O autor do RPG "A Bandeira do Elefante e da Arara" (ABEA), Christopher Kastensmidt concedeu uma entrevista ao Mundo Tentacular na qual ele fala a respeito de como foi escrever seu livro que resgata o Brasil Colonial. Ele falou também de suas influências, de jogos, de como foi feita a sua pesquisa e dos planos futuros para ABEA.
Mundo Tentacular - Olá Christopher, obrigado pela entrevista. Para começar, seria legal você se apresentar e falar um pouco a respeito de sua experiência com Literatura e com os RPG.
Christopher Kastensmidt - Primeiramente, eu gostaria de agradecer a oportunidade de conversar com os leitores de Mundo Tentacular! Acompanho o grupo e acho sensacional. Sou leitor voraz desde a minha infância. Comecei a publicar as minhas próprias histórias a partir do ano 2005. Nem sei exatamente quantas histórias, livros e quadrinhos já publiquei, há muitos, mas já fui traduzido para pelo menos dez idiomas.
Também trabalhei muitos anos na indústria de games. Participei da criação de cerca de 30 títulos, com muitas milhões de cópias vendidas.
A minha experiência com RPG começou com nove anos de idade, a edição de Dungeons & Dragons editada por Tom Moldvay (1981). Joguei também na época AD&D, Star Frontiers, MERP e outros sistemas. O RPG foi fundamental na minha formação como criador de narrativas e como ser humano em geral. Passei um bom tempo sem jogar, até jogar Mundo das Trevas, Call of Cthulhu e outros nestes últimos anos.
MT - Como foi o trabalho de pesquisa e criação do RPG "A Bandeira do Elefante e da Arara"? O que foi mais complicado de escrever e o que deu mais satisfação ver pronto?
A Bandeira do Elefante e da Arara começou como uma série de contos, que também gerou um livro em quadrinhos e romance. Comecei a trabalhar neste universo em 2006, e pensei desde o começo em publicar um sistema de RPG em algum momento. Juntei anotações ao longo de uma década. Tenho mais de 200 livros que uso para referência.
O mais complicado do RPG talvez fosse o bestiário. Além de precisar escolher entre muitas variações de cada mito, tive que converter as criaturas para o sistema do RPG. Também tive que escolher o que colocar neste primeiro livro e o que deixar de fora.
O que deu mais satisfação é ver tanta gente jogando em tão pouco tempo. No último final de semana, durante o Dia Nacional do RPG, recebi relatos de 12 mesas da Bandeira em 9 eventos diferentes. Foi certamente entre os sistemas mais jogados no dia. É muita gente para um sistema lançado três meses atrás.
MT - O que mais te atraiu no folclore brasileiro e o que fez com que você decidisse escrever romances a respeito dele? Quais as suas lendas e criaturas favoritas?
Comecei a pesquisar estas lendas por causa de um projeto de game, ambientado na Floresta Amazônica, da minha antiga empresa. O game nunca foi lançado, mas peguei o gosto das lendas e, vários anos depois, inspiraram as histórias de ABEA.
A minha lenda favorita é Pai do Mato, que chamo o “Godzilla brasileiro”. É uma criatura gigantesca e aparece tanto no romance quanto no RPG.
MT - Antes de vir para o Brasil e pesquisar sobre o tema, o que você conhecia a respeito do folclore brasileiro? E qual a reação dos leitores estrangeiros quando eles são apresentados às nossas tradições? O que eles acham mais interessante e o que tende a causar mais surpresa?
Antes de vir para o Brasil e pesquisar sobre o tema, eu conhecia ZERO sobre o folclore brasileiro. Nem o Saci é conhecido fora do Brasil.
Os estrangeiros adoraram as histórias, escrevi as primeiras pensando no leitor internacional. As pessoas chegaram a me perguntar como eu tinha inventado “aquele Saci-Pererê” e outras criaturas. É muito diferente para eles. A primeira história chegou a concorrer o Prêmio Nebula, um dos principais prêmios mundiais de ficção fantástica.
MT - Todos que gostaram de "A Bandeira do Elefante e da Arara" querem ver mais livros do jogo. Existem planos para suplementos e material para expandir a ambientação? O que existe de concreto?
Nenhum contrato foi assinado ainda, mas já há dois suplementos sob desenvolvimento, que vão aprofundar sobre regiões diferentes da colônia. O material está ficando espetacular.
Fora disso, planejo lançar uma edição estendida do livro básico com mais imagens e o refinamento de algumas regras. Recebi hoje a notícia que a primeira tiragem esgotou na editora e, devido à natureza do projeto cultural, não podemos fazer uma nova tiragem sem modificar o livro. Por isso, quem não comprou o livro ainda vai ter que segurar um pouco para esta nova edição.
Também planejo lançar um kit do mestre, com escudo e uma aventura. Fora destes livros impressos, quero disponibilizar uma ou duas aventuras online em formato PDF ao longo do ano, tudo escrito por outros autores.
Material não vai faltar, mas vai demorar um pouco para chegar. Até o final do ano passado, eu estava focado 100% em lançar o livro e a primeira aventura “A Lenda da Ave Dourada”, de J. M. Beraldo. Ninguém esperava o livro esgotar em três meses, e já começou a corrida para preparar a próxima leva.
MT - Ouvi falar de um Jogo de Tabuleiro que estaria sendo desenvolvido para o cenário. O que você pode falar a respeito dele?
Este jogo de tabuleiro é bem temático, baseado nos personagens e situações do romance. Ficou parado uns anos por questões de gráfica, mas já reformulamos o formato e estou vendo com a Devir a possiblidade de lança-lo ainda este ano.
MT - Sei que você trabalha com criação e desenvolvimento de jogos digitais, existe a possibilidade de "A Bandeira do Elefante e da Arara" ganhar esse formato?
Não apenas existe a possibilidade, estou trabalhando com uma equipe para se tornar uma realidade. Deve ter um anúncio nos próximos meses. A notícia boa para fãs de RPG é que vai ser um dos games mais fieis ao material original, quase um simulador de RPG de mesa em vários aspectos.
MT - Os RPG estão voltando em grande estilo no Brasil. Por muito tempo o hobby parecia morto por aqui. Nesse contexto de redescoberta do jogo, qual a importância de um jogo com a temática "folclore" e "história" nacional?
Não sei que a temática é a mais importante, para mim, importante desde o começo era criar um sistema muito acessível, que pode ser ensinado em questão de minutos e levado facilmente para a sala de aula.
Dizendo isso, acho que muitas crianças estão criando uma conexão forte com a matéria por estar mais perto da realidade delas. Além da temática, tentamos criar ilustrações de pessoas diversas, para cada um poder se encontrar dentro das páginas. Representatividade é muito importante.
MT - Gostaria que você falasse um pouco a respeito da proposta de "A Bandeira do Elefante e da Arara" como recurso para professores e seu uso educacional em sala de aula.
O projeto foi criado desde o início para--além de ser uma experiência rica e divertida--servir como ferramenta paradidática. Por isso, criei um sistema com dados de seis lados, para ser acessível para qualquer escola. Os termos são mais adequados para uso em sala de aula. Por exemplo, o professor não precisa chamar o aluno de “mestre”, chama de “mediador”. “Jogadores” viraram “participantes”. Também quis colocar uma apêndice sobre o uso de RPG em sala de aula, que o professor Rafa Jaques escreveu para nós.
Desta primeira edição, 1.400 exemplares (quase metade da tiragem) foram distribuídos entre 200 escolas em 8 estados.
Para completar, eu gostaria de agradecer outra vez ao Luciano Giehl e Mundo Tentacular pela oportunidade de participar desta entrevista.
O prazer foi todo nosso!
Terrores divertidos para todos!
Ah sim, pessoal. Abaixo está o trailer do livro que por sinal ficou muito bom:
Estou lendo e gostando bastante!
ResponderExcluirO livro é bonito, bem trabalhado, bem construído. Só isso já valeria os parabéns ao autor e à equipe.
Mas essa ideia de utilizar em sala de aula é espetacular! Vem ajudar a preencher uma lacuna que grande parte de nós, RPGistas, já pensou em desempenhar, e sabemos quão grande é o potencial do RPG em ambiente acadêmico.
Esperamos novos livros, novos jogos, novas mídias! Esse jogo é um marco no Brasil!