terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Loucura Compartilhada - O Bizarro Caso das Gêmeas Erickson


Não havia nada de particularmente estranho a respeito de Sabina e Ursula Eriksson. Gêmeas idênticas, elas nasceram em 3 de Novembro de 1967 em Sunne, Suécia. Eram pessoas com vidas perfeitamente normais, sem nenhum registro de crime ou doença mental. Em meados de 2000, elas estavam vivendo em lugares diferentes, separados entre si por quase um mundo de distância, com Ursula estabelecida nos Estados Unidos e Sabina na Irlanda. Em maio de 2008, Ursula voou para visitar sua irmã. Era uma visita comum, nada mais do que uma irmã indo encontrar outra depois de alguns anos separadas. Mas esse acontecimento acabaria se transformando em um mistério bizarro que até hoje causa espanto e debate.

Após se reunirem alegremente na Irlanda, as irmãs Erickson decidiram repentinamente e de modo espontâneo fazer uma viagem para Liverpool, na Inglaterra. Era um tanto esquisito já que elas não conheciam ninguém lá, nunca demonstraram interesse ou razão para viajar até a cidade e ainda por cima não avisaram ninguém que iriam fazê-lo. A decisão, também foi incrivelmente repentina, cerca de cinco horas depois de se encontrarem, passagens foram compradas, emitidas e as duas embarcaram numa barca e depois num ônibus que as levaria até Liverpool. Tudo parecia ter sido feito de improviso.

Não existia explicação para a jornada acontecer, ainda mais daquela forma intempestiva. A despeito disso, elas simplesmente tomaram seu caminho. O primeiro sinal de estranheza foi uma discussão ocorrida na estação rodoviária já na Inglaterra, logo que elas desceram do ferry boat que as trouxe. Sabina tentou telefonar para casa em um telefone público e acabou se desentendendo com um homem que esperava na fila. As câmeras da rodoviária filmaram a situação desagradável que só foi resolvida com a chegada de dois seguranças que controlaram os ânimos. Segundo pessoas que testemunharam a cena, Sabina começou a xingar e ameaçar o homem que apenas perguntou se ela havia terminado de usar o aparelho.

Soube-se mais tarde que Sabina também havia discutido asperamente na véspera da chegada da irmã com seu marido. A briga começou porque ela queria que o marido tivesse mais responsabilidade ao cuidar de seus filhos. Não se sabe se essa crise teve alguma coisa a ver om o comportamento estranho dela nos dias seguintes, mas tudo estava prestes a se tornar ainda mais bizarro.

Uma vez em Liverpool, as irmãs decidiram seguir para Londres, apanhando outro ônibus do National Express Coach por volta das 11:30 da manhã. Já durante a viagem parecia haver algo errado com as duas. O motorista do ônibus contaria mais tarde que as irmãs não quiseram colocar as malas no compartimento de bagagem e que, quando sugeridas a fazer isso, se apegaram a elas e disseram que teriam de obrigá-las a fazê-lo. O motorista achou estranho, mas acabou concordando, embora as malas fossem grandes. No meio da viagem, Ursula se aproximou do motorista e pediu a ele que fizesse uma parada pois estava se sentindo enjoada.


Na altura de Keele, o ônibus fez sua parada programada e as duas foram filmadas agindo novamente de maneira estranha. Na loja de conveniência, Ursula foi filmada agarrada a uma de suas maletas, enquanto Sabina abria e fechava uma sacola para ver alguma coisa que estava dentro dela. Um dos atendentes achou o comportamento muito estranho, sobretudo porque as duas falavam alto e gritavam uma com a outra numa língua estranha. Um policial foi chamado, uma vez que algumas pessoas achavam que elas poderiam estar transportando uma bomba. Surpreendentemente, as duas agiram então de maneira normal, respondendo questionamentos feitos pelos policiais que as abordaram. Eles acharam que elas não eram uma ameaça e as liberaram. De volta ao ônibus, seguiram viagem por mais algumas horas, antes das coisas voltarem a ficar esquisitas.

As duas aprontaram um escândalo quando estavam perto de seu destino. Elas gritavam em desespero ordenando que o motorista parasse o veículo e as deixasse descer no meio da estrada M6, uma via de acesso a Londres perto de Stoke-On-Trent. Temendo confrontar as irmãs, o motorista parou o ônibus e elas desceram no canteiro central carregando suas malas. As duas andaram por cerca de 500 metros, até que uma patrulha policial as abordou para saber o que estava acontecendo. O controle de tráfego havia filmado as duas vagando pelo acostamento, gritando uma com a outra.

No momento que o policial se aproximou, as duas dispararam pela estrada, cruzando na frente de carros em alta velocidade. Ursula conseguiu chegar do outro lado da avenida, mas Sabina não teve a mesma sorte, foi atropelada por um carro que a derrubou no meio da pista. Inacreditavelmente, ela conseguiu se levantar e continuar correndo como se nada tivesse acontecido, e as duas cruzaram a pista no sentido contrário mais uma vez. Um carro conseguiu evitar de acertá-las em cheio, mas uma van de entregas que vinha logo atrás acertou as duas e as lançou longe. Ursula foi atingida com tanta força que sua maleta voou mais de 10 metros e suas pernas foram esmagadas. Sabina parecia completamente perdida depois do acidente mas não apresentava ferimentos graves.

A essa altura, dezenas de policiais haviam seguido para o trecho da estrada para controlar a bizarra situação que havia se instalado. Uma ambulância chegou e verificou que Ursula havia quebrado as duas pernas, enquanto Sabina estava levemente machucada. Foi uma cena caótica, entretanto não foi o fim da história.


Os paramédicos embarcaram as duas na ambulância e as levaram para prestar socorro no posto médico mais próximo. Ursula estava agindo de forma extremamente agressiva, cuspindo, mordendo e arranhando os socorristas. Falava em uma língua estranha que não era sueco e nem nenhuma que pudesse ser compreendida. Em meio aos gritos ela repetia "Eu sei que vocês não são reais, que vieram de outro mundo". Ela acabou tendo de ser sedada com tranquilizantes pesados.

Enquanto isso, Sabina que havia perdido os sentidos recobrou a consciência e também começou a agredir os paramédicos com socos, chutes e mordidas. Tudo isso enquanto gritava: "Por que vocês me mataram? Por que vocês roubaram meus órgãos?

Ela foi contida por quatro policiais e recebeu um sedativo que finalmente fez com que ela parasse de se debater. Todo o incidente foi filmado pela equipe de um reality show que estava acompanhando os oficiais da polícia rodoviária cobrindo seu dia a dia. As cenas foram divulgadas em redes de televisão afiliadas e chegaram à internet causando enorme sensação. As duas irmãs foram então transferidas para um hospital em Stoke-On-Trent para tratamento e interrogatório. 

Após o incidente, Sabina se acalmou e recebeu atendimento para os machucados que havia sofrido. Miraculosamente ela tinha apenas algumas escoriações causadas pelo esforço dos policiais em dominá-la. Elas foram mantidas sob custódia para avaliação psiquiátrica, mas as entrevistas concluíram que nenhuma delas parecia sofrer de distúrbios mentais. Exames de sangue determinaram que não estavam sob efeito de álcool ou drogas. Nenhuma delas tinha qualquer histórico de agressão ou passagem criminal, de fato, eram cidadãs exemplares. Apesar de terem causado enorme confusão e acidentes, e de terem reagido a ordens dos oficiais, elas não chegaram sequer a ser processadas. 

Enquanto Ursula ficou internada para tratamento no hospital local, Sabina foi liberada, afirmando que pretendia retornar para sua casa na Irlanda e se encontrar com o marido e filhos. Uma vez que ela não conhecia ninguém em Stoke-on-Trent, os policiais ofereceram uma carona até a estação rodoviária onde ela comprou passagem e foi vista embarcando num ônibus que a deixaria no litoral ocidental onde ela pegaria a barca. 

Isso parecia colocar um fim à sua estranha trajetória, mas não foi bem isso que aconteceu.


Sabina viajou por cerca de 30 minutos, o suficiente para sair da cidade quando pediu que a porta fosse aberta e ela pudesse desembarcar. Ela disse que havia esquecido algo e que precisava encontrar sua irmã urgentemente. Embora não fosse permitido atender esse tipo de comando, o motorista acabou aceitando deixá-la descer.

Sabina rodou pelas ruas de Stoke-On-Trent sem destino, até que um bom samaritano de 54 anos chamado Glenn Hollinshead, que estava passeando com seu cachorro resolveu se aproximar. Ele estava acompanhado do amigo Peter Molloy. Os dois acharam a mulher um tanto confusa e parecendo perdida, por isso decidiram ajudar. Sabina disse que havia se perdido de sua irmã e que não conhecia a cidade. Hollingshead perguntou se ela gostaria de ir até sua casa, descansar e depois tentar descobrir o paradeiro da irmã. Na ocasião, Sabina estava calma, brincava com o cão de estimação de seu anfitrião, e seu comportamento era normal, ainda que um tanto errático.

Molloy ficou na companhia dos dois por algumas horas e então decidiu voltar para casa. Até então ele disse que não havia nenhuma razão para desconfiar da mulher ou de sua história. Ele lembrou mais tarde que achou curioso o fato de Sabina olhar constantemente pela janela e checar sua mala de viagem repetidas vezes. Ela não quis aceitar os cigarros dele primeiro dizendo que não fumava e depois afirmando que "eles poderiam estar envenenados", o que ele pensou, era uma brincadeira da parte dela. Molloy lembrou também que não achou que a mulher representava algum perigo para o amigo.

Na manhã seguinte, Molloy tentou telefonar para Hollingshead para saber se estava tudo bem, mas não conseguiu contato com ele. Resolveu então ir até a casa que ficava a apenas duas quadras da sua. Ao se aproximar da porta ouviu gritos vindos do interior. Tocou a campainha, bateu a porta e quando nada disso adiantou, pediu ajuda a um vizinho chamado Chris Grant, pedindo que este chamasse a polícia pois algo estranho estava acontecendo. Grant disse que havia visto uma mulher na companhia de Hollingshead mais cedo e que ele a apresentou como alguém que estava procurando a irmã desaparecida. O vizinho suspeitava que alguém poderia ter invadido a casa e machucado Hollingshead e a mulher. Logo após chamar a polícia, os dois se dirigiram novamente até a casa, quando a porta se abriu violentamente. De dentro casa surgiu Hollinshead, caminhando de modo vacilante. O homem sangrava em profusão e conseguiu murmurar baixo antes de colapsar: "Ela me esfaqueou, cuidado! Tenham cuidado, ela é louca"!

A polícia chegou poucos minutos depois, mas não foi possível fazer nada para salvar o pobre sujeito. Ele havia recebido cinco facadas profundas. A polícia entrou na casa, encontrando uma enorme bagunça na sala e no quarto. Alguém havia aberto armários e gavetas, espalhado todo conteúdo pelo chão, formando enormes pilhas de roupas. Quadros foram derrubados da parede, a lareira havia sido acesa e usada para queimar álbuns de fotografias pertencentes ao dono da casa. Já na sala, acharam manchas de sangue próximo de uma cadeira. Havia restos de fio elétrico que aparentemente foram usados para amarrar Hollingshead e mantê-lo imobilizado na cadeira. 

A cena era de um crime extremamente bárbaro!

Os policiais não acharam sinal de Sabina, e assumiram que ela havia fugido por uma janela na cozinha que foi deixada aberta. Logo emitiram um alerta para que uma mulher com a aparência dela fosse capturada. Não demorou até que ela fosse achada a cerca de 4 quadras da casa de Hollingshead. Ela estava correndo, carregando a maleta numa mão e um martelo, roubado da casa na outra. 


Testemunhas disseram que ela falava em uma língua desconhecida (que certamente não era sueco e muito menos inglês) e que usava o martelo para ameaçar quem estivesse perto e para bater na própria cabeça. A essa altura ela já estava sangrando pelo nariz partido por um golpe e de dois ferimentos auto infligidos. A visão bizarra fazia com que todos se afastassem de seu caminho.

Em determinado momento, uma pessoa que passava tentou segurá-la, apenas para ser golpeado pela maleta que ela carregava e por pouco escapar de ser esmagado pelo martelo. A mulher gritou naquele idioma gutural e continuou seu caminho bamboleando sem rumo.

A polícia conseguiu alcançá-la perto de um viaduto onde ela foi cercada. A tática para capturá-la acabou se mostrando um erro, Sabina escalou o parapeito e sem pensar duas vezes se lançou de uma altura de 10 metros na estrada que passava lá embaixo. Por milagre ela não morreu na queda, ainda que tenha fraturado a bacia, perna e várias costelas. Sabina Erickson foi levada para o hospital imediatamente onde recebeu tratamento e uma ordem de prisão pelo assassinato de Glenn Hollingshead.    

Em setembro de 2009 ela foi à julgamento e se declarou culpada de homicídio, sem apresentar nenhuma explicação para seu comportamento bizarro e as ações que levaram à morte de seu benfeitor. Ela relatou que não tinha lembrança de nada que havia transcorrido desde que havia chegado à casa de Hollingshead e que tudo era um grande borrão em sua mente. Ela passou por exames psiquiátricos e a avaliação de três profissionais concluiu que ela realmente não sabia o que havia transcorrido no período em que foi dominada por um frenesi assassino.

A autópsia de Hollingshead atestou que ele havia recebido um golpe na cabeça e múltiplos ferimentos produzidos por faca. É provável que ele tenha sido desacordado por um golpe de martelo, amarrado na cadeira da sala e mantido ali contra sua vontade. Também é provável que ele tenha conseguido arrebentar os fios quando Molloy tocou a campainha. Sabina então o esfaqueou cinco vezes e escapou pela janela.

