domingo, 16 de outubro de 2022

Deus dos Sacrifícios - O aterrorizante Culto de Moloch dedicado a morte pelo fogo


Todos sabemos que no passado haviam cultos e crenças que, para nossos padrões de civilização parecem simplesmente absurdos e incompreensíveis.

Infelizmente, não era rara a existência de grupos e pessoas que se reuniam para reverenciar forças da natureza ou divindades primitivas que conforme suas crenças precisavam ser aplacadas ou agradadas. A forma mais corriqueira de agradar aos Deuses no passado era oferecer a eles sacrifícios e a forma mais medonha de sacrifício era o humano. Em templos escuros, diante de imagens ou símbolos sagrados, sacerdotes especialmente ungidos erguiam lâminas e vertiam o sangue dos sacrifícios. Este escorria pelo chão, sobre os altares de pedra ou era coletado pelos discípulos para que nenhuma gota se perdesse. 

Se há uma verdade na história humana é que ela marcada por morte, violência e sacrifício. 

Talvez nenhum Deus tenha recebido tanto destaque quanto Moloch, uma divindade que supostamente recebia o sacrifício de inocentes como parte de seus ritos profanos. É possível que o infame Culto de Moloch, devotado ao mais poderoso Deus dos Cananitas, tenha sido a mais terrível e cruel religião do passado? 


Diz-se que os fanáticos seguidores de Moloch, ou Molech,  eram particularmente dedicados a oferecer sacrifícios ao seu Deus. Historiadores relatam que mulheres eram cobertas com betume ou óleo cru e depois incendiadas como tochas vivas. Prisioneiros e inimigos da fé, eram decapitados e suas cabeças atiradas aos pés das imagens. Mãos, dedos e olhos eram extirpados como punição para transgressões menores. Mas o pior de tudo, era o rumor de que crianças seriam trancadas em pequenas câmaras dentro de uma enorme estátua de bronze representando o deus, para que em seguida uma fogueira fosse acesa abaixo dela. O calor insuportável as assava lentamente causando uma morte dolorosa.

As oferendas, de acordo com os cronistas que escreveram sobre esse Culto deveriam ser colhidas através do fogo ou da guerra. E era assim que acontecia nos templos dedicados a Moloch, onde as congregações se encontravam para celebrar com terror e sofrimento a crença em seu Deus sanguinário.

Mas seria Moloch e seus seguidores realmente merecedores dessa má fama? Teriam eles realmente praticados os atos medonhos que lhes foram imputados? O que diz a história?

Para começar, vejamos quem foi Moloch e quem eram os seus cultistas.

Moloch era considerado um dos grandes deuses dos Babilônicos e sua influência se espalhou para outras terras sendo louvado pelos Fenícios e Cartagineses. Ele também era conhecido e temido na Mesopotânia, onde seu culto se confundia com o de Nergal. Moloch era tido como um deus dos subterrâneos, das profundezas e dos recessos mais fundos. Os judeus se referiam a ele como o Senhor do Sheol, o reino infernal abaixo da terra. Seus domínios consistiam de câmaras tão profunda quanto inacessíveis, conectadas por cavernas escuras que jamais foram iluminadas. A sala do trono do Deus era tão vasta que comportava rios de fogo e enxofre. De seu imenso trono de ouro ele governava como um Rei e de fato, a palavra "mlk" que é parte de seu nome, se traduz como "Monarca" ou "Governante".


O Senhor das Profundezas é citado na Bíblia no Leviticus

Na passagem 18:21, é dito que: "Nenhuma criança deve ser oferecida em sacrifício a Moloch".

Passagens em Reis, Isaías e Jeremias também se referem a um tophet, que foi definido como um local na antiga Jerusalém, onde no passado foi erguida uma majestosa estátua de bronze com a forma de Moloch. Ele teria a aparência de um homem com cabeça de touro, vestindo trajes suntuosos de seda e joias. A estátua do tophet é que teria dado origem às histórias sobre os sacrifícios de crianças. Ela teria mais de 5 metros de altura, estaria com os braços estendidos e teria compartimentos como nichos onde as crianças podiam ser colocadas. Aos pés da estátua uma enorme pira era acesa fazendo o metal se aquecer até se tornar um forno.

O rabino medieval Schlomo Yitzchaki, escreveu um extenso comentário sobre essas passagens bíblicas no século XII. 

Ele dizia:  

"A estátua de Moloch, era feita de bronze; e eles (os fiéis) a aqueciam de suas partes inferiores; e punham crianças em seu interior para queimá-las vivas. Quando os pobres sacrificados gritavam com veemência os sacerdotes batiam tambores, para que os pais não ouvissem os apelos dos filhos, e seu coração não se comovesse".


Estudiosos compararam essas referências bíblicas a relatos feitos por historiadores gregos e latinos posteriores que também falavam de sacrifícios de crianças centrados no fogo. A cidade cartaginesa de Púnica era o centro do culto e local onde se encontrava o maior templo dedicado à divindade. Plutarco, escreveu que os cultistas de Moloch queimavam crianças como forma de agradar ao deus. Ele também dizia que o ritual se assemelhava ao realizado em homenagem à Ba'al Hammon, deus responsável pelo clima e pela agricultura entre os amonitas.

Enquanto os estudiosos ainda debatem se a prática cartaginesa de sacrifício de crianças diferia ou não do culto de Moloch, geralmente acredita-se que Cartago sacrificava crianças quando era absolutamente necessário como durante um ano de colheita especialmente ruim ou diante de uma catástrofe, como um terremoto, por exemplo. Já o culto de Moloch oficializava sacrifícios mais regularmente já que seu deus demandava uma espécie de taxa a ser paga pelos seus seguidores. Os sacrifícios oferecidos geralmente eram de escravos e inimigos capturados em tempos de guerra, mas na falta destes, os próprios fiéis indicavam seus filhos, esposas ou parentes. Cada sacrifício serviria para aplacar a fúria do Deus que do contrário poderia causar uma tragédia, devastar os campos ou promover um desastre.

Especialistas tem razões para acreditar que muitas das descrições dos rituais sanguinários de Moloch foram exageradas pelos romanos para fazer os cartagineses parecerem mais cruéis e primitivos do que de fato eram. Uma vez que Roma havia declarado guerra contra Cártago