Eu sempre fui um fã ardoroso de H.P. Lovecraft e de sua obra. Desde que tive o primeiro contato com suas histórias, novelas e contos, lá por volta de 1990. Viciado nas histórias tratei de comprar e devorar tudo aquilo que ele produziu. Explorei cada pequena criação, por vezes adquirindo livros que traziam vários contos repetidos, em busca de um conto em especial que eu não conhecia ou que tivesse um trecho diferente.
A genialidade de Lovecraft como contista já foi amplamente reconhecida, sua capacidade de invocar sensações e medos profundos, sua verborragia nervosa, sua criatividade, tanto como autor de terror, quanto visionário da moderna Ficção-Científica, são celebrados por estudiosos e pesquisadores. Se o seu posto como um dos Grandes Mestres do Gênero Horror já está assegurado, outra de suas facetas permanece até hoje oculta: O Lovecraft poeta é quase desconhecido do grande público.
É surpreendente já que no início de sua carreira, Lovecraft considerasse a si mesmo mais um poeta do que um contista. Por um bom tempo, ele dedicou sua atenção, muito mais aos versos do que qualquer outro estilo literário. Talvez ele imaginasse que a poesia era uma arte mais nobre, que lhe traria reconhecimento, contudo, isso jamais aconteceu. A bem da verdade, Lovecraft jamais experimentou o sucesso em vida e sua obra só foi descoberta muito depois dele ter falecido precoce em 1937, antes de completar 50 anos.
Vou confessar uma coisa. Eu nunca fui muito fã da poesia de H.P. Lovecraft. Sempre considerei rebuscada demais, complicada e derivativa. Eu nunca quis me dar ao trabalho de explorar essa vertente e de tentar contextualizar seus sonetos no universo do Mythos de Cthulhu. Ademais, ler em inglês e entender o contexto das palavras em um poema é tarefa bem mais complexa do que fazer o mesmo em um conto.
Apenas agora, através de "Os Fungos de Yuggoth", edição lançada pela Clepsidra após um bem sucedido Financiamento Coletivo é que estou conhecendo e realmente entendendo a poesia de Lovecraft. E vou lhes dizer, é incrível mergulhar nesse estilo que até então, eu ignorava.
Os Fungos de Yuggoth são compostos por 36 sonetos inteiramente dedicados ao Horror Cósmico, traduzidos pela primeira vez para o idioma português. Escritos entre 1929 e 1930, eles fazem parte da segunda fase de produção de Lovecraft, quando ele se dedicava ao Ciclo de Cthulhu e ao Ciclo dos Sonhos, etapa que rendeu alguns de seus melhores trabalhos.
Muito se engana quem imagina que os poemas tem pouco ou nada à ver com o Horror inenarrável do Mythos. Cada um dos sonetos está intimamente conectado a tudo que ele escreveu dentro dessa mitologia apocalíptica - as forças nefastas que comandam o universo, Azathoth e Nyarlathotep, os horrores que vagam na noite, os Nightgaunts (noiteseguios) e os recônditos medonhos da terra lovecraftiana (como Innsmouth) são citados. Lovecraft usa os versos para ressaltar os aspectos mais medonhos contidos em sua prosa e se mostra um exímio poeta capaz de verter em palavras trechos gélidos de terror cósmico.
Ao longo dos poemas, encontramos as reminiscências de um narrador sem nome, relatando suas experiências surreais e experiências perturbadoras, após a leitura de um livro misterioso. Em cada trecho ele se dedica a um pormenor e vai costurando uma trama intrincada de terror e loucura. O resultado é uma obra de grande apelo que intercala o que podem ser considerados momentos de lucidez com alucinação, insanidade e revelação, sem falar de uma esmagadora impotência diante das forças que regem um cosmos indiferente. Em resumo? Lovecraft em seu ápice.
Realmente, ler e absorver tudo isso seria tarefa muito complicada não fosse o prefácio assinado por David E. Schultz que abre o livro e prepara o leitor para o que está por vir. Com a ajuda dele, conseguimos decifrar detalhes escondidos nos sonetos e ter uma visão mais ampla do que o autor quis dizer. As citações e notas de rodapé são riquíssimas e concedem maior dimensão à obra. Sem falar que fornece uma visão do processo de criação e concepção dos sonetos.
A edição bilíngue (em português-inglês) é um primor, com tradução perfeita de Douglas Cordare e Felipe Vale da Silva que se dedicaram aos versos e extras, respectivamente. Caio Bezarias, autor de "Mitologia Lovecraftiana: A Totalidade pelo Terror", oferece um Posfácio no qual analisa a contribuição de Lovecraft e a qualidade de sua poesia. Por fim, temos uma exposição da biografia de Lovecraft maravilhosamente redigida por Felipe Vale da Silva na qual encaramos pormenores da vida de Lovecraft que vão muito além dos conceitos (e preconceitos) que estamos habituados a ler sobre ele.
Por tudo isso, "Os Fungos de Yuggoth" se mostra uma obra quase obrigatória para os fãs de H.P. Lovecraft que desejam conhecer uma face pouco conhecida do dileto "Cavalheiro de Providence".
É importante falar do visual desse livro; por si só, uma verdadeira obra de arte. As publicações da Editora Clepsidra, são conhecidas pelo seu capricho e requinte, mas aqui, ouso dizer, eles foram mais longe na concepção de seu projeto gráfico. Da capa, belíssima em um efeito de arabesco preto e branco ressaltado pelo percaluz preto, às páginas com bordas escuras e diagramação profissional, tudo é muito bem feito, realçando o prazer da leitura. Um livro incrível para se ter na estante e admirar.
Para quem não conhece o trabalho do Sebo Clepsidra, recomendo visitar a página (o link está abaixo). O material é de primeira qualidade e o catálogo possui títulos que sem dúvida abrilhantariam a estante do mais exigente colecionador.
Se ficou interessado, aqui você encontra esse e outros títulos:
Realmente um livro fantástico que mostra uma faceta não muito conhecida do autor!
ResponderExcluir