Na casa não se deu pela falta de nada, a não ser um fragmento de telha que havia sido removido de uma caixa que estava no pátio de Holingshead e que seria usada numa reforma. A telha foi encontrada na maleta de mão de Sabina embrulhada em um pano. Além desse objeto, o único removido da casa, a maleta continha algumas roupas, um pacote de biscoitos, uma garrafa térmica com chá, duas revistas e um pequeno rádio portátil sem pilhas.

O julgamento de Sabina foi considerado um acontecimento atraindo a atenção de jornalistas de várias partes do país e também de fora. Imagens do incidente na M6 não chegaram a ser usados como evidência pela promotoria que se concentrou no caso de assassinato. Segundo especialistas Sabina sofreu um surto psicótico chamado Folie à Deux (francês para Loucura à Dois), um tipo de surto no qual a pessoa se comporta de maneira homicida, geralmente acompanhada de um cúmplice.


No julgamento ela foi considerada sã, embora seu defensor tenha repetidas vezes declarado que só não alegava insanidade pela vontade de sua cliente. No fim, embora tenha assassinado brutalmente um inocente, sua culpa foi mitigada por circunstâncias atenuantes que reduziram a pena imposta a apenas 5 anos de prisão, boa parte da qual já cumprida preventivamente. No período que ficou na prisão, Sabina foi considerada uma prisioneira modelo.

Sua irmã, Ursula foi liberada do hospital onde ficou internada por mais de um mês e não foi processada por nenhum crime. Ela retornou aos Estados Unidos e para sua família sem jamais oferecer uma explicação para o que teria acontecido em sua viagem para a Inglaterra. Ela também não opinou a respeito do surto de violência perpetrado pela irmã, afirmando que não entendia como ou porque ela teria feito aquelas coisas horríveis.

No final das contas, ainda há muito debate e discussão sobre o que teria motivado esse crime bizarro.

O que causou o acesso de loucura filmado na auto estrada M6? O que teria acometido as duas irmãs e forçado duas mulheres aparentemente normais a se tornarem incontroláveis de um momento para outro? Não havia evidência nenhuma do uso de drogas ou substâncias capazes de causar aquela reação. Elas não tinham nenhum indício de abuso ou doença mental prévia. Então, o que aconteceu? Por que as duas se viram de um momento para outro consumidas por uma loucura incontrolável? Que estranho idioma era aquele que ambas pareciam compartilhar? Por que razão Sabina teria matado Hollingshead depois de torturá-lo?

Teria sido um caso de loucura temporária, psicose compartilhada ou algo diferente nunca antes visto? O irmão mais velho das duas, Leon Erickson contou em uma entrevista em 2015 que as gêmeas falavam que eram seguidas por "maníacos" e que quando crianças sofriam de sonambulismo. Contou ainda que elas afirmavam ver coisas que não estavam lá: pessoas e monstros, viam cores e sentiam cheiros, o que combinaria com sintomas clássicos de esquizofrenia, mas nada nesse sentido foi apontado pelos médicos chamados para examiná-las. Nos resultados psiquiátricos, as duas foram consideradas perfeitamente sãs.

Para tornar tudo ainda mais bizarro, não há uma explicação plausível para Sabina ter sido liberada da Instituição Penitenciária em Londres onde foi mantida por cerca de três anos sem a realização de uma avaliação mental completa. O procedimento é obrigatório por força de lei, mas no caso dela, não foi realizado. As autoridades competentes disseram que provavelmente houve uma falha no processo de liberação, algo inusitado, sobretudo quando o caso ganhou enorme repercussão pública. Um inquérito administrativo foi aberto para avaliar a conduta dos funcionários, mas ninguém chegou a ser penalizado pela falha.  

Após ser liberada da Prisão em Outubro de 2012, Sabina Erickson não foi mais vista. Ela literalmente desapareceu da face da Terra e seu paradeiro hoje em dia é desconhecido. Ninguém sabe o que aconteceu com ela, nem sua família, nem amigos, nem mesmo sua irmã gêmea. Ursula teria dito que não tinha interesse em encontrar a irmã e que não desejava vê-la nunca mais, viva ou morta.

O extraordinário Caso das Gêmeas Erickson se tornou um dos casos mais estranhos na história da Inglaterra. Ele foi explorado por programas de televisão e se tornou foco de um documentário chamado "Madness in the Fast Lane" (Loucura na Estrada Ligeira) que tentava encontrar explicações para o incidente.

A verdade é que ninguém parece saber o que aconteceu, nem mesmo as duas envolvidas diretamente nos eventos. O mundo é um lugar muito estranho e por vezes, certas coisas, talvez devam permanecer sem uma explicação.

A filmagem do incidente na Estrada M6:


https://www.youtube.com/watch?v=Kwq7PEYoITU

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