sexta-feira, 9 de outubro de 2020

A Raça Ancestral - Parte 1: Da Conquista até as Guerras de Invasão


Em um universo incrivelmente antigo e diverso em formas de vida singulares, existem algumas criaturas que desempenham papel fundamental. Estes seres se diferem de tudo que conhecemos, não apenas em forma, mas também em composição e mentalidade, são absolutamente alienígenas para nossa concepção. Tais entidades constroem civilizações que não se restringem apenas à sua esfera natal; elas se espalham pelo cosmos, colonizando e habitando outros mundos, por vezes de modo pacífico, mas em outras oportunidades como invasores decididos a extender seus domínios onde bem entender.

Nos confins do universo corrente, pouco depois da Grande Explosão primordial que formou tudo o que existe, surgiram estranhas criaturas vindas não se sabe de onde. Há teorias de que eles teriam cruzado o tecido das dimensões, sendo nativas de uma realidade diferente da qual escaparam ou de onde foram banidas. Outros acreditam que eles já existiam mesmo antes da expansão entrópica de Azathoth, e que seriam os únicos sobreviventes de um universo anterior. 

Não há consenso sobre sua origem. Em que canto distante surgiram e em quais circunstâncias se formaram estes seres é um enigma que nem mesmo os sábios Yithianos conhecem, um mistério que talvez nem mesmo os Deuses Exteriores decifraram. Para todos os efeitos, eles são precursores da maioria das formas de vida conhecidas, antigos quando os mais antigos seres galgavam os degraus iniciais da evolução. 

Não por acaso, os estudiosos do Mythos batizaram essa espécie com um nome que invoca toda sua precedência cósmica: os chamaram de Raça Ancestral.

A majestosa Raça Ancestral

A atávica Raça Ancestral veio para a Terra quando nosso planeta ainda era muito jovem. É possível que eles tenham sido os primeiros seres dotados de inteligência a visitar nosso mundo, descendo dos céus quando nem mesmo os mais simples microrganismos existiam em nossa atmosfera. Eles vieram do espaço exterior, tendo feito uma escala em Urano ou Netuno onde segundo rumores tencionavam construir colônias. O motivo que os levou a abandonar esses planos e se concentrar no terceiro planeta do sistema solar é ignorado. Sabe-se que previamente eles haviam conquistado e semeado centenas, talvez até milhares, de outros mundos. Tamanha era sua sanha de conquista que nada se colocava diante deles e inúmeras espécies aborígenes em incontáveis mundos foram dizimadas.

A Raça Ancestral é conhecida por suas notáveis proezas no campo da genética. Eles são os engenheiros primordiais de formas de vida, com um conhecimento profundo que lhes permitiu manipular os elementos básicos encontrados em cada um de seus mundos e que ensejaram o surgimento dos mais variados seres.

Na Terra eles foram os responsáveis pela criação da entidade Ubbo-Sathla, uma espécie de Sopa Primordial viva que se tornou a matriz para a formação de inúmeras criaturas, inclusive o homem. Essa aterrorizante noção propagada por Abdul Al-Hazred em seu críptico tratado, o Necronomicon, define estes seres como os arquitetos de toda vida terrestre, destronando qualquer Deus de seu papel como Criador. Outros tomos de conhecimento esotéricos, como o Livro de Eibon e os Manuscritos Pnakóticos seguem essa mesma concepção ao reputar à Raça Ancestral esse papel.

Um exemplar do período da Grande Degeneração

Eles construíram imensas cidades, primeiro nas profundezas dos mares revoltos até que posteriormente se lançaram na colonização da superfície. Sua principal cidade se localizava no atual Polo Sul. Era uma magnífica metrópole de pedra que se estendia por quilômetros nas planícies de temperatura então amena da Antártida. Graças aos programas genéticos dos Seres Ancestrais surgiram as primeiras formas de vida vegetais e com elas as florestas que um dia cobriram as planícies do Continente antártico. Ao longo de milhões de anos a vida animal evoluiu de pequenos organismos semeados nos mares para seres mais complexos que floresceram do placenta e da bile de Ubbo-Sathla.

A cultura dos Seres Ancestrais era altamente desenvolvida. Sua arte se manifestava em peças de baixo-relevo e petroglifos talhados que relatavam sua história em surpreendentes imagens. Sua elegância arquitetônica lhes permitia erguer estupendos prédios de pedra na forma de pentágonos, monumentos trapezoides e estruturas dodecaédricas que assumiam uma configuração desconcertante. A planta das cidades era labiríntica, dotada de níveis e setores radiados a partir de majestosas praças acessadas por rampas e alamedas. Um padrão de cinco pontos inspirado em sua anatomia se manifestava várias vezes nas construções. O mesmo padrão podia ser encontrado em sua escrita, assumindo a forma de pontos distribuídos em círculos concêntricos. O padrão surgia ainda nas fachadas de seus prédios, em estátuas e enormes painéis.

Eles não viam razão para uma religião, visto que a ciência supria todos seus questionamentos filosóficos. A forma da dupla hélice de DNA era o mais próximo de um símbolo sagrado, representando a fonte de toda vida. Eles conheciam entidades superiores, como Azathoth, Shub-Niggurath e Yog-Sothoth, mas preferiam entender esses colossos como a encarnação de princípios cósmicos. Viviam numa sociedade que cada ser tinha direito a seu espaço e benefícios baseados em sua produção para o bem da comunidade. Não era da natureza dessas criaturas qualquer tipo de disputa ou desavença entre si, o crime em qualquer forma inexistia. Sua sociedade não aparentava ter níveis sociais, a partilha dos bens e dos benefícios, dava a todos iguais possibilidades para prosperar e progredir.

A incrível arquitetura das Cidades Dos Antigos

O período em que habitaram a Terra, semeando formas de vida, durou muitos milhões de anos. Comparativamente, em se tratando de tempo, esse mundo pode ser compreendido muito mais como deles, do que de qualquer outra forma de vida. Por muito tempo, eles não foram perturbados por nenhum rival e se acostumaram a ver o planeta como uma extensão de sua civilização. Não há como saber qual a relação da colônia na Terra com outras bases, mas é provável que havia algum tipo de tecnologia que permitia estabelecer comunicação. Também é possível que os Seres Ancestrais na Terra tivessem meios de viajar para outras esferas usando portais ou outros métodos eficientes de viagem pelo espaço.

Essa Era de Ouro durou muito tempo, mas o Paraíso construído pela Raça Ancestral na Terra estaria prestes a ser abalado pela chegada de outras civilizações alienígenas que colocaram em cheque seu domínio. A Raça Ancestral jamais tolerou formas de vida além daquelas criadas por eles mesmos. Existe a hipótese de que os filósofos cientistas da Raça Ancestral se sentiam profundamente ofendidos pela mera existência de criaturas que eles próprios não tivessem projetado em seus laboratórios. As consideravam imperfeitas e uma blasfêmia diante de suas concepções genéticas.

Os primeiros invasores das estrelas a entrar em contato com a colônia na Terra surgiram aproximadamente 750 milhões de anos atrás. Eles se estabeleceram na atual Austrália onde ergueram cidadelas de torres escuras sem janelas. Por algum tempo estas criaturas conhecidas como Pólipos Voadores permaneceram em uma pequena porção do planeta sem chamar a atenção da Raça Ancestral. Contudo, quando eles começaram a se espalhar em busca de mais territórios foram duramente repelidos. A Raça Ancestral empurrou os Pólipos que, embora poderosos, estavam em menor número para os subterrâneos de suas cidades e os aprisionou nesses calabouços por milhões de anos.

A Rebelião dos Shoggoth

Após a experiência com a Invasão dos Pólipos, a Raça Ancestral decidiu que precisava se preparar para defender a colônia contra outros invasores. Eles ponderavam que se os Pólipos estivessem em número maior a vitória seria incerta. Para suprir a necessidade de uma arma eficiente, os cientistas começaram a trabalhar tecidos extraídos de Ubbo-Sathla com o intuito de construir armas vivas: os Shoggoth

Os primeiros espécimes dessa raça protoplásmica eram dotados de inteligência e acabaram destruídos rapidamente quando os cientistas previram o perigo que tais seres poderiam representar no futuro. Os Shoggoth eram poderosos demais e dotá-los de consciência poderia resultar em sérias ameaças para as gerações futuras. Assim, estes proto-shoggoths foram destruídos sistematicamente, ainda que alguns tenham sobrevivido e escapado do extermínio. Para cumprir seu papel dentro das diretrizes traçadas, novos Shoggoth, destituídos de consciência, foram projetados em laboratórios. Sua função única era servir como soldados em guerras vindouras.

Essa corrida armamentista preventiva se provou muito acertada quando aproximadamente 350 milhões de anos atrás o Grande Cthulhu e sua Prole gerada na distante estrela de Xoth desceram sobre a Terra. Cthulhu e sua horda reclamaram para si uma porção do Pacífico Sul, estabelecendo sua base na decrépita ilha continente de R'lyeh.

Representação da Guerra contra Cthulhu e seu secto

O conflito entre os recém chegados e a Raça ancestral já estabelecida há milhões de anos foi inevitável. Cthulhu é suas crias estelares eram inimigos titânicos, extremamente poderosos mesmo para a Raça Ancestral enfrentar abertamente. Muitas de suas cidades foram devastadas e milhares dos seus pereceram. Para enfrentar seus rivais foram criados Shoggoths cada vez maiores e bestiais, capazes de lutar de igual para igual com os colossos cefalópodes. 

Após essa longa e devastadora guerra, o conflito chegou a um incômodo impasse. Muitas cidades, inclusive as submarinas, estavam em ruínas e havia a necessidade de reconstruir. Para isso os Shoggoth se mostraram imprescindíveis se adaptando e lentamente aprendendo a cumprir suas tarefas braçais. Controlados através de hipnose e telepatia, os Shoggoth não eram melhores que escravos. Contudo, pouco a pouco, uma faísca de inteligência se acendeu na mente parcialmente estável dos Shoggoth e com ela um desejo de revolta. Primeiro eles se tornaram indolentes, desobedecendo ordens e confrontando seus mestres, mas a medida que aumentava sua inteligência, o mesmo se refletia na rebeldia.

Em um dado momento a rebelião estourou na forma de uma sangrenta guerra civil que durou outros milhões de anos. Os Shoggoth se mostraram inimigos implacáveis! Conheciam seus antigos mestres e se infiltravam nas cidades deixando um rastro de destruição e morte. Alguns deles chegaram a se unir aos Xothianos para enfrentar seus antigos senhores. A situação chegou a tal ponto que a Raça Ancestral precisou recorrer a armas cada vez mais potentes, inclusive, dispositivos de perturbação molecular e artefatos nucleares. 

A guerra de Re-Subjugação dos Shoggoth

No fim, a Raça Ancestral predominou, mas a rebelião deixou cicatrizes profundas em sua sociedade. Os Shoggoth restantes foram domados como bestas selvagens, torturados, sua mente foi apagada para só então serem devolvidos às fileiras de combate e construção. Isso se deu a tempo para enfrentar um novo e ainda mais perigoso rival.        

Uma terceira força alienígena havia voltado sua atenção para o pequeno planeta, rico em vida e recursos naturais. Os Mi-Go, uma raça fungoide que havia se fixado nos limites do Sistema Solar, em Yuggoth (correspondente ao planeta Plutão) desceu sobre o Hemisfério Norte conquistando uma parcela considerável do planeta. Os Mi-Go já eram conhecidos pela Raça Ancestral, de fato, eles eram grandes oponentes na conquista galáctica e detinham possessões em incontáveis sistemas. Seus mundos eram explorados até o limite com escavações e extração de recursos que muitas vezes resultavam em severa devastação ambiental.

Curiosamente os Mi-Go ignoraram os Xothianos evitando qualquer hostilidade com eles. Contudo, o mesmo não pode ser dito quanto a Raça Ancestral. Se os combates anteriores já haviam sido brutais, a disputa contra um oponente possuidor de uma tecnologia tão avançada quanto a deles mesmos se provou dramática. Ademais, a luta contra Cthulhu não havia terminado o que obrigava a Raça Ancestral a lutar em duas frentes. Gerações de Shoggoths cada vez maiores e mais poderosos se faziam necessárias para o esforço de guerra. A Raça Ancestral descobriu que estava perdendo suas colônias e gradualmente começou a abandonar seus territórios no hemisfério norte.

Maiores e mais bestiais Shoggoths usados na guerra contra as Crias de Cthulhu

Foi então que transcorreu o mais inesperado dos incidentes, uma singularidade de proporções cósmicas que fez as estrelas no firmamento assumirem uma configuração única. Com efeito, os Grandes Antigos se viram afetados diretamente pelo fenômeno. Alguns se descobriram vítimas de uma letargia e de um súbito enfraquecimento. Muitos tiveram de buscar refúgio onde pudessem hibernar e restaurar suas forças. Lá continuam aguardando por uma conjunção estelar favorável que lhes devolva seu estado original. Sendo um Grande Antigo, Cthulhu foi diretamente atingido por essa mudança nas mares cósmicas. A imensa cidade de R'Lyeh, afundou sob as águas do Pacífico Sul, engolida pelas ondas. Nas profundezas Cthulhu aguarda, não morto, mas sonhando com seu triunfal retorno.

Sem um de seus mais obstinados inimigos a Raça Ancestral pode se concentrar apenas nos Fungos de Yuggoth, o que marcou uma reviravolta na batalha que então pendia para seus inimigos. Com a guerra novamente equilibrada, os Mi-Go decidiram diminuir seu ímpeto conquistador, limitando suas ambições a América do Norte e Ásia. Assim o planeta e seus valiosos recursos foi dividido.

6 comentários:

  1. excelente. a boa qualidade idade da escrita somada ao fato de se tratar do que são provavelmente as coisas mais interresantes em todo o mythos faz desse um dos melhores artigos de já li aqui. e ainda tem parte 2... muito bom.

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