O mar sempre guardou grandes mistérios que se tornariam, com o tempo, lendas. Boa parte destas jamais foram resolvidas demonstrando o quão vasto e inexplorado é o reino oceânico. Desde que nossa espécie se lançou além das ondas, em direção ao horizonte, encontramos situações que não fomos capazes de explicar. A lista de mistérios envolvendo os mares parece inesgotável.
Um caso em especial merece reconhecimento, como o grande enigma que é. Ocorrido nos anos 1800, envolvia uma embarcação que cruzou o infame Triângulo das Bermudas e desapareceu sob circunstâncias jamais explicadas até hoje.
A escuna de três mastros com 68 metros e pesando 1,812 toneladas tinha o nome Ellen Austin. Sua carreira marinha se iniciou em 1854, quando ela foi construída nos estaleiros de Damariscotta, no Maine. Durante sua carreira, a embarcação serviu à vários propósitos, sendo que o mais frequente foi o de cargueiro, operando na rota marítima entre Liverpool e Nova York.
O Ellen Austin parecia uma embarcação como qualquer outra, mas ela tinha uma fama desagradável entre os homens do mar. Vários marinheiros que serviram à bordo relataram um tratamento abusivo por parte dos oficiais. De fato, o Capitão Henry Garrick era especialmente temido, tendo sido acusado de tortura e brutalidade repetidas vezes. Ele era descrito como um tipo violento que apoiava o uso indiscriminado da chibata para disciplinar seus comandados. Apesar de ter sido acusado de cometer maus tratos, as acusações foram arquivadas e nenhum processo foi levado adiante. Apesar disso Garrick permanecia no comando do Ellen Austin.
Em 1859, o Ellen Austin se converteu num Navio de Passageiros, transportando imigrantes da Europa para a América. Sádico e cruel, Garrick costumava sujeitar os passageiros a humilhações, reduzindo provisões e ordenando o confinamento nos alojamentos inferiores. Dizia odiar o fedor que vinha dos imigrantes e instruía seus homens a espancar aqueles que o desafiavam. Uma segunda infração poderia ser punida com o transgressor sendo atirado no mar. Os boatos eram de que a cada viagem, no porto de destino desembarcavam menos passageiros do que haviam embarcado.
À época, o jornal New York Times proclamou o seguinte a respeito da embarcação:
"Os oficiais do Ellen Austin possuem grande notoriedade. Muitos mencionam a crueldade dos homens que servem à bordo dessa embarcação, destacando agressões, surras e conduta imprópria (uma forma delicada de dizer abuso sexual, à bordo). O Ellen Austin tem por costume ignorar inspeções das autoridades portuárias. Seus passageiros reclamam frequentemente de tratamento desumano e cruel nas viagens empreendidas".
Henry Garrick continuou sendo Capitão do Ellen Austin até se aposentar, e apesar das repercussões negativas de seu comando, ele jamais sofreu qualquer sanção. O novo Comandante, o Capitão A.J. Griffin assumiu em 1874. A embarcação continuou fazendo a linha entre a Inglaterra e os Estados Unidos e mais tarde o longo percurso entre Nova York e San Francisco. Segundo rumores o navio se envolveu em uma série de situações que incluíam colisões com outras embarcações e incêndios à bordo, estando à ponto de naufragar em certa ocasião, após ser colhido por uma terrível tempestade.
Alguns diziam que a embarcação tinha algo de estranho... Mencionavam que parecia pesar uma aura negativa sobre o navio e as pessoas mais sensíveis se sentiam oprimidas em seu interior. A maioria destas era incapaz de descrever a sensação, se limitavam a dizer que ele simplesmente parecia ruim.
Verdade ou mentira, no ano de 1880, o navio daria início a sua mais estranha jornada, que escreveria o nome Ellen Austin no hall dos mistérios marinhos mais debatidos.
Em 5 de Dezembro de 1880, o Ellen Austin partiu de Liverpool com destino a Nova York no que deveria ser sua última viagem nessa rota, já que a embarcação havia sido vendida para um consórcio alemão. A jornada transcorreu sem nenhum evento estranho até a chegada do navio ao Mar de Sargaço no início de janeiro de 1881. Nas primeiras horas de uma manhã enevoada, dois marinheiros que estavam de vigília avistaram uma embarcação sem nome flutuando à deriva diante deles. Não parecia haver ninguém no comando e nenhum tripulante foi visto. Ao invés de ordenar a aproximação, o Capitão, suspeitando que poderia se tratar de uma armadilha de piratas, instruiu o imediato a manter distância e observar o misterioso navio pelos próximos dois dias. Este continuou em seu movimento errático, sob a vigilância cuidadosa dos oficiais do Ellen Austin.
Como parecia não apresentar perigo, o capitão Griffin se aproximou do navio imerso em uma densa névoa que parecia acompanhá-lo. Todas as tentativas de comunicação falharam e o estranho navio à deriva parecia abandonado. Mais estranho ainda era o fato do nome ter sido raspado. Um grupo subiu à bordo tomando o cuidado de carregar consigo armas para se defender de qualquer surpresa inesperada. Descobriram que o navio à deriva estava em excelentes condições de navegação, sem avarias ou danos que justificassem seu abandono. Não havia qualquer sinal de luta que pudesse indicar um ataque pirata ou motim. Contudo, não encontraram viva alma nele.
A equipe de abordagem localizou a cabine do capitão, mas estranhamente o diário de bordo havia sumido. Objetos pessoais da tripulação e passageiros foram deixados nas cabines - inclusive dinheiro e objetos de valor. As rações estavam em ordem, suprimentos intocados, até mesmo a carga permanecia intacta, um precioso carregamento de madeira de alta qualidade avaliado em uma pequena fortuna. Por que a tripulação abandonaria essa carga valiosa? Por que deixariam a segurança do navio para se lançar ao mar? E por que tão repentinamente? Ninguém era capaz de dizer.
Considerando que nada foi roubado e que o navio se encontrava em boas condições, perfeitamente funcional, a conclusão mais razoável é que a tripulação foi forçada a evacuar, ainda que o motivo fosse incerto. A valiosa carga e o navio abandonado pareciam uma oportunidade de ouro para o Capitão do Ellen Austin, uma que poderia fazer de todos à bordo homens muito ricos. As leis do mar dizem que um navio à deriva levado até um porto pode ser reclamado por quem o resgata. O Capitão enviou seu Imediato e uma pequena equipe à bordo do navio misterioso com o intuito de conduzi-lo até o Porto de Nova York, onde poderiam reclamar sua posse.
A ideia era boa e tudo parecia correr conforme o planejado, mas então uma violenta tempestade se formou subitamente. Nuvens escuras cercaram as duas embarcações e ventos fortes agitaram as águas até então tranquilas. A tempestade despencou furiosamente e por dois dias as tripulações simplesmente perderam o contato uma com a outra. Quando finalmente os céus clarearam e o mar se tornou plácido, o navio misterioso havia simplesmente desaparecido. Ninguém conseguia entender o que podia ter acontecido. Não era normal que uma tempestade, não importando o quão forte fosse, fizesse uma embarcação sumir daquela maneira.
Apenas no dia seguinte os vigias de serviço avistaram o navio perdido no horizonte. Quando o Ellen Austin se aproximou, a tripulação esperava ver seus colegas, ms não havia ninguém à vista. Novamente os homens que estavam à bordo pareciam ter sumido sem deixar rastro. Estranhamente o diário do Capitão não estava presente, assim como havia acontecido anteriormente.
Seguiu-se uma acalorada discussão entre os oficiais e o Capitão com os marinheiros à bordo do Ellen Austin a respeito de como proceder. É preciso compreender que os marinheiros eram em sua maioria supersticiosos e que os incidentes transcorridos passavam a impressão de que o misterioso navio era amaldiçoado. Se um segundo grupo fosse enviado até ele, era bem possível que este tivesse o meso destino do primeiro. O capitão pesou todas as possibilidades, mas no fim das contas, a carga era tão valiosa que a ganância acabou falando mais alto e ele decidiu enviar outro grupo para comandar o navio.
Os homens estavam aterrorizados de colocar os pés lá, mas os oficiais foram persuasivos. Eles receberam armas e a promessa de que as duas embarcações navegariam o mais perto possível uma da outra de modo que se surgisse algum imprevisto poderiam oferecer ajuda. O argumento do Capitão era que a mesma coisa não poderia acontecer novamente. Os navios ficaram perigosamente próximos e seguiram viagem esperando que as surpresas terminassem. Mas é claro, não foi isso que aconteceu...
De acordo com a história contada, embora o mar estivesse calmo, um denso nevoeiro surgiu do nada envolvendo as embarcações e prejudicando a visibilidade. À despeito da proximidade entre os navios, logo tornou-se impossível ver alguns poucos metros adiante. Eventualmente, o Ellen Austin conseguiu deixar a área mais densa do nevoeiro, mas quando o fez, emergiu do outro lado sozinho. O Capitão ordenou que entrassem novamente no nevoeiro, que disparassem foguetes de sinalização e soassem buzinas, mas de nada adiantou.
Quando finalmente o nevoeiro começou a se dissipar o navio misterioso não estava em lugar nenhum. Ele havia desaparecido mais uma vez levando consigo a equipe à bordo. Dessa vez, o Capitão concordou com a tripulação que o melhor seria seguir para Nova York como planejado.
O estranho relato do alegado encontro com o navio fantasma e sua tripulação ausente vieram à público em um artigo publicado no Daily Deadwood Pioneer em 1906, mais de duas décadas depois do ocorrido. A história teria sido ouvida em uma audiência pelas autoridades navais, mas estas consideraram o acontecimento inexplicável e decidiram censurar a história e o testemunho de quem estava à bordo do Ellen Austin. Mas como censurar uma história como essa?
De fato, as narrativas sobre o estranho encontro marítimo se tornaram um rumor recorrente entre marinheiros que faziam esse mesmo trajeto. Muitos temiam sequer tentar oferecer uma explicação para o incidente. Ninguém sabia realmente o que pensar, mas a história continuava a ser contada. Considerando a localização onde os fatos transcorreram e os mistérios à cerca do célebre Triângulo das Bermudas, logo surgiram muitas teorias sobre o que poderia ter acontecido. Algumas delas realmente fantásticas.
Ao longo dos anos a narrativa cresceu, sendo contada e recontada inúmeras vezes, com trechos acrescidos ou omitidos. Com tantas versões é difícil afirmar qual a versão mais fiel e até dizer ao certo se o incidente não passa de um fato exagerado ou uma história inteiramente fabricada. Sem testemunhas e dados oficiais é bem possível que tudo não passe de fantasia, mas quem pode dizer com certeza absoluta?
Em casos espetaculares como esse, torna-se virtualmente impossível separar fato de ficção. Mas há alguns poucos registros oficiais presentes nos arquivos do Lloyds de Londres. Através destes, é possível confirmar a existência de um navio chamado Ellen Austin que fazia a rota New York e Liverpool na época em que o incidente foi relatado. O nome do capitão A.J. Griffin também está correto nos registros existentes. Também há menções de uma viagem realizada em dezembro de 1880. Mais impressionante, nos registros consta a descoberta de um navio abandonado, encontrado nessa viagem, carregando uma carga valiosa de madeira. Mas isso é tudo. Estranhamente, não há mais nenhuma informação sobre o que a tripulação fez após o encontro e se o Capitão Griffin ordenou a abordagem do navio à deriva. Todo o restante da narrativa foi omitido, como se algo importante como a descoberta de um navio à deriva, não fosse digno de nota.
O que teria acontecido nessa misteriosa viagem? Como tal historia poderia ter sido censurada à ponto da verdade se perder dessa maneira? O que poderiam as autoridades querer ocultar obrigando as testemunhas a omitir os detalhes do incidente?
Há tantas perguntas não respondidas nesse incidente que chega a ser uma tarefa frustrante tentar responder as questões. É provável que jamais venhamos a saber e o mistério do Ellen Austin esteja fadado a ser um dos casos mais estranhos da longa lista de incidentes inexplicáveis ocorridos no Triângulo das Bermudas.