Na Mitologia Grega não faltam seres estranhos e apavorantes. Em meio a tantos deuses, semideuses, monstros e criaturas fantásticas, talvez caiba às Gorgonas o papel de serem os seres mais aterrorizante e também fascinantes.
As Gorgonas pertencem a uma raça de criaturas que surgiu nas lendas e no folclore da Grécia Antiga. A própria palavra deriva do termo "Gorgos", significando "terrível, "horrendo", "severo". Não por acaso é uma palavra que serve bem para definir a natureza macabra destas criaturas.
Os gregos respeitavam as lendas sobre as Gorgonas de tal forma que preferiam não mencionar o nome delas, acreditando que tal coisa poderia ser prejudicial ou capaz de atrair má sorte ou tragédias. Por outro lado, alguns acreditavam que colocar a imagem de uma gorgona na fachada de um prédio ou sobre um portão protegia aquela localidade contra invasores e contra ladrões. O princípio simples é que o lugar seria observado pelas criaturas e portanto estaria sob a proteção delas. Construções com a efígie dessas entidades temidas podiam ser encontradas em toda Grécia e nas nações influenciadas por essa civilização.
As primeiras e sem dúvida mais famosas Gorgonas formavam um trio de irmãs nascidas de pais divinos, os antigos Deuses Fórcis e Ceto que comandavam os mares e as ondas. Segundo as lendas, as três teriam nascido com características monstruosas. O folclore grego varia bastante ao conceituar os horrores das três mulheres reputando a elas uma aparência hedionda que incluía presas afiadas, pele escamosa, asas de morcego, olhos vermelhos e garras afiadas que as tornavam verdadeiros monstros grotescos.
As irmãs eram chamadas Euríale ("a que está ao largo") que seria a mais velha e violenta das três, Esteno ("a que oprime"), a irmã do meio, mais forte e poderosa e Medusa ("a Guardiã"), a irmã mais jovem e a única dentre elas com características dos mortais.
Há no entanto, diferentes versões quanto a origem de suas deformidades e inerente maldade. Segundo uma lenda, as irmãs teriam sido amaldiçoadas por Atena que se ressentia que elas tivessem originalmente nascido tão belas quanto ela própria. Ofendida pela rivalidade e comparações, Atena teria transformado cada uma delas numa abominação indescritível. As lendas enumeram o horror de sua forma mencionando presas de javali, pele escamosa e mãos feitas de bronze. As três teriam então sido obrigadas a viver em uma ilha afastada chamada Ciméria (A Ilha da Noite Eterna) onde ficariam distantes dos homens que se desesperavam ao vê-las.
Em outra versão, as três eram princesas que serviam no Templo da Deusa Atena como suas sacerdotisas. De acordo com essa história, certa vez Poseidon visitou o Templo tencionando se encontrar com Atena, mas ao se deparar com Medusa, a mais jovem das princesas foi arrebatado pela sua beleza. Medusa cedeu ao Deus e aceitou fazer sexo com ele em um Jardim Florido considerado sagrado no templo, cometendo assim uma tripla transgressão: primeiro por ter rompido sua promessa de castidade, segundo por ter se deitado com um Deus inimigo de sua senhora e finalmente por ter profanado o Jardim. Como punição, Atena removeu a divindade de Medusa e a transformou em uma aberração com cabelos de serpente. Ela também decidiu punir as irmãs de Medusa, transformando-as em monstros uma vez que sabiam do encontro e tentaram ocultá-lo.
De uma forma ou de outra, todas as lendas concordam que as Gorgonas eram ou se tornaram horrendas e por conseguinte tão malignas e cruéis quanto sua aparência sugeria. No pensamento grego clássico beleza e virtude estão tão alinhados quanto feiura e vícios. O amargor das irmãs as contaminava de tal forma que sua aparência grotesca era capaz de afetar fisicamente as pessoas. Homens e mulheres que as viam envelheciam, perdiam o viço da juventude, a potência sexual e até os cabelos. O efeito mais conhecido, no entanto, veio através da descrição de Ovídio que reputou à Medusa, a outrora mais bela das irmãs, o poder de transformar, aqueles que vislumbravam sua face, em estátuas de pedra.
