domingo, 8 de maio de 2022

Culto da Morte - A horrível tragédia de "Jamestown"

Continuando a postagem sobre Jonestown.

Os membros do Templo do Povo haviam sido treinados por muitos anos para se prepararem para o suicídio em massa que finalmente ocorreu em novembro de 1978. Jim Jones, seu carismático líder, havia compartilhado com seus seguidores a crença paranoica de que o governo americano estava planejando destruir seu Movimento revolucionário. 

Ao longo dos anos, Jones apresentou muitas "ameaças externas" à segurança de seus seguidores, mas afirmava ter sempre removido o perigo para eles. Uma e outra vez ele os havia resgatado, eles aprenderam a confiar nesse homem conhecido por eles como o "Pai".

Jones e seus seguidores se mudaram para o vilarejo de "Jonestown" com o objetivo de criar uma comunidade completamente autossuficiente baseada nos ideais do comunalismo. Cada pessoa trabalharia para o bem comum, produzindo comida, abrigo, roupas, cuidados de saúde e educação para si e para os demais. Nesta comunidade todos seriam iguais e poderiam viver em paz. Era um ideal nobre, pelo qual valia a pena morrer, dizia o Reverendo em seus sermões inflamados.
 
Em novembro de 1978, o povo de Jonestown demonstrou que realmente estava pronto para morrer. Mas como eles chegaram a isso? O que motivou quase mil pessoas a cometer suicídio em nome de suas crenças? Matar suas crianças e depois beber veneno. Como costuma acontecer com seitas apocalípticas, tudo isso foi um processo, longo e desgastante que moldou a mente dessas pessoas nesse sentido.

Visão aérea de Jonestown na época da tragédia 

Tudo era uma questão de compromisso e dedicação. Quanto mais a pessoa se dedicava, mais ela era admirada pelos demais membros da Igreja. O nível mais alto de compromisso só podia ser atingido quando um indivíduo ou sua família passava a viver nas instalações do Templo do Povo, entregando todos os bens pessoais, economias e cheques da previdência social para o Templo. O ideal de vida em comunidade era um grande aspecto do ensino de Jones, visto como o único ideal verdadeiramente espiritual. O mundo exterior do capitalismo e do individualismo era maligno e destrutivo. As forças desse sistema veriam os ideais e realizações do Templo do Povo como uma ameaça à sua própria estabilidade e, assim iriam desejar sua destruição. Com isso, Jones foi capaz de criar a ilusão de que o único lugar de segurança e conforto para as pessoas era o Templo do Povo. Do lado de fora, reinava um mundo de dor e perigo.

Nos vinte anos anteriores aos trágicos eventos em Jonestown, o número de seguidores do reverendo Jim Jones havia crescido, à medida que ele atraiu os marginalizados da sociedade, juntamente com aqueles que desejavam ajudar os oprimidos e servir os necessitados. Jones pregou a necessidade de fraternidade e integração racial, de igualdade e doação. Ele fundou o Templo do Povo no ano de 1963 e lá negros e brancos participavam do culto lado a lado. Os pobres e os desajustados da sociedade foram recebidos de braços abertos. A congregação de Jones trabalhou para alimentar os miseráveis, encontrar emprego, ajudar ex-criminosos e viciados em drogas a recompor suas vidas.

À medida que a congregação de Jones crescia, também cresciam as exigências que ele fazia ao seu rebanho. Maiores sacrifícios e dedicação eram exigidos dos membros do Templo do Povo. Jones se mudou para o norte da Califórnia em 1965, junto com 100 de seus seguidores mais fiéis. Uma vez na Califórnia, o Templo do Povo cresceu até haver várias congregações, com sede em São Francisco. Para atrair os membros, Jones prometia curas milagrosas onde os cânceres seriam extirpados e os cegos voltariam a enxergar. Aos recém chegados, o ideal transmitido parecia verdadeiro e nobre. 

Para convencer ainda mais seu público, Jones oferecia previsões de eventos que ainda aconteceriam como se fosse um profeta iluminado por visões. Os membros do templo aceitavam que, de fato, ele era um indivíduo superior e ninguém tinha dúvida de seus dons. Ouvir os seus conselhos, compreender sua mensagem e fazer o que ele mandava eram as etapas para doutrinar os membros e torná-los totalmente dependentes de seu líder. 

Jim Jones durante uma de suas pregações na Califórnia

De sua parte, Jones também começou a agir de modo cada vez mais truculento, impondo punições para os que falhavam ou que não admitiam sua fraqueza. Isolamento, humilhação, fome e tortura psicológica eram ferramentas usadas diariamente. Cada aspecto da vida do seu rebanho era controlado até que a vontade própria desaparecesse de uma vez por todos. 
 
