sábado, 21 de março de 2015

Pesadelo Ibérico - Falando da Guerra Civil que devastou a Espanha



Entre os anos de 1936 e 1939 cerca de 500,000 pessoas foram mortas no Conflito que ficou conhecido como a Guerra Civil Espanhola.

Talvez não tenha sido a guerra mais importante de um século marcado por horríveis e sangrentos confrontos, mas o conflito que dividiu o País Ibérico e custou tantas vidas, não pode ser considerado como uma "pequena guerra" restrita a uma única nação. A Guerra Civil que devastou a Espanha foi o primeiro conflito em larga escala, onde correntes políticas antagônicas, fascistas e comunistas, se enfrentaram no campo de batalha, não apenas no das idéias. Ela também serviu como uma espécie de laboratório para a Segunda Guerra Mundial, com atrocidades cometidas de ambos os lados, envolvimento direto da população civil e emprego de máquinas de guerra modernas com dramáticas consequências.

No início do século passado, a antiga influência do império espanhol, que havia governado meio-mundo nos séculos anteriores, perdera seu brilho. Suas vastas e ricas colônias na América haviam conquistado a liberdade e o envolvimento em uma fracassada Guerra contra os Estados Unidos (A Guerra Hispano-Americana de 1896) tinha custado suas últimas possessões em Cuba e no Pacífico. O país era atrasado economicamente, uma nação basicamente agrária com latifundiários governando os campos e uma indústria incapaz de competir com seus vizinhos que realizaram a Revolução Industrial.


O clima político era de total instabilidade, com pressões de vários setores populares para substituir a monarquia e instituir a República. Haviam radicais socialistas que planejavam atos públicos e agitadores anarquistas infiltrados nas cidades dispostos a reunir as massas e lutar. O medo de uma Revolução Comunista semelhante a que varrera a Rússia menos de uma década antes, crescia entre a população. Nessa época, a Espanha era regida pelo Rei Alfonso XIII em um regime de Monarquia Constitucional, um governo considerado ineficiente e corrupto.

Para piorar as coisas, em 1921 um contingente militar espanhol foi enviado aMarrocos, uma das últimas colônias africanas ainda sob o controle da Espanha. Sua missão era acabar com uma rebelião popular. A força expedicionária, apesar de melhor aparelhada e treinada, foi massacrada pelos rebeldes de tal forma que a humilhação sofrida fomentou um sentimento de revolta contra o governo. Dois anos depois, Alfonso XIII foi forçado a abdicar em favor do General Miguel Primo de Rivera favorecido pelas classes trabalhadoras e militares.

O golpe de Estado sem derramamento de sangue, permitiu a realização de algumas mudanças que visavam modernizar o país. A Guerra na Europa permitiu que a Espanha se recuperasse no cenário econômico explorando sobretudo as suas riquezas minerais. Mas as tensões entre as autoridades civis e militares se provaram insuportáveis. Muitos grupos ameaçavam dividir a Espanha: Revolucionários socialistas que haviam ganhado força entre o operariado, movimentos separatistas regionais - bascos e catalãos sobretudo, grupos anti-clericais, e anarquistas estavam por toda parte. 


Em 1931, o General Rivera deixou o poder apresentando problemas de saúde e um governo republicano foi promulgado tendo Manuel Azaña como líder. Mudanças foram realizadas no sentido de separar a Igreja do Estado, de reformar o exército e conceder algum poder a regiões que clamavam por autonomia como a Cataluña. Partidos políticos antes clandestinos, como os comunistas e socialistas foram legalizados, seguidos do Partido Fascista criado nos mesmos moldes que na Itália e Alemanha. A tensão continuava aumentando e incidentes violentos se tornaram frequentes: fascistas e comunistas se enfrentavam nas ruas, separatistas realizavam atentados à bomba enquanto greves (convocadas por anarquistas) paralisavam o país. O ressentimento contra a Igreja e seu poder político resultou na destruição de templos e no assassinato de clérigos. A situação saiu de controle quando um movimento comandado por mineiros da província de Astúrias tentou se separar do restante do país e foi esmagado por tropas da Legião Estrangeira que havia lutado no Marrocos. 

A Lei Marcial foi decretada e centenas de milhares foram presos sob acusação de conspiração política. Mas o caos continuava: milícias se formavam desafiando a lei, grupos de homens armados cuja devoção à causa que serviam beirava o fanatismo marchavam em público paramentados e frequentemente trocavam tiros nas ruas com seus oponentes. Finalmente, uma eleição de emergência foi conclamada em 1936 e a Frente Popular, uma coalizão de esquerda formada por socialistas e comunistas moderados assumiu o governo.

Imediatamente após a vitória nas urnas, o exército sob o comando do General Francisco Franco e Emilio Mola decidiu dar início a um golpe de estado contra o governo. Os insurgentes, chamados de Nacionalistas, congregando principalmente militares que haviam lutado no Norte da África, em pouco mais de três meses assumiram controle sobre um terço do país. Contudo mesmo com essa ação, os Nacionalistas não conseguiram tomar as grandes cidades que continuavam sob poder dos Republicanos, como passaram a chamar os governistas.


A Guerra Civil que tudo indicava seria rápida, começou a se arrastar. Por três longos e sangrentos anos o país mergulhou no Pesadelo Espanhol. As tropas mal aparelhadas de ambos os lados no início do conflito se voltaram para as nações estrangeiras esperando apoio. A Guerra Civil na Espanha havia deixado de ser um conflito entre espanhóis; tornara-se uma disputa filosófica que atraia os olhos do mundo.

Franco recebeu a abundante ajuda de Itália e Alemanha, cujos regimes fascistas eram bastante semelhantes ao seu projeto de governo. A Itália enviou 70.000 homens e equipamento, a Alemanha cedeu armamento, munições e consultores militares. A famosa Legião Condor, a base da futura Lufftwaffe, também foi enviada para obter experiência prática de combate para a próxima guerra que Hitler estava planejando. O governo Republicano voltou-se primeiro para a França, que na época era liderada pelo Premier Socialista Léon Blum, mas quando eles não ofereceram mais do que sua simpatia, foi a vez de negociar com a União Soviética. Os russos enviaram armas e munições para ajudar a República, mas ao mesmo tempo seguiam uma agenda própria que visava estabelecer um governo Comunista após a vitória.

A opinião pública na Inglaterra pendia para a República, embora o governo inglês desejasse claramente a vitória de Franco. Os britânicos supervisionaram a formação de um Comitê de não-Intervenção na Liga das Nações cujo propósito era não participar da Guerra Civil e ao mesmo tempo evitar que o conflito se espalhasse além das fronteiras para o restante da Europa. A Alemanha e a Itália concordaram em participar do Comitê, assinaram documentos, mas na prática continuaram a fornecer material de ajuda aos Republicanos. Os Estados Unidos oficialmente se mantiveram fora do conflito, embora empresas petrolíferas tenham lucrado muito, vendendo combustível para abastecer as tropas de Franco.


Nenhum escritor de ficção de horror poderia conceber uma imagem mais terrível do caos fanático e da brutal violência que tomou conta da Espanha naqueles dias.


Nas áreas controladas pela República, grupos socialistas tentaram implementar o embrião de uma revolução social. Na prática, contudo, facções de socialistas, comunistas, anarquistas, camponeses, separatistas e outros grupos brigavam uns com os outros tentando colocar seus modelos políticos acima dos demais. Alguns grupos se acusavam abertamente de trair o ideal da República ou de "não ser socialista o bastante". Donos de terras e pequenos comerciantes eram obrigados a repartir o que tinham e qualquer um que tentasse conservar seus bens podia ser taxado de inimigo, denunciado, preso, ou pior. Em cidades controladas por milícias, lojas e empresas foram saqueadas e aproveitadores usavam a revolução como pretexto para criar confusão. A Igreja Católica era acusada de compactuar com os Nacionalistas - o que muitas vezes era verdade, e por conseguinte inúmeros religiosos foram atacados e igrejas incendiadas. Padres foram fuzilados e freiras violentadas, o ódio era tamanho que os cadáveres dos religiosos eram pendurados nas torres das igrejas para apodrecer. O radicalismo chegava a tal ponto que execuções simbólicas de santos eram realizadas, um show bizarro em que estátuas eram fuziladas ou profanadas. Os comunistas russos tentaram impor algum controle, mas sua chegada introduziu na Espanha a típica paranoia de Stalin com uma crescente rede de denúncias e expurgos. Militares que perdiam uma batalha ou que retrocediam eram considerados ineptos e podiam ser destituídos sumariamente, isso quando não eram acusados de traição e fuzilados.

Nas regiões sob o controle dos Nacionalistas a situação não era muito melhor. As tropas de Franco iniciaram uma brutal contra-revolução. Tudo o que podia ser considerado como apologia ao socialismo era atacado, milhares eram presos, torturados ou simplesmente desapareciam na calada da noite. A Lei Marcial foi declarada e os oficiais do exército receberam carta branca para manter a ordem, o que na prática concedia o direito de eliminar suspeitos. Líderes locais governamentais e intelectuais eram rotineiramente executados. Os militares decidiram anistiar presos, muitos dos quais homens de índole violenta, para que se juntassem ao exército. Concederam treinamento e deram armas a criminosos cuja motivação única era matar os inimigos. As cadeias foram esvaziadas para abrir vagas aos presos políticos. Nas tropas nacionalistas, os mais temidos eram os membros da Legião Colonial, homens embrutecidos pelos anos servindo na colônia africana e acostumados a violência.

Entre os dois lados, milícias formadas por bandidos vagavam à esmo pela zona rural instituindo uma justiça própria que vitimava os pobres camponeses pegos entre dois fogos. Ladrões, desertores e facínoras cobravam proteção de vilarejos e ao seu modo faziam uma revolução particular. 


As atrocidades se tornaram lugar comum durante a Guerra Civil. Ódio e ressentimento se converteram em moeda de troca entre os lados opostos: se um lado fuzilava os prisioneiros, o outro reagia decapitando os seus. Se uma vila aliada era aniquilada por um lado, o outro imediatamente promovia um massacre ainda maior. A escalada de selvageria, encontrava eco nas aterrorizantes telas de Francisco Goya que um século antes havia retratado cenas igualmente trágicas durante a guerra entre França e Espanha.

Em uma demonstração de absoluto terror ensandecido, implementos de tortura usados pela Inquisição deixaram os museus para serem usados uma vez mais em um horrível renascimento de uma das piores épocas da história. O garrote, o ferro em brasa e outros instrumentos odiosos voltaram a ter uso nas mãos de carrascos e sádicos.  

Não demorou para que os Insurgentes de Franco se mostrassem mais preparados para a Guerra e começassem a vencer as principais batalhas. Além de contar com armas e equipamento superiores, os Nacionalistas tinham a seu favor uma quantidade maior de soldados profissionais, enquanto os Republicanos contavam com muitos voluntários cheios de vontade de lutar, mas com pouca experiência de combate.

Em novembro de 1936, as tropas Nacionalistas realizaram um assalto a capital, Madri. Largo Caballero, então primeiro-ministro da República, achou que a derrota era questão de tempo e providenciou a evacuação do governo para Valência. Ele deixou um leal, general chamado José Miaja, encarregado da defesa da cidade, provavelmente mais para supervisionar o processo de rendição. Para grande surpresa de todos, Miaja conseguiu coordenar os esforços de seu exército com a população civil e as forças voluntárias. Ele teria dito às suas tropas que havia apenas uma ordem: "resistir". E quando lhe perguntaram para onde as tropas deveriam se retirar se necessário, ele respondeu: "para o cemitério." 


