domingo, 27 de fevereiro de 2022

Tsar Bomba - A detonação da arma mais destrutiva criada pelo homem


Bom, nós estamos falando de coisas assustadoras causadas por acidente ou geradas pela natureza, este horror é um marco do que o homem pode deflagrar deliberadamente quando motivado a causar destruição sem precedente.

A ideia dos cientistas responsáveis pelo projeto era bastante simples - criar uma bomba nuclear que pudesse colocar a União Soviética na frente dos Estados Unidos na Corrida Nuclear

É preciso contextualizar a situação e a época. O ano era 1961 e a Guerra Fria estava em um de seus momentos mais dramáticos e o mundo temia o que o futuro nos reservava. Nesse contexto, os testes nucleares realizados pelas super-potências eram uma preocupação constante. Cada uma delas parecia empenhada em desenvolver armas mais potentes e com uma capacidade de destruição ainda maior que as antecessoras.

Os norte-americanos iniciaram a corrida com um arsenal de bombas atômicas, como as que foram lançadas sobre o Japão nos dias finais da Segunda Guerra, mas em pouco menos de duas décadas estas já haviam se tornado obsoletas. Bombas como a de Hidrogênio e a Castle Bravo já eram suficientemente assustadoras, mas coube aos soviéticos o passo mais ousado na escalada armamentista.

A arma tinha um nome à altura TSAR BOMBA.


O objetivo dos soviéticos era mostrar ao resto do mundo o poder destrutivo ao seu alcance. Nesse sentido, a Tsar Bomba tinha um efeito psicológico que visava criar verdadeiro terror - fazer o resto do mundo temer o poder contido em seu arsenal. 

Tudo na Tsar Bomba era absurdo e aterrorizante, a começar pelas suas dimensões e seu peso. Ela media mais de 8 metros de comprimento por 2,5 metros de diâmetro. Seu formato era similar às bombas fat boy (usadas sobre o Japão), mas muito, muito maior e mais pesada atingindo nada menos que 30 toneladas. Para que ela fosse lançada seria preciso modificar o maior avião da força-aérea soviética, o bombardeiro pesado Tupolev Tu-95v que teve de ser praticamente desmantelado para que a arma fosse acoplada na sua barriga. Como resultado, o avião ficou tão pesado que alguns supunham que ele sequer seria capaz de decolar.

O local escolhido para a detonação foi a ilha de Novaya Zemlya, no Mar de Barents, nordeste da União Soviética e extremo norte da Escandinávia. O lugar, em pleno Círculo Polar Ártico, foi escolhido por ser apenas esparsamente populado e porque a explosão teria de ser deflagrada a uma distância suficiente de qualquer região habitada para não trazer consequências duradouras. De fato, a escolha se deveu principalmente ao fato de que os próprios soviéticos não tinham ideia da potência da bomba que iam lançar e por temer que a explosão pudesse causar algum dano permanente.

Um segundo Tupolev acompanharia o bombardeiro responsável por soltar a bomba. Sua função seria monitorar, filmar e fotografar a explosão. Antes mesmo de decolar, os pilotos receberam informações a respeito dos riscos que envolveriam a experiência. Existia a possibilidade de que a onda de choque gerada pudesse atingir os aviões e derrubá-los. Para dar uma chance aos aviões a bomba seria lançada com um paraquedas gigantesco (o maior do mundo) para que eles pudessem se afastar. Era preciso que eles estivessem a pelo menos 50 quilômetros de distância, o que lhes daria uma chance de sobreviver. Ainda assim, os técnicos acreditavam que havia 50% de chance dos aviões serem atingidos.


Exatamente às 11:32 do horário de Moscou, a arma mais terrível criada pelo homem foi detonada a cerca de 4 quilômetros do solo. A explosão resultante criou uma bola de fogo que cobriu uma área com o raio de 35 quilômetros. Nessa área, virtualmente tudo ardeu a uma temperatura de milhares de graus que reduziu pedregulhos a poeira e fez areia virar vidro em uma cratera de quase 40 metros de profundidade. O brilho dessa bola de fogo colossal pode ser visto a mais de mil quilômetros de distância. Já o cogumelo nuclear atingiu impressionantes 64 quilômetros de altura, com uma nuvem no topo medindo mais 100 quilômetros de comprimento.

A energia liberada foi equivalente a detonação de (prestem atenção nesse número!) 58 milhões de toneladas de dinamite. Você não leu errado, 58.000.000 de toneladas de TNT. É quase dez vezes a quantidade de todos os explosivos utilizados ao longo dos seis anos que duraram a Segunda Guerra Mundial, incluindo as duas bombas que foram lançadas em Hiroshima e Nagasaki. A Tsar sozinha era 3.300 vezes mais potente que as duas bombas atômicas pioneiras. Tudo isso de uma vez só! 

Os detritos da explosão foram arremessados para a estratosfera e orbitaram a Terra três vezes. Calcula-se que a explosão poderia derrubar o Monte Everest, a maior Montanha do mundo, fazer desabar o Grand Canyon ou devastar a Amazônia em um segundo. Os danos que ela causaria em uma metrópole como Nova York ou Londres são mera conjectura, mas é razoável afirmar que ela arrasaria essas cidades em sua totalidade. Elas seriam transformadas em um deserto radioativo e fumegante de ruínas torcidas. 

O pequeno vilarejo de Severny, que foi evacuado e serviu como teste para verificação de danos foi varrido do mapa. Ele se localizava a 50 quilômetros da detonação. Os prédios e casas foram literalmente pulverizados pela onda de calor. Mesmo povoados há 160 quilômetros do ground zero sentiram o tremor resultante e pessoas tiveram queimaduras. Casas caíram e prédios balançaram, janelas foram estilhaçadas e telhados arrancados. Comunicações radiofônicas foram afetadas por horas.


Por milagre as aeronaves Tupolev conseguiram escapar da explosão e registraram em detalhes toda a fúria daquele horror nuclear. A onda de choque e deslocamento de ar fez com que cada avião despencasse quase mil metros antes que os pilotos conseguissem restabelecer o controle. Por pouco eles não foram ao solo.

A União Soviética recebeu uma condenação dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Suécia que registrou um tremor de 5 pontos na escala Richter em seu território. Por sorte, a bomba foi detonada a 4 quilômetros do solo, e a radiação não foi consumida pelo calor gerado sem se dissipar em quantidade preocupante. Tivesse ela explodido no impacto os danos seriam extensivos e incluiriam o envenenamento de radiação no solo.

Apenas alguns anos mais tarde, um detalhe aterrorizante foi revelado pelos cientistas que trabalharam no Projeto da Tsar Bomba. Um detalhe que por si só é perturbador e nos faz pensar na loucura que era a corrida nuclear...

A potência original da Tsar Bomba era ainda maior do que a que foi deflagrada, ela deveria ser duas vezes mais potente. Os envolvidos acreditavam que se essa dispersão de energia fosse mantida, o resultado poderia ser catastrófico e a onda de destruição poderia chegar aos países vizinhos, o que arriscaria uma reação dos demais países. Além disso, uma explosão de 100 megatons poderia em teoria causar danos permanentes no próprio planeta. Apesar disso, certas alas militares se disseram frustradas por não terem podido testar o poder total da Tsar Bomba.


O arquiteto do projeto, o físico Andrei Sakharv, acabou renunciando ao seu posto como Chefe da Divisão de Desenvolvimento de Armas Estratégicas na URSS. Sakharov foi internado com depressão profunda depois desse teste em virtude do temor de tal arma ser usada efetivamente. Anos mais tarde, o físico relatou que um dos planos era desenvolver no período de 10 anos uma Tsar Bomba cinco vezes mais potente que a testada, o que a tornaria uma arma capaz de obliterar a Costa Oeste inteira dos Estados Unidos, ou a Europa como um todo em caso de Guerra Nuclear. A noção de que sua arma poderia causar Devastação Global fez com que Sahkarov contemplasse o suicídio. Nos anos que se seguiram ao fim da Guerra Fria, um diário mantido pelo físico demonstrou seu horror pelo que havia criado. Ele se tornou um dos nomes mais atuantes no combate às armas nucleares como as que ele próprio ajudou a criar.

Ainda hoje, a Tsar Bomba ocupa o posto de arma mais destrutiva criada pelo homem. Mas não sabemos ao certo se a nossa necessidade de gerar destruição em massa irá parar por aí.

Existem conjecturas de que Bombas de Antimatéria, em teoria viáveis por cálculos embora ainda falte a tecnologia para implementação, poderiam liberar muito mais energia destrutiva. Algo na casa das 21.000 megatons, um número capaz de empalidecer o poder da Tsar.

Neste exato momento, existem aproximadamente 15 mil ogivas nucleares prontas para serem usadas, uma capacidade de destruição que poderia devastar o planeta aproximadamente 53 vezes.

Bons sonhos.


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Popobawa - O Monstro de Zanzibar que causa Paralisia do Sono


Nos recantos mais escuros do mundo, há lendas que falam sobre monstros e horrores que habitam as trevas. São coisas desconhecidas e assustadoras que não somos capazes de compreender. E como sabemos, o medo diante do desconhecido é o maior e mais intenso de todos.

Uma lenda sobrenatural tipicamente africana se originou nas ilhas do arquipélago de Zanzibar, uma região semiautônoma da Tanzânia. Diz-se que nesse lugar espreita uma entidade demoníaca que muda de forma e que os moradores chamam de Popobawa, uma palavra suaíli que se traduz literalmente como "a coisa com asas de morcego". Diz-se que a criatura em questão é capaz de assumir forma humana e de animais, bem como adotar uma aparência bestial, mais assustadora e surreal, como por exemplo a de um humanóide grande, semelhante a um morcego, com orelhas pontudas, um único olho no meio da cabeça, e garras formidáveis ​​em seus dedos. Sua presença é anunciada por um intenso odor sulfuroso e sussurros capazes de levar um homem à loucura. 

Estas criaturas habitam cavernas profundas e saem apenas quando a noite cai para se alimentar dos desavisados. São vampiros que as lendas afirmam, se alimentam não apenas de sangue, mas também de lágrimas, suor, secreções vaginais e sêmen. Pode parecer mera superstição tribal, mas os Popobawa eram tão temidos que mantiveram o povo da Tanzânia rural preso ao medo por séculos. Mesmo nos dias atuais, em enclaves rurais distantes, a crença de que a coisa com asas de morcego observa, continua muito difundida. 

Segundo as lendas, o Popobawa é decididamente uma entidade malévola que se diverte em atormentar seres humanos, em particular visando aqueles que duvidam de sua existência. Se alguém tiver sorte, ele apenas manifestará fenômenos semelhantes a poltergeist ao seu redor, mas é provável que ataque fisicamente suas vítimas com violência irrefreável. Uma de suas táticas favoritas é sentar no peito de uma pessoa, colocando todo seu peso sobre o tórax desta, ação que quebra as costelas e causa a lenta perfuração dos pulmões. Isso acaba fazendo com que o pobre infeliz se afogue em seu próprio sangue e morra por sufocamento.


Talvez ainda mais perturbador seja o rumor de que o Popobawa pode assumir a forma de um súcubo ou incubo de grande beleza, usada para seduzir tanto homens quanto mulheres. Ele então se alimenta da energia sexual que deriva do estupro de suas vítimas, geralmente sodomizando homens e violando mulheres. Em muitas narrativas, o demônio supostamente encoraja suas vítimas a contar aos outros o que lhes aconteceu, espalhando assim o pânico e possivelmente alimentando-se com o medo que isso gera. 

As origens precisas dos mitos à cerca dessas entidades não são claras, mas uma ideia popular é que eles estejam associados às lendas dos gênios. Eles teriam sido conjurados por um sheik para trazer azar aos que o prejudicaram ou ofenderam. O feiticeiro teria perdido o controle sobre as entidades e elas ficaram livres para vagar pelo mundo. Outra ideia é que eles seriam fantasmas de escravos que sofreram durante os dias em que Zanzibar figurou como um dos mais movimentados portos de comércio de escravos enviados para a Arábia. Uma terceira hipótese é que eles seriam formas adotadas por bruxas, feiticeiros ou espíritos malignos para predar os homens. O que quer que sejam, certamente tudo soa como um folclore assustador, mas na região, onde esses demônios rondam, eles são considerados muito reais e há inúmeros relatos de moradores assustados por tê-los encontrado. 

Um dos casos modernos mais famosos de um incidente envolvendo um Popobawa supostamente ocorreu em 1951, quando uma garota da aldeia foi supostamente atacada e violentada por uma das entidades. Depois da experiência a garota de 15 anos supostamente passou a incorporar a criatura, falando com uma voz masculina rouca e profunda, além de exalar de seu corpo cheiro de enxofre e emitir os ruídos característicos do Popobawa. Supostamente foi necessária a intervenção de um poderoso xamã e o sacrifício de cabras para remover a possessão e salvá-la. 


Por volta da mesma época, houve uma enxurrada de avistamentos da criatura e relatos de ataques, causando uma histeria coletiva em que as pessoas tinham medo de deixar suas casas e homens armados patrulhavam as ruas de noite. O terror chegou a tal ponto que a polícia teve que acalmar distúrbios. Curiosamente, esse pânico em massa continuou até o assassinato do presidente de Zanzibar, após o qual os encontros com demônios diminuíram.

Avistamentos e ataques dos supostos demônios tendem a vir em ondas, e quase sempre trazem histeria em massa com eles. Após a década de 1950, outro pânico semelhante aconteceu em 1975, quando aldeões aterrorizados na ilha de Unguja alegaram que uma das criaturas os estava aterrorizando, aparecendo como um humanóide nu com cauda e carregando um pote de remédios naturais. Acreditava-se que estava entrando nas casas para atacar os moradores. Os hospitais admitiram várias pessoas com costelas quebradas ou outros ferimentos que atribuíram à besta. A histeria se tornou tão grande que uma multidão de homens armados alegou ter atacado e esfaqueado o demônio, mas que ele havia escapado para continuar sua fúria. Tragicamente, um homem mentalmente doente foi morto por uma multidão depois de ser apontado como o demônio disfarçado. Uma suposta vítima do demônio era um fazendeiro local chamado Mjaka Hamad, que relatou seu encontro:

"Eu acordei com algo me pressionando. Eu não conseguia imaginar o que estava acontecendo. Você sente como se estivesse gritando sem voz e fica impotente. Foi como um pesadelo do qual não conseguia acordar. Quando abri os olhos, vi o Popobawa montado em meu peito fazendo sobre ele um peso esmagador. Sua forma era negra como uma sombra, o corpo liso e com um fedor de enxofre insuportável. Ele cavalgou sobre mim por muito tempo, suas asas de morcego abrindo e batendo. Eu não acreditava no sobrenatural, então talvez tenha sido por isso que ele me escolheu. Tive duas costelas quebradas e quase morri na experiência. Talvez ele ataque qualquer um que não acredite."


Estranhamente, como o pânico em massa da década de 1950, o incidente de 1975 coincidiu com um período de turbulência política, ocorrendo durante uma eleição bastante disputada em Zanzibar na época. Eleições contenciosas e agitação civil resultante em 2000 e 2001 também foram o marco zero para uma série de avistamentos do Popobawa. No entanto, nem sempre é assim, pois um grande pânico também aconteceu em 2007, quando homens assustados em Dar es Salaam, na costa continental do Tanzânia, começaram a relatar terem sido impiedosamente sodomizados durante o sono pela entidade. Para se precaver dormiam em grupos e se cobriam com banha de porco, que eles acreditavam despistar o monstro.

Com o que estamos lidando aqui? Seria algum tipo de fenômeno sobrenatural genuíno ou algo mais? O fato de muitas das ondas de encontros Popobawa ocorrerem durante períodos de agitação fez com que alguns sugerissem que o mito poderia estar sendo usado como uma ferramenta política para causar  inquietação entre a população supersticiosa. Há também a ideia de que é apenas uma lenda que saiu do controle, e também pode ser apenas uma manifestação de Paralisia do Sono, algo conhecido como Síndrome da Velha Bruxa, na qual uma pessoa fica presa em um estado intermediário desperto e de sonho. Nessas circunstâncias, tem alucinações, muitas vezes incluindo figuras de sombra ou de uma mulher velha sentada sobre seu peito. 

No entanto, muitos dos moradores de Zanzibar onde os Popobawa são encontrados insistem que esses demônios existem, e não apenas mitos e histórias criadas para assustar. O que quer que sejam esses monstros, entidades sobrenaturais ou meramente fruto de antigas superstição e imaginação, o medo que eles geram é muito real. 

Quando a noite cai, o terror dos Popobawa vive.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Rituais de Sangue - Os Aterrorizantes crimes na Floresta de Ibadan


O ser humano, sempre teve uma ânsia de saber e compreender o que existe além do mundo natural. O que está escondido pode ser revelado apenas pelos iniciados que dominam as artes antigas e conhecem seus segredos. Desde o início dos tempos, o homem buscou esses mistérios.

Pode, no entanto, ser surpreendente saber que, mesmo nesta era de progresso científico e modernidade, a crença na Magia permanece muito forte. Não faltam indivíduos buscando conhecimento oculto e empregando magias que supostamente erguem o véu de ignorância de nossos olhos. Contudo, nem todos possuem um senso de ética quanto ao assunto. 

Em certos lugares, a magia está associada ao mal, e em parte, tal coisa acontece porque os supostos magos vão longe demais em seus experimentos. Em alguns cantos isolados do mundo Rituais de Sangue, alguns muitíssimo antigos, são praticados na calada da noite. Espíritos, demônios e entidades são invocados por tambores ritmados, danças tribais e feitiçarias rituais. Há pessoas sendo mortas ou torturadas devido à crença na Magia. Simplesmente nascer albino em algumas partes da África, coloca um preço sob sua cabeça, uma vez que xamãs e feiticeiros o veem como um sacrifício valioso. É por isso que alguns países proíbem a feitiçaria e verdadeiros Esquadrões de Caça às Bruxas operam no sentido de coibir tal coisa.  

