terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Punt Gun - Espingardas gigantes com incrível poder de fogo


Se há uma verdade à respeito de armas de fogo é que não importa o quão mortais e destrutivas elas possam ser, sempre haverá alguém interessado em torná-las ainda mais mortais, ainda mais destrutivas.

Ao longo da historia humana existiu um desejo contínuo de criar armas maiores e com maior poder de fogo. Ocasionalmente o resultado eram armas comicamente grandes e tão difíceis de serem manipuladas que os atiradores que ousavam usá-las se arriscavam demasiadamente. Elas falhavam, não tinham qualquer precisão ou simplesmente explodiam ao serem disparadas.

Entretanto, houve inesperados sucessos nessa busca incessante pela arma mais letal. Entra em cena então a Punt Gun. No caso dessa lendária arma de fogo, o problema era outro: ela funcionava bem até demais! E sua existência colocava em risco a ecologia, constituindo um enorme perigo para o meio ambiente. 

Mas para entender essa história é preciso voltarmos no tempo. No início dos anos 1800, a caça era uma prática bastante difundida. As pessoas que viviam no campo possuíam armas de fogo, em especial rifles e espingardas, usadas exclusivamente para atividade de caça. Se quisessem ter carne na mesa, uma maneira bastante comum de consegui-la era ir ao campo, se embrenhar na mata e atirar com espingardas nos animais que se desejava comer. Caçar era uma necessidade para a sobrevivência! 


Na América do Norte e Europa, os patos selvagens estavam entre as aves mais desejadas para caça. Eles eram muito numerosos e relativamente fáceis de se abater. Mas quando as cidades começaram a crescer, surgiu um mercado para a venda da carne desses animais. Além da carne de pato, que era muito apreciada, a indústria da moda usava as penas na confecção de chapéus femininos. De fato, viver da caça ao pato se tornou o ganha pão de muitas pessoas que habitavam as zonas rurais. 

Com o aumento da demanda, os caçadores começaram a desenvolver maneiras de facilitar seu trabalho. Patos não ficavam parados quando alguém disparava contra eles, os pássaros simplesmente voavam apavorados para longe quando ouviam o barulho de caçadores ou o disparo de uma espingarda. Era necessário então achar uma forma de abater o maior número possível de presas, de preferência com um único disparo. 

Foi isso que impulsionou a criação dos primeiros modelos de Punt Guns, armas gigantescas que serviam para matar centenas de patos com um único tiro.

As armas eram basicamente versões imensas dos rifles de caça, geralmente com um único cano ao invés do tradicional cano duplo. As primeiras Punt Guns eram duas, por vezes, até três vezes maiores que um rifle normal, com um mecanismo de disparo igualmente grande que recebia uma generosa quantidade de pólvora e muita munição. O grande problema é que embora pudessem ser disparadas por um único atirador, a arma tinha uma enorme probabilidade de arremessa-lo longe com a potência do coice, quebrar sua clavícula ou até o braço. Além disso, a precisão era prejudicada pela sua tremenda potência. A solução engenhosa para a questão foi montar as enormes armas em botes à remo (os punt que deram nome à elas) que poderiam servir como apoio para o disparo. As armas eram tão poderosas que quando disparadas empurravam o bote vários metros para trás, mas sem causar danos ao atirador.


Os caçadores de patos usavam a Punt Gun de maneira devastadora. 

Um único disparo propelia uma chuva mortal de projéteis de chumbo arredondados que se espalhavam por uma área de até 20 metros. Tudo o que estivesse nesse espaço era alvejado, morto ou gravemente ferido. Ao disparar uma Punt Gun contra um bando de patos nadando em uma lagoa, o resultado era impressionante. Após o tiro, bastava ao caçador se aproximar e recolher os animais abatidos boiando na água.

As Punt Gun continuaram a ser aprimoradas e por volta de 1900 havia armas capazes de disparar quase meio quilo de chumbo de cada vez. Para se ter uma ideia, uma espingarda calibre 12 lança aproximadamente 32 gramas de chumbo por disparo e seus efeitos são devastadores à curta distância. A Punt era portanto 15 vezes mais potente. Nos Estados Unidos, caçadores trabalhavam com grupos operando de cinco a oito armas simultaneamente. Os botes com os enormes rifles eram distribuídos na beirada do rio ou lago e aguardavam até a chegada de uma revoada de patos, quando a quantidade desejada de animais se reunia, eles combinavam um único disparo coordenado. Essas ações eliminavam até 500 patos de uma só vez.

Ray Todd, um famoso caçador de Baltimore, se gabava de ter matado 419 patos de uma só vez, trabalhando com outros dois atiradores armados com Punt Guns. Com essa arma aterrorizante, um grupo de caçadores podia fazer fortuna em pouco tempo.


Mas apesar da inquestionável eficácia das Punt Guns, elas acabaram eventualmente sendo proibidas em todos os países onde eram fabricadas originalmente. Isso se deu por que a população de patos selvagens começou a diminuir sensivelmente em pouco tempo. Um estudo realizado pelo governo americano atestou que se a caça ao pato continuasse acontecendo com o emprego das Punt Gun, em 15 anos os animais seriam totalmente extintos. Um impacto irremediável para a natureza. Em 1918, leis federais foram aprovadas banindo de uma vez por todas as Punt e estabelecendo temporadas de caça. Antes disso, as armas já haviam sido proibidas na Inglaterra, França e na maioria dos países da Europa como uma grave ameaça ecológica. As multas para quem possui e usa uma dessas armas são extremamente pesadas, o que ajudou a inibir sua utilização, ainda que várias continuem por aí.

Apesar de terem sido banidas como armas de caça, as Punt Gun que já existiam eventualmente encontraram seu caminho até os campos de batalha. Na Grande Guerra, elas se transformaram nas primeiras armas antiaéreas usadas para abater aviões em pleno voo. Os biplanos usados na Grande Guerra eram bastante frágeis, tendo por vezes armação de madeira e partes cobertas com tecido. Um disparo certeiro era o suficiente para derrubá-lo ou atingir mortalmente o piloto. Entretanto, apesar de terem sido usadas com aplicação militar as Punt Gun eram pouco confiáveis e menos ainda precisas. Atingir um avião com uma dessas armas era algo extremamente difícil e restrito a um único disparo já que o tempo de recarga era longo. 

Curiosamente as Punt Gun jamais foram usadas na guerra de trincheira, embora elas pudessem ser realmente muito úteis para conter um avanço de infantaria. Um acordo entre os países regulamentou que tais armas não deveriam ser empregadas no campo de batalha, o que sem dúvida evitou uma carnificina considerável. De fato, os alemães chegaram a pedir que todas espingardas fossem removidas dos campos de batalha da Grande Guerra por temer o dano que elas causavam. Os americanos, que eram os principais utilizadores de espingardas (12 gauge shotguns), não aceitaram e continuaram a fazer uso extensivo delas - a Remington .12 até ganhou o apelido Trench Gun (Arma de Trincheira).

Algumas Punt Gun foram usadas no final da guerra na função de armas antitanques. Apesar de não conseguirem romper a couraça reforçada dos tanques, um disparo certeiro podia danificar as lagartas e tirar um tanque de ação. Os britânicos e americanos chegaram a usar as armas, dessa maneira. Uma equipe especial levava a Punt Gun o mais perto possível do Tanque para fazer um único disparo que danificasse o mecanismo de deslocamento do veículo. Imóvel, o tanque se tornava uma presa mais fácil. Algumas tropas alemãs nos dias finais do conflito também importaram para o front as Punt Guns que até então tinham apenas uso civil.


Na Segunda Guerra, as Punt Gun ainda em operação foram consideravelmente menos usadas. Na invasão da França, elas chegaram a ser empregadas para conter o avanço da Blitzkrieg, mas seus resultados foram modestos. A essa altura, já eram tidas como relíquias e gradualmente acabaram substituídas por armamento mais compacto, preciso e com um poder de fogo comparável.

Um levantamento no Reino Unido mostrou que ainda existem pelo menos 50 Punt Guns registradas no país. O Ato de Vida Selvagem e Campo de 1981 limitou o uso de espingardas na Inglaterra, no País de Gales, e na Escócia, a um diâmetro interno de 1,75 polegadas (44 mm). Desde então as armas são usadas apenas em ocasiões especiais, como no Jubileu de Diamante da Rainha Vitória em 1897, quando dispará-las se tornou uma tradição. Durante Coroações e no Jubileu dos governantes reais, 21 Punt Guns são disparadas separadamente e numa salva conjunta como parte das festividades. Nos Estads Unidos, ainda existem Punt Guns, mas elas são mais uma curiosidade que qualquer outra coisa, fazendo parte de shows de tiro e demonstrações. Caçadores com Punt Guns são raros, ainda que de tempos em tempos as autoridades da ATF façam apreensões.

As Punt Guns foram um marco das armas de caça e demonstraram que com o devido poder de fogo em suas mãos, o homem é capaz de operar drásticas mudanças no ambiente em que vive. Felizmente o bom senso falou mais alto nesse caso.


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