Eu recomendo que pessoas sensíveis se privem do "prazer" de ler o artigo a seguir. Sério... a natureza não se cansa de oferecer nuances de uma notável variedade e inesgotável surtimento de choque e horror.
Em especial, os fungos. É incrível como essas coisas podem ser perturbadoras e bizarras, sugerindo uma origem alienígena e conjurando sentimentos que quase me fazem gritar "queime essa coisa". Francamente o texto embora desagradável é perfeitamente adequado a um blog de terror. Então vamos aos fatos lembrando que quem quiser parar agora o faça.
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Em geral, é possível encontrar coisas boas e ruins a respeito de praticamente tudo na Terra.
É difícil imaginar que a natureza produza algo com total ausência de virtudes capaz de torná-lo por si só detestável, afinal, tudo tem um propósito e uma razão para existir, certo? Bem, talvez nem sempre...
Quando se trata dos fungos da família Phallaceae, também conhecidos como Cogumelos Chifre Fedido (stinkhorn mushrooms), existe apenas um lado: o absolutamente desagradável. Tudo nele, de seu nome, ao seu gosto, passando pela sua aparência e o ciclo de existência, são um testemunho ao horror escatológico.
O stinkhorn geralmente é encontrado aderido a troncos de árvores podres e raízes desterradas, crescendo como uma espécie de tumor esponjoso ou apêndice viscoso de coloração vibrante, sendo vermelho, roxo e laranja suas cores mais frequentes. Ele pode ter diferentes tamanhos, mas alguns agregados podem chegar a 20 ou 30 centímetros de largura e altura, algumas vezes até mais.
A forma dele também chama a atenção e lhe valeu o nome científico Phallus impudicus, algo como Falo sem Pudor. No século XVI, quando foi catalogado pela primeiras vez pelo botânico John Gerard, ele ganhou o apelido de "fungus virilis penis effigie" (ou seja efigie fungóide de penis viril). Isso tudo porque o fungo se assemelha em forma, tamanho e porque não dizer, aspecto geral, ao membro masculino em posição ereta. Observem as fotos e tirem as suas próprias conclusões a respeito.
Mas não é essa a característica mais estranha a respeito do fungo. Se fosse, isso estaria tudo bem, piadas de quinta série à parte... infelizmente há muito mais a respeito dele e estamos apenas começando.
É fácil presumir a existência dessas estruturas fungoides mesmo à distância em seu habitat natural, as florestas tropicais. Antes mesmo de encontrá-los é possível sentir seu cheiro nauseante que se espalha por uma área bastante ampla. Descrito como uma mistura medonha de esterco, esgoto cru e putrefação, o fedor é tão pronunciado que pessoas sensíveis expostas a ele não raramente são acometidas de uma onda de asco e repulsão, tão forte que acabam vomitando ou perdendo a consciência. Há casos de indivíduos desmaiando e sofrendo uma forte reação alérgica que literalmente afeta seu olfato por semanas - ou seja, as pessoas deixam de registrar odores quando expostas a ele.
Não por acaso, esse fedor medonho age como uma espécie de ima para insetos, em especial moscas. Ao redor de cogumelos chifre fedido proliferam verdadeiras nuvens de moscas, de todos os tamanhos e tipos, em especial blowflies, as nossas varejeiras. O odor do fungo é tão convidativo que afeta as moscas fazendo com que elas se sintam especialmente interessadas em procriar. E como essas diabinhas se multiplicam! Alguma centenas de moscas se tornam milhares em pouco tempo. O ar, saturado pelas emanações repulsivas do cogumelo acaba sendo tomado por milhares de moscas que prenhes e inchadas, zunem e zumbem sem parar, numa cacofonia interminável.
O ponto focal de toda essa atividade é o topo do fungo, uma espécie de cabeça viscosa e nodosa, recoberta de uma substância gotejante chamada gleba. Esta é a fonte do cheiro que para os insetos equivale a amor. As moscas povoam essa pequena porção, rodopiando e pousando sobre ela, carregando consigo os esporos que darão origem a novas estruturas fúngicas. Não por acaso, algumas tribos no Equador apelidavam esses fungos de "pênis de homens mortos", não apenas pela forma e fedor, mas pelo fato dos insetos as procurarem.
Bizarra e desagradável como possa ser, o ciclo de vida desse cogumelo é bastante curioso (e por "curioso" eu quero dizer repulsivo).
A coisa piora! Se quiser parar agora de ler eu compreendo...
Não? Então vamos lá.
