sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Medo Clássico vol 2 - Resenha da Antologia de Lovecraft lançada pela DarkSide


Quando escrevi a resenha para o Primeiro Volume de Lovecraft: Medo Clássico alguns anos atrás eu comecei dizendo que "Houve um tempo que a obra de Lovecraft era quase desconhecida no Brasil e difícil de ser encontrada". Realmente, houve um tempo em que ninguém, a não ser um pequeno grupo de fãs do gênero horror, conhecia Lovecraft e suas histórias não eram mais do que um material obscuro difícil de ser encontrado.

Como isso mudou!

Atualmente uma nova geração de leitores brasileiros foi apresentada a bibliografia de Lovecraft através de diferentes fontes. Temos filmes, séries de televisão, desenhos animados, jogos de tabuleiro, quadrinhos e RPG que colocam as criações (e criaturas) do autor em destaque. Quem poderia imaginar tal coisa? Ninguém supunha que esse estranho autor norte-americano, nascido no final do século XIX e que faleceu na obscuridade em 1939, se tornaria um dia um dos maiores expoentes no gênero e um verdadeiro fenômeno pop. E tudo aconteceu após a sua morte prematura, aos 46 anos, num lamentável estado de penúria e desespero. Até então Howard Phillips Lovecraft havia escrito compulsivamente a respeito de uma mitologia particular, uma complexa colcha de retalhos formada por deuses monstruosos, seres alienígenas e horrores impronunciáveis. Seus contos foram publicados em revistas pulp, como a Weird Tales, publicações baratas tratadas como uma subliteratura pelos críticos. Lovecraft almejava ser reconhecido, desejava que suas histórias se tornassem tão admiradas quanto as de seu ídolo máximo, Edgar Alan Poe, e que isso lhe trouxesse algum reconhecimento. Mas não aconteceu.

Embora fosse elogiado por um pequeno grupo de fãs, Lovecraft jamais atingiu em vida as suas aspirações profissionais. Ele nunca viu uma antologia com o seu nome ser publicada, por exemplo. O ofício de escritor lhe permitia sobreviver à duras penas. De fato, é uma surpresa que após a sua morte ele não tenha caído no anonimato. Isso se deu porque ele semeou boas amizades. Coube a esses colegas mais próximos, um grupo de fiéis seguidores que o tinham como um mentor, a difícil tarefa de cultivar a sua memória. Eles sabiam que valia a pena lutar para salvaguardar os textos de Lovecraft, uma série de contos que daria origem a algo que ficou conhecido como Horror Cósmico.

Levou alguns anos, mas graças a esses amigos, em especial August Derleth, os trabalhos de Lovecraft foram resgatados do limbo em que se encontravam. Ele foi publicado uma, duas, várias vezes e um fenômeno tão curioso quanto inesperado começou a surgir. As histórias de Lovecraft começaram a conquistar seu espaço. Mais que isso, passaram a ser elogiadas, copiadas, respeitadas, estudadas... Aos poucos o tão desejado reconhecimento que ele buscou incessantemente, acabou vindo. Tarde demais para ele, é bem verdade, mas assim, tal qual Cthulhu (sua criação mais conhecida) o legado de Lovecraft não estava morto, apenas aguardava, sonhando.


Nas últimas décadas, Lovecraft deu um salto decisivo para se estabelecer como um dos nomes mais populares dentro da literatura do Horror. Sua importância para o gênero pode ser medida pelo fato de seu nome ter se tornado adjetivo: "lovecraftiano" - que se refere a algo estranho, bizarro e incomum, geralmente horrendo e perturbador além de qualquer descrição.

No Brasil, Lovecraft está mais popular do que nunca. Trinta anos atrás, você mencionava o nome dele e obtinha olhares inquisitivos, hoje, a maioria dos fãs sabem quem ele foi e quais as suas principais histórias. E elas não param de ser publicadas, o que apenas confirma o vigor de sua obra e o interesse que ela desperta num público ávido por explorá-la mais à fundo.

Isso nos leva ao mais recente lançamento da Editora Darkside, o aguardado segundo volume do selo Medo Clássico, dedicado inteiramente a H.P. Lovecraft. Seguindo a premissa do primeiro volume, lançado em 2018, Lovecraft Medo Clássico volume 2 oferece uma seleção de 12 contos essenciais escritos pelo mestre do Horror Cósmico. São histórias que compõem a quintessência do autor, alguns de seus grandes momentos criativos estão presentes aqui, bem como alguns pequenos contos menos citados, mas que valem a pena conhecer.

Vejamos o lista de contos que integra o volume dois:

Medo Clássico abre com "O Horror de Dunwich" um dos contos mais populares de Lovecraft, verdadeiro clássico de construção lenta mas arrepiante. A história é sobre um estranho clã vivendo num pacato lugarejo nos arrabaldes da Nova Inglaterra que planeja a derrocada da humanidade através de um horrível experimento sobrenatural. Para deter esse plano macabro, um grupo de acadêmicos recorre a livros, em especial o tenebroso Necronomicon, para combater a ameaça. Um dos Deuses mais interessantes, Yog-Sothoth, faz uma bela aparição aqui e permeia na trama do início ao fim.


"Celephais" é daqueles contos menores, uma história que integra o chamado Ciclo dos Sonhos e que versa sobre uma realidade onírica fantástica. A Celephais do título é uma cidade criada por um sonhador que usa a Terra dos Sonhos para espelhar seu lugar idílico.

Já em "A Música de Erich Zann" temos um estudante que fica intrigado pela curiosa música executada por um ancião que parece tocar suas melodias para uma plateia incomum. A música do título, nada mais é que uma canção de ninar para titãs e deuses de outra realidade.

Lovecraft atinge o ápice de sua inventividade misturando terror e ficção científica no conto a seguir, "A Cor que Caiu do Espaço" uma de suas obras mais celebradas e elogiadas. Não é para menos! A Cor está facilmente no top 10 de seus contos e é uma história engenhosa e impecável. Um meteorito despenca dos céus trazendo em seu interior uma forma de vida bizarra que altera a natureza e promove um horror inenarrável. A coisa é apenas uma cor, indescritível e bizarra que corrompe tudo aquilo em que toca. Para alguns esse é um dos contos definitivos no gênero Horror Cósmico.

"Os Gatos de Ulthar" é uma pequena joia da bibliografia lovecraftiana, também se passando na Terra dos Sonhos. Ela trata de uma das paixões do autor, os gatos e apresenta uma cidade incomum em que a Lei principal proíbe matar gatas. A história acompanha o que acontece quando alguém vai contra essa norma e ousa ferir um felino nos limites de Ulthar.

A seguir encontramos "Do Além", um conto curto dotado de grande intensidade e empolgação. A trama nos apresenta um cientista que constrói uma máquina - o Ressonador, engenho que lhe permite apreciar o que existe além de nossos sentidos e das limitadas percepções humanas. O único problema é que, aqueles que estão do outro lado também passam a nos perceber.


"O que Assombra as Trevas" foi um dos últimos contos escritos por Lovecraft, lamentavelmente justo quando ele parecia ter amadurecido sua narrativa e refinado seu estilo. A história é sobre a obsessão de um homem à respeito de uma estranha igreja proibida na sua cidade natal, um lugar escuro que abriga um horror ancestral. Atraído por sua curiosidade mórbida ele acaba explorando o lugar e libertando a coisa blasfema que habita nas trevas do campanário.

O conto "Nyarlathotep" lança um espectro sobre uma de suas criações mais celebres o Deus Exterior que dá título à história e um dos horrores favoritos entre os fãs. O conto curtinho contextualiza o caráter sardônico do Caos Rastejante e sua propensão a nos confundir e enganar. É uma espécie de poesia narrada em prosa, difícil de descrever e não por acaso resultado de um sonho febril de Lovecraft à respeito de uma realidade distópica.

Já em "O Modelo de Pickman", o autor volta ao mundo real para contar uma história com ecos de gótico sobre um pintor que recorre a uma musa apavorante para produzir os quadros mais horripilantes. A medida que sua arte vai sendo apresentada, a origem chocante das telas e a forma como elas foram produzidas deixam uma sensação indisfarçável de asco e choque. Pickman é outra obra menor de Lovecraft, mas que se tornou muito querida entre os fãs.

O Cavalheiro de Providence investe novamente no gótico com a história à seguir "O Proscrito". Nela, temos um misterioso morador de um castelo medieval que habita as profundezas de um porão que lhe serve de prisão. Ao buscar a liberdade, o estranho narrador faz uma chocante descoberta sobre si próprio. Fortemente influenciado por Poe e outros mestres góticos, o Proscrito é uma história sobre solidão e revelações perigosas.

Já em "A Danação que acometeu Sarnath", a narrativa tem tons surreais e fantásticos. Conhecemos aqui o trágico destino de uma bela cidadela e de seu povo, vítimas de uma vingança que demora séculos para se concretizar, mas que quando ocorre promove a danação do título. É uma história estranha e com nuances oníricas que obviamente se passa na Terra dos Sonhos.


Finalmente, a lista termina com "A Sombra sobre Innsmouth", outro dos grandes clássicos que compõem o rol de obras que "merecem ser lidas". Insmouth é uma daquelas histórias decididamente macabras em que o autor dá asas a sua imaginação mais profana. Nela temos uma pacata cidadezinha costeira, palco de incidentes muito estranhos e onde a população negocia com horrores que habitam as profundezas marinhas. Lovecraft explora como ninguém a estranheza diante do incomum e do imponderável, além de promover um vislumbre do que viria ser chamado de "Body Horror".

Além da excelente seleção de contos, o volume 2 nos brinda com o ensaio "O Horror Sobrenatural na Literatura" uma espécie de estudo acadêmico, redigido por Lovecraft à respeito do gênero e dos principais expoentes da literatura de terror que o inspiraram e influenciaram. Um trabalho erudito e primoroso.

Como sempre é necessário elogiar a qualidade gráfica e o sensacional trabalho dispensado pela Darkside. O livro é um deleite visual que vai fazer os colecionadores literalmente salivarem com a oportunidade de tê-lo em sua prateleira, ainda mais com a perspectiva futura de outros volumes que completarão essa coleção dedicada a Lovecraft. Diferente da primeira edição em que o verde fosforescente era a cor principal, aqui temos um tom de laranja doentio que casa perfeitamente com o tema das histórias. As ilustrações que abrilhantam algumas páginas são assinadas pelo consagrado artista Virgil Finlay que contribui demais para o clima mórbido e lúgubre. Medo Clássico volume 2 tem um acabamento fantástico e oferece duas opções de capa: a Edição Miskatonic e a Cósmica, ambas incríveis.

Mais um grande acerto da Darkside que oferece entre os mimos para quem adquire pela sua loja própria três cartões postais. Particularmente não gosto de usar a palavra "obrigatório", mas sem dúvida os verdadeiros fãs do terror deveriam conhecer esse gênio do Horror e saber porque ele é tido como um dos expoentes do gênero. E aqueles que já conhecem, vão adorar essa edição.

Para quem quiser ler a resenha do volume 1, aqui está o link:

http://mundotentacular.blogspot.com/2018/01/medo-classico-hp-lovecraft-em-uma.html

3 comentários:

  1. Recomendo também o livro H.P Lovecraft Grandes Contos, da editora Martin Claret. Lá estão muitos dos contos menos conhecidos dele, muitos que não aparecem em nenhuma outra coletânea, mas que são tão brilhantes quanto os mitos cthulhu. https://m.media-amazon.com/images/P/B08BJ8W91M.01._SCLZZZZZZZ_SX500_.jpg

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  2. Seria interessante uma coletânea de livros e contos baseados nos mythos de autores brasileiros pois a muito material bom

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  3. Sonho da minha vida é o Obra Completa dele.

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