Pode parecer absurdo, mas em certos lugares, magia é tão real quanto o dia, ou mais propriamente, que a noite mais escura. Um caso extremamente macabro que ilustra essa afirmação ocorreu recentemente na nação africana da Nigéria. Uma floresta repleta de vítimas de sacrifícios rituais e desmembramento foi descoberta nesse país, causando um misto de horror e medo na população. Lá, a crença em Magia Negra ainda é muito forte, como veremos à seguir.

Tudo começou em 2014, com algumas pessoas desaparecendo sem deixar rastro. Em sua maioria, os que sumiam trabalhavam como moto-taxistas em Ibadan, no Estado de Oyo, uma região rural densamente populosa do país. Embora não houvesse nenhum indício claro de crime, parte da população local estava bastante desconfiada de que alguma coisa sinistra estivesse acontecendo na região. Falava-se de estranhos à espreita, membros de etnias que praticavam rituais tribais e que eram vistos com reservas. Logo a população supersticiosa começou a sussurrar rumores sobre cultistas sequestrando pessoas para seus rituais sombrios. Tal noção não era uma ideia irracional, já que a Nigéria não é um lugar avesso a crimes violentos e assassinatos. Muitos crimes de morte investigados no país envolvem  mutilação e tortura e a polícia está acostumada a tratar desses incidentes. Por essa razão, as autoridades trataram os boatos com máxima seriedade.


Infelizmente as investigações preliminares não revelaram nada e os detetives de polícia estavam sem qualquer pista à respeito dos desaparecimentos. A medida que estes continuavam a acontecer com alarmante frequência, ainda não havia uma resposta oficial. Finalmente, em março de 2014 um motociclista transitando pela via expressa Lagos-Ibadan que corta a escura Floresta de Soka, procurou a Delegacia de Polícia. Ele afirmou ter ouvido gritos pedindo por ajuda. O sujeito parou sua moto e ao se aproximar para ver do que se tratava, viu algo que gelou seu sangue e o fez correr sem olhar para traz. Numa clareira estavam reunidas dezenas de pessoas envolvidas em algum tipo de celebração estranha que ele julgou se tratar de bruxaria. A polícia, foi até o lugar para averiguar a denúncia, mas não encontrou ninguém. Havia contudo sinais de que muitas pessoas haviam se reunido por ali como evidenciavam as pegadas, restos de tochas queimadas e lixo abandonado. 

Até então, eles não desconfiavam que tropeçariam num macabro festival de horror e morte.

Espalhando-se pela área para vasculhar, encontraram um prédio em ruínas, aparentemente abandonado, uma estrutura carcomida escondida entre as árvores de copa baixa e vegetação rasteira. Imediatamente perceberam que dali emanava um fedor fétido. Com muito cuidado, os policiais contornaram a construção dilapidada, iluminando o caminho com suas lanternas. 

Ao entrar no prédio, o grupo foi recebido por uma visão aterrorizante de cadáveres humanos espalhados pelo chão e juntos das paredes. Encontravam-se em diferentes estados de decomposição, evidenciando maus tratos e tortura. As vítimas aparentemente haviam sido capturadas e mantidas naquele local com o uso de correntes e cordas reforçadas para que não escapassem. A visão era desalentadora e fez com que os policiais que fizeram a tétrica descoberta pedissem apoio imediato. Estavam diante de algo grande, algo terrível!  


À medida que a polícia expandia sua busca, começaram a encontrar outros restos humanos nos arredores, muitos deles massacrados em cepos de açougueiro encharcados de sangue, em alguns casos ainda acorrentados à estes mesmas cepos. Havia também numerosos restos humanos espalhados pela mata, enfiados nos arbustos, nos cantos das árvores, ou jogados sem cerimônia em barrancos escavados no chão. Um exame preliminar revelou que vários cadáveres estavam mutilados sem membros ou com órgãos internos ausentes, alguns deles até mesmo decapitados. No total, mais de vinte corpos humanos decompostos e centenas de crânios humanos foram achados naquela floresta maldita. Também acharam outro pequeno prédio repleto de bugigangas guardadas em malas, mochilas e bolsas. Eram pertences pessoais das vítimas, incluindo carteiras, roupas, joias, bolsas de viagem, calçados, roupas de motoristas, documentos e fotografias, até mesmo brinquedos, estavam entre os objetos. 

No segundo prédio, num porão improvisado, a polícia resgatou cerca de 15 pessoas acorrentadas e mantidas em cativeiro. Todos se encontravam seriamente desnutridas, parecendo esqueletos vivos, cercados por nuvens de moscas. Algumas delas estavam em estado catatônico, quase mortas. Quando interrogados pela polícia, contaram histórias semelhantes: haviam sido sequestrados, torturados e mantidos algemados com alimentação semanal. Na maioria dos casos, eles não conseguiram identificar as pessoas que os levaram, mas alguns afirmaram que os criminosos que os sequestraram eram funcionários do governo, ou pelo menos se passavam por eles. Algumas das vítimas disseram que foram mantidas lá, acorrentadas por meses. A impressão geral era de que isso já vinha acontecendo já há algum tempo. 

Toda a área foi isolada e uma investigação foi iniciada para tentar descobrir o que havia acontecido e quem eram os autores daquela barbárie. A maioria dos corpos encontrados não pôde ser identificada, e isso causou certo grau de indignação entre os moradores locais que procuravam entes queridos desaparecidos. Os rumores eram de que os assassinatos rituais haviam sido ordenados por nigerianos ricos em altos cargos no governo. Muitos nigerianos acreditam em espíritos poderes e entidades sobrenaturais que concedem benefício àqueles que lhes oferecem sacrifícios. 

Nos dias que se seguiram à descoberta do que foi chamado "Floresta dos Horrores de Ibadan", multidões irritadas com a falta de informações se revoltaram. Alguns estavam convencidos de que a polícia estaria acobertando o caso e até que havia mais pessoas presas no subsolo. Furioso o povo local convergiu para o local empunhando armas, porretes e facões. A situação chegou ao ponto em que a polícia foi obrigada a dispersá-los com mangueiras e gás lacrimogêneo. 


Mais tarde, as autoridades realizaram várias prisões em conexão com o massacre da Floresta de Soka, incluindo alguns policiais e guardas de segurança, suspeitos de aceitar propina para fazer vista grossa sobre o caso. Entretanto, ninguém foi acusado formalmente pelos assassinatos e o caso continua aberto.

Parece incrível que um crime tão inacreditavelmente horrível possa ter sido cometido perto de uma área urbana em uma nação razoavelmente rica. E mais incrível ainda é ele permanecer sem solução. Essas circunstâncias provocaram muita especulação de que oficiais e policiais estavam de alguma forma envolvidos nos assassinatos ritualísticos e no comércio de partes de corpo humano. Na Nigéria e em várias nações da África Ocidental, mercados populares oferecem muito dinheiro por órgãos humanos que são usados como ingredientes em rituais de feitiçaria - de fígados, rins e coração até cabeças inteiras. Há muito dinheiro a ser ganho com a venda de partes do corpo para rituais de magia negra, feitiços, criação de poções e, embora a Floresta dos Horrores de Ibadan seja um caso extremo, assassinatos semelhantes não são exatamente uma novidade. 

Em muitas áreas rurais a crença na magia ainda é muito forte, e populações carentes recorrem ao comércio de partes de corpos para sustentar suas famílias, transformando-se em assassinos para servir a vários xamãs e bruxos que os convencem de que é o que as forças mágicas desejam. Jovens desempregados costumam ser contratados para roubar sepulturas em busca de órgãos, mas um bruxo paga uma boa soma por partes frescas que são segundo a crença local "mais potentes".

Os criminosos recebem patuás que os protegem para cometer os homicídios impunemente. Um bruxo pode oferecer um amuleto que supostamente torna o assassino invisível e permite a ele se esvair da cena do crime incógnito. Outros podem entregar aos seus agentes venenos mortais que garantem um serviço limpo. Finalmente existem feiticeiros que exigem que as mortes aconteçam em determinadas circunstâncias: que as vítimas sejam previamente torturadas ou que estejam aterrorizadas na hora da morte, para que a coleta dos órgãos agrade aos espíritos. Numa cidade grande como Lagos, um coração humano pode render uma semana de comida para uma família, já partes do corpo de um albino são o que mais se procura. Albinos sempre estão em grave perigo na Nigéria e nações adjacentes.


As perguntas sobre o que exatamente aconteceu na Floresta de Ibadan permanecem sem resposta. Não se sabe quem foram os criminosos responsáveis por essas mortes e nem onde estão. Ninguém foi oficialmente acusado pelos horríveis homicídios e sequestro de inocentes que nada fizeram, a não ser estarem no lugar errado, na hora errada. Um triste retrato de impunidade em um país como a Nigéria, que tenta caminhar na direção do progresso. 

O caso se tornou apenas mais uma matança ritualística em um lugar onde essas coisas acontecem com frequência. É muito pouco provável que isso mude nos próximos anos. O incidente ilustra uma tendência que se estende até os dias atuais em algumas áreas rurais da África, onde superstições e mitos continuam muitíssimo presentes no dia a dia das pessoas. Parece existir uma espécie de fascínio pela magia negra e pelas artes das trevas que continuam sendo praticadas impunemente em certos cantos escuros do mundo. Se a magia tribal funciona ou não, pouco importa, para as pessoas mortas e abusadas nas mãos de seus captores, ela é muito real.

sábado, 19 de fevereiro de 2022

O Farol Deserto - O que aconteceu nas Ilhas Flannan em 1900?



Originalmente publicado em fevereiro de 2017

“Embora três homens fossem responsáveis pela Ilha Flannan
e por manter o farol aceso,
A medida que nos aproximamos da costa,
nenhuma luz brilhou na escuridão da noite…”

W.W. Gibson - “Flannan Isle”

*   *   *

A oeste da Escócia, a cerca de 18 milhas da Ilha de Lewis, existe um grupo de ilhotas conhecidas como Flannans. A maior das Ilhas Flannan, Eilean Mor (Ilha Grande no idioma Gaélico), tem apenas 39 acres de extensão, erguendo-se a 288 pés acima do tempestuoso Mar do Norte.

Esse trecho era traiçoeiro para os navegadores, especialmente quando as tormentas deixavam o mar agitado e nevoeiros comprometiam a visibilidade. Várias embarcações acabaram perdendo seu referencial se chocando com as rochas negras ou com a costa acidentada. Para auxiliar os marinheiros, foi decidida a construção de um farol de 74 pés (22,5 metros) na Ilha de Eilean Mor.

O ano era 1899. O farol deveria lançar um feixe de luz a cada 30 segundos emanando um raio luminoso com a potência de 140,000 velas a uma distância de 24 milhas, para guiar embarcações contornando Cape Wrath e a caminho de Pentland Firth. A construção foi difícil, mas um ano depois, o farol foi concluído e já estava em operação na ilha.

Uma equipe de três guardiões foi contratada para operar e realizar a manutenção do equipamento. Era um trabalho simples, marcado pelo isolamento e longos períodos de solidão. Os homens contratados para o serviço eram experientes e cumpriram seu trabalho a corretamente. Eles tinham uma casa, suprimentos e passavam as noites jogando cartas enquanto mantinham a vigília.

Em 15 de dezembro de 1900, apenas alguns dias depois de completar o primeiro aniversário de operação do farol, o Capitão Holman do vapor Archtor, a caminho de Leith, Escócia, percebeu que a luz estava apagada. O mar estava forte, e furioso com o desleixo, Holman enviou uma mensagem para o quartel general da Cosmopolitan Line Steamers, empresa responsável pelo serviço.

A central tentou entrar em contato com um grupamento marítimo em Galen Rock, para que este averiguasse o que havia acontecido, mas uma forte tempestade havia cortado as comunicações. Nas noites seguintes, as embarcações que passaram pela área perceberam que a luz permanecia apagada.

O relevo acidentado da Ilha de Eilean Mor na Costa da Escócia
Um grupo foi organizado para seguir até o farol em 20 de dezembro, mas as incessantes tempestades dificultavam a saída do porto. Um dos botes que levava o grupo quase virou e eles resolveram desistir até que as condições do tempo melhorassem. Em 21 de dezembro, algumas pessoas disseram ter visto o farol se acender, mas por um curto espaço de tempo. Aparentemente, a equipe estava enfrentando algum problema com o funcionamento do equipamento.

No dia 26, logo após o Natal, a tripulação de um mercante passando perto da ilha, soou uma buzina saudando o farol e em seguida disparou um sinalizador. Nenhuma das duas tentativas de contato obteve resposta - embora um dos marinheiros que observava a ilha com binóculos tenha dito que viu movimento na praia rochosa. Ao chegar ao seu destino, o capitão pediu que uma equipe fosse enviada para investigar.

O mar ainda estava bravio, mas permitia a aproximação de um bote a remo. Atracando na costa, o faroleiro Joseph Moore, que fazia parte da equipe mas estava de folga, encontrou a porta da casa que servia de abrigo trancada por dentro. Ele chamou e bateu palmas, mas não obteve resposta de ninguém no interior. Preocupado, ele arrombou a porta com certa dificuldade, pois havia uma barricada improvisada barrando o acesso. Na cozinha, Moore descobriu que o fogo da lareira havia queimado sem parar. Na sala, percebeu que o relógio da parede havia parado às 2 horas. Nos quartos não havia sinal de seus companheiros e as lareiras estavam apagadas a tempo. Os vigias James Ducat, Thomas Marshall e Donald McArthur haviam simplesmente desaparecido.

Assustado, Moore chamou pelos seus colegas uma vez mais, mas não "teve nervos" para caminhar até o farol e ver se eles estariam lá dentro. Ele preferiu voltar para o barco a remo e retornar mais tarde acompanhado. Uma equipe de resgate composta de quatro homens e mais um capitão foi rapidamente organizada em Galen Rock e seguiu para investigar.

A equipe escreveu o seguinte relatório, sobre o que encontrou:

Foto de 1899 logo após a inauguração do Farol
"... as lâmpadas estão limpas e o equipamento em perfeito estado de funcionamento. Há combustível para a acionamento do farol e ele parece estar preparado para utilização. Na sala de operações, encontramos uma cadeira caída perto da mesa. Havia um baralho espalhado pelo chão e uma garrafa quebrada.

No alojamento abrimos os armários onde encontramos roupas pertencentes aos guardiões. Duas capas de chuva e um par de galochas estão faltando.  

O telhado da casa parece ter sido atingido com força pela tempestade e apresenta goteiras em vários pontos. Móveis foram movidos fora da posição original, segundo Moore que esteve aqui na véspera do dia 13 de dezembro. A pistola de sinalização não foi encontrada, nem os apitos de sinal.

A casa de barcos, foi seriamente avariada pela tempestade. O bote foi danificado, boias estavam espalhadas para todo lado e o equipamento que era mantido ali foi revirado. Não há nenhum sinal dos empregados do farol. Apesar da bagunça, não há nenhum indício de luta ou desentendimento".  

Imediatamente um telegrama foi enviado para William Murdoch, Secretário responsável pelo funcionamento dos faróis na área – “Um terrível acidente aconteceu em Flannans. Os três vigias do farol: Ducat, Marshall e o temporário (McArthur) desapareceram. Nós vasculhamos a ilha toda e não encontramos sinal deles. Sumiram da face da Terra!

A notícia rapidamente se espalhou e a tragédia apareceu no Highland News com a manchete:  DESASTRE NAS ILHAS FLANNAN: MAIS UM MISTÉRIO SEM SOLUÇÃO. Os jornais foram rápidos em conectar o estranho acontecimento a duas tragédias que haviam ocorrido recentemente. Em abril um vigia havia escorregado nas escadas perto da casa de barcos e sofreu uma queda em que quebrou o pescoço. Em agosto um barco a remos que se aproximava de Eilean Mor virou e quatro homens se afogaram na água gelada.  

Mas aquela tragédia era ainda mais bizarra, sobretudo porque ninguém sabia o que realmente havia acontecido.

Segundo Moore, o último a ver seus companheiros com vida, pouco antes de deixar o farol para sua folga, tudo estava tranquilo. Ele disse que seus companheiros estavam agindo da forma normal e que o estado de ânimo era bom. Nenhum deles parecia incomodado ou infeliz.

Especulou-se que James Ducat em sua última visita a costa, pouco menos de um mês antes do desaparecimento, havia reclamado de seu trabalho. Ele resmungou que não gostava de ficar em Eilean Mor e afirmava que o lugar não era "bom para seus nervos". Para muitos, ele havia tido uma espécie de premonição sobre o que estava para acontecer. Ducat havia enviado um pedido a Robert Muirhead, supervisor de faróis, para ser transferido para outra função. Muirhead insistiu entretanto para que o empregado continuasse na função, ao menos até o próximo ano, até um substituto seria providenciado.

Para um vigia de farol, a vida tende a ser solitária e pacífica, mas para a equipe na Ilha de Flannan as coisas nunca foram muito tranquilas. Para sobreviver eles tinham que lidar com um clima constantemente furioso, tempestades de vento cortante e o frio absoluto eram seus companheiro habituais. Os homens tinham suprimentos, mas precisavam pescar e cuidar de sua própria horta. Eles precisavam também realizar diariamente o mesmo trabalho maçante e repetitivo. Além disso, o espaço comum que habitavam era pequeno e confinado.  

Após o desaparecimento, uma nova equipe foi enviada para cuidar do farol enquanto a investigação era conduzida. Os indícios apontavam que uma última pessoa havia ficado na casa e que havia se refugiado na cozinha depois de trancar as portas e dispor barricadas. Porque ele teria se escondido nesse lugar e o que ele queria manter do lado de fora?

No caderno de anotações de Ducat, a última informação é do dia 15 de dezembro. Não há nada de estranho: a leitura da velocidade do vento e temperatura foram realizadas como manda o manual. Ele comenta que a luz foi apagada às 9 da manhã do dia 15 pois havia luz suficiente para navegação.

Cartão postal comemorativo da inauguração do Farol em 1899

O inquérito concluiu o seguinte: 

... todos as tarefas rotineiras foram realizadas. As grandes lâmpadas na torre de vigília estavam limpas e abastecidas para a próxima noite. O mecanismo estava em perfeito estado e o mecanismo havia sido limpo após a luz ter sido apagada pela última vez, o que demonstra que o trabalho estava sendo conduzido perfeitamente. Isso leva a crer que o que quer que tenha acontecido, teve lugar durante a manhã ou até o meio da tarde.

Dois vigias ouvidos durante o inquérito concluíram a seguinte sucessão de acontecimentos: provavelmente McArthur havia sido o último a ficar na casa, pois estava em seu turno de guarda à tarde. Ducat e Marshall teriam saído para verificar o equipamento na Casa de Barcos avariado pela tempestade na noite anterior. De seu posto de observação McArthur teria visto uma série de ondas se formando e correu para avisar seus colegas do perigo. Quando eles não ouviram seu alerta, ele resolveu ir até o lado de fora e avisá-los. Infelizmente ele não calculou bem o tempo que teria para chegar até eles e retornar antes da chegada das ondas. Os três acabaram alcançados e carregados para o mar onde provavelmente se afogaram.


O relatório não mencionava em momento algum o fato de Moore ter encontrado a porta trancada e uma barreira montada no interior da casa. Não mencionava também o relógio parado ou o fato da lareira da cozinha ter ficado acesa enquanto a da sala e dos quartos parecia não ter sido usadas a dias. O testemunho de Moore foi considerado exagerado e até a integridade do funcionário foi colocada em cheque durante o inquérito.

De fato, na tarde de 14 de dezembro houve uma forte tempestade com ondas muito altas, mas no dia 15, data da última anotação no diário, não é mencionado nenhum sério. Além disso, existe a questão de que os três vigias tinham certa experiência. Eles não cometeriam o erro grosseiro de abandonar o farol durante uma tempestade com ondas fortes a ponto de varrer a ilha.

Mas existem outras teorias. Segundo alguns, um dos três vigias teria ficado louco e assassinado os outros dois enquanto estes dormiam. Ele teria arrastado os corpos até o mar e os amarrado a pedras para que afundassem. Finalmente, descontrolado e arrependido de seu ato, o assassino teria saltado para as águas revoltas onde também morreu. Alguns chegam a dizer que houve algum tipo de luta na qual a porta foi trancada e barrada, mas que mesmo assim, a violência irrompeu de tal maneira que todos acabaram mortos. Suspeitas a respeito de Donald MacArthur foram levantadas, e alguns chegaram a dizer que ele tinha problemas mentais e que havia passado alguns anos sob a tutela de um manicômio. Nada disso, entretanto foi comprovado.

Ilha Flannan hoje - o Farol continua lá. 
E há rumores ainda mais estranhos que mencionam discos voadores, serpentes marinhas e até mesmo um lendário pássaro gigante do folclore escocês que teria atacado o farol e levado seus ocupantes para alimentar os seus filhotes. 

Historicamente as Ilhas Flannan sempre foram famosas por superstições que remetem a época anterior a ela ter recebido seu nome em homenagem a Saint Flan. Dizem que todos os que colocavam os pés na ilha tinham de repetir uma oração para o santo a fim de poder deixar o lugar, do contrário, uma morte terrível os aguardava. Há também estórias sinistras sobre fantasmas que atraíam homens para os penhascos e ventos repentinos que os lançam nas águas cinzentas e frias.

Seja como for, 70 anos se passaram sem mais nenhum incidente até que em 1971, o farol foi modernizado e automatizado, dispensando a necessidade de vigias permanentes na ilha. 

Hoje, o solitário farol de Eilean Mor continua a lançar sua luz sobre o oceano, possivelmente buscando sinal dos vigias desaparecidos cujo paradeiro jamais foi descoberto.

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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

A Criatura dos Salgueiros - Adaptando o Horror de Algernon Blackwood para Call of Cthulhu

É difícil encontrar uma história de horror capaz de capturar nossa imaginação e criar uma sensação de terror, ao mesmo tempo sutil e descritivo, como "Os Salgueiros" de Algernon Blackwood (1907).

Na história, dois amigos decidem partir em uma viagem de canoa através do Rio Danúbio, em uma das regiões mais isoladas da Europa Central. Após dias percorrendo rios que margeiam florestas ermas, os dois acabam indo parar em uma pequena ilha - quase um banco de areia no meio de um pântano, à caminho de Bucareste. Esta parte do rio é descrita como uma "região de singular isolamento e desolação… coberto por um vasto mar de salgueiros". Com base nesse ambiente insalubre de opressiva natureza, se desenrola a trama. Não existe escritor capaz de conjurar uma aura de horror perante o mundo natural como Blackwood. 

A floresta em que os canoístas adentram é uma presença viva, praticamente um personagem que participa ativamente da trama. A mata é como uma entidade cheia de olhos e ouvidos, observando constantemente os dois pobres sujeitos perdidos em uma ilha que parece diminuir. As plantas e criaturas que habitam esse lugar afetam a percepção febril dos dois e faz com que eles se perguntem constantemente "se estamos sozinhos, então por que sentimos que alguém está observando"?

Essa sensação desagradável vai se tornando cada vez mais incômoda e logo a sanidade cede espaço para a paranoia e o medo. A construção da história é incrível, o leitor sente a tensão aumentando a cada página e lá pela metade, é impossível não ficar angustiado querendo saber como vai terminar a trama.

Não vou revelar o fim, mas vou contribuir com a adaptação do horror principal dessa história. No caso, é minha adaptação da entidade que habita o pântano, um "estranho não-natural" que habita os pântanos e se mistura aos salgueiros do título.

Sem mais delongas, eis aqui... A CRIATURA DOS SALGUEIROS


As estatísticas da criatura do clássico conto Os Salgueiros de Algernon Blackwood para Chamado de Cthulhu.

HORROR DO ERMO

"Com a multidão de salgueiros, porém, eu sentia uma coisa diversa. Deles emanava uma essência que fazia meu coração sentir-se sitiado. Uma sensação de temor real, sim, mas um temor com matizes de terror. Eles cerravam fileiras, crescendo por toda parte, formando sombras cada vez mais escuras, à medida que a noite caía, movendo-se ao vento com suavidade e fúria, reforçando em mim a impressão de que havíamos trespassado as fronteiras de um mundo alienígena, um mundo onde éramos intrusos, onde não éramos bem-vindos, onde não deveríamos ficar - e onde, talvez corrêssemos perigo".

Algernon Blackwood - Os Salgueiros   

Nomes alternativos: Horrores Além da Realidade, Devoradores do Além, Salgueiros

Esses horrores não são nativos da Terra, eles parecem surgir em nossa realidade através de mecanismos desconhecidos. Há teorias de que tais criaturas descendem de um reino além, outra realidade ou dimensão, incompatível com os princípios físicos da nossa. Seu aparecimento pode se dar através de portais abertos mediante conjunções astrais e outros fenômenos aleatórios.

Mais frequentemente estes seres se manifestam em áreas isoladas e regiões remotas, onde seu surgimento raramente chama a atenção de pessoas. Uma floresta erma, um bosque fechado ou um pântano, por exemplo. Eles estão circunscritos a uma determinada área e limitados a estes espaços não superiores ao seu atributo POD em metros quadrados. Tais localidades acabam desenvolvendo fama de serem assombrados e por isso acabam sendo evitados. Isso se dá porque o surgimento de tais entidades causa uma grave anomalia na ordem natural.

Uma vez em nossa realidade, os Horrores, que são insubstanciais, se misturam ao ambiente e emulam uma forma estática de sua escolha, seja esta vegetal ou mineral. Disfarçado dessa maneira (como uma pedra ou uma árvore) as criaturas se mantém indiferentes sendo raramente percebidas em meio a outras formas semelhantes. Normalmente, eles não interferem com nossa realidade e de fato permanecem inativos por séculos. Há contudo pequenas inteirações que podem acontecer subitamente: um brilho fulgurante ascendendo para os céus, a sensação de uma presença invisível, luzes como fogo fátuo, uma mudança súbita na temperatura ou mesmo um ruído agudo inexplicável. Nesses casos a presença dos horrores pode ser presumida através de uma sensação enervante no ar. O perigo está na contrapartida, quando uma destas criaturas percebem uma presença consciente ao seu redor.


Uma vez cientes de algo consciente próximo, eles passam a se concentrar em detectar estas formas de vida, usando para isso uma variedade de sentidos desconhecidos para nós. Uma de suas formas mais comuns de detecção envolve sondar psiquicamente uma área em busca de emanações mentais que possam ser rastreadas até sua fonte. Se uma pessoa próxima simplesmente pensar a respeito da estranheza do lugar ou sobre uma presença invisível, o Horror poderá rastrear a fonte de tais pensamentos e localizar a pessoa em questão. Para muitos, meramente ser percebido por estes seres desencadeia uma sensação exasperante de medo primitivo.

Esses seres são geralmente indetectáveis, mas quando uma interação é estabelecida, o Horror se torna mais e mais ativo o que aumenta o risco de detecção. Os Horrores são seres extremamente curiosos e meticulosos em suas investidas exploratórias. Uma vez atraído até um alvo, ele tentará se aproximar, capturar e então analisar a criatura, muitas vezes, de forma invasiva. Vítimas dessa exploração podem não suportar o contato resultante, podendo ser fisicamente feridos ou mentalmente sobrecarregados. A sondagem de tais seres deixa estranhas marcas em padrão concêntrico em tudo que é tocado por eles. Não se sabe exatamente o que estes padrões significam, mas alguns assumem que são uma espécie de "impressão digital" deixada por eles.

Quando assumem uma forma física, esta pode variar enormemente. Eles já foram descritos como estranhos aglomerados vegetais com longos braços semelhantes a gavinhas, caules flexíveis e cerdas espinhentas parecendo folhas prateadas ou cor de bronze. Contudo é possível que eles também possam assumir formas ainda mais estranhas e bizarras dependendo apenas daquilo que eles escolheram emular. É comum elas possuírem dezenas de raízes tentaculares, braços serpentoides ou apêndices cauliformes utilizados para se mover ou atacar.


Os Horrores não podem ser feridos por armas físicas, ainda que feitiços possam surtir efeitos contra eles e até mesmo destruí-los.

Diante do perigo que tais criaturas representam, a melhor sugestão é evitar qualquer contato com elas e se possível, se afastar da área em que elas se encontram tão logo sua presença seja presumida.

Horror do Ermo, Criaturas do Outro Lado

Essas criaturas podem assumir diferentes formas, mas em geral são maiores do que uma pessoa, do tamanho de grandes pedregulhos, imensas rochas nuas, frondosas árvores com folhas que se movem sozinhas ou enormes troncos cobertos de líquens. Por vezes assumem uma forma vagamente humanoide, sobretudo quando estabelecem contato psíquico.

característica       rolamento          média

FOR                   (6d6 +4) x5          125
CON                   (4d6+2) x5            80
TAM                   (6d6+10) x5        145
DES                    (2d6+1) x5            40
INT                     (4d6+3) x5            85
POD                    4d6 x5                  70

Média de Pontos de Vida: 19
Média de bônus de Dano: +2d6
Média do Corpo: 3
Média de Pontos de Magia: 14 
Movimento: 5

Combate:

Ataques por rodada: Drenar Energia através de 1d6 gavinhas por rodada

Só podem atacar os seres humanos de quem tenham tomado consciência. O toque de cada gavinha drena 1d10 pontos de PODER. Se a vítima for inteiramente drenada de seu PODER ela perde os sentidos e desmaia por esgotamento. Qualquer outra interação (inclusive uma nova ação de drenar) causa a morte da vítima. O alvo desse ataque apresenta estranhos padrões circulares depois de ser tocado pela criatura. Sobreviventes restauram os pontos de PODER perdidos da forma convencional descansando, as marcas desaparecem com o tempo.

Sobrecarga Emocional

Indivíduos impedidos de deixar a área dominada por um Horror começam a sentir a sobrecarga mental causada pela proximidade da criatura. Esses efeitos são sentidos quase que de imediato, mas só começam a causar desconforto depois de 1d4 horas. Uma pessoa no raio de ação do horror perde 1d4 pontos de sanidade por hora e tem uma chance igual a sanidade perdida x5 de ser detectado pelo horror.

Lutar               50% (25/10), dano drena 1d10 pontos de PODER

Esquivar         Não aplicável

Habilidades: Furtividade 85%

Armadura: Imune a todas as armas físicas conhecidas. Fontes de energia como eletricidade, fogo ou radiação, além de feitiços causam dano normal.

Feitiços: Podem conhecer até 1d4 feitiços à critério do Guardião.

Custo de Sanidade: 1/1d6 por ver a forma de um Horror do Outro Lado, ao ser detectado por uma criatura o custo é de 1d6. A sobrecarga emocional ocasiona uma perda ainda mais severa.


Sim eu sei que esse desenho é de um Shambling Mound de Pathfinder, mas ele parece tão adequado para essa criatura que eu arrisquei colocar aqui.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Bárbaro Implacável - Grutte Pier, o Gigante que foi o Terror dos Saxões



Houve um tempo em que a vida era incrivelmente dura, quando um homem precisava ser implacável para sobreviver e que as desavenças eram resolvidas na ponta da espada.

Violência, vingança e brutalidade estavam na ordem do dia e os heróis desse tempo geralmente acabavam usando e abusando desses três elementos para conquistar o que almejavam e escrever seus nomes nos anais da história - geralmente com o sangue dos seus inimigos.

Foi nessa época que viveu Pier Gerlofs Donia, um gigante Frísio, uma raça de bárbaros ferozes e ousados que viviam numa região entre o que hoje é a Holanda e a Alemanha. Os Frísios eram famosos pelo seu estilo de vida, adestrando excelentes cavalos e forjando espadas longas criadas com uma perícia notável. Eram guerreiros experientes que alugavam suas habilidades como mercenários para aqueles que pagassem, entretanto, em tempos de paz se retiravam para suas terras e lá plantavam e criavam suas famílias numa estrutura tribal.

Conhecido como Grutte Pier (Grande Pedro) ele nasceu em Kimswerd no ano de Nosso Senhor de 1480. Quando jovem participou de campanhas militares, primeiro como ajudante, carregando barris de pólvora e as armas dos soldados mais experientes, mas logo se tornou ele próprio um guerreiro. E não era para menos já que era forte feito um touro com a estatura de um carvalho. Com apenas 16 anos ele já media quase 1,90 de altura e manejava a espada tradicional de duas mãos, o zweihander, com incrível desenvoltura. Geralmente espadas pesadas (e caras como essa) não eram oferecidas para guerreiros inexperientes, mas quando alguém como Pier conseguia dividir inimigos do pescoço à virilha com um único golpe, a coisa mudava de figura. Ao lado de seus companheiros ele teve sucesso servindo nas guerras regionais, mas depois de um tempo, ele achou melhor comprar um pedaço de terra e ir viver em paz.


Com 24 anos, o ex-soldado, cansado da matança se casou com uma mulher cristã, abraçou a religião e se tornou um fazendeiro. Teve dois filhos e passou a viver em uma gleba idílica na Terra dos Fr[ísios. Contudo, seu povo tinha vizinhos complicados que estavam sempre em guerra, no caso Holandeses e saxões que disputavam terras justamente na fronteira habitada pelos frísios que ficaram fora da contenda. A neutralidade irritou os dois lados que esperavam contar com os ferozes guerreiros para aniquilar seus oponentes. 

Os Duques Saxões controlavam as terras em que Pier e sua família viviam. À princípio ele não foi muito afetado, mas seus compatriotas eram pesadamente taxados, sofriam toque de recolher e eram perseguidos em todas oportunidades. Os frísios é claro, não ficavam satisfeitos e acabaram pegando em armas e se rebelando contra os saxões em uma série de guerras intensas que resultaram em uma grande mortandade e que drenou o tesouro saxão até quase suas últimas moedas de ouro. A campanha militar apenas se intensificou, até que a Guerra chegou à Grutte Pier.

Certo dia, em 1515, um bando de soldados, membros de uma Companhia Mercenária chamada Black Band encontrou a fazenda de Pier. Em geral, os mercenários ganhavam seu soldo de duas formas: eram pagos ou então recebiam o direito de pilhagem. Uma vez que a guerra estava sendo muito cara, os saxões, que eram os patrões do Black Band, acabavam oferecendo a segunda opção mais frequentemente. O Direito de Pilhagem era uma coisa medonha de se ver e pior ainda de sofrer. Os soldados vestiam a camisa de saqueadores e escolhiam um lugar para levar o que pudessem carregar. Grutte Pier supostamente não estava na sua fazenda nesse triste dia, mas quando voltou encontrou os restos da tragédia. Sua fazenda foi incendiada, sua esposa violada e os dois filhos degolados.


O que aconteceu em seguida é altamente previsível, pois parece o roteiro de um típico filme de vingança dirigido por Quentin Tarantino. Grutte Pier jurou vingança, encontrou o rastro dos responsáveis pela chacina e matou cada um deles com as mãos nuas. Dos saqueadores ele tomou uma espada longa e uma armadura e decidiu que não ficaria mais neutro na guerra que incendiava a fronteira Frísia. Mas isso não significava que ele escolheria um lado e sim que ele mataria todos os filhos da puta que estivessem envolvidos na guerra: fossem eles holandeses, saxões, mercenários estrangeiros ou seja lá de onde tivessem vindo. Basicamente, qualquer forasteiro era um alvo em potencial de sua fúria vingativa.

As ações de Pier logo se tornaram conhecidas. Ele literalmente aniquilava os inimigos recorrendo a sua fiel zweihander para estripar, desmembrar e decapitar todos que tinham o azar de cruzar seu caminho. O Black Band era seu principal alvo e ele foi responsável por matar tantos homens dessa companhia que eles deixaram de adotar seu brasão e de usar a braçadeira negra que os identificava. Tudo isso porque Pier colecionava tais braçadeiras e as usava para embalar os genitais cortados dos inimigos que matava. Sua fama se espalhou e suas ações se tornaram lendárias, ainda que exageradas, como na vez que ele decapitou sete prisioneiros com um único golpe de sua espada de 2 metros. Em outra ocasião, ele teria capturado quatro inimigos e marcado o rosto deles com um ferro em brasa avisando que aquele era o destino de todos que usavam o brasão do Black Band.

A fúria do Gigante de Kimswerd continuou e ele atraiu a atenção de um grupo de colegas frísios que também estavam atuando na guerra. Pier aceitou se juntar a eles e embora não quisesse liderar a companhia, acabou se tornando o chefe por suas habilidades naturais de comando. Em pouco tempo Pier se viu à frente de um exército rebelde composto de piratas, nobres sem terra e camponeses em um único objetivo: expulsar todos das Terras Frisias. Eles se autodenominavam a Companhia Negra de Arum e eram tão temidos que as trocas inimigas fugiam quando ficavam sabendo quem teriam de enfrentar. Uma das primeiras medidas de Pier foi transformar seus homens de um bando de guerrilha para soldados capazes de lutar tanto em terra quanto no mar.


A Companhia Negra roubou navios dos Borgonheses, que eram aliados da Holanda e usou as embarcações para levar o Caos ao Mar do Norte. Como piratas eles atacavam qualquer navio que fizesse comércio ou levasse tropas para os lados beligerantes. Entre 1516 e 1519, o bando martelou sem parar as rotas mercantis afundando dezenas de embarcações, tomando portos e saqueando verdadeiras fortunas. Pier não se importava com o lucro, para ele o que valia era a vingança contra todos os não Frisios. 

Quando capturada uma embarcação ele submetia os prisioneiros a um teste. Aqueles que não conseguissem recitar o trava-línguas no idioma frisio,  "Bûter, brea en griene tsiis: wa't net sizze kin, is gjin oprjochte Fries" era executado por Arrasto de Quilha (keelhauling). Para quem não sabe o que é, Arrasto de Quilha é quando amarram uma corda na sua cintura, te jogam da frente do barco em movimento e depois te arrastam por baixo dele até você se afogar. Segundo rumores, a tripulação de Grutte Pier em certa ocasião executou 70 prisioneiros dessa maneira numa única tarde.

Em apenas três anos dessa ação pirata hardcore, Pier e seus homens afundaram 132 navios inimigos - incluindo 28 num único dia durante uma batalha naval contra os holandeses. O feito que lhe rendeu o apelido de "A Cruz dos Holandeses".

Apesar do sucesso em alto mar, Pier decidiu levar sua campanha de volta à terra firme. Ele soube que o Duque Saxão (o sujeito que havia contratado a Black Band) havia desistido da longa e infrutífera campanha, vendendo as suas terras na Frísia e partindo. Isso seria motivo de comemoração, a não ser pelo fato de que o novo Senhor era ninguém menos que o futuro governante Habsburgo, o astuto Imperador Carlos V. 


A chegada de Carlos trouxe uma escalada nas matanças em sua tentativa de sufocar a revolta. Grutter Pier continuou vagando pelo campo saqueando, pilhando e causando estragos em tudo o que via, chegando a conquistar dois castelos e devastar a cidade de Medemblik onde exterminou boa parte da população que havia se bandeado para o lado dos holandeses.

Apesar de seus sucessos militares e de causar grande impacto, Pier foi surpreendido por uma aliança firmada entre os Habsburgos e o Reino da Burgundia que pôs fim à guerra e reforçou a região militarmente. Com a paz conquistada à duras penas, muitos dos companheiros Frísios não estavam mais dispostos a continuar lutando e acabaram debandando. Desiludido com tudo isso, Grutt Pier se retirou para a cidade frisia de Sneek onde morreu em 1520. O grande guerreiro faleceu tranquilamente na cama, possivelmente vítima de uma infecção causada por num dos muitos ferimentos que não sararam corretamente. Ele foi enterrado perto de uma igreja e se tornou nos séculos seguintes um nome popular para tavernas, cães de caça e navios.

Hoje, uma grande espada que se dizem ter pertencido a Grutte Pier está em exibição no Fries Museum em Leeuwarden. Ela mede 2,13 metros de comprimento e pesa cerca de 7 quilos. Além disso, um enorme capacete de batalha que dizem ter sido usado pelo líder frísio é mantido na prefeitura de Sneek. Após sua morte, um de seus homens de confiança, Wijerd Jelkhama continuou a lutar por algum tempo, mas sem o Gigante de Kimswerd ao seu lado, ele foi derrotado e decapitado em 1523. Eventualmente Carlos V conseguiu conquistar a Terra dos Frísios e assimilar o povo local.

Entretanto a população que ainda vive nessa região no norte da Alemanha considera a si mesmos primeiramente Frisios e tem orgulho de sua descendência. 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Prisão Assombrada - A Macabra Colônia Penal da Tasmânia


Alguns lugares parecem destinados a se tornar assombrados. Seja por sua história brutal ou por estarem mergulhados em sofrimento e angústia, eles chamam e convidam essas histórias. Um lugar assombrado por um passado tempestuoso é uma Colônia Penal isolada em uma península abandonada varrida pelo vento na ilha australiana da Tasmânia. Ela possui histórias extraordinárias sobre atividade paranormal há décadas.

A antiga Colônia Penal conhecida como Port Arthur tem uma origem violenta que a torna perfeita para histórias de assombrações. Localizada numa ilha na Península da Tasmânia, aproximadamente 100 quilômetros a sudeste da capital do estado, Hobart, ela recebeu seu nome em homenagem a George Arthur, vice-governador da Terra de Van Diemen. Originalmente, o lugar era uma estação madeireira fundada em 1830, que derrubava árvores e extraia preciosa lenha de qualidade. Dizem que as condições de trabalho eram tão extremas que ferimentos, muitas vezes fatais, aconteciam toda semana. Como ninguém mais queria se arriscar em trabalho tão exasperante, as operações de corte e extração foram suspensas por volta de 1850.

Três anos mais tarde, o lugar foi convertido numa Colônia Penal para receber os piores criminosos britânicos embarcados em toda parte do Império e despachados nos porões de navios para esse destino insalubre. Ladrões, estupradores, assassinos, todos eles deveriam definhar no esquecimento a um mundo de distância. Rapidamente Port Arthur ganhou a reputação de ser uma das colônias penais mais brutais do mundo, um verdadeiro Inferno na Terra, onde apenas a escória mais dura e implacável conseguia sobreviver. A prisão era conhecida por ter a segurança mais rígida que havia na época. O perímetro era protegido por 3 muros de 6 metros cada, com arame farpado e cacos de vidro no alto. Postos de vigília contavam com guardas armados que tinham permissão de disparar caso alguém cruzasse alguma área proibida. Os castigos corporais eram severos, com o uso de chibata, correntes e bolas de ferro. Privações de todo tipo: sensorial, por fome, desidratação e outras formas de tortura eram empregadas sem pudores. A prisão obrigava os presos a usar máscaras que tampavam seus rostos o que fazia aos poucos com que eles perdessem a identidade própria. Eram números e nada mais...


Além disso, as águas infestadas de tubarões ao redor da ilha eram proibidas aos navios mercantes e baleeiros, afim de evitar que os prisioneiros escapassem em barcos. A terra ao redor era salpicada de armadilhas, postos de guarda e cães ferozes. Os homens eram mantidos completamente impedidos de receber visitas, e a prisão foi amplamente divulgada como inexpugnável. As disputas e violência entre os detentos ocorriam de modo desenfreado, com homicídios ocorrendo frequentemente. Também havia uma alta taxa de suicídios. Ninguém se importava com o que acontecia entre eles. Quando não havia mais espaço para cemitérios no solo pedregoso da ilha, o Diretor ordenou que os corpos fossem jogados no mar. A visão de cadáveres devolvidos pela arrebentação, sendo bicados por aves carniceiras era algo dantesco. Passaram então a amarrar pedras nos cadáveres antes de atirá-los ao mar. 

Em resumo, Port Arthur era um lugar duro e distante de qualquer civilização. Os guardas e presos se superavam no quesito crueldade e perversão, num regime no qual os fortes dominavam e aos fracos era dada uma opção, se sujeitar ou morrer. Havia sofrimento em todo canto, e conta-se que ao receber a sentença para Port Arthur, muitos homens enlouqueciam ou se matavam.

A prisão acabaria sendo fechada em 1877 pois era caro demais manter o lugar em funcionamento, dado seu isolamento extremo. Ademais, os próprios guardas não queriam ficar no lugar, considerado deprimente e perigoso. Os detentos começaram a ser relocados para outras prisões australianas e os últimos presos foram evacuados em 1879.


A prisão foi deixada para se deteriorar, exposta aos elementos, gradualmente se transformando em uma ruína carcomida pela maresia, pelo vento e pelas tempestades. 

Mas graças à localização cênica da península e paisagens paradisíacas, o lugar foi redescoberto por turistas em meados do século XX. Mesmo com os prédios da prisão apodrecendo no horizonte, a área se tornou um destino desejado por turistas de toda a Austrália. Nos anos 1970, o governo local tentou mudar a imagem de Port Arthur para algo mais positivo e alegre, chegando até mesmo a alterar o nome da Ilha para Carnarvon e distanciá-la de seu passado violento. 

Ironicamente as ruínas da prisão se tornaram uma atração turística popular, com visitantes explorando os corredores escuros, celas apertadas e pátios cobertos de erva daninha. No entanto, parece que a história sangrenta deste lugar deixou marcas profundas que ainda podiam ser sentidas por algumas pessoas. Em 26 de abril de 1996 o sítio histórico de Port Arthur foi palco de um dos piores massacres da história recente da Austrália. Nesse dia, Martin Bryant, um desempregado de 28 anos, usou espingardas e rifles semiautomáticos para matar 35 pessoas e ferir outras 23 antes de ser capturado vivo. Ele foi condenado a 35 sentenças consecutivas de prisão perpétua e mais 1.035 anos, sem liberdade condicional na ala psiquiátrica de Prisão Risdon em Hobart, Tasmânia.


Para justificar o que o levou a um ato tão medonho, Bryant disse que ouvia vozes e apelos de pessoas que viveram na Colônia Penal no passado. Estes fantasmas, cheios de ódio e descontentamento o incentivaram a matar. Bryant sofria de esquizofrenia paranoica, mas o caso ganhou grande repercussão quando o componente sobrenatural veio à tona. Alguns jornais sensacionalistas chegaram a dizer que as assombrações de Port Arthur queriam sangue e desejavam o fim das visitas ao local em que eles sofrearam uma existência miserável. Seja como for, após o incidente, o governo da Tasmânia suspendeu visitas ao sítio temendo que outras pessoas pudessem tentar copiar os atos do homicida.

A história da Colônia Penal, entretanto, não pode ser apagada facilmente.

É esta história, impregnada de morte, juntamente com as ruínas decrépitas da antiga colónia penal, que construíram um ambiente perfeito para lendas sobre fantasmas. Desde os dias da colônia penal, menciona-se figuras sombrias à espreita ao longo das altas falésias ou vagando pelas sepulturas sem identificação. Há também outras áreas que dizem ser particularmente assombradas. Uma delas é  chamada "The Parsonage", a residência do padre e seus assistentes durante os dias da prisão. Um dos religiosos que ocupou a habitação foi um homem alto e intimidador conhecido como Reverendo Eastman. Famoso pelos seus sermões sobre o Inferno e a danação, ele foi por algum tempo o único conselheiro espiritual dos presos. Todos o temiam pois era um homem severo e instável. Dizia ser uma espécie de Mensageiro de Deus e que sua função era julgar e punir aqueles que não se arrependiam dos pecados. Segundo todos os relatos, tanto os funcionários da prisão quanto os prisioneiros ficavam aterrorizados com o pároco. Quando ele morreu em 1870, vítima de um tumor cerebral, poucas pessoas sentiram sua falta.

Mas nada é ruim o bastante que não possa piorar. Pouco tempo depois de seu enterro, começaram a surgir rumores sobre aparições do fantasma do Reverendo Eastman. Dizem que ele perambulava pela casa paroquial envolto em um odor fétido repetindo trechos de salmos com uma voz monótona. Nessas ocasiões a Casa Paroquial era atormentada por luzes fantasmagóricas, ruídos medonhos e um fedor nauseante de carne decomposta. Mesmo depois que os condenados foram transferidos, as histórias sobre o Reverendo continuaram. Ele é sem dúvida uma das assombrações mais temidas, mas está longe de ser a única. 


Uma história muito aterrorizante ocorrida nas Ruínas da Prisão é narrada por uma investigadora do paranormal chamada Leonie Vandeven, que visitou o lugar acompanhada de um colega que manejava a câmera durante a exploração. Esse colega, que ela prefere chamar pelo nome fictício de Sam foi possuído por algum tipo de força sobrenatural, conforme ela explica:

"Sam e eu estávamos interessados na história detalhada de Port Arthur. Era uma história notável. Estávamos olhando para um monte de prédios antigos quando senti que algo estranho havia acabado de acontecer com ele. Senti um frio súbito e Sam parou diante da Casa Paroquial. Ele teve um arrepio, algo que eu consegui perceber imediatamente. Perguntei se estava tudo bem e ele começou a gemer e perder o equilíbrio, embora não tenha chegado a desmaiar.   

Nos 30 minutos seguintes, Sam assumiu um comportamento inteiramente atípico: extremamente agressivo, cerrava os punhos e falava com um sotaque diferente. Ele foi incapaz de articular qual era o problema além de dizer: "Não estou bem, estou sentindo algo estranho". Quando o puxei pelo braço para irmos embora, ele me olhou com uma expressão confusa e começou a gargalhar. Uma risada que gelou o sangue nas minhas veias. Era a risada de alguém enlouquecido! Eu tentei apressá-lo, mas ele começou a andar em círculos, rosnando intermitentemente sob sua respiração e proferindo xingamentos. 

A prisão foi construída tanto para o isolamento físico quanto para o mental e sensorial dos condenados. Eu me pergunto se quem se apossou do meu colega, havia passado por essas provações, pois o comportamento era condizente com alguém levado às raias da insanidade. Apenas quando saímos dos limites da cadeia é que Sam começou a voltar à si, sem qualquer lembrança do que havia se passado instantes antes."


Mas o espírito possessor que afligiu o amigo de Leonie ainda tinha uma mensagem a transmitir antes de partir de volta para sua eterna prisão:

"Em determinado momento, ele olhou para mim com uma expressão muito diferente. Ali tive certeza de que não era mais Sam quem estava comandando o corpo. Sua testa se franziu e sua boca recurvou em um sorriso transbordando escárnio. Ele disse então com uma voz medonha: "Ninguém sai desse inferno, ninguém parte desse purgatório. Nós estamos todos aqui e vamos permanecer aqui para sempre." E então repetiu aquela risada tétrica. Felizmente, ao passar os muros, Sam recobrou suas faculdades. Esse foi nosso último trabalho juntos, já que ele desistiu de me acompanhar em explorações por lugares assombrados depois do ocorrido." 

Outra área particularmente assombrada do complexo prisional são as antigas celas de confinamento solitário, que dizem transbordar com uma gélida aura de desespero. As pessoas que entraram nas celas desta área relataram ouvir vozes, serem socadas ou chutadas quando ninguém mais está lá, e até mesmo sofrem ferimentos físicos por ataques fantasmas. De fato, em todo o complexo de Port Arthur há vários relatos de espíritos errantes pertencentes a antigos detentos mortos atrás destes muros. Ouve-se passos e vozes desencarnadas. Não é incomum escutar o som de portas batendo, objetos caindo e se estilhaçando e outros fenômenos paranormais que aqui, nesse lugar amaldiçoado, ocorrem com desconcertante frequência.

Pessoas sensíveis são desaconselhadas a visitar o complexo penal. Vários visitantes declararam se sentir fisicamente exauridos depois de explorar o complexo, sentindo como se algo no lugar drenasse suas forças, quase como se estivesse se alimentando deles. Outros relatam uma sensação desagradável e depressiva permeando toda a cadeia, como se algo estivesse tentando chamar a atenção. A sensação para alguns é tão potente que não são raros os casos de pessoas desmaiando ou sofrendo episódios de ansiedade. Aqueles que possuem alguma faculdade mediúnica descrevem situações ainda mais tensas, sentindo cheiro de fumaça no ar, espaços frios e sussurros que parecem ser carregados pelo vento. Ao menos dois parapsicólogos conceituados desaconselharam visitas a esse lugar, afirmando que os espíritos que habitam os muros são extremamente agressivos e capazes de afetar pessoas abertas a sua interação.   


Não é por acaso que a Colônia Penal da Tasmânia se tornou nas últimas décadas um dos lugares mais infames do continente no que diz respeito a acontecimentos sobrenaturais. Para aqueles que visitam o complexo, não importa se são crentes ou céticos, é inegável que a ele tem algo de desagradável. Poderia uma história sangrenta e tumultuada se incorporar a um ambiente confinado e reverberar através dos anos? A violência e horror ainda infunde o próprio ar com energia negativa? Ou isso é apenas o resultado da imaginação das pessoas que acreditam no que desejam acreditar? Talvez a única maneira de descobrir seja fazer uma visita e vagar pelos corredores e celas que um dia estiveram repletos de dor e sofrimento. 

Você teria coragem?