

Que atire a primeira pedra quem assistiu a esse filme antes da hype e não se assustou com as imagens granuladas em preto e branco e o medo palpável dos personagens/ atores. Há um senso pesado de isolamento e terror permeando toda a parte final do filme e a medida que os personagens somem, um por um, o terror transborda e contagia o expectador.

Tudo bem, Blair Witch é culpada de ter dado origem ao batido sub-gênero da gravação encontrada, mas ainda assim ele é um precursor ao sugerir um pavor real, sem mostrar absolutamente nada na escuridão.


10. Kill List
(Kill List, EUA - 2011)


O melhor filme do jovem cineasta Ben Wheatley é uma mistura de gêneros improváveis - filme de Gangster e Horror.

Não parece ser uma combinação das mais fáceis, mas ledo engano... o filme funciona bem demais e consegue ser ao mesmo tempo empolgante e assustador. Seu mérito é não tocar no terror e deixar que a platéia complete as lacunas e intensifique o horror apenas sugerido nas cenas. E que cenas!

É um folk horror ao contrário, começando na cidade grande e tendo os horrores urbanos no início como a força por trás dos acontecimentos. Mas aos poucos, as maquinações esotéricas das velhas tradições começam a aparecer junto com um culto pra lá de esquisito.

O filme acompanha um matador de aluguel contratado para um último serviço antes de se aposentar. Seu alvo são membros do que parece ser uma seita e ele tem que decidir a respeito da moralidade desse trabalho, à medida que coisas bizarras vão tomando conta de seu dia a dia e ruindo sua sanidade.    

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Midsommar - Filme de Horror Folclórico chega aos cinemas em breve


O sub-gênero "Horror-Folclórico" (Folk Horror) foi definido originalmente na consciência popular pelo cineasta Mark Gatiss no documentário da BBC "A History of Horror" (2010). 

Segundo Gatiss, esses filmes compartilham de uma obsessão comum pelas paisagens, folclore e superstições antigas e bebem da fonte de tradições pagãs. São produções onde o sobrenatural está presente de forma muito discreta, manifestando-se através de acontecimentos aparentemente corriqueiros e de sensações que vão se intensificando até se tornarem inquestionáveis.

A seleção de filmes inclui títulos bastante populares nos anos 1960 e 1970, mais notavelmente Witchfinder General, The Blood on Satan’s Claw, The Witches e é claro, The Wicker Man que é o filme mais lembrado quando o sub-gênero é mencionado. 

Estes e outros filmes particularmente os dos Estúdios Hammer, são memoráveis pela beleza rural das locações que se sobrepõe aos lugares escuros e ermos típicos do horror. As sombras tenebrosas dão lugar a paisagens deslumbrantes e ensolaradas com florestas e pedras sagradas onde rituais tem lugar. Tudo parece incrivelmente perfeito, mas é ali que a semente do horror germina.


Os rituais que aparecem nos filmes do sub-gênero são tipicamente cerimônias devotadas aos elementos da natureza e divindades da fertilidade. Envolvem adoração ao fogo, a chuva e terra, como as forças primais que garantem o sustento e a perpetuação. Os ritos envolvem ainda danças, decoração com flores e celebrações de cunho sexual - as famosas orgias pagãs.

O Horror-Folk geralmente tem como foco alguma comunidade isolada, ou um culto, no qual as tradições antigas são honradas em datas específicas. O sistema de moral e crença envolve rituais bem definidos, com sacrifícios e torturas devotadas a veneração. Em parte, o terror surge do choque entre pessoas que não compreendem (ou que entendem apenas em parte) esses rituais e os verdadeiros cultistas que desejam atender os requisitos de suas celebrações.

Outros filmes identificados como folk-horror incluem Wake Wood, The Borderlands, Kill List, A Field in England, Apóstolo e é claro, mais recentemente, a Bruxa. 


Folk Horror, entretanto não é um gênero exclusivamente britânico ou europeu; nos Estados Unidos, bons exemplos de filmes desse gênero incluem Colheita Maldita, Wendigo e A Bruxa de Blair, entre vários outros. 

