quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Feiticeiros Negros - O Mundo obscuro da bruxaria na África


Houve um tempo em que monstros, magia e demônios eram muito reais para as pessoas. 

Em muitas sociedades, houve uma época em que essas eram coisa do dia a dia, forças além de nosso controle ou compreensão que nos mantinham encolhidos na escuridão de nossas casas aterrorizados de medo. Com o advento da ciência e do iluminismo, grande parte da civilização foi capaz de afugentar essas sombras, de dissipar os monstros que nos atormentaram por tanto tempo. No entanto, em algumas sociedades deste planeta, tais crenças persistem teimosamente até hoje. Entre estas estão certos povos na África que acreditam em magia negra, bruxaria, espíritos malignos e demônios. Para eles, essas forças ainda são consideradas reais, muito reais.

A feitiçaria e a magia negra há muito estão enraizadas na tradição de diversos países africanos, e em muitas áreas rurais é considerado um fato da vida que bruxas e feiticeiros estão próximas. A gama de poderes e efeitos que essas bruxas e feiticeiros detêm varia de país para país, mas, em geral, perdura a crença de que eles são responsáveis ​​​​por doenças, fome e morte, e uma infinidade de outros infortúnios. Seriam capazes de amaldiçoar aqueles que cruzaram seu caminho, disseram ou criticaram seus atos malignos. Eles empregam todo tipo de poder blasfemo e degenerado para alimentar suas magias e desencadear os efeitos desejados. 

É um fato que corpos mutilados são frequentemente encontrados em certas áreas rurais da África, com órgãos removidos presumivelmente para uso em feitiços mágicos de bruxaria. Há ainda um rentável mercado de encantos realizados por um preço estabelecido. Muitas dessas supostas bruxas e feiticeiros agem motivados por impulsos desprezíveis de obter algum benefício próprio, contudo há aqueles que são simplesmente perversos. 


Incontáveis pessoas crédulas também procuram bruxas para curar doenças, remover maldições de mau olhado ou para obter encantos de amor. Entretanto, na África aqueles que mexem com feitiçaria são tipicamente vistos como pessoas inerentemente más. Na maioria dos países africanos, mulheres idosas são as mais acusadas ​​de praticar bruxaria seguindo o preceito de sabedoria matriarcal trazida com a idade. Já no polo oposto, pessoas albinas são frequentemente alvos da bruxaria por serem considerados sacrifícios mais valiosos. Ser acusado de bruxaria é um crime muito sério nessas regiões, levando à prisão, tortura, exorcismos violentos e até mesmo linchamento e execução. 

Nessa série de artigos faremos uma viagem pelo mais sombrio submundo da África, povoado por bruxas e feiticeiros, magia negra, espíritos malignos e morte. Se você acha que bruxaria é algo antigo e restrito a histórias medievais, saiba que está muito enganado. A feitiçaria nunca esteve tão ativa e sendo praticada quanto nos dias atuais.

A Nigéria, o país mais rico e populoso da África, é frequentemente considerado o lugar mais progressista e modernizado do continente, mas a crença na magia negra e feitiçaria é muito forte nessa nação. Um costume habitual entre meninos e homens é procurar feiticeiros para realizar um ritual de dinheiro que lhes permitirá enriquecer rapidamente. Em troca eles devem cumprir alguma demanda que o feiticeiro lhes pedir. Já foram relatados casos desses jovens praticando atos profanos como desenterrar cadáveres, roubar ou mesmo cometer assassinatos. Um caso emblemático envolveu um homem decapitando sua namorada para realizar o ritual do dinheiro. 


Há uma crença profunda da enraizada na sociedade de que a fortuna material pode ser alcançada por métodos mágicos. Os feiticeiros são aqueles que intermediam a possibilidade de enriquecer usando seus poderes para "abrir os caminhos". Em 2017 um levantamento apontou mais de 200 crimes motivados por crenças Místicas apenas em uma região do país. 

Entretanto, um problema ainda maior parece ser o de crianças e bebês rotulados como malignos ou possuídos por forças do mal. Tal crença resultou em abuso, abandono, tortura e até assassinato de menores de idade. Estima-se que 15 mil crianças somente no Delta do Níger foram vitimadas por suspeita de feitiçaria. Uma das forças motrizes por trás disso são vários pastores pentecostais que fizeram uma mistura de crenças de feitiçaria africanas e Cristianismo, valendo-se disso para alegar poder, purificar crianças malignas e expulsar espíritos. É claro, para tanto, cobram quantias exorbitantes dos pais. Entre os serviços promovidos estão exorcismos, que geralmente são violentos e podem incluir encarceramento, fome, o consumo de substâncias perigosas e até mesmo ser incendiado com gasolina.

Um dos mais notórios feiticeiros no país é Helen Ukpabio, que é a fundadora e líder espiritual da Igreja evangélica africana Liberty Foundation, com sede em Calabar, Nigéria. Ela e sua igreja foram acusados pela perseguição generalizada e assédio à crianças em seu ministério. Sua organização afirma que o Demônio e outros espíritos malignos têm a capacidade de possuir crianças e controlá-las mentalmente para torná-las seus servos. 

Ukpabio já foi denunciada por  grupos humanitários que se mostraram chocados por suas ações temerárias. Ainda assim, seu ministério se expandiu exponencialmente nos últimos anos chegando a mais de uma dezena de cidades no interior da Nigéria. As celebrações em seus templos envolvem rituais tribais mesclados a liturgia cristã, danças, batuques e representações cênicas. Em vídeos é possível ver figuras vestindo mascaras assustadoras e portando facas afiadas. Muitos ritos envolvem sangue, com sacerdotes se cortando e convidando os fiéis a beber de um cálice que lhes garantirá proteção divina.


Outros rituais são igualmente abomináveis, como uma espécie de sacrifício realizado anualmente em que centenas de pombos brancos são decapitados. O detalhe mais bizarro é que os fiéis usam os próprios dentes para esse fim. Não é raro que as celebrações conduzidas nesses templos terminem com um frenesi de sacrifícios de galinhas, cabras e bodes sendo esquartejados.

A Igreja também produz filmes sobre possessão demoníaca de crianças por meio de sua produtora a Liberty Films, expandindo ainda mais sua pregação venenosa. Muitos desses filmes incitam o medo usando cenas lúgubres que retratam crianças demoníacas enlouquecidas, matando seus pais e vizinhos e comendo sua carne ou bebendo seu sangue. 

Ukpabio foi acusada de promover um aumento maciço na violência contra crianças e casos de menores sendo abandonados, espancados e, abusados pelos próprios pais. Ela resistiu veementemente a todos os esforços para interromper suas atividades que ainda possuem muito apoio popular. De fato, uma simples ordem de condução para interrogatório em 2015 resultou em um grande distúrbio com feridos em Calabar. Na ocasião uma multidão cercou a delegacia para onde Ukpabio havia sido levada exigindo que ela fosse libertada. Carros foram incendiados e propriedades destruídas até que ela concordou em pedir aos seus fanáticos seguidores que se acalmassem.

As tentativas de ligar Helen Ukpabio a crimes violentos infelizmente não lograram êxito. Ela se protege com um dispositivo legal na Constituição que garante plena liberdade religiosa. As autoridades nigerianas tentam há anos processar Ukpabio, mas ela também possui defensores ferrenhos que incluem artistas e políticos. Estima-se que a fortuna da Igreja esteja na casa dos milhões de dólares, obtidos através de doações de seu rebanho fiel. 

Atualmente mais de 100 mil pessoas fazem parte da Igreja, ainda que o número de simpatizantes possa ser muito maior. Mas há outras histórias igualmente chocantes.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

O Massacre - Resenha do Livro de Luciano Lamberti

Um Banquete de Horror.

É isso o que a contracapa de "O Massacre" premiado romance do escritor argentino Luciano Lamberti promete. E é exatamente o que ele entrega.

Publicado em seu país natal em 2019 o livro é um mergulho profundo em uma desgraça quase inconcebível. Ele trata da tragédia do título, o tal Massacre, sob diferentes pontos de vista analisando de forma documental os detalhes sobre o incidente. Os capítulos cobrem entrevistas com as testemunhas, interrogatório dos sobreviventes, o ponto de vista de bombeiros que trabalharam no resgate, de policiais que investigaram o caso, de parentes, amigos e conhecidos dos indivíduos envolvidos. Tudo é exposto de maneira quase documental. Cada ponto de vista oferece um vislumbre diferente e tenta explicar o ocorrido chegando a conclusão de que não há uma explicação razoável. 

O inexplicável por vezes é apenas isso: algo que as pessoas estão fadadas a jamais entender.

Na trama o leitor é apresentado a idílica cidadezinha de Kruger e seus habitantes que vivem aos pés de uma montanha nevada no interior da Argentina. O clima frio e a paisagem deslumbrante, remetem aos alpes suíços. Os moradores, quase todos de origem germânica parecem levar uma existência tranquila e despreocupada tocando seus pequenos negócios, cuidando da famílias, criando seus filhos e vendo os dias passar pacificamente. Uma vez por ano Kruger celebra o Festival da Neve que marca a chegada do Inverno. É uma oportunidade para festejar, comer carneiro assado, beber cerveja artesanal, cantar e dançar. Turistas vem de longe para participar da festa e não é exagero dizer que é uma das únicas datas relevantes para o vilarejo.

Nossa pequena história de terror se inicia no inverno de 1987, quando os habitantes de Kruger estão se preparando para o tal Festival. É quando cada residente começa a manifestar um comportamento peculiar. São pequenos episódios de distração, de irritação ou de comportamento atípico. À princípio parece algo inofensivo, mas as pessoas começam a agir de maneira cada vez mais bizarra até que tudo explode numa névoa rubra de violência indescritível. É como uma bola de neve que se acumula, cresce e quando está grande o bastante, assume vida própria rolando sobre todos. Ela coloca vizinho contra vizinho, pais contra filhos, crianças contra velhos, amantes, casais... o resultado é um verdadeiro banho de sangue!

A forma de narrativa escolhida por Lamberti não é linear, ela descreve os dias que antecedem o Massacre e dá saltos cronológicos para frente e para trás meses ou mesmo anos antes do incidente. Isso não confunde o leitor, ajuda a envolvê-lo cada vez mais na trama e vai apresentando alguns sinais de estranheza. Logo no início você sabe quais as dimensões da tragédia, mas aos poucos vai entendendo como tudo chegou até aquilo.

Há ecos de pessimismo e um senso de profundo niilismo em "O Massacre", já que a história é contada de forma minuciosa, cultivando o interesse do leitor. Eu li esse livro de uma vez só, virando páginas de forma frenética, avançando na trama com uma curiosidade crescente para saber o que viria em seguida. Não espere explicações mirabolantes ou culpados, embora haja indícios do que causou o surto, o autor acerta optando por preservar o mistério e sugerindo diferentes possibilidades. É uma leitura rápida já que o livro não passa das 200 páginas, mas é muito bem construído. Lamberti consegue preservar o interesse do início ao fim e sem exagero, foi um dos melhores títulos que caiu nas minhas mãos esse ano.

Lançado aqui no Brasil pela Editora Darkside, sob o selo Crime Scene o livro tem um belo acabamento e tradução primorosa de Diogo Cardoso. Como sempre a Darkside se esmera em oferecer um requinte visual em suas edições. É notável o alto nível dos autores argentinos dedicados ao Horror e Ficção, Luciano Lamberti surge como um expoente no gênero e é bom acompanhá-lo daqui em diante.



segunda-feira, 4 de novembro de 2024

O Cavalheiro Grisalho - O Livro e a Livraria mais Assombrados do Canadá


Espremida em um canto escondido do Distrito de Wellington na cidade de Montreal, fica uma pequena livraria chamada Hatchett Books. O lugar parece um recanto tranquilo de conhecimento e entretenimento que atrai pessoas em busca de boa leitura.

A pequena livraria é especializada em volumes raros, oferecendo um vasto acervo de títulos fora do catálogo e obras de difícil aquisição. Pelas estantes abarrotadas já passaram inúmeros títulos em encadernações incomuns e tiragens limitadas. De acordo como a proprietária, Lois Fournier, o lugar tem "livros demais para catalogar" de modo que nem mesmo ela, que herdou o negócio de seu avô Roald Fournier, cerca de 15 anos atrás, sabe tudo o que está escondido no acervo. De fato, ela tem várias histórias sobre descobertas inusitadas para contar - edições raríssimas, verdadeiros tesouros, que ela encontrou por acaso, em caixas fechadas ou no fundo de pilhas de livros ordinários. "As vezes encontro lotes adquiridos 20 ou até 30 anos atrás pelo meu avô e que ele sequer teve tempo de abrir e examinar", conta. "São descobertas incríveis de edições valiosas que pensamos estarem esgotadas".

Fundada em 1948 a livraria sempre esteve no mesmo lugar e os livros foram se acumulando, ocupando qualquer espaço onde pudessem ser colocados. Rapidamente ela se converteu em uma espécie de floresta de livros e um tipo de paraíso para colecionadores e bibliófilos que passam horas vagando pelos corredores abarrotados, imersos em odores característicos de papel envelhecido e cercados do saber das eras. Poltronas confortáveis convidam os clientes a desfrutar do ambiente e relaxar enquanto viram páginas avidamente.

A Livraria Hatchett realmente parece um recanto acolhedor e familiar, de modo algum um lugar onde se espera achar algo assustador ou sobrenatural. Contudo, como diz o ditado, não se deve julgar um livro pela capa. A Livraria não apenas tem fama de ser um lugar assombrado, como possui a reputação de ser um dos endereços mais assombrados do Canadá. 

Lois Fournier sempre ouviu as historias de seu avô e de seu pai relatando os estranhos incidentes dentro da loja. Em geral eram pequenas coisas, livros que sumiam de lugar e surgiam em outro canto, pilhas inteiras que pareciam se deslocar de um dia para o outro e ruídos abafados que vinham de trás de prateleiras e armários. Você deve estar pensando, "mas esse tipo de coisa deve ser comum em um lugar com tantas pessoas entrando e saindo, além do que, os ruídos poderiam ser causados por ratos, que parecem amar mais os livros que os próprios eruditos".


Mas segundo Fournier as coisas são bem mais estranhas: "perdi a conta das vezes em que fechamos a livraria num sábado e abrimos na segunda feira, encontrando pilhas altíssimas de livros perfeitamente equilibrados nos corredores". Há também casos misteriosos de livros deixados abertos sobre mesas, volumes que haviam sido claramente manipulados e outros deixados de lado como se alguém os tivesse lido. Alguns livros parecem ser movidos com maior frequência e Lois decidiu deixá-los sobre sua escrivaninha e tirá-los do catálogo de venda. Ela diz que alguns volumes de uma enciclopédia de anatomia do século XIX e um volume de Guerra e Paz estão entre os que viajam pela biblioteca.

"Também há essa sensação", diz a proprietária referindo-se a uma inquietante impressão de estar sendo observado no lugar. Lois diz estar acostumada, mas muitos clientes sentem como se alguém os estivesse observando constantemente sobretudo quando se movem próximo às prateleiras no fundo da livraria. Muitos clientes afirmaram ter ouvido sussurros vindos de lugar nenhum, terem visto livros caindo e sentido estranhas variações de temperatura no lugar. Estas aliás são uma marca registrada na livraria, os "pontos gélidos" estão em toda parte, espaços em que há variações de até 6 graus célsius.

O avô de Wendy, Roald Kemper Fournier, falecido em 2008 foi quem abriu a livraria e ele contava uma história apavorante que sempre deixou a neta intrigada.

O fenômeno dos livros empilhados parece ser algo muito antigo no estabelecimento, algo que remete aos anos 1950, quando esse caso supostamente aconteceu. Dentre os volumes que apareciam fora do lugar ou empilhados de maneira bizarra sempre estava uma edição gasta de "The Magus", do escritor britânico Francis Barret. Considerado um livro de referência no estudo do Ocultismo e da Magia Ritual, ele foi escrito e publicado em 1801. A edição em questão era encadernada em couro e datava de 1876. Era algo desconcertante sobretudo por se tratar de um livro discorrendo sobre temas esotéricos que incluíam satanismo e magia negra. 

O velho Roald relatava ver um "homem idoso, de cabelos grisalhos, com roupas antiquadas bastante sóbrias" vagando pela seção de ocultismo, e embora parecesse muito real e sólido, ele desaparecia no ar quando se tentava falar com ele. Vários clientes também afirmavam ter presenciado essa mesma figura se mover através das prateleiras como uma forma incorpórea. 


Houve relatos na época de frequentadores que alegaram terem sido tocados e empurrados por uma força invisível, ou que tiveram um livro que estavam folheando puxado ou fechado repentinamente. Visitantes e funcionários também experimentaram incidentes de portas fechando sozinhas ou de sentir um frio intenso mesmo no auge do verão. Em um relato especialmente perturbador, uma mulher certa vez contou ter sido empurrada fisicamente por um homem grisalho que teria dirigido a ela uma série de xingamentos antes de sumir.

O mais estranho, segundo as histórias relatadas pelo meu avô é que essa figura espectral, que passaram a chamar de Cavalheiro Grisalho, aparentemente seguia alguns clientes que haviam comprado algum livro da seção sobre ocultismo. Ele então os visitava! Lois relata uma história contada pelo seu avô: 

"Certa vez, um cliente comprou a edição do Magus e dois dias depois o trouxe de volta. Ele estava branco como papel e realmente assustado. O comprador em questão era um senhor distinto e bastante sério que não tinha motivo para inventar uma história tão bizarra. Ele relatou ter acordado no meio da noite e se deparado com uma figura fantasmagórica pertencente a um homem de meia idade com roupas do século anterior. O homem estava segurando o livro que ele havia adquirido e falava algo que ele não era capaz de entender. Ele repetia a mesma coisa, mas era impossível entender. Em seguida o quarto foi varrido pelo que ele descreveu como uma violenta confusão que arremessou objetos para todos os lados. O livro caiu no chão e a figura desapareceu como se jamais tivesse estado ali. Compreensivelmente o cliente ficou apavorado com a experiência! Ele veio até a livraria para devolver o Magus. Não queria nem o dinheiro de volta, só queria se livrar do volume".

Roald suspeitava que se tratava exatamente do Cavalheiro Grisalho uma vez que a descrição batia perfeitamente com a do sujeito que parecia assombrar a livraria.

O livro posteriormente foi vendido por um atendente a outro cliente meses mais tarde. E este relatou algo muito semelhante. A testemunha afirmou que alguns dias depois de levar o livro para casa, acordou no meio da noite com a visão assustadora de um homem grisalho em pé junto de sua cama, vestido com um tweed antiquado e com uma expressão furiosa. O homem sussurrou algo em um idioma que ele não conseguiu compreender antes de desaparecer. O sujeito ficou com o livro, mas algumas noites depois despertou sufocando com um fedor de podridão vindo de lugar nenhum - um cheiro tão sufocante que ficou impregnado em seu quarto. A gota d'água foi quando ele acordou certa noite sentindo mãos em volta de seu pescoço e uma voz desencarnada que repetia "devolva" várias e várias vezes. O comprador estava claramente perturbado e disse que queria devolver o livro. 


Depois desses dois incidentes o fantasma passou a ser visto cada vez mais frequentemente na livraria. A assombração surgia sentada em uma poltrona de canto, numa escrivaninha ou vagando pelo corredor da seção de livros sobre ocultismo. Em mais de uma ocasião montou grandes pilhas de livros ou derrubou alguns das prateleiras. O livro em particular, o Magus aparecia frequentemente no topo de uma pilha como se tivesse acabado de ser folheado. 

Um parapsicólogo consultado por Roald Fournier em meados de 1959 suspeitava que o Cavalheiro Grisalho talvez não estivesse ligado a livraria em si, mas sim ao livro. Este não seria o primeiro caso de um item assombrado, já que o sobrenatural abrange uma ampla gama de objetos aos quais espíritos se ligam por algum motivo, no que é frequentemente chamado de "apego espiritual". 

Tudo indicava que o volume do Magus era o foco de interesse da assombração. Por que outra razão o fantasma teria seguido os clientes até suas casas senão para recuperar o livro? Mas o que havia de tão especial naquele volume? Quem seria o seu antigo dono e como ele veio parar na Hatchett Books para começo de conversa? Era possível que o fantasma estivesse assombrando o livro por causa de seu conteúdo? Haviam tantas perguntas a serem respondidas.

Ao menos algumas delas Roald conseguiu responder. O livro em questão havia pertencido a biblioteca de uma Sociedade de Estudos em Ontário. Essa sociedade fechou em 1948 e a maioria dos livros foram guardados em caixotes e vendidos como lotes para diferentes negociantes de livros. Porém havia algo mais interessante no livro em questão, ele continha um ex-libris que chamava  a atenção. A imagem na folha de rosto do Magus continha duas chaves cruzadas e uma inscrição em holandês. Também continha o nome de seu dono original Van Amaranth. 

Uma pesquisa realizada pelo parapsicólogo revelou que a família de um empresário chamado Charles Van Amaranth havia realizado a doação de uma série de livros de sua coleção particular a Sociedade de Estudos por ocasião de seu falecimento em 1890. Mas quem diabos era esse sujeito? O parapsicólogo descobriu que ele foi um rico importador nascido em Roterdã, nos países baixos que se estabeleceu em Montreal no ano de 1859. Van Amaranth era um bibliófilo - de fato nas fotografias dele que foram encontradas e possível vê-lo sempre carregando um livro ou sentado em uma escrivaninha com livros ao seu redor.


Não há informações específicas sobre o interesse de Charles Van Amaranth no ocultismo, mas tudo indica que ele não era exatamente um novato no tema. Ele era um conhecido maçom e há suposições de que ele fosse igualmente interessado em Teosofia e Espiritualismo. Algumas menções confirmam que em vida ele frequentou grupos dedicados a espiritualismo e que participou de sessões espíritas e seànces.

Infelizmente, as imagens encontradas de Van Amaranth eram de um homem mais jovem, contudo era perceptível certo grau de semelhança com o fantasma pertencente a um homem claramente mais velho. A outra questão dizia respeito ao interesse póstumo dele no "The Magus". O Livro de Barret é considerado uma importante peça sobre a Filosofia Oculta, mas de difícil compreensão e que demandara de seu leitor certo grau de conhecimento prévio. Não é de modo algum uma leitura leve que atrairia um neófito no tema, pelo contrário. Teria Van Amaranth (supondo-se que era dele o fantasma do Cavalheiro Grisalho) deixado algum ritual sem conclusão? Ou teria ele simplesmente não terminado de ler a edição e buscava fazê-lo agora? 

A resposta parece ser quase impossível de ser obtida...

De uma forma ou de outra, Roald Fournier decidiu que o livro em questão não deveria ser vendido novamente para não desagradar ao Cavalheiro Grisalho e também evitar que clientes recebessem uma visita inesperada. Quando a loja passou de Roald para seu filho e depois para Lois, sempre se deixou claro uma condição: que a edição do "The Magus" jamais deixasse a Livraria e que de modo algum fosse vendida.

"Já me ofereceram mais de 2 mil dólares pelo livro, especialmente depois que a história sobre o fantasma ser publicada nos jornais locais", conta Lois Fournier que salienta com seriedade, "As pessoas se interessam por esse tipo de coisa, querem ter um objeto ligado a um fantasma, há gosto para tudo. Entretanto, de modo algum o livro sai daqui... sinto que se um dia isso acontecer algo desagradável pode ocorrer, não apenas com quem comprar o livro, mas com a livraria". O volume do Magus repousa sobre uma prateleira especial na seção de Ocultismo da Livraria com uma placa onde se lê que ele é um item inegociável.

"Muitas pessoas vem até a Hatchet e sabendo da história perguntam sobre o livro. Eu mostro a eles, mas nem todos querem folhear as páginas", conta a dona da livraria.


Mas e quanto ao Cavalheiro Grisalho? Ele continua a aparecer na Hatchett Books e segue lendo o seu tomo de estimação?

"Sim! Eu diria que hoje em dia ele aparece menos do que alguns anos atrás. Talvez ele tenha perdido parte do interesse no livro, mas as coisas estranhas continuam a acontecer como sempre ocorreram. Eu não invento isso... no início era algo que me assustava, mas hoje eu vejo como algo natural que faz parte de meu trabalho. Depois que você se acostuma essas coisas se tornam aceitáveis". 

Ao longo dos anos a assombração da Hatchett Books atraiu o interesse de vários investigadores paranormais. Um deles foi o Grupo de Pesquisa Parapsicológica conhecido como "The Haunted Barrie" ligado a Universidade Real de Montreal. Eles utilizam equipamento especial como câmera infravermelha, gravadores hipersensíveis, câmeras fotográficas de disparo rápido e detectores EMF (que lê o campo eletromagnético). A equipe fez três visitas em 2009 e embora eles tenham obtido algumas leituras curiosas na livraria, eles explicaram que elas provavelmente eram provenientes de fenômenos mais mundanos e não de evidências da presença de um fantasma. Tara Meulen, organizadora assistente do grupo Barrie, conta que sua equipe normalmente tenta eliminar as explicações mais racionais antes de tirar a conclusão de que sejam fantasmas:

"Queremos saber qual é a explicação mais razoável. As pessoas sempre ficam curiosas quando vivenciam algo inexplicável, a maioria quer acreditar que se trata de um fantasma. Mas nós conduzimos nossa pesquisa de forma muito responsável. Se captamos algo em uma gravação de vídeo ou áudio, estudamos todas as possibilidades. O que procuramos é uma potencial evidência paranormal e só a categorizamos como tal quando excluímos todas outras possibilidades".

Outro grupo de investigação paranormal, o Ghost Study of Simcoe County também investigou a loja obtendo resultados mais dramáticos em 2018. No caso deles alegaram que havia não apenas uma fonte de atividade paranormal latente na Hatchett Books, mas diversas. Eles parecem ter tido "mais sorte" pois encontraram as infames pilhas de livros e volumes estranhamente jogados pelo lugar. Em uma ocasião deixaram uma sala em ordem e poucos minutos depois encontraram o lugar bagunçado, como se alguém tivesse tirado os livros do lugar e os jogado.

Uma das especialistas que possuía dons mediúnicos chegou a comentar que a livraria era o "lugar mais assustador" em que ela já havia estado. Disse que captou um espírito à espreita, uma presença espectral, que ela afirmou estar justamente no corredor da seção de ocultismo. A sensitiva disse ainda sentir que essa presença estava incomodada com a equipe e que quando o "The Magus" foi apanhado na prateleira a temperatura baixou drasticamente. Além disso, o equipamento de captação de imagem e som apresentou problemas e simplesmente parou de registrar o que acontecia. No entanto eles conseguiram capturar algumas imagens fugazes do que parecia ser uma figura sombria flutuando pelos corredores. 

Afinal de contas, a alegada assombração do Cavalheiro Grisalho continua a habitar a livraria? E se sim, por quanto tempo ela irá continuar no lugar? Quem sabe? No final, ficamos nos perguntando por que esta pequena e pitoresca livraria é cercada por fenômenos tão incomuns e por incidentes inexplicáveis envolvendo esse livro em particular.

Por hora, o mistério continua.