Em Jonestown esse método de controle atingiu seu extremo. A comunidade estava situada no meio de uma densa selva, com guardas armados ao longo das poucas estradas que levavam à civilização e todos vigiavam uns aos outros. Mesmo que alguém conseguisse sair do complexo, ele não tinha passaporte, documentos ou dinheiro que permitisse escapar. O lugar apesar de não ter muros, era uma prisão da qual ninguém escapava.
 
E quanto a Jim Jones em pessoa? Quem era o homem que construiu esse controle e como ele conseguiu ter êxito nos seus intentos?

Jim Jones nasceu em Indiana, em 1931, durante a Grande Depressão. Enquanto seus pais lutavam para sobreviver, Jones estava livre para explorar o mundo ao seu redor. Em tenra idade, ele encontrou uma congregação pentecostal conhecida como Tabernáculo do Evangelho, composta principalmente de pessoas sem dinheiro que se mudaram para o campo. A igreja e seus membros moravam à margem da comunidade e eram conhecidos como "fanáticos desesperados".

O carismático Reverendo Jim Jones com sua indumentária tradicional

No início da adolescência, Jones não queria mais saber das atividades normais dos outros meninos. Ele estava muito mais interessado no fervor emocional e religioso que encontrou no Tabernáculo do Evangelho. Lá aprendeu sobre cura espiritual e logo estava recebendo elogios por seus discursos. Em 1947, aos dezesseis anos, Jones pregava nas esquinas compartilhando a sabedoria e o conhecimento que acreditava possuir. Ele defendia a irmandade do homem, independentemente da posição social ou raça. Suas simpatias estavam com os pobres e oprimidos.
 
Durante seus anos de ensino médio, o jovem Jim Jones se interessou pela vida de homens poderosos e influentes, tendo um interesse especial em Adolf Hitler e Joseph Stalin. Quando conheceu sua futura esposa, Marceline, no final da adolescência, ele já havia desenvolvido um profundo conhecimento sobre questões sociais e eventos mundiais. Marceline era uma estudante de enfermagem no hospital onde Jones trabalhava meio período. Eles se casaram, mas os primeiros anos de seu casamento foram tempestuosos. Jones era inseguro e dominador ameaçando se matar várias vezes. As constantes explosões emocionais foram extremamente difíceis para Marceline, mas sua crença de que o casamento era um compromisso para toda a vida a fez resistir.
 
Ao longo desse período, Jones começou a questionar sua fé por conta de todo sofrimento que presenciava no mundo e que ele não era capaz de diminuir. Sua visão apenas se suavizou quando ele se juntou a uma Congregação Metodista que defendia o direito das minorias e trabalhava para acabar com a pobreza. Jim Jones era um dos mais dedicados à essa causa atraindo multidões que vinham de longe para ouvir suas palavras reconfortantes. Quando ele ganhou fama e seguidores suficientes, decidiu criar sua própria Igreja que chamou de "Templo do Povo". O estilo emocional de pregação e a mensagem de igualdade conquistaram muitos seguidores e a congregação cresceu.
 
Com a Guerra Fria no auge, Jones passou a acreditar que o comunismo poderia ser combatido com o comunalismo, uma doutrina de que as pessoas deveriam compartilhar o que tinham para gerar uma sociedade igualitária. Coincidentemente, foi nessa época que Jones teve a "visão" de um ataque nuclear que acabaria destruindo a civilização. Acreditando que os Estados Unidos estavam fadados a serem devastados, Jones começou a procurar um lugar "mais seguro" para sua congregação. Ele viajou para o Havaí e depois para o Brasil, onde ficou por dois anos, ensinando inglês para se sustentar em São Paulo. Foi durante sua viagem de volta do Brasil que ele visitou a Guiana pela primeira vez.

Propaganda do Templo do Povo 

O reverendo ainda retornou para a Califórnia onde ministrou por algum tempo, mas seus planos envolviam levar o Templo do Povo para a América do Sul. Em 1974 ele obteve permissão do governo da Guiana para construir a nova sede do Templo em um lote de 300 acres, a 200 quilômetros da Capital, Georgetown. O arrendamento foi batizado "Jonestown" e deveria ser o primeiro em uma série de cidades que receberiam milhares de pessoas. Jones fez propaganda de si mesmo como um tipo de Messias com poderes de cura em todo país, acreditando que isso iria atrair ainda mais pessoas, contudo, Jamestown tinha uma estrutura precária e quem se mudava para lá experimentava enormes dificuldades.  
 
Frustrado ele retornou aos EUA para angariar fundos que permitissem concretizar seu sonho de construir uma utopia no meio da selva. Grupos de pensadores engajados, políticos liberais e progressistas ofereceram a ele suporte, mas os recursos vieram realmente quando o Templo passou a absorver os bens de seus seguidores. Estes eram incentivados a transferir todos os seus bens para o nome de Jones. As doações permitiram que o Templo obtivesse empréstimos com bancos para melhorar a infraestrutura de Jonestown.

Aos poucos, a idílica cidade da selva, o paraíso terreno do comunalismo, saiu dos planos e surgiu no meio do nada. O terreno escolhido era isolado, ermo e perigoso: Coberto de uma densa vegetação, com charcos e pântanos infestados de mosquitos e serpentes. Apesar das dificuldades no início, o lugar começou a crescer com a construção de alojamentos, cozinhas comunais e depósitos. Jones contratou agricultores experientes que limparam o solo e deram início a um promissor projeto de agricultura que os tornaria autossuficientes. No projeto, Jonestown também receberia um hospital de referência e uma usina para gerar a própria luz.

Os pioneiros que se mudaram para Jonestown trabalhavam exaustivamente. Muitos deles não tinham experiência com a vida no campo e não estavam adaptados àquela nova realidade. Foi esse o momento que Jones escolheu para aterrorizar seus seguidores. Com uma campanha cada vez mais agressiva de convencimento, ele afirmava que deixar o povoado era dar as costas para o único lugar seguro do mundo. Lá fora ninguém estava seguro da guerra iminente que varreria a humanidade da face da terra, levando o mundo à beira da perdição. Apenas os que viviam em Jonestown conseguiriam sobreviver e eles seriam os primeiros a formar o novo "Povo Escolhido por Deus".

O Pastor gostava de ser fotografado com crianças de todas as raças

A mensagem de Jones, martelada constantemente nos seus sermões diários, afirmava que a vida na Guiana poderia ser dura, mas ela era a única opção para quem quisesse alcançar a salvação. Os que ainda duvidavam de seu discurso eram procurados por outros membros do Templo, por vezes ameaçados, ou até mesmo isolados em celas para que pudessem "refletir". Finalmente os que estavam convictos e queriam partir, o faziam de mãos vazias, por vezes, penavam para retornar aos seus países de origem, desistiam e retornavam. 

Contudo, alguns "dissidentes" retornaram para suas casas e reencontraram seus parentes, relatando a eles os horrores que testemunharam em Jonestown. Havia narrativas sobre humilhação, castigos físicos e prisões arbitrárias no lugar. Algumas pessoas eram submetidas a períodos de privações de sono ou de alimentos, recebendo ainda drogas psicotrópicas para alterar sua vontade e sofriam até tortura. Disseram ainda que havia homens armados que serviam ao Reverendo patrulhando os limites do povoado, com ordens para atirar em qualquer um que tentasse escapar. O boato de que os limites haviam recebido minas terrestres também se popularizou, bem como os rumores de que pessoas que tentaram escapar acabaram sendo mortas e enterradas nos charcos ao redor de Jonestown. Para um lugar divino, o povoado mais parecia o Inferno na Terra.

Os primeiros testemunhos sobre o que acontecia na Guiana foram vistos com grande ceticismo pela maioria. Não havia provas de quaisquer atividades criminosas até então ligadas ao Reverendo Jim Jones, e, de fato, ele era tido como um religioso preocupado com o próximo. Chamá-lo de assassino e genocida parecia um grande equívoco, um verdadeiro absurdo. Além disso, Jones contava com o apoio de políticos e pensadores dispostos a dar a ele o benefício da dúvida.

As coisas começaram a ficar ainda mais estranhas quando algumas pessoas que voltaram da Guiana afirmavam estar sendo perseguidas e atormentadas por membros do Templo do Povo. Muitos diziam estar sendo coagidos a manter o silêncio sobre o que acontecia em Jonestown. O caso mais grave envolveu o misterioso assassinato de um casal de dissidentes, encontrados mortos na garagem de sua casa poucos dias depois de participarem de um programa de rádio no qual relataram os excessos cometidos por Jones e seus seguidores. O caso chamou a atenção do público e alguns jornalistas procuraram dissidentes e ouviram seu lado da história. 

O Reverendo recebe a comissão que veio visitá-lo na Guiana

Além disso, pais, parentes e amigos de indivíduos que largaram tudo e se mudaram para a Guiana estavam preocupados com a segurança de seus entes queridos. A maioria deles havia simplesmente sumido depois de aderir à Igreja e não havia nenhuma notícia de seu paradeiro. Uma comissão de "Parentes Preocupados" se formou para pedir providências ao Governo americano. Foi assim que o Congressista Leo Ryan entrou na história, fazendo com que ele se tornasse um defensor dos direitos dos dissidentes e dos parentes apreensivos com a situação. 

Enquanto isso, em Jonestown as coisas estavam prestes a piorar. Os contatos de Jones nos EUA contavam a ele por rádio que o Templo do Povo estava sendo vítima de uma campanha difamatória que visava acabar com ele. A paranoia tomou conta do Pastor e ele passou a ameaçar todo aquele que cogitava deixar o povoado e retornar à civilização. Jonestown se converteu em uma prisão fortificada e mais guardas armados foram contratados para vigiar o campo. Segundo testemunhas ao menos uma dúzia de pessoas teriam sido mortas em tentativas de fuga e outras tantas feridas. Os sermões de Jones também se tornaram cada vez mais agressivos com a data para o fim da humanidade sendo mencionada com mais frequência.

O Reverendo Jones dizia que era questão de tempo para o Fim dos Dias. Foi nessa época que ele começou a ensaiar a derradeira medida para salvar seu povo: o Suicídio Coletivo! Em pelo menos três ocasiões, os membros do Culto simularam como seria realizado o procedimento caso eles se vissem ameaçados pelos seus "inimigos". O plano era se matar e assim convencer o mundo inteiro de sua pureza e da injustiça sofrida. Isso daria ensejo a uma Revolução transformadora, que Jones defendia, poderia mudar o planeta.

Quando Leo Ryan entrou em contato com membros do Templo do Povo em San Francisco pedindo por um encontro com Jim Jones, a notícia caiu como uma bomba na congregação. O "Inimigo" estava à caminho e eles talvez tivessem de levar à cabo a sua solução revolucionária. Jones tentou acalmar as pessoas, dizendo que ele tentaria convencer os forasteiros de suas boas intenções e que talvez tudo acabasse bem, contudo, ele deu ordens para que os seus seguranças estivessem preparados para qualquer ação necessária.

O Reverendo e sua "Obra"

A comissão liderada por Leo Ryan foi recebida amistosamente na Guiana, apesar de algumas providências que visavam ludibriá-lo. Algumas pessoas insatisfeitas foram removidas da vista, assim como uma limpeza foi realizada nas instalações que não estavam em bom funcionamento. Jones detestava a ideia de receber jornalistas, mas acabou aceitando a presença de repórteres americanos e de representantes das famílias preocupadas. A visita terminou com o pedido de várias pessoas interessadas em deixar Jonestown. As testemunhas estavam apavoradas e muitas delas queriam deixar a Guiana e voltar para casa. Ryan garantiu a eles o direito de partir e Jones concordou.

Jamais se soube ao certo se a ordem de eliminar o Congressista e sua comitiva partiu de Jim Jones ou se foi algo que os membros da congregação decidiram por conta própria. O fato é que o plano original envolvia matar a todos e simular um acidente aéreo. O plano obviamente falhou e embora muitos tenham sido feridos mortalmente (inclusive o Congressista Ryan), outros sobreviver ao atentado.

Com o círculo se fechando, Jones deu a tão temida ordem que ecoou no sistema de rádio para que todos pudessem ouvir. A população de "Jonestown" era conclamada a morrer em nome de seu ideal torto de revolução. Quando a notícia do atentado contra a comitiva chegasse aos EUA, o "inimigo" viria com armas trazendo morte e destruição. A única resposta era morrer em nome do ideal defendido por todos.

É claro, no momento final houve discussão e um acalorado debate. A morte voluntária jamais é algo fácil ou simples, mesmo entre fanáticos. No fim, a vontade da maioria e imposta pelo reverendo Jim Jones prevaleceu. Os que se pronunciaram contra, foram forçados a morrer, senão pelo veneno, pela ação de homens armados. O exame pericial definiu ainda que muitas vítimas haviam recebido picadas de agulha nas costas ou nos ombros, evidenciando que receberam o veneno contra sua vontade. O próprio Reverendo Jim Jones foi encontrado sentado numa cadeira de praia. Morreu baleado, mas não se conseguiu determinar se a morte foi causada pelas suas próprias mãos ou por um segurança fiel. 

Soldados americanos preparam o resgate dos corpos de Jonestown

No fim, o povoado foi ficando cada vez mais silencioso, à medida que aqueles que tomaram cianeto, se esparramavam no chão do refeitório e alojamentos, vítimas de convulsões incontroláveis. Quando chegaram no dia seguinte ao local da tragédia, as autoridades da Guiana ficaram sem palavras diante do massacre encontrado. 918 pessoas morreram neste que se tornou o maior suicídio em massa da história moderna. 

As vítimas se deixaram levar por um furor messiânico em uma demonstração clara dos perigos que representam os cultos apocalípticos.

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