O momento mais importante da existência do chifre fedido é uma etapa conhecida como frutificação.
Na frutificação o cogumelo aumenta sua massa e se expande para o alto, com o intuito de atrair o maior número possível de insetos como uma antena. A medida que ele cresce, produz ovos que se espalham pelo topo da estrutura que então começa a se desfazer em uma substância verde gelatinosa que goteja em profusão abrindo-se como tentáculos. Essa substância, a gleba, é composta quase exclusivamente de dimetil trisulfido, um componente químico cujo cheiro se assemelha ao da necrose humana. É como o fedor de uma ferida gangrenosa em estágio final e isso é o bastante para atrair uma multidão de moscas.
As moscas comem a substância se beneficiando de suas proteínas ou carregam os esporos consigo nas patas e proboscis a medida que voam. Estes esporos serão disseminados nas fezes, aumentando as chances de novas colônias de fungos se desenvolver.
O fedor, as moscas, o aspecto e tudo mais descrito acima já deveria servir para colocar o chifre fedido na lista das coisas menos apetitosas do planeta, mas acredite, não é bem assim. Há pessoas interessadas em utilizar, preparar e até comer essa coisa nojenta.
Presente na Inglaterra e França, uma variante desse cogumelo medonho ganhou fama na Idade Média pelas suas alegadas faculdades mágicas. Tradicionalmente existe uma vasta associação entre bruxaria e fungos, em especial pelo fato de que feiticeiras supostamente reconhecerem as características químicas de certos fungos e os utilizar para seus malefícios (e claro, ganhar alucinações e ter visões).
O chifre fedido era usado para esse propósito. As bruxas encontravam o fungo e o destilavam com uma série de ingredientes antes de produzir uma espécie de néctar que ingerido causava as reações desejadas. Em primeiro lugar, a substância supostamente aumentava a libido e as possibilidades de fecundidade. Além disso, a substância reduzida a um tipo de cera e absorvido pelas mucosas do corpo, causava um efeito semelhante ao de exultação. Finalmente, haviam ainda as potentes alucinações causadas pelo uso direto do fungo chifre fedido. Na literatura pagã há relatos de bruxas que supostamente arrancavam o cogumelo do chão e o mordiam in natura para absorver dele as propriedades desejadas. É claro, precisa-se desconsiderar muitas dessas narrativas como exagero, ainda que o uso do cogumelo em tradições pagãs seja reconhecido.
Nas selvas da América do Sul, onde o cogumelo também é encontrado, sabe-se de xamãs e feiticeiros tribais que o usavam com propósitos similares de ter a partir de seu consumo visões e presságios. No Peru, se valiam do cogumelo para atingir uma espécie de transe divino. Já na África, o chifre fedido ainda é usado como um tipo de filtro afrodisíaco natural, supostamente capaz de conceder potência sexual aos corajosos (ou desesperados) o bastante para consumi-lo.
Mas nada é ainda mais detestável o uso dele como iguaria culinária.
Pasme, mas existem pessoas interessadas em comer essa coisa. Não vou descrever todas as variedades que encontrei a respeito do consumo desse fungo, mas vou me limitar a apenas uma receita que vem da Guiné e me chamou a atenção por ser uma das coisas mais repelentes que li (e olha que já li muita coisa esquisita - fucking weird shit).
Pronto ou não, lá vai...
O cogumelo chifre fedido é usado tão somente como recheio desse prato - literalmente. As tribos preparam a iguaria coletando as moscas varejeiras que voam ao redor do fungo, usando para isso filamentos de cipó embebidos em uma seiva natural. Os insetos ficam grudados nessa seiva como se ela fosse teia de aranha. Em seguida, eles são colocados em um pilão onde são esmagados até virar uma polpa. O cogumelo é cortado e temperado com pimenta e ervas, em seguida colocado no interior da massa de moscas esmagadas e moldado como um bolinho arredondado. Este é frito em óleo quente como os nossos bolinhos de acarajé. A iguaria, rica em proteína é tida como um prato digno de reis e pessoas importantes, oferecido a dignatários. Me lembre de jamais ir para a Guiné.
É notável como a percepção daquilo que é considerado repulsivo ou asqueroso para uma cultura é visto como aceitável e até desejável para outra.
Sexo, morte e piadas de péssimo gosto à parte, o Cogumelo Chifre Fedido se destaca em um campo de refinados prazeres e obscenos gostos.
E para sua alegria, eis aqui a Frutificação em velocidade acelerada: