sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Assassinato de Thomas Fell - Diário da Aventura de Rastro

O pessoal do blog Além da Imaginação RPG, muito gentilmente permitiu a reprodução desse artigo com a narrativa do cenário "O Assassinato de Thomas Fell".

Eu achei bem legal esse Relato da Aventura na forma de uma carta. É o tipo de coisa que ajuda muito a tornar a experiência dos jogos em sequência mais interessante.
ATENÇÃO: Para quem pretende jogar esse cenário sugiro não passar desse ponto para não estragar as surpresas e reviravoltas da aventura. Guardiões que planejam conduzir esse cenário podem se espelhar nas reações dos jogadores.
* * *

Arkham, 28 de janeiro de 1928
Olá, velho amigo.


Faz algum tempo que não lhe escrevo e gostaria de estar enviando melhores notícias, mas devido a nossa amizade de longa data e de seu inestimável papel como meu mentor no departamento de polícia de Chicago, sei que posso contar com você. A narrativa que vai ler aqui se parece com uma destas histórias de fantasia que se compra em bancas de jornal, mas lhe garanto que ela é verdadeira.

Desde que pedi para ser transferido de Chicago, para cuidar de meus pais na cidade em que escolheram passar a velhice, tudo tinha transcorrido da melhor forma possível. Graças a experiência e o bom humor do Capitão George Gough, me adaptei rapidamente.

Em um dos primeiros casos em que trabalhei aqui, tive a ajuda de um antiquário da cidade, chamado Thomas Fell. Bom homem, muito equilibrado. Um ladrão roubara uma estátua de pedra muito antiga do museu da universidade, matando o vigia de forma horrível (ele foi esfaqueado trinta e duas vezes, segundo o legista) e com seu conhecimento, conseguimos capturar o criminoso e recuperar o item. Desde então, eu e Thomas nos tornamos bons amigos; ele até me ajudou a vender a casa de meus pais quando eles vieram a falecer.


A uma semana, recebi uma ligação do professor Knox Makepiece, antigo colega de faculdade de Thomas Fell. Ele me disse que estava preocupado, pois já fazia alguns dias que não recebia notícias dele e nem conseguia lhe falar ao telefone. Intrigado, comecei a fazer uma pequena investigação.

Primeiro fui até sua casa, mas como o professor dissera, ninguém atendia e ela parecia fechada a dias. Não poderia arrombar a porta sem um mandato, logo voltei ao distrito e consegui os telefones dos filhos dele: Kenneth e Roger Fell. Avisei o professor que tentaríamos entrar na casa, e combinamos de nos encontrar as 20:00 na porta.

Me adiantei um pouco e um a um os outros foram chegando. Roger Fell, o filho mais velho e médico por profissão, tinha a chave da casa e apesar de não parecer ter um bom relacionamento com o pai, estava muito preocupado. Sei que Kenneth Fell sempre foi mais ligado a Thomas por nossas conversas: ele era como o pai, um amante de antiguidades e obras de arte. Mesmo que ele parecesse calmo, depois de tantos anos na polícia, você sabe que uma das formas de se lutar contra o medo da perda de um ente querido é se fechar dentro de si mesmo.


Quanto a porta se abriu, temendo pelo pior, entrei na frente com minha arma, uma Colt.32, modelo padrão da polícia, e uma lanterna. Contudo, é isso que dá trabalhar com amadores: no exato momento em que entrei, Kenneth acendeu a luz da sala de visitas. Se algum criminoso estivesse por ali, já sabia de nossa presença.

Contrariado, ajudei a verificar o cômodo. Estava desarrumado e com muitos livros e papéis no chão, mas não havia sinal de que algo fora roubado. Verificando as cartas dos últimos dias, descobri vários recibos de material de alpinismo, como cordas e ganchos. O professor Makepeace não sabia explicar isto, já que Thomas somente negociava antiguidades, não era um aventureiro que subia em montanhas para obtê-las.

Neste momento, notamos que George estava com uma aparência assustada olhando para a cozinha. Quando nos aproximamos, descobrimos o motivo: o comodo havia desaparecido completamente e em seu lugar havia uma grande árvore fossilizada, de aparência agourenta, que parecia ter brotado do chão. Não havia sinais de reforma ou de aquele estranha árvore fosse uma das antiguidades obtidas pelo pai dele.

Subimos as escadas até o segundo andar, onde encontramos o pequeno estúdio onde ele trabalhava. O lugar estava abarrotado de livros, inclusive cobrindo as janelas. O professor e Kenneth ficaram verificando as estantes e me disseram que muitos deles eram sobre antigos mitos dos povos da América do Sul, antes dela ser colonizada pelos espanhóis.

Havia três envelopes na escrivaninha também, com cinco passagens de avião para o Chile, Peru e Colômbia, que deveriam ser usadas dali a três dias. O recibo indicava que ela fora comprada por um milionário local, chamado Jan Joyce-Cleveland. Teria de interrogá-lo assim que terminasse de investigar a casa.

Havia uma foto junto com as passagens: de Thomas com mais quatro desconhecidos, dois americanos, um alemão e um chinês, posando na frente da árvore que ficara no lugar da cozinha, com um grande sorriso no rosto. As passagens revelaram seus nomes: Franco Gruber, um arqueólogo alemão que Thomas mencionara certa vez, Jules Farquarson que suponho deveria ser alguém que conhecesse a região para onde o grupo iria viajar, James Kellerman, um caçador americano que ouvira o nome em uma investigação no clube de caça da cidade e o chinês chamava-se Wu Han, que tinha o porte de um atleta, talvez um alpinista.

Foi neste momento que George notou que a sala parecia menor do que estava acostumado e vi sinais de que a lareira se movia, pois havia marcas no piso a sua frente. Depois de algumas tentativas frustradas de empurrá-la, notei uma estátua de um homem com uma cabeça de cachorro em cima dela. Segundo Makepeace, era uma estátua de Anúbis, um homem com cabeça de chacal e deus da morte dos egípcios. Os livros e a estátua eram de culturas diferentes, aquilo não podia ser por acaso. Se o interesse de Thomas Fell eram os mitos dos antigos povos da América do Sul, por que não colocar uma estátua dos deuses de um destes povos?
Quando puxei a estátua, a lareira se mexeu, revelando um pequeno cômodo, abarrotado com mais livros. Segundo o Makepeace e Kenneth Fell, aqueles volumes eram raríssimos, mesmo que não acrescentassem nada a investigação, poderia servir de motivo para um sequestro. George lembrou-se do porão da casa, e como era o único lugar que não havíamos visitado, descemos até ele através do que restara do piso da cozinha, onde ainda existia um alçapão.

O lugar era escuro e úmido. O chão ainda era de terra batida e o teto era baixo. Uma lâmpada já muito fraca pendia do teto e quando ela foi acesa, notamos em um dos cantos uma gaiola de pássaros, com um ovo de pedra dentro. A gaiola parecia ter algum valor para Kenneth Fell, pois ele se emocionou um pouco com ela. George pegou o ovo e quando Kenneth voltou após explorar uma porta nos fundos do cômodo disse que tinha achado algo. Foi neste momento que tudo começou a ficar estranho.

Uma forte luz vermelha veio daquela porta em nossa direção. Quando conseguimos abrir os olhos, estávamos em uma planície cercada por altas montanhas. Na nossa frente havia um pilar de pedra com estranhas inscrições e uma navalha ensanguentada a seu lado. No meio da planície, estava a cozinha da casa de Thomas.

Aquele tudo não fazia sentido e alguns dentre nós estavam muito abalados com a estranha viagem, mas tínhamos de descobrir um jeito de sair dali. Chamamos pelo nome de Thomas várias vezes, mas não tivemos resposta. Foi quando notei uma trilha de sangue saindo da cozinha, se estendendo pelo chão de pedra acinzentada da planície até um vagão de trem, que estava preso dentro de uma montanha (preso não definiria bem a cena, já que parecia mais que o vagão crescera dentro da montanha, fazendo parte dela). Dentro do vagão encontramos o corpo do chinês da foto, Wu Han.


Ele morrera após ser esfaqueado várias vezes. Não consegui impedir que os outros entrassem e vissem a cena dantesca.

Por entre as montanhas havia três desfiladeiros que pareciam servir de passagem. Seguindo por um deles, sentimos um forte cheiro de amônia, como se fosse a urina de algum animal. Saquei minha arma e fiquei preparado. No final da passagem, encontramos o corpo do alemão, Franco Gruber. Para espanto de todos, apesar de todo sangue ele ainda estava vivo, mesmo que precariamente. Suas palavras nos fizeram compreender um pouco do que acontecera ali e revelou uma terrível verdade:

Me matem… por favor… me matem. Isso tudo, foi culpa de Thomas. Ele tem o ovo… o ovo que impede as criaturas de atacarem. Ele matou… ele matou… todos nós, está louco… por favor… me matem!”

Quando George verificou o corpo, descobrimos por que ele pedia para ser morto: seu corpo, da cintura para baixo, estava se transformando lentamente em pedra. Foi quando ouvimos um estranho barulho, como se algo estivesse cavando debaixo do solo. De repente, uma serpente de pedra saltou na direção de George Fell. Como já estava com a arma em punho consegui atirar a tempo na criatura antes dela ter sucesso em seu ataque. Não a matou, mas a fez fugir cavando pelo chão de pedra da planície. Quanto ao alemão, não podíamos deixá-lo ali ou levá-lo, pois estava preso ao chão, então tive de tomar uma difícil decisão, para aliviar seu sofrimento.

Continuamos pela passagem muito abalados, esperando que no final, houvesse uma saída daquele lugar, mas encontramos somente uma pequena caverna, onde vários daqueles ovos de pedra estavam empilhados. Por causa do aviso do alemão, cada um pegou um dos ovos, mas agora acredito que isto foi um erro: pois uma daquelas serpentes saltou do meio deles e mordeu o braço de George Fell, que começou a se transformar lentamente em pedra.

Saímos correndo por outra passagem e quando vimos, estávamos na planície de novo. Seguimos pela último desfiladeiro e no fim dele encontramos Thomas Fell. Parecia que ele não comia ou tomava banho a dias, com roupas rasgadas e cheias de terra. Ele falava algo em voz baixa para alguma coisa no solo e quando notou nossa presença, vimos a loucura em seus olhos.

O que vocês estão fazendo aqui?! O que?! Vocês querem tirar meu poder, querem tirar minha missão! Eu tenho de levá-los, levá-los pelo mundo. Vocês não vão me roubar!!!”

Thomas estava armado com um rifle e parecia prestes a nos atacar, diferente do homem sereno e equilibrado que todos conhecíamos. Kenneth tentou dissuadir o pai, falando sobre memórias do passado e do terrível ferimento de seu irmão, mas nesta hora, ele pegou sua arma e atirou em George. Thomas começou a balbuciar, como se ao atirar no filho, tivesse recuperado um mínimo de sua sanidade.

Não havia outro jeito, não havia outro jeito, ele já estava morto… já estava morto…”

Contudo, com uma agilidade espantosa ele saiu correndo pela passagem, em direção ao pilar de pedra. Comecei a persegui-lo enquanto o professor e Kenneth carregavam George Fell, que estava as portas da morte. Antes de sair em perseguição, deixei minha arma com Makepeace, caso alguma das criaturas aparecesse.

Thomas Fell olhava para o pilar de pedra quando o alcancei e ele se virou. Sua camisa estava entreaberta e vi cravado no peito dele um pedaço de pedra cinza, com estranhas inscrições, similares as do pilar.


Eu tenho uma parte da Estela, só eu posso sair daqui e espalhá-los, espalhá-los pelo mundo!!!”

Nada daquilo fazia sentido, mas me joguei sobre Thomas e nos encarceramos em uma acirrada luta. Consegui desarmá-lo e durante o embate, atirei nele com o rifle. Ele estava quase morto, pois a bala atingira seu estômago, mas seu olhar enlouquecido continuava: Thomas Fell já não existia mais. George estava muito ferido e pelo jeito só havia uma coisa que poderia nos tirar dali, mas Thomas não nos levaria e tornara-se perigoso demais para ir embora conosco.

Talvez o que vou lhe contar agora abale sua confiança em mim, mas quero que entenda que tive de fazer aquilo. Só Deus sabe quantos mais iam morrer se eu não fizesse.

A navalha estava a meu alcance e com dois golpes, mutilei o peito do homem, arrancando a pedra com minhas mãos. Quase entrei em pânico e vi os olhares de terror que meus companheiros me lançavam. Antes que começasse a duvidar de mim mesmo, me aproximei do pilar e a mesma luz vermelha que nos trouxe, levou de volta a casa, junto com o corpo de Thomas Fell.

Agora, você sabe quem é o assassino de Thomas Fell e espero que um dia possa entender minha motivação e ajudar a me perdoar.

Não sei se viajamos de verdade para uma planície deserta em meio as montanhas ou se estávamos sob o efeito de alguma droga. Nos dias que se seguiram, passei muito tempo ocultando as provas do assassinato e consegui atribuir sua morte a um pequeno culto clandestino local que venera a morte. Kenneth e o professor não me delataram, mas a dias que não os vejo e nem sei se querem falar comigo depois do que houve. George está no hospital em coma. Seu braço teve de ser amputado, pois os médicos não sabiam como curar a estranha doença que o acometera.

Desde que o matei não tenho me sentido muito bem: perdi o sono e tenho ouvido vozes. Estou bebendo muito também, para anestesiar a culpa.

Você me ensinou muito do que sei e mostrou o caminho da justiça, por isso lhe digo: eu vou me entregar pelo assassinado de Thomas Fell (guardei a camisa ensaguentada, a navalha e algumas provas em um cofre que aluguei no banco para isso), mas primeiro preciso entender o que aconteceu. Eu preciso saber a verdade.

Vou manter contato, lhe enviando sempre que possível novas informações, caso algo aconteça comigo ou perca a sanidade como Thomas, mas peço que não venha a Arkham, pois lhe tenho grande consideração e a culpa que sinto, que já é grande demais, vai aumentar, fazendo com que me entregue e não consiga descobrir a verdade sobre este estranho e trágico caso.
De seu pupilo,
Detetive Norman Wright

Um comentário:

  1. Olha, só! Estava esperando quando ele ia aparecer no Mundo Tentacular! Gostei bastante das imagens que você incluiu, ficou show de bola!

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