Como aconteceu em todas culturas, a Era Vitoriana foi marcada por suas próprias ideias e costumes particulares. Reconhecido como o período em que a Rainha Vitória reinou soberana sobre a Grã-Bretanha, entre 1837 e 1901, a era trouxe, entre outras coisas, novas práticas e formas de honrar os mortos.
Embora a morte em tempos mais rígidos fosse considerada como uma punição impingida aos vivos, os Vitorianos tiveram uma mudança de atitude e se abriram a aspectos religiosos, morais e sociais que os fizeram compreender o "fim" sob outro ponto de vista. Eles se tornaram mais tolerantes e sua atitude geral passou a romantizar a morte e a necessidade de lidar com ela através de demonstrações de respeito e tristeza. Prestar homenagens se converteu na conduta adequada para os parentes enlutados que pranteavam seus mortos estimados. As pessoas passaram a vestir roupas sóbrias, a realizar cerimônias em suas casas, convidar parentes e amigos, além de utilizar jazigos reservados para seus familiares falecidos. Até então, os funerais se resumiam a um breve serviço religioso e o enterro propriamente dito. A maioria dos costumes que hoje reconhecemos como básicos no que diz respeito ao luto, surgiram nessa época e permanecem conosco desde então.
Foi esse ambiente que estimulou o surgimento de um dos mais bizarros costumes fúnebres, o de criar Bonecas de Luto.
Mas do que estamos falando exatamente?
Populares no Período Vitoriano, quando a mortalidade infantil ainda era muito alta, Bonecas de Luto, Bonecas de Lamento ou ainda Bálsamo da Tristeza, eram modeladas com base em um bebê ou criança que tivesse falecido recentemente. Elas eram uma espécie de ferramenta para que as pessoas pudessem lidar com a sensação de perda experimentada. A ideia é que a Boneca serviria para aliviar a tristeza da perda como uma lembrança do falecido. Outro objetivo prático era fazer com que parentes pudessem ter uma ideia da aparência da criança falecida, visto que em muitas ocasiões sequer chegavam a conhecê-la.
Extremamente realistas, as Bonecas de Luto eram criadas por artesãos profissionais para ressaltar detalhes do recém falecido. Essas efígies, por vezes em tamanho natural, tinham seus pequenos corpos feitos com cera, esculpidas em madeira ou ainda com couro. O tamanho deveria ser condizente com o falecido. Por vezes, bexigas de animais preenchidas com água quente podiam ser acondicionadas dentro delas para que o corpo emitisse calor.
As famílias atingidas pelo luto mandavam fazer essas efígies e as deixavam em exposição durante o funeral e ao longo do enterro de seus filhos. Elas eram tradicionalmente colocadas sobre o caixão onde o cadáver repousava ou em uma cadeira próxima a ele. Por vezes, berços ou mesmo cestas podiam ser usadas com o mesmo fim de exposição, isso quando o falecido era um recém nascido. Era tradição que os parentes mais próximos beijassem a boneca ou que tocassem a testa dela como um sinal definitivo de carinho. Outro costume curioso era que músicas, geralmente hinos ou mesmo canções de ninar, podiam ser cantadas pelos presentes.
Após a cerimônia fúnebre, as Bonecas de Luto eram levadas para casa, preenchidas com ervas aromáticas e perfumadas. Segundo o costume, quando o odor das ervas se esvaecesse, o que levava entre 5 e 10 dias, o luto poderia ser recolhido. As bonecas então eram entregues a um coveiro que as depositava em um espaço reservado na mesma sepultura que a criança.
Entretanto, nem sempre era isso que acontecia!
Em raras circunstâncias, membros da família que levavam a Boneca de Luto para casa, decidiam ficar com elas indefinidamente. Nesses casos, elas eram colocadas nos quartos onde a criança dormia como uma lembrança perpetua, ainda que sinistra da tristeza manifestada por todos. Há muitos registros de pais e mães ao longo do século XIX que preservavam as bonecas por meses ou mesmo décadas, mudando-as de posição, trocando suas roupas e tratando delas como se estivessem vivas e representassem uma parte ainda conservada de seus filhos perdidos.
O costume era especialmente comum entre as famílias mais abastadas do Império Britânico. A Família de Lorde e Lady Holster, importantes nobres de Suffolk tinham não apenas uma, mas três Bonecas de Luto em sua propriedade, cada qual representando uma de suas crianças perdidas durante uma epidemia de cólera. Lady Melborough, outra importante senhora do período, lidava com seu luto cuidando de uma Boneca que representava o pequeno Frederich, seu filho morto aos 21 dias de vida.
Outras crianças sobreviventes podiam receber as Bonecas de Luto e a enorme responsabilidade de cuidar delas, não como brinquedos, mas como representações de seus irmãos falecidos. Essas bonecas eram toleradas em cerimônias religiosas e em igrejas.
Embora aos nosso olhos pareça algo bizarro, a sociedade vitoriana não via o costume como macabro ou de gosto duvidoso. Tais demonstrações de tristeza eram toleradas pela maioria das pessoas que viam as Bonecas de Luto como uma expressão particular do pesar.
As Bonecas de Luto tiveram seu auge entre os anos de 1830 e 1860, mas começaram a sumir quando outros costumes tipicamente vitorianos preencheram seu lugar. A criação de jóias funerárias, impressão de panfletos fúnebres e de broches para guardar fios de cabelos do falecido como recordação se tornaram bastante populares.
O método mais conhecido de preservar a memória de um falecido, foi o de fazer imagens funerárias, uma prática que ganhou espaço com o advento da fotografia. Os parentes mais próximos contratavam fotógrafos especializados em retratar os mortos e que se esforçavam para dar a eles uma ilusão de vida.
Não é de se estranhar que as Bonecas de Luto tenham se convertido na inspiração para diversas histórias e lendas a respeito de fantasmas e assombrações. Para muitos, bonecas são naturalmente assustadoras e várias das superstições que persistem até os dias atuais a respeito delas, vem desse período. A literatura fantástica tratou de associar à bonecas certa reputação, como se elas fossem causadoras de efeitos fantasmagóricos e catalizadoras de atividade sobrenatural. Hoje em dia, algumas Bonecas de Luto, criadas para expurgar a tristeza, estão entre os objetos mais assombrados.
bizarro, triste e interessante.
ResponderExcluirExcelente texto, parabéns pela pesquisa.
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