As pessoas o apelidaram de "Fada Verde" pois teria o poder de encantar e escravizar os homens com seu poder de sedução.
Trata-se de uma misteriosa bebida alcoólica; licorosa e doce, objeto de mais lendas e rumores do que qualquer outra bebida inebriante na história. Alguns dizem que ela seria a porta de entrada para a loucura, induzindo os tolos que dela desfrutam a experimentarem alucinações e convulsões, e se tiverem azar, até mesmo a morte.
Incontáveis artistas e escritores, muitos deles de fama mundial afirmavam que ela aumentava sua criatividade, aprimorava seus sentidos e fazia aflorar neles as percepções mais profundas. Para provar seu ponto de vista, apresentavam obras produzidas sob seu efeito, afirmando que tais resultados só eram possíveis através de seu uso. Mas será que alguma dessas lendas a respeito dessa polêmica bebida são de fato verdadeiras?
O Absinto foi criado na Suíça e patenteado como um remédio para os nervos, contudo, ganhou popularidade em Paris durante a Belle Epoch, onde deixou de ser um tipo de xarope curativo para se transformar em um símbolo da decadência e inconformismo por volta de 1800. Sua popularidade apenas aumentou, até que por volta da segunda metade do século XIX muitos começaram a falar a respeito de seus riscos. O Absinto se converteu em uma bebida maldita, temida e evitada. As pessoas acreditavam que ingerir absinto era um perigo e ela passou a ser associada a populações ignorantes que não sabiam o veneno que estavam colocando em seu organismo. Até mesmo um termo médico surgiu em decorrência do absinto, algo chamado "absintismo", caracterizado por convulsões, tremores e alucinações.
Uma famosa pintura de 1876, produzida pelo artista francês Degas tem como título L'Absinthe. Ela mostra uma mulher isolada da sociedade, sentada em um café decadente, tendo diante de si uma garrafa de absinto pela metade. Degas foi genial ao compor a tela como uma alucinação - embora muitas pessoas não percebam isso, fazendo com que pratos, talheres e a própria mesa, pareçam estar flutuando, já que não pernas para sustentá-la. A tela foi considerada pelos críticos da época imoral e passou muitos anos trancada em um armário. Vinho e cerveja eram tidas como bebidas alcoólicas limpas, mas o absinto era o próprio mal, algo viciante e doentio. Algo que não deveria ser consumido por pessoas civilizadas.
Artistas e escritores famosos, no entanto, tinham outra opinião. Eles proclamavam sua afinidade com o absinto e muitos creditavam a ele momentos de criatividade. Ernest Hemingway, Vincent Van Gogh e Oscar Wilde eram apenas alguns de seus defensores ferrenhos.
Por volta de 1915, um sentimento anti-absinto começou a crescer e o movimento da temperança fez com que uma parte significativa da sociedade exigisse sua proibição. De fato, muitos países ocidentais creditavam ao absinto um caráter perverso e decidiram bani-lo de uma vez por todas.
Um dos principais ingredientes do absinto é a tujona, um componente químico próximo da acetona e derivada do tuieno que pode ser destilado de diferentes plantas como a artemísia e alosna. O nome Artemísia obviamente decorre da Deusa grega Artemis, que teria mostrado aos homens as faculdades curativas da planta. Algumas lendas urbanas dão conta de que a tujona é similar em efeitos ao THC, o que não é verdade. De fato, na concentração ideal para o preparo do absinto ela não produz efeitos danosos. Apenas uma quantidade muito alta de tujona pode causar algum efeito colateral, e estes serão convulsões e espasmos, mas não alucinações. Quando a Lei Seca baniu as bebidas alcoólicas na América, isso incluiu o absinto, considerada a pior bebida de todas! Talvez isso explique porque mesmo com a revogação da Lei Seca, o Absinto continuou proibido até 2007. Na maioria das nações ele é liberado desde que a concentração de tujona na bebida esteja dentro de algo entre 10 a 35 partes por milhão. Os limites são puramente burocráticos e dependem da lei de cada país.
[Nota: Andei pesquisando e as concentrações de tujona mais altas toleradas no mundo são de Portugal e Brasil que permitem uma concentração de 35. Nos Estados Unidos não passa de 9].
Existem muitos rumores que acompanhavam e ainda acompanham o Absinto. Um deles é que a planta da qual ele é extraído possuiria um perigoso parentesco com a heroína e outras drogas psicoativas, contudo, não existe qualquer evidência disso. Exames químicos foram realizados com garrafas de Absinto destiladas no século XIX e mesmo naquela época, a concentração era incapaz de produzir danos como afirmam as histórias.
Para compreender um pouco mais a respeito do absinto, talvez seja interessante saber como ele é produzido:
Para compreender um pouco mais a respeito do absinto, talvez seja interessante saber como ele é produzido:
Começamos com álcool comum, destilado de uvas brancas. Absinto de qualidade inferior usa o álcool extraído de grãos, de beterraba ou de batatas, mas o resultado fica bem abaixo do desejado. O álcool é colocado em barris de cobre junto com outros ingredientes: folhas de alosna/artemísia, licor verde de anis e erva-doce. O material fica misturado por pelo menos uma noite, em um processo no qual as folhas sofrem maceração. A seguir vapor é bombeado no barril que sob a pressão começa a gotejar uma seiva esverdeada. Essa primeira produção é descartada uma vez que sai oleosa e muito forte para ser ingerida. Mas o que vem a seguir é o Absinto em estado puro. Para tornar a bebida verde, é adicionada uma mistura de menta, camomila, erva-doce, anis e outras ervas de acordo com cada receita particular. Uma dose de clorofila também pode ser adicionada para aumentar a coloração esverdeada que caracteriza a bebida. O absinto uma vez pronto é sempre colocado em garrafas escuras para proteger o líquido da luz que o deixa amarelado.
Muito fácil de destilar e barato, o absinto foi muitas vezes produzido em alambiques clandestinos, com a adição de ingredientes grosseiros e insalubres. Acredita -se que alguns contrabandistas acrescentavam desde xarope de menta e licor de bordo até mercúrio e fósforo à mistura para "dar um gosto especial". Nas versões originais, o absinto pode ter um teor alcoólico na casa dos 60%, chegando aos 66% em concentrações especiais, uma concentração bastante alta quando comparado a outras bebidas.
[Nota: Apenas como exemplo comparativo, Whisky atinge 48%, Tequila 44%, Cachaça chega a 40% e uma inocente cerveja 5%].
O absinto produzido dessa forma e com um alto teor alcoólico deve ser diluído com um elaborado e tradicional método.
Entusiastas da bebida utilizam uma garrafa bojuda especial para montar a bebida. O fundo é cheio com absinto e então uma colher vazada é posicionada na boca da garrafa. Um ou mais cubos de açúcar são colocados na colher que recebe então gotas de água gelada. A água se mistura ao cubo de açúcar e quando este pinga na garrafa produz um efeito chamado louche, que é uma reação na qual o absinto evapora diluindo sua potência. Quando o líquido da garrafa atinge uma determinada marca, o açúcar já se dissolveu o suficiente e se obtém uma garrafa com uma névoa adocicada e uma mistura de tom verde claro.
É claro, esse ritual não é obrigatório, mas ele faz pare da tradição de preparar e desfrutar da bebida. Absinto pode ser consumido puro, embora não seja recomendado, dada a sua potência. Adicionar água ou uma pequena colher de menta produz resultados satisfatórios na medida que diluem o conteúdo tornando-o mais palatável - do contrário, é como beber "fogo líquido". Puristas afirmam que o ritual é necessário para desfrutar da bebida da forma correta, mas não existe um consenso sobre a melhor maneira de beber absinto.
Também existe um método consagrado que envolve derreter o açúcar em uma colher com pequenas gotas de absinto que são então misturadas a uma solução de licor de menta ou anis. Embora esse método apareça em vários filmes de época (me vêm a mente o filme Do Inferno), ele jamais foi usado durante a Belle Epoch, sendo uma invenção moderna. Nenhum boêmio parisiense que se preze, faria uma calda de caramelo misturada com absinto e licor. Eles sem dúvida ficariam horrorizados!
A transformação do absinto, de bebida popular em algo maligno e indesejado foi fruto do trabalho de um homem, o médico e psiquiatra francês Valentin Magnan. Ele lutava contra todas as bebidas alcoólicas, mas sobretudo, alardeava a respeito dos males do absinto. Magnan realmente acreditava que a maioria dos problemas sociais na França eram decorrentes do consumo indiscriminado de bebidas, em especial o absinto. Para Magnan uma concentração de absinto excedendo determinada dosagem poderia ser fatal. Para provar o seu ponto, ele realizou experimentos dando a bebida para coelhos, ratos, gatos e cães, tendo resultados alarmantes. Muitos dos animais sofriam espasmos e convulsões. Entretanto, Magnan usava para essas experiências dosagens muito elevadas de tujona. Uma concentração que em nada refletia a que era consumida nos bares de Paris. Em tal quantidade seria virtualmente impossível ingerir aquilo, diferente dos animais que eram obrigados a beber o líquido através de um tubo conectado a sua garganta.
Apesar da maneira que o estudo foi realizado, as conclusões de Magnan causaram enorme comoção. Nasceu ali o termo Absintismo, uma condição na qual a pessoa se via intoxicada ou até mesmo envenenada pela substância. A cruzada de Magnan contagiou um grande número de pessoas que viram no absinto um risco social e que se esforçaram em declará-lo como a bebida mais perigosa de todos os tempos. Mesmo hoje em dia, destilarias precisam ser extremamente cuidadosas ao produzir o absinto e ter uma licença especial que permite destilar a bebida dentro da concentração de tujona definida legalmente. Qualquer desvio no grau dessa concentração pode arruinar a produção.
O acontecimento que decretou a derrocada do Absinto e sua associação com o que havia de pior na sociedade foi um notório assassinato ocorrido na Suíça em 1905. Jean Lanfray, que havia segundo testemunhas consumido dois cálices de absinto, assassinou sua esposa e filhas à tiros e depois tentou cometer suicídio. No decorrer do julgamento, mais de 82,000 cidadãos suíços assinaram uma petição para banir a bebida diabólica. Lanfray testemunhou que apenas cometeu o terrível homicídio por estar sob os efeitos nocivos do absinto e que sem os delírios induzidos pela bebida, jamais teria cometido tal crime hediondo. Pouco importava que Lanfray fosse um alcoólatra habitual que consumia quase cinco litros de vinho diariamente, e que no dia em questão havia bebido várias canecas de vinho e conhaque. Foi o fato dele ter bebido o absinto por último, que supostamente causou a tragédia.
Após o julgamento, a bebida acabou sendo banida de vez na Suíça, o primeiro país ocidental a proibir o consumo de uma substância alcoólica por força de lei. A partir de então, o estrago já estava feito e a onda de proibições varreu a Europa chegando ao outro lado do Atlântico com força. Entre 1920 e 1960, a produção de absinto foi praticamente extinta em todo mundo, a não ser em destilarias ilegais. Eventualmente a bebida foi redescoberta, enfrentando o preconceito que ainda a cercava, apenas aos poucos foi voltando a atrair entusiastas.
Não se sabe quem foi o criador da famosa frase "Escreva bêbado, edite sóbrio", mas essa máxima parece ter servido bem aos escritores ao longo dos séculos. O poeta Oscar Wilde escreveu a respeito de sua obsessão pelo absinto, dizendo: "O primeiro estágio é como uma bebedeira habitual, o segundo, você vê monstros e coisas cruéis, mas se você for perseverante entrará em um terceiro estágio onde você vê coisas que deseja ver, coisas maravilhosas e curiosas".
Agora que a histeria a respeito do absinto está restrita a livros de história, a bebida pode ser uma vez mais desfrutada por quem deseja experimentá-la, sem que a pessoa seja vista como transgressor ou um elemento vil da sociedade.
A Fada Verde está mais viva do que nunca.
[Nota: Se alguém estiver curioso a respeito da cor verde usada quando a palavra "Absinto" é citada, isso vem de uma tradição antiga. Segundo ela, o nome Absinto deve sempre ser destacado na cor verde nos rótulos e embalagens das garrafas. Não é algo obrigatório, mas como é uma tradição, e somos tradicionais, por que não mante-la?]
Excelente matéria! Tirei muitas dúvidas sobre o absinto. Sobre a referência ao filme do Inferno, eu jurava que as gotas no torrão de açúcar era de Láudano no absinto. Faz tempo que não bebo, me inspirou a encomendar uma garrafa.
ResponderExcluirVocê está certo! O que ele pinga no torrão para dissolver é Laudano. O personagem do Titio Depp tava no fundo do poço nesse filme. Deve ser uma mistura brutal.
ResponderExcluirFiquei até com vontade de experimentar.
ResponderExcluirMuito bom o texto. Sempre tive dúvidas sobre o "ritual correto" para consumo... Obrigado por esclarecê-lo.
ResponderExcluirExcelente matéria. Agora entendo o porquê dela ser tão citada na literatura.
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