A mais nova adição ao sub-gênero vem de ninguém menos que o elogiado diretor de Hereditário, Ari Aster.

No novo filme de Aster, Midsommar, um casal em férias (Florence Pugh e Jack Reynor) se encontram transportados para um idílico vilarejo rural na Suécia onde os habitantes parecem à primeira vista incrivelmente amigáveis e gentis. Contudo, nada é o que parece ser, quando surgem indícios de que um horror sem nome espreita, a medida que a data de um festival vai se aproximando.

O roteiro de Aster no IMDb tem a seguinte sinopse:  

"Dani (a personagem de Pugh) em viagem pela Suécia, fica sabendo de uma pequena cidade no interior do país. Lá anualmente um ritual é realizado. Atraídos pela paisagem idílica, pelas belezas naturais e pela gentileza dos moradores locais, eles decidem fazer uma visita. Todos parecem felizes e satisfeitos com a chegada deles, talvez satisfeitos demais! Logo fica claro que algo sinistro está prestes à acontecer e que o ritual não é exatamente o que os forasteiros esperavam encontrar".

O trailer de Midsommer pode ser visto abaixo:


Midsommar marca o primeiro trabalho do diretor Ari Aster após o elogiado sucesso, Hereditário (2018) que se tornou um sucesso de público e crítica. Muitos cinéfilos já saúdam Aster e sua produtora a A24 como o celeiro das melhores ideias e produções de horror na última década. 

Será que teremos um novo sucesso com Midsommar? 

Saberemos em breve, o filme será lançado em 9 de agosto. 

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Cinema Tentacular (das Antigas) - À Beira da Loucura de John Carpenter


Qualquer filme de horror que começa em um manicômio, com o herói numa camisa de força trancafiado em uma cela acolchoada, não pode ser ruim.

Vou contar uma história! Eu assisti À Beira da Loucura ("In the Mouth of Madness" - 1994) escapando de uma aula chata e indo ver em uma sessão em que era basicamente eu e o projecionista. Lembro de ter chegado no cinema para a última sessão de uma quarta-feira modorrenta, ninguém na fila, absolutamente ninguém na sala a não ser eu para a última projeção do filme exibido em um cinema poeira. A sessão terminava meia noite, mas não interessava, era a última chance de ver o filme e algo me dizia que esse ia ser bom. Os únicos que não gostaram da minha ideia foi o pessoal do cinema que planejava fechar mais cedo e ir pra casa, mas por conta do espectador solitário (este que vos escreve) tiveram de abrir a sala novamente.

In the Mouth of Madness é daqueles filmes ame ou odeie. Daquelas produções que se você compra a ideia vai ser um baita programa, mas se você está em dúvida, possivelmente vai largar na metade. Agora, vou te dizer, é um filmaço!

E é Lovecraftiano até a raiz do cabelo!


Tá bom, eu sei. Muita gente tem considerado qualquer filme levemente inspirado pela obra do sujeito como lovecraftiano. O termo tem sido usado de modo um tanto leviano ultimamente. O desejo de assistir uma produção legitimamente lovecraftiana tem feito muita gente boa considerar filmes que tem um cheirinho de Lovecraft, como full-lovecraftian

Mas e quanto a esse aqui? Bem, aqui a gente tem um filme Lovecraftiano por excelência.

À Beira da Loucura, começa com o especialista em seguros Peter Trent (Sam Neill), berrando a respeito do fim do mundo. O homem é largado em um sanatório e lá começa a contar ao psiquiatra o que aconteceu e como ele descobriu que o mundo está à beira do abismo. A história bizarra narrada por Trent, começa quando ele é contratado por uma editora para encontrar o famoso escritor de horror Sutter Cane (Jurgen Prochnow) que sauiu sem deixar vestígios na véspera de um novo lançamento. Os livros bizarros de Cane tratam de loucura, horrores de além do tempo e espaço e criaturas abomináveis que vivem além das esferas. Parece familiar? Calma, fica melhor!


Os romances de Cane são tão estranhos e perturbadores que os leitores acabam sendo influenciados por eles, experimentando pesadelos e agindo de forma violenta. O desaparecimento de Cane é um problema para a editora que pretendia fazer uma turnê com ele. Trent acredita que o sumiço do excêntrico autor não passa de um golpe de publicidade antes do lançamento de seu novo e aguardado livro.  

Trent acaba descobrindo uma pista oculta nas capas dos livros de Cane que o leva a um lugar estranho, uma cidadezinha fictícia na Nova Inglaterra chamada Hobb´s End onde coincidentemente se passam várias das histórias do sujeito. Trent viaja até o lugar e lá acaba descobrindo que os contos de Cane possuem um componente ainda mais perturbador e que seu último livro pode ser o novo evangelho que abrirá o caminho para criaturas cthulhianas que anseiam cruzar a fronteira para nossa realidade.


Parece bom?

E é! À Beira da Loucura é uma baita homenagem ao Horror Cósmico de H.P. Lovecraft, e por tabela ao autor. Muita gente vê em Cane a figura de Stephen King, mas ele é na verdade totalmente inspirado em Lovecraft. Os horrores dimensionais, a cidade assombrada, os personagens misteriosos e o clima de insanidade! Tudo cheira a Lovecraft.

Não é pra menos que o filme foi dirigido e escrito por John Carpenter (O Enigma de Outro Mundo, Fuga de Nova York, Halloween), um dos maiores admiradores da Literatura de Lovecraft. Carpenter sempre disse que o filme era um tributo aos escritores que ele admirava quando jovem e influenciaram a sua carreira como um dos mestres modernos do horror. Ele tentou imprimir em cada frame um pouco desse horror particular. É uma pena que durante sua longa carreira, John Carpenter jamais tenha atingido todo seu potencial e reconhecimento, fazendo com que filmes incríveis como esse, permaneçam até certo ponto, obscuros. 


Se você está procurando por um filme que investe pesado na noção de que o Horror Cósmico é uma força alienígena enlouquecedora, e que mistura isso com um clima realmente sinistro, À Beira da Loucura é o seu filme. Embora tenha sido um fracasso retumbante de bilheteria e por muito tempo permanecido esquecido, ele cumpriu seu percurso até obter o status de cult movie. Hoje é adorado por muitos fãs e festejado como um dos melhores da década de 1990. 

Nele encontramos doses cavalares de horror, de terror psicológico e de gore. Em alguns momentos, a própria realidade fica fora de foco e uma espécie de pesadelo começa a transbordar para o mundo real. E é nisso que repousa a força do filme. 

O final é mindblowing e arranca um sorriso conivente nos lábios de qualquer verdadeiro fã de horror, ao não oferecer uma conclusão simples ou otimista. É algo raro ter um fim assim, no qual percebemos não apenas que o mal ainda existe, mas que os heróis perderam e agora irão pagar pela sua derrota. E mesmo os protagonistas não parecem heróicos, já que lá pela metade do filme, a sanidade deles parece já ter desmoronado.


Com um elenco de primeira, tendo Sam Neill em estado de graça como um sujeito cético que aos poucos vai se entregando à insanidade, À Beira da Loucura se vale ainda de uma série de coadjuvantes de luxo. Além de Jurgen Prochnow, que entrega uma atuação aterrorizante e perturbadora, temos os veteranos Charlton Heston e David Warner. Completando a produção, efeitos visuais, maquiagem e trilha sonora caprichadas que credenciam esse como um dos melhores filmes inspirados pela obra do distinto Cavalheiro de Providence.

Tudo isso para dizer que "À Beira da Loucura" acaba de entrar na grade do Netflix. Quem nunca assistiu, essa é a sua chance de ver, para quem já viu, nem preciso dizer que vale a pena ver de novo.

Eu sei que vou...

Trailer: