quinta-feira, 28 de julho de 2022

A Linhagem do Executor - O sangrento trabalho da Família Sanson


O carrasco francês Charles-Henri Sanson nasceu em 15 de fevereiro de 1739 e serviu como Executor Real durante o reinado do Rei Luís XVI e foi alto executor-mor durante a Primeira República Francesa. Sanson era tão conhecido e competente em seu ofício que muitos o consideravam o melhor executor de todos os tempos. Ele administrou a pena capital na cidade de Paris por mais de quarenta anos e executou inúmeras pessoas, incluindo o próprio Rei Luís XVI. Ele descendia de uma longa linhagem de carrascos: Seu pai, avô e bisavô eram todos carrascos e sua vida seria governada pelo cadafalso e pela pena capital. A morte se tornou seu negócio e ele o conduziu com diligência.

Nascido em Paris como Charles-Jean-Baptist Sanson, ele tinha três irmãs e era o mais velho de sete meninos, todos os quais se tornaram "Chefes de Cozinha". Ele inicialmente frequentou uma escola no convento de Rouen, mas outro aluno reconheceu seu pai como o carrasco e, assim, ele deixou a escola para evitar arruinar a reputação da Instituição. Embora Carrascos tivessem um emprego razoavelmente estável, as pessoas não gostavam de se associar a tais profissionais. O trabalho macabro por eles realizado era considerado por muitos algo desagradável e poucos eram os que queriam amizade com um executor ou sua família.

A bem da verdade, Monsieur Sanson nunca quis ser um carrasco, mas nenhuma outra carreira poderia ser considerada para ele. Quando tinha 15 anos, seu pai foi acometido de paralisia e nunca se recuperou, e assim o menino foi imediatamente nomeado seu substituto. Isso significava que sua futura carreira estava estabelecida, e ele logo assumiria o manto de Carrasco.

Sanson era, segundo todos os relatos, bem-educado e musicalmente talentoso. Em seu tempo de lazer tocava violino e violoncelo, ouvia Christoph Willibald Gluck e muitas vezes se encontrava com seu amigo de longa data Tobias Schmidt, um renomado fabricante alemão de instrumentos musicais, que mais tarde construiria guilhotinas. Além disso, ele foi colocado entre os indivíduos mais bem vestidos da sociedade parisiense. Um escritor observou sobre ele:


"Bonito e bem formado, possuía um intelecto superior e uma excelente educação. Ele era extremamente elegante em seus hábitos, e atraiu tanta atenção pela riqueza de seu vestido, que foi tomada uma medida um tanto arbitrária, que o proibiu de usar azul por ser a cor dos nobres. Sua maneira de protestar consistia em adotar trajes ainda mais lindos de pano verde. Isso ajudou a formar a cor da moda, e os nobres da corte, com o brilhante marquês de Létorières à frente, copiavam o corte e a cor de suas roupas e usavam casacos à la Sanson."

Mais tarde o carrasco foi obrigado a usar um uniforme ao realizar execuções e foi descrito da seguinte maneira:

"Nos primeiros tempos ele usava a tradicional calça azul e jaqueta vermelha, sendo esta última bordada com o patíbulo e a escada em preto. Um chapéu rosa de duas pontas completava o traje, junto com uma espada na cintura (para defesa pessoal, não para fins de execução). Mas em 1786 ele recebeu carta branca em seu vestido oficial e assim adotou uma longa sobrecasaca trespassada de material verde escuro usado com uma gravata branca larga e calças listradas. Uma cartola alta cobria seus cabelos cor de areia... Mais tarde em sua carreira, seu vestuário mudou novamente, e ele passou a usar um elegante paletó curto e calções, com meias de seda e sapatos de fivela brilhante. Um chapéu tricorne completava sua aparência com, é claro, a espada costumeira."

Antes da criação da guilhotina, Sanson realizava suas execuções com uma espada em brasa ou com outras ferramentas que estavam sujeitas ​​a problemas. O custo de substituição desse equipamento era proibitivo, o que é parte do motivo pelo qual Sanson e outros carrascos nunca ficavam ricos. Cabia ao carrasco a compra, manutenção e substituição de todas as suas ferramentas, o que incluía cordas, correias, lâminas e até a serragem usada para limpar o sangue e restos mortais. Era função dele também acertar os detalhes para funeral e enterro do morto. Além disso, o carrasco tinha que empregar assistentes que iam desde ajudantes para cumprir a tarefa até coveiros, artistas para retratar a execução e médicos para atestar a conclusão dos trabalhos. Enfim, ser um Executor era muito mais trabalhoso do que podemos imaginar.


Isso forçava o Executor a ter outros trabalhos, e ele foi autorizado a complementar sua renda de várias maneiras. Ele tinha direito a quaisquer bens que a pessoa executada tivesse consigo no momento de sua morte (relógios, roupas, chapéus etc.), mas isso mudou um pouco quando foi decretado que todas as roupas deveriam ser doadas aos pobres. Sanson acabou sendo autorizado a vender alguns cadáveres para pesquisa médica e, além disso, qualquer pessoa executada tinha que cortar o cabelo para garantir que seu pescoço pudesse ser visto claramente. Este cabelo era então vendido para fabricantes de perucas com algum lucro.

Sanson também forjou um acordo lucrativo com Philippe Mathé Curtius, um médico suíço, que forneceu modelos anatômicos para estudantes de medicina e criou modelos em miniatura de cera para fins de estudo. Essas pequenas réplicas anatômicas despertaram inicialmente o interesse local, ao menos até que o príncipe francês de Conti, primo de Luís XV, se mudou para Paris e transformou seu negócio de cera em um próspero negócio, capturando os rostos em cera dos famosos e infames. Conti também treinou sua sobrinha, Marie Grosholtz, que se tornou a famosa Madame Tussaud.

Apesar de todas essas atividades extras para ganhar dinheiro, Sanson mal ganhava o suficiente para cobrir os custos necessários para realizar uma execução. Pior ainda foram os resultados inesperados e as exigências físicas impostas a ele antes da adoção da guilhotina. Isso foi exposto por um dos principais defensores da guilhotina, Dr. Joseph-Ignace Guillotin, que afirmou o seguinte ao falar sobre execuções realizadas com espadas:

"Para realizar a execução de acordo com a intenção da lei é necessário, mesmo sem qualquer oposição por parte do preso, que o carrasco seja muito hábil e o condenado muito firme, caso contrário seria impossível realizar uma execução com a espada. Após cada execução a espada não está mais em condições de realizar outra, podendo partir-se em duas; é absolutamente necessário que seja esmerilado e afiado novamente se houver vários prisioneiros para executar ao mesmo tempo. Seria necessário, portanto, ter um número suficiente de espadas prontas... Deve-se levar em conta também que, quando há vários condenados a serem executados ao mesmo tempo, o terror produzido por esse método de execução... gera medo e fraqueza nos corações daqueles que estão esperando para morrer. Um ataque de desmaio constitui um obstáculo invencível a uma execução. Se os prisioneiros não conseguem se sustentar… a execução se torna uma luta e um massacre."

Para resolver esses tipos de problemas e ter uma abordagem mais humana da morte, a ideia da guilhotina ganhou popularidade. Um protótipo dela foi testada pela primeira vez em 17 de abril de 1792, e Sanson estava lá. O teste aconteceu no Hospital Bicêtre quando fardos de feno foram decapitados seguidos de ovelhas vivas e depois cadáveres humanos. Embora Sanson tenha sugerido alguns pequenos ajustes, ele declarou a nova máquina um sucesso e, uma semana depois, em 25 de abril de 1792, a Assembleia Nacional aprovou o uso da guilhotina em um ser humano vivo.


A primeira pessoa executada com ela foi um salteador e ladrão chamado Nicolas Jacques Pelletier. Ele morreu às 15h30 e estava vestindo uma camisa vermelha. A guilhotina, que havia sido preparada anteriormente, também estava envolta na cor vermelha. A execução levou minutos e foi tão eficaz que a multidão reunida ficou insatisfeita e gritou: "Tragam de volta nossa forca de madeira!"

A lâmina da nova guilhotina descia com eficiência, cortando a cabeça de uma pessoa quando duas cordas eram soltas. As cabeças decepadas caíram em uma cesta, morbidamente chamada de “cesta de piquenique da família”. O carrasco ou um assistente então levantava a cabeça decepada para os espectadores verem. Supostamente, os rostos dessas cabeças decepadas às vezes estavam contorcidos ou os olhos ou bocas das vítimas estavam bem abertos ou ainda se moviam.

A nova guilhotina acabou permitindo que o carrasco francês fosse tão competente que era capaz de executar centenas de pessoas em um dia, com um recorde estabelecido de 12 vítimas decapitadas em apenas 13 minutos. Às vezes chegavam quarenta a cinquenta condenados e ele despachava um a cada dois minutos. No auge do Terror, Sanson e seus assistentes guilhotinaram 300 homens e mulheres em três dias, 1.300 em seis semanas, e entre 6 de abril de 1793 e 29 de julho de 1795, nada menos que 2.831 cabeças caíram nas cestas pelas suas ações. No entanto, apesar da eficiência, Sanson muitas vezes ficava enojado com o que seu trabalho exigia e, durante a Revolução, se via sobrecarregado. Certa vez ele anotou em seu diário o custo desse trabalho:

“Um dia terrível hoje! A guilhotina devorou ​​cinquenta e quatro vítimas. Maria Grandmaison, atriz do Teatro Italiano, e Marie Nicole Bouchard, sua criada, estavam entre elas. Esta última tinha apenas dezoito anos e era tão magra e delicada que não parecia ter mais de quatorze anos. Quando a pobre menininha estendeu as mãos para Larivière, ele se virou para Desmorets, meu assistente-chefe, e disse: “Certamente, isso é uma piada?” Desmorets encolheu os ombros, e foi a pequena que, sorrindo através das lágrimas, respondeu: 'Não, senhor, é bem sério", ao que Larivière jogou suas cordas no chão e disse: 'Deixe outra pessoa amarrá-la. Não é minha profissão executar crianças!” Houve algum atraso na partida, e a pequena Nicole Bouchard sentou-se aos pés de sua patroa e tentou consolá-la. Ela pediu licença para ficar com ela no mesmo carrinho. Eu realmente acredito que se ela tivesse implorado pela vida, mesma o público que assistia, geralmente desejoso de sangue, teria exigido perdão".

Em outra ocasião ele escreveu:

“Houve um tempo em que os homens eram, via de regra, mais fortes e corajosos. Não é assim agora. Eles choram, tremem e imploram por misericórdia. Tivemos um dia terrível... Minhas carroças continham vinte e três homens de diferentes idades e posições sociais. Cada volta da roda era marcada por um soluço. Seus gritos eram horríveis de se ouvir."


Uma pessoa de alto perfil que Sanson executou, além do rei Luís XVI foi Charlotte Corday. Ela assassinou o jornalista francês e jacobino radical Jean-Paul Marat e ganhou a sentença de morte. Uma história frequentemente contada sobre essa execução é que após a decapitação um carpinteiro de serviço chamado Legros levantou a cabeça de Corday da cesta e esta ainda teve tempo de falar algumas palavras.

De fato, naquela época, muitas pessoas acreditavam que por um curto período de tempo após uma decapitação, a pessoa decapitada retinha a consciência. Acreditavam ainda que se ela jurasse inocência, a execução havia sido errada e que a morte tinha sido injusta - afinal, os mortos não tinham mais motivo para mentir. Testemunhas afirmaram tal coisa acontecia de tempos em tempos. Por algum tempo até se sugeriu que os executados tivessem os lábios cobertos com uma mordaça, justamente para evitar esse tipo de coisa.

Sanson se casou em 1765 e teve dois filhos, Henri e Gabriel. Ambos os meninos não tiveram escolha a não ser seguir os passos de seu pai e, portanto, foram ensinados sobre execuções e ajudaram seu pai no cadafalso. Infelizmente, em 1792, Gabriel estava no cadafalso e segurando uma cabeça decepada quando escorregou, provavelmente por causa da plataforma ensanguentada. Ele caiu e quebrou a perna, acabou mais tarde morrendo em decorrência de seus ferimentos. O acidente resultou na adoção de andaimes de apoio para garantir a segurança dos executores.

Em 1795, a velhice estava alcançando Sanson e ele desenvolveu uma doença renal conhecida como nefrite e foi forçado a renunciar em 30 de agosto de 1795. Ele pediu uma pensão, mas não foi concedida. Aposentado ele e a esposa se retiraram para o campo onde ele jardinava e relaxava. O carrasco francês Charles-Henri Sanson morreu alguns anos depois, em 4 de julho de 1806, e foi enterrado no jazigo da família no cemitério de Montmarte, em Paris.


Ele foi enterrado na cova nº. 27 após um impressionante serviço fúnebre na Igreja de Saint-Laurent, sendo o terreno marcado por uma pedra lisa para evitar uma possível profanação. Mais tarde foi gravado com o seu nome, as datas de seu nascimento e morte, e a inscrição 'Esta pedra foi erguida por seu filho e família por quem ele foi lamentado' e embora as razões médicas de sua morte sejam conhecidas, diz-se que ele morreu de tristeza por ter que matar seu rei.

O único filho vivo de Sanson, Henri, assumiu o cargo de carrasco depois que ele se aposentou, e serviu por 47 anos. Assim como seu pai, ele era chamado de Executor-Mor de Paris ou apenas "Paris" pois era lá que ele trabalhava. Henri foi substituído pelo neto de Sanson, Henry-Clément Sanson dando continuidade a longa tradição de morte na família. Ele continuou no cargo até 1847 quando faleceu sem deixar herdeiros.

A linhagem dos Sanson foi enfim quebrada.

Um comentário:

  1. Interessantíssimo! Creio que o autor já tenha lido o mangá "Innocent", senão, recomendo demais, uma verdadeira obra de arte retratando a linhagem dos Sanson.

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