Apesar de ser a mais famosa das irmãs, Medusa nem de longe era a mais terrível já que segundo o mito grego, Esteno havia matado mais do que ela, enquanto Euríale havia feito mais vítimas que as duas juntas. As lendas afirmam que as Gorgonas mais velhas eram cruéis e se deliciavam com massacres e chacinas, promovendo verdadeiras orgias de violência. As duas dançavam entre os cadáveres e se banhavam no sangue quente, pois acreditavam que talvez assim pudessem voltar a ser belas. A loucura que as dominava era incontrolável e conforme o mito, elas também se entregavam ao canibalismo. O covil das duas, geralmente nas profundezas de cavernas, era repleto de ossos e restos humanos semidevorados. Detinham algum poder sobre os mares bravios. Como filhas de deuses oceânicos, faziam com que navios fossem lançados contra rochas para que seus sobreviventes sofressem em suas garras.
Já Medusa havia escolhido habitar uma antiga cidadela abandonada. Em algumas versões, esse lugar fica em numa ilha afastada no litoral da Líbia, em outras ela está na costa da Grécia. A morada de Medusa era triste e desolada, um lugar coberto de vegetação doentia e ruínas de um antigo povo que registrou sua história em afrescos desgastados pelo tempo. A cor se foi, junto com o calor e alento, tudo parecia coberto por uma aura de decadência e desespero. A característica mais marcante do covil de Medusa, eram as centenas de estátuas humanas espalhadas aqui e ali, sempre em poses de fuga e com expressões de horror. A petrificação ocorria com o mero vislumbre de sua face doentia, capaz de tornar a pele rígida e cinzenta em questão de segundos.
Medusa era uma reclusa. Deixava seu covil apenas para apreciar as estátuas que haviam sido pessoas e para chorar pela sua própria tragédia. Diziam as lendas que ela não tinha coragem de tirar a própria vida e que lamentava o fato de jamais poder se mirar num espelho, ação que transformaria ela mesma em uma estátua.
Segundo a mais famosa das lendas envolvendo Medusa, o herói grego Perseu teria sido enviado pelo Rei Polydektes de Sérifo para assassinar a Gorgona. Para ajudar em sua jornada, Hermes oferecia a Perseu um Elmo que lhe garantia invisibilidade, sandálias dotadas de asas que lhe permitem voar, uma foice que não perde o fio e um escudo de bronze cristalino como um espelho. Perseu visita uma caverna onde vivem três feiticeiras cegas que compartilham do mesmo olho. Ele consegue enganá-las se apossando do objeto e ameaça destruí-lo se elas não revelarem onde vive a Medusa. Elas acabam aceitando contar o que Perseu deseja e o instruem que a única maneira de vencer Medusa é evitar de olhar em seus olhos.
Algumas narrativas dizem que Perseu entra furtivamente na cidadela da Ilha e que encontra Medusa chorando em desespero no pátio repleto de estátuas de pedra. Ele se esgueira para trás dela, e com um único golpe decepa a sua cabeça sem que ela sequer perceba sua presença. Outras versões afirmam que a Medusa não apenas detecta o invasor em seus domínios, como luta com ele tentando transformá-lo em estátua. Perseu entretanto usa uma estratégia vitoriosa, empregando o escudo como um espelho para atrair a gorgona. Quando ela vê seu próprio reflexo começa a gritar em desespero se transformando em pedra. Ele então tem tempo de atacar e arrancar-lhe a cabeça. Seja como for, Perseu derrota a Medusa decapitando-a e recolhendo sua cabeça em um pano que pertencia a uma ninfa, o único tecido que resiste ao seu sangue venenoso.
O Sangue da Medusa, por sinal, é tratado como uma substância possuidora de faculdades místicas poderosas. Em uma das lendas ele seria usado para irrigar o solo da ilha fazendo com que os ossos das pessoas enterradas naquele lugar se movessem como esqueletos. Em outra fábula, o sangue vertendo do corpo da Medusa teria dado origem ao Cavalo Alado Pégasus e ao Gigante Crisaor. Também existia a crença de que gotas do sangue da Medusa pingaram no mar e que este formou os corais existentes no Mar Vermelho.
Após usar a cabeça da Medusa para transformar o Rei Polydektes em pedra, Perseu decide entregar o funesto troféu à Deusa Atena que a usa como adorno para seu escudo. Da mesma forma, algumas gotas residuais do sangue acabam parando nas mãos de Asclepius que as utiliza para criar remédios e poções mágicas.
A título de curiosidade, embora tenha sido morta nessa famosa história, Medusa continuou a aparecer em diversas narrativas contadas pelos gregos. A fama da mais jovem das Gorgonas continuou inabalável nos séculos seguintes fazendo dela uma das figuras mais reconhecidas na mitologia helênica.
O Templo de Corfu no Mar Jônico possui uma representação de Medusa entalhada ali para proteger o prédio e impedir a entrada de indesejados. Uma estátua intacta do século sexto antes de Cristo representando Medusa foi encontrada em Parikias em 1993. Acredita-se que a estátua era colocada na entrada de um templo também como forma de proteção. E estes são apenas alguns exemplos de obras de arte na qual Medusa figura de maneira proeminente. Ela está presente em incontáveis máscaras, vasos, ânforas, afrescos e peças de decoração. Até mesmo em sepulturas, mausoléus e lápides, os símbolos associados a Medusa se tornaram muitíssimo usados, uma forma de afastar ladrões e preservar objetos valiosos e restos humanos. Nenhum ladrão afinal ousaria arranhar ou depredar algo sobre a proteção da Gorgona guardiã.
Nos últimos séculos, os famosos "Olhos das Gorgonas" se tornaram amuletos usados comumente pelos gregos com o propósito de afastar o mal olhado e espíritos malignos. Ainda nos dias de hoje eles podem ser encontrados em todo país vendidos a turistas e visitantes. O símbolo composto de círculos concêntricos azuis e brancos se tornaram uma tradição em toda Grécia.
Os romanos também admiravam a Lenda das Gorgonas, em especial Medusa, e a incorporavam em várias representações artísticas. Escudos militares, brasões, bandeiras e estandartes trazendo a efígie de Medusa eram extremamente comuns, bem como pinturas e afrescos. Legiões do Exército de Roma que tinham Medusa como uma espécie de Patronesse ganharam grande fama.
Mesmo após a Queda do Império Romano, as Gorgonas continuaram sendo lembradas pelos eruditos que conservavam fragmentos da civilização decaída. Embora algumas estátuas de Medusa tenham inegavelmente sofrido depredação, algumas atravessaram a Idade das Trevas chegando ao Renascimento, convertendo-se em um tema recorrente entre artistas que recorriam ao Período Clássico como fonte inesgotável de inspiração para suas obras.
É curioso, mas assim como aconteceu com outros seres fantásticos (o Unicórnio e o Basilisco, para citar apenas dois recentemente visitados aqui no Blog), muitas pessoas na Idade Média acreditavam que as Gorgonas de fato haviam existido e que possivelmente tais seres poderiam ser encontrados em lugares isolados do mundo.
Pensadores medievais debatiam a respeito de onde viviam as Gorgonas e qual seria a localização de seu refúgio. Entrementes, também se discutia a respeito do destino final da Cabeça da Medusa, e se o estranho troféu ainda estaria em algum lugar secreto, esperando ser encontrado por quem o reclamasse. Cogitava-se ainda se a cabeça manteria os poderes descritos na famosa narrativa de Perseu e se poderia ser usado como arma por quem a encontrasse.
Até o século XVII, a Medusa se manteve presente no imaginário popular e em várias representações ao longo da história. Sua efígie foi adotada como símbolo dos Jacobinos que influenciaram a Revolução Francesa e que tiveram papel central no período mais radical do movimento. No século XIX, Sigmund Freud usou a Medusa para aludir muitas de suas teorias que fundamentaram a Psicanálise. Mais recentemente a Medusa foi alçada a figura central do feminismo, interpretada como uma mártir do inconformismo.
De uma lenda que conjurava terror extremo, passando por símbolo de revolução, resistência e força, a Medusa fez um longo caminho e provavelmente continuará presente no mundo moderno por um bom tempo.
Curioso que, em antigas representações, origens, as górgonas pareciam serem filhas de divindades dos mares, inclusive tem uma representação antiga dela com um cinto de serpentes, símbolo de fertilidade (se não me engano, esse simbolismo pode ser visto também na deusa asteca Coatlicue). https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/0c/Close_up_of_Gorgon_at_the_pediment_of_Artemis_temple_in_Corfu.jpg/1024px-Close_up_of_Gorgon_at_the_pediment_of_Artemis_temple_in_Corfu.jpg
ResponderExcluirFica frio aí
ResponderExcluir