Quando o ataque de Franco contra Madri começou em 8 de novembro Miaja e suas forças estavam prontas. Eles foram auxiliados por membros da recém-formada Brigada Internacional, voluntários de todo o mundo que acreditaram na causa anti-fascista: muitos destes veteranos da Grande Guerra foram fundamentais na batalha. A primeira investida contra Madri durou dez dias, sem pausa. Os insurgentes despejaram milhares de bombas sobre a cidade, que naturalmente não tinha abrigos e quase nenhuma arma anti-aérea. O combate corpo-a-corpo se alastrou pelos arredores da cidade, pelas ruas, pelas praças e prédios arruinados. 

Mas os republicanos mantiveram suas posições, e depois de 18 de novembro forçaram os insurgentes a desistir, concentrando suas atenções em outros cenários. Madrid tornou-se uma cidade sitiada, e permaneceria assim até o final da guerra, em 1939.

A luta se deslocou para o fronte ao norte, onde um dos massacres mais infames da Guerra Civil ocorreu em 1937. A Legião Condor, aparentemente com o intuito de realizar um teste de calibragem de bombas, devastou a pequena cidade indefesa de Guernica. Um total de 1600 civis foram mortos pela esquadrilha.

Em 1938, com o rumo da guerra já decidido e cada vez menos resistência por parte dos Republicanos, Franco formou um secretariado de transição que passou a ser considerado o governo legítimo. Naquela altura, Hitler já tinha tomado a Áustria e fazia seus primeiros movimentos na Tchecoslováquia atraindo a atenção do mundo. O impasse na Espanha foi se tornando uma preocupação cada vez menor para os líderes europeus. Com as fileiras de voluntários das Brigadas Internacionais se esvaziando, a República estava com seus dias contados. A fuga para a França e o exílio passou a ser a única meta de um contingente cada vez maior de soldados. 

Em fevereiro de 1939 a Grã-Bretanha e a França reconheceram o governo de Franco. A União Soviética, por muito tempo a maior aliada da República terminou por cortar relações com ela e suspender seu apoio quando Stalin e Hitler assinaram um acordo bilateral de não-agressão. Após algumas últimas batalhas, no final de março o comando republicano se rendeu, e Francisco Franco se tornou o governante incontestável da Espanha.

A Guerra Civil Espanhola foi o campo de provas para a maior parte do armamento e estratégia militar que seriam largamente usados na Guerra Mundial. Ela demonstrou a vantagem que o poderio aéreo representava e a capacidade destrutiva de armas modernas. Após a Guerra Civil, nações de todo o mundo iniciaram o processo de modernização de aeronaves para utilização militar: caças e bombardeiros se tornaram ferramentas chave para as ambições bélicas. Os Estados Unidos por exemplo, modernizou suas esquadrilhas após receber informações sobre a destruição de Guernica, bombardeada pela Legião Condor. A Grã-Bretanha começou a se preparar para um cenário semelhante desenvolvendo abrigos anti-bombas nas suas maiores cidades. 


O Conflito também demonstrou com amargor que a Europa não estava pronta para uma paz duradoura como almejava a geração que havia lutado na Grande Guerra (1914-1918). É provável que a Guerra em si não tivesse durado tanto tempo, e nem tivesse deixado um saldo tão elevado de vítimas, se não fosse a interferência estrangeira. O golpe de Franco teria possivelmente falhado, não fosse o auxílio dos aliados fascistas, e a República não teria resistido em Madri se não fossem as Brigadas Internacionais.

Por um lado, as potências ocidentais democráticas haviam apenas observado e permitido que um governo democraticamente eleito fosse esmagado por fascistas. Por outro lado, esse mesmo governo democraticamente eleito acabou por se tornar tão brutal e cruel quanto qualquer fascista poderia ser.

Era difícil saber para quem torcer nesse trágico conflito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário