Hoje em dia, nos tempos do politicamente correto, pode parecer inconcebível e incrivelmente errado, mas houve uma época em que caçar animais de grande porte na África era motivo de status e um dos roteiros turísticos mais procurados pelos ricos e famosos, sobretudo entre os anos 20 e 50.
Essas viagens através da selva eram chamadas de Safari, palavra que vem do idioma africano swahili e significa "longa jornada". Os Safari eram uma oportunidade de colocar homens e mulheres, em geral vindos da "civilização", em contato com algumas das criaturas mais majestosas da natureza. Um safari pode ser compreendido como uma maneira do homem civilizado provar sua superioridade sobre as bestas e a natureza. E pela lógica vigente na época, que melhor maneira de demonstrar isso que vencendo os animais selvagens em seu próprio habitat.
Para alguns, os safaris eram uma oportunidade de conhecer a África, para outros uma desculpa para encher suas salas de troféus de caça. Organizar um safari era trabalhoso e extremamente caro. Exigia a contratação de guias locais, compra de equipamento, suprimento, armas, munição e uma longa jornada até a África. Nos anos 20-30, Clubes de Safari começaram a aparecer na Inglaterra e América, oferecendo seus serviços que incluíam reservar acomodações, contratar guias nativos, além de disponibilizar armas e veículos. Os Clubes de Safari criaram uma verdadeira febre na alta sociedade e movimentaram um rentável negócio.
Muitos safari organizados pelos clubes não eram exatamente um desafio aos participantes. Eram na verdade excursões organizadas em reservas, verdadeiros piqueniques onde os viajantes podiam desfrutar da floresta sem dispensar comodidades como música, porcelana e boa comida. Nesses safaris de perfumaria, até mesmo os animais eram previamente capturados e até drogados para facilitar o trabalho dos caçadores de primeira viagem.
Isso gerou uma reação furiosa nos verdadeiros caçadores que consideravam esse comportamento uma afronta ao real esporte. Para os puristas, um safari deveria possuir fases distintas como seguir rastros e espreitar, antes de chegar o momento decisivo de abater a presa. O desejo de seguir essas regras, acabou em tragédia em mais de uma ocasião, com caçadores perdidos, vítimas de nativos, doenças tropicais ou dos próprios animais que eles tentavam matar. Um verdadeiro safari, embrenando-se na selva poderia ser desgastante, perigoso e até mortal, sobretudo para aqueles pouco familiarizados às condições encontradas.
Na literatura, o clássico "As Minas do Rei Salomão" de H. Rider Haggard apresenta o personagem Allan Quatermain, que por muitos anos foi a imagem do guia de safari na África. Um aventureiro profissional britânico, que transita livremente pelo perigoso Continente Negro e aceita acompanhar viajantes que desejam se embrenhar na selva em busca de caça. Quartermain é o clássico herói do Império Britânico, levando civilização aos recônditos mais distantes do mundo. Tarzan de Edgar Rice Burroughs, também é um personagem nascido de uma tragédia envolvendo um safari. Sua nobre família, os Greystokes morrem durante uma expedição e o único sobrevivente, um bebê de colo, é adotado por macacos. Outros heróis da ficção também se envolveram com safaris: O Fantasma, Jungle Jim e Gunga Dim, apenas para mencionar três exemplos.
O fascínio pela aventura e pela exploração da África também contagiou Hollywood fazendo surgir quase um gênero à parte, os chamados filmes de matinê com locações exóticas e aventureiros do qual Indiana Jones é um descendente direto.
As principais regiões que ofereciam viagens de safari eram as colônias sobre o controle britânico: Quênia, Tanganica, Namíbia, Congo e África do Sul. Essas colônias possuíam uma estrutura montada para atender as necessidades dos caçadores, sem falar de nativos dispostos a acompanhar os turistas.
Durante as excursõs que podiam durar dias e até semanas, os caçadores buscavam principalmente os cinco animais que compunham o chamado Big Game (grande caça) eram eles leão, elefante, búfalo, leopardo e o rinoceronte negro. Outros animais, como o gorila, antílopes, tigres e hipopotamos, também eram alvo de caçadores, contudo os animais que faziam parte da lista do big game ofereciam um maior desafio e seu abate resultava em troféus mais atraentes.
Na época os troféus de caça eram motivo de status. Possuir um salão com as cabeças empalhadas de antílopes, presas de marfim, peles de leão ou leopardo e chifres de rinoceronte adornando as paredes era motivo de orgulho para membros da alta sociedade. Da mesma forma, os safaris eram fartamente documentados com fotografias e em alguns casos até filmados. Graças a essa documentação existem registros de animais extintos e costumes tribais até então desconhecidos.
A lista de caçadores ilustres, que participaram de safaris, incluía pessoas tão diferentes quanto Theodore Roosevelt e Harry Truman (políticos norte-americanos), Winston Churchil (futuro primeiro ministro inglês), os exploradores britânicos Richard Burton e Percy Fawcett, a escritora Karen Blixen e os astros de cinema Humphrey Boggart, Charles Chaplin e os diretores John Huston, Cecil B. DeMille e Howard Hawks.
Em Call of Cthulhu
Nem é preciso dizer como um cenário envolvendo um safari pode se transformar em uma aventura de vida e morte.
Na época clássica da ambientação de Call of Cthulhu, os safari estão em seu auge e seria bem possível que eles atríssem diletantes e aventureiros. Investigadores podem participar de um "inocente" safari e descobrir em meio a selva africana templos, tribos hostis, monumentos ou ruínas pertencentes aos Mitos. Uma expedição é perfeita para personagens aventureiros pulp serem colocados em situações difíceis.
Imagine um grupo de personagens que parte em um safari, mas que inadvertidamente acaba cruzando um território desconhecido onde um antigo culto ainda é praticado por fanáticos nativos. Culto este que realiza rituais de sacrifício para honrar seus deuses negros e inumanos.
Talvez, o cenário que começou com os personagens no papel de caçadores, termine com eles na incomoda situação de presas, tendo de fugir em desespero pela floresta com centenas de nativos, e coisas piores, em seus calcanhares.
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