Mahershala Ali segue fazendo um trabalho primoroso na terceira temporada de True Detective, que chegou ao quarto episódio, exatamente a metade, sem que o mistério das crianças Purcell pareça sequer perto de ser resolvido. A impressão é que nem arranhamos a superfície do que realmente aconteceu.
Parece haver muitas pontas soltas ainda e muito a ser investigado nas três linhas narrativas cronológicas da história. Talvez algumas destas pontas acabem ficando soltas, algumas perguntas podem ser respondidas, mas a única certeza é que a verdade não irá deixar um gosto bom na boca de quem terminar de ver a série por inteiro.
Mas, hei... estamos falando de True Detective! O objetivo não é ser bom, justo ou correto, e sim mostrar que esse é um mundo inclemente, de maldade e perversidade. Que o bem está em uma luta constante contra uma maldade muito humana, disposta a sufocar tudo em sua volta. E que, mesmo os bons, ou ao menos os que tentam fazer o que é certo, possuem sombras e fantasmas pessoais que os atormentam.
O episódio quatro da série foi centrado nessas sombras e mostrou que o Detetive Hays possui mais de um segredo sinistro e que o notório Caso Purcell apenas ajudou que esse lado negro viesse à tona.
Mas vamos falar do que aconteceu de importante no episódio em nossa recapitulação:
Os detetives na sua trilha nos anos 80, seguem fazendo perguntas a um padre que foi responsável pela iniciação espiritual de Will e que conduziu a sua primeira comunhão. A foto do menino - com as mãos juntas em oração, parece ser o padrão de fotografias tiradas pelo próprio padre para um tipo de anuário das crianças que receberam a eucaristia na igreja. Estranho? Com certeza, mas aparentemente nada fora do normal. Às vezes, mesmo as coisas mais macabras tem uma explicação natural.
Entretanto, o assassino pode ter visto a foto e colocado o menino na mesma posição seguindo algum tipo de remorso ou arrependimento. Talvez ele não tenha querido matar Will, mas acabou fazendo isso em um acesso de fúria ou para cobrir seu rastro. Há suposições de que o assassino quisesse apenas Julie. Talvez seu irmão tenha tentado lutar para soltá-la e isso custou a sua vida. Arrependido, o assassino então levou Will para um lugar onde ele poderia ficar protegido e o colocou em uma posição tranquila. É algo muito comum que assassinos arrependidos, passada a ira, coloquem a vítima em uma posição confortável e respeitosa. Wayne seguiu a trilha que o levou até o menino, e comentou que parecia que o assassino queria que o garoto fosse encontrado. Acho que é esse o caso.
Outro detalhe curioso é que Julie, segundo o padre estava animada pela visita de uma tia. Curioso que as crianças não tinham nenhuma "tia", o que reforça a teoria de que as pessoas que sequestraram a menina e mataram o menino, tentavam se aproximar deles de maneira amigável, com presentes e simpatia antes de levá-los.
O padre também levanta algumas suspeitas - talvez a mera sugestão de um padre com uma máquina fotográfica e crianças ao redor seja suficiente para criar uma aura de suspeita. Veremos como isso vai transcorrer... Roland, no entanto deixa claro que não gosta do Padre. Sua criação como batista faz com que ele desconfie do sacerdote, em parte por ele não confiar em ninguém que possa optar por uma vida celibatária. "Não é natural passar a vida sem transar" na opinião do detetive. Já Wayne revela ter sido um coroinha e que em algum momento acabou se afastando da vida religiosa, provavelmente sua vida dura o levou para longe da fé.
Seguindo uma dica do padre, Wayne e Roland conseguem encontrar Patty Faber, uma "amável senhora" que faz as bonecas de palha (se ouvi corretamente Chaff Dolls, algo como "bonecas baratas" ou "de feno"). Ela se recorda de ter vendido uma quantidade dessas bonecas em uma feira de igreja para um homem negro, cego de um olho. O racismo velado da senhora, que não lembra se o homem era"bonito" ou "feio" chega a incomodar. "Como eu disse, ele era negro, como você", o que é uma descrição mais do que suficiente para a "amável senhora".
Wayne fuzila a velha com os olhos antes de sair da casa. Parece ser outro beco sem saída, já que a mulher não se recorda de detalhes a respeito da venda e as bonecas não são realmente tão sinistras quanto pensávamos no início. A ligação da velha com o caso parece ser meramente circunstancial, ela apenas vendeu as bonecas para o homem. Possivelmente o mesmo homem negro com cicatriz que andava por aí em um sedã marrom elegante, na companhia de uma mulher branca.
A pista leva os investigadores até uma área pobre habitada em sua maioria por negros. Lá eles encontram um sujeito chamado Whitehead, que corresponde à descrição genérica dada: "negro e com um olho morto". Mas o que era para ser um simples interrogatório acaba se tornando uma situação perigosa e que expõe mais uma boa dose de preconceito e racismo. Por pouco a coisa não descarrilha e se transforma num banho de sangue, já que Roland chega a sacar a arma para afastar os moradores incomodados pela presença dos detetives fazendo perguntas a um vizinho aparentemente bem quisto.
É provável que seja mais um beco sem saída, já que o sujeito reage inconformado, como apenas os inocentes acusados de algo brutal conseguem fazer. Ademais, segundo o sujeito, entre eles, trabalhadores de uma companhia de abate de animais (a mesma em que a mãe das crianças trabalhou) é comum que se tenha perdido um dedo ou um olho no ofício. Vamos ficar atentos para o homem negro e de um olho só. Mas ao que tudo indica, esse sujeito não vai ser encontrado em 1980 ou 1990.
E por falar em 1990.
Acompanhamos a formação da força tarefa liderada pelo então Tenente Roland e seu colega Detetive Hays que é temporariamente trazido de uma função menor e burocrática para o Major Crimes (espécie de primeira divisão do Departamento de Homicídios). A maneira como o Promotor e Chefe dos Policiais tratam Wayne dá a entender que seus erros (ou possíveis faltas) ainda não foram esquecidas e menos ainda perdoadas. Seja lá o que Hays tenha feito, ou ao menos, tenha sido acusado, é algo muito sério para que dez anos depois, ainda pese sobre ele uma aura de ressentimento por parte de seus colegas. Curiosamente Roland não parece ressentido ou incomodado a respeito. De fato, o promotor até salienta que foi graças a ele que Hays foi trazido de volta para o caso na qualidade de consultor, e que se não fosse pela pressão do tenente, continuaria no segundo escalão.
Na esfera pessoa, Wayne e a esposa, Amelia, não conseguem parar de brigar. A animação dele em retornar ao Caso Purcell não parece ser compartilhada por ela. O caso continua fresco na memória dos dois, é algo que não pode ser afastado, mesmo em seu dia a dia. O conflito do casal parece ser motivado principalmente pelo crime que os uniu, algo que azedou a relação deles de tal maneira que nada resta senão ficar remoendo o assunto. É interessante acompanhar como surgiu a relação entre os dois, do ponto A (em 1980), com os dois se apaixonando em meio a investigação preliminar logo após o crime, até o ponto B (nos anos 90), quando a paixão já esfriou assim como o próprio crime. A metáfora é clara, o casamento existe apenas por conta do Caso Purcell, mais uma demonstração de como ele influenciou a vida e a existência de todos que tentaram desvendar o mistério.
Uma das cenas mais estranhas e assustadoras do episódio no entanto envolve o Wayne já aposentado e tentando colocar os pingos nos "is" em 2015. Mergulhando cada vez mais fundo em suas lembranças e indícios, o ex-detetive começa a buscar qualquer fiapo de informação que possa lhe ser útil, mas a memória, requisito essencial para um investigador criminal, começa a dar sinais de falha. O velho Wayne não consegue mais recordar datas, acontecimentos e entrevistas da mesma maneira que sua mente aguçada um dia processava. Pior ainda... em meio a suas divagações sobre o caso, na qual ele pateticamente murmura em voz alta, ele começa a experimentar um tipo de alucinação bizarra. Nela, ele está cercado de pessoas, a maioria trajando uniforme de combate Vietcong refletindo seus dias na Guerra do Vietnã, mas com a exceção de uma figura misteriosa trajando terno (!!!). Parece claro que sejam pessoas que ele matou ao longo da vida (uma boa dúzia de pessoas) que no fim da vida vem assombrá-lo como espectros agourentos. Wayne já recebeu a visita de Amelia em forma de fantasma, agora desses homens... o que virá à seguir?
Ainda em 2015, Wayne está em busca da trilha que possa devolvê-lo ao Caso. Ele questiona o filho, que agora sabemos, também é policial a respeito de alguns dados, sobretudo a respeito de Roland de que "ele precisa das memórias". Ao que tudo indica, os dois perderam contato a ponto de Hays afirmar não saber sequer se seu ex-parceiro está vivo ou morto. Se estiver vivo ele poderá contribuir para a investigação, se é que, a essa altura ele não tenha feito as pazes com seus próprios fantasmas.
Outro fato interessante em 2015 é que Wayne confronta a entrevistadora do documentário a respeito do que ela sabe, pedindo que ela mostre as cartas que tem em suas mãos. O que ela diz é bem pouco: o tio das crianças, Dan O'Brien, suspeito de fazer o buraco no armário para espiar a sobrinha, morreu em meados dos anos 1990 e seus restos foram achados no fundo de um reservatório. Nada que surpreenda muito o Detetive... mas há algo mais, embora a entrevistadora não revele. Alguém está pagando pela investigação, usando detetives particulares para revirar o caso. Quem seria? E por que?
De volta a 1980 e ao curso da investigação, temos dois acontecimentos dignos de nota:
O primeiro envolve uma visita de Amelia a casa dos Purcell, o lar doce lar de uma das piores famílias de caipiras (rednecks) desajustados. Amelia aparece com o pretexto de entregar aos pais alguns trabalhos de arte feitos pelas crianças. Ela acaba encontrando justamente Lucy, a mãe, desolada e aparentemente já calibrada de manhã cedo. Em um momento de rara fragilidade ela acaba baixando a guarda e expondo um tsunami de amargura e arrependimento no qual reconhece ter "alma de prostituta" e ser uma pessoa egoísta que coloca suas próprias vontades acima da felicidade dos filhos. Em um instante revelador ela comenta que "Crianças deveriam poder rir" em uma alusão clara à carta que o sequestrador de Julie enviou para os pais e que pode revelar que a mãe sabe quem pode ter escrito a carta. Amelia aparentemente não sabe desse pormenor da investigação e não faz a correlação que pode muito bem incriminar a mãe na coisa toda.
Antes porém de conseguir extrair algo mais profundo, Lucy acaba voltando ao estado natural de megera indomada e a expulsa de casa acusando-a de ser uma bisbilhoteira que quer contar ao detetive o teor da conversa particular que as duas tiveram. Aparentemente, insultada por essa suspeita, Amelia acaba não revelando esse detalhe para a polícia que poderia ser bastante importante. Sabemos que Lucy morreu de overdose em 1988 então o envolvimento dela, se ocorreu, ficará sem a devida punição.
O segundo acontecimento envolve Freddy Burns e seus amigos, É o líder dos adolescentes suspeitos que foram vistos espiando as crianças no dia de seus desaparecimento. Freddy e seus amigos estão se complicando, foram pegos na mentira, depois de dizer que não haviam visto Will e Julie em Devil´s Den. As digitais de Freddy estavam na bicicleta de Will, o que coloca o sujeito na incômoda posição de último a ter visto o menino com vida. O interrogatório dos policiais, no qual o rapaz literalmente cozinha em fogo brando se assemelha a uma tortura. A expressão de Hays, cuidadosamente calculada para expressar uma perversidade prazerosa é incrível. A ameaça de que o rapaz vai acabar virado do avesso por negros na cadeia é pura maldade.
O pior é que Freddy e seus coleguinhas parecem ser apenas bullies inconsequentes. Não devem ser os verdadeiros culpados do crime, mas tudo indica, terão participação nos acontecimentos que amarram a investigação nos anos 80. Freddy revela que foi responsável por roubar a bicicleta de Will e fazer com que ele fugisse para o bosque... o menino estava procurando pela irmã e foi pedir ajuda aos adolescentes, acabou sendo expulso, perdeu a bicicleta e mais tarde acabou morto. Pobre Will!
Tudo reforça a teoria de que o(s) assassino(s) não queriam o menino. Seu alvo desde o início era Julie e quando eles se depararam com Will acabaram matando-o para que ele não revelasse detalhes. Talvez a morte tenha sido acidental, como pressupõe o detetive, mas a essa altura não há como saber.
Seja como for, Freddy confessa ser um tremendo imbecil: roubou a bicicleta e perseguiu um menino até a floresta, mas nega que tenha sido o responsável pela morte e sequestro que se seguiram. Há ecos claros do caso real dos Três de Memphis, preenchendo o ar - três adolescentes do Tennensee que foram acusados de terem matado crianças, apenas pela sua conduta suspeita (heavy metal e ocultismo nos anos 80 eram um perigo!). Me parece que eles vão acabar sendo acusados pelo crime, mas que assim como ocorreu no mundo real, eles também são inocentes. Me parece também que o destino dos adolescentes está selado... eu me pergunto se não seria por conta de uma tragédia envolvendo essa acusação injusta que Tom, o pai das crianças não teria ido parar na cadeia. Talvez ele tenha feito justiça com as próprias mãos para vingar seus filhos e executado um ou mais dos acusados. Trata-se de True Detective, as coisas sempre podem ficar piores.
E por falar em escalada para o pior, a subtrama envolvendo Brett Woodard, o "índio catador de lixo" está para se transformar em um banho de sangue. O comitê formado pela "gente de bem" da cidade se juntou para dar um corretivo no ex-veterano por ele ter conversado com crianças mais uma vez. Só que Woodard não está disposto a aceitar tanto desaforo em sua própria casa. Por isso prepara o cenário para o massacre que está por vir: minas e fuzis de assalto AK-47 que devem ser lembranças do Vietnã.
O subplot de Woodard não parece ter ligação direta com o caso, já que é baseado exclusivamente na paranoia dos habitantes locais. Entretanto, violência e matança em determinado momento da trama parece ser parte de True Detective, algo que já vimos nas duas temporadas anteriores. É provável que o desenrolar dos acontecimentos levem a repreensão de Hays (que pode ser responsabilizado pelo tiroteio) e para o fato de Roland aparecer mancando nos anos 1990. Aconteça o que acontecer, a coisa ali vai ficar feia, como evidencia a cena final que termina em um cliffhanging daqueles que nos força a assistir o que está por vir.
Pistas e Indícios:
• A Mina Claymore conectada na porta foi um toque genial. "Aponte para o Inimigo" poderia ser o título do episódio.
• A maneira como Roland dá em cima de uma bela paroquiana chamada Lori na cena da Igreja deixa a gente com um sentimento dúbio a respeito do detetive. O cara é um cara de pau, mas as tiradas dele, a maioria impublicável e altamente reprovável, estão se tornando cada vez mais divertidas. O cara é o tipo do detetive durão dos anos 80, aquele esteriótipo que a gente não tinha vergonha de torcer. Por sinal, a atriz que faz Lori (Jodi Balfour) está creditada com aparições regulares no decorrer dos episódios, ou seja, ela deve surgir novamente e ter alguma importância na trama.
• Na cena em que Hays repassa horas e horas de vídeos de vigilância na farmácia, podemos ver claramente a imagem de Julie Purcell. Parece que realmente é a pessoa certa no lugar errado. O que ela estaria fazendo de volta às redondezas de onde sumiu dez anos antes? E no que deu essa investigação nos anos 90?
• O encontro de Wayne e de Amelia no restaurante, mostra que o caso é o fato condutor do relacionamento dos dois. A cena em que Wayne comenta a respeito de como ele se sente a respeito da investigação faz todo sentido no contexto do período em que se passa a história. De modo semelhante a Mindhunters (outra série sensacional) essa temporada de True Detective foca naquilo que aprendemos a respeito de assassinos em série e predadores, mas mostra como esse aprendizado foi lento e gradual. Os policiais pareciam não entender com o que estavam lidando na maioria dos casos.
• Digno de nota é a "aparição" dos detetives Rust Cohle e Marty Hart que pode passar até desapercebida se você não ficar atento. Na cena em que Hays procura a entrevistadora no hotel, é possível ver no laptop um artigo de jornal a respeito da investigação conduzida na primeira temporada de True Detective. Se os personagens habitam o mesmo universo será que um dia poderemos vê-los em uma mesma investigação? Difícil, mas quem sabe...
• Quem será o "fantasma de terno" que Hays vê em 2015? Parece óbvio que esses "fantasmas" são pessoas que ele matou, o que explica a quantidade de vietnamitas o cercando. Mas e esse cara de terno? Acho que veremos uma face ainda mais sombria de Hays em algum momento. A face de um assassino...
• "Eu peguei a bicicleta. Ele era um nerd"! A prisão é boa demais para um bully desgraçado como Freddy Burns.
Bem é isso...
Nos vemos na semana que vem!
Será que o cara de terno na última cena não é o Roland? Afinal, ninguém sabe dele...
ResponderExcluirPoderia ser o Roland, afinal Hays mesmo diz que não se lembra da última conversa que tivera com o mesmo. Ou, e eu prefiro acreditar nessa ideia, pode ser aquele primo/tio (não me lembro ao certo) que a jornalista cita como morto em um determinado momento
ResponderExcluirPorra, eu tô hypado demais pra essa série, ta boa demais, eu não tinha notado essas coisas antes, mas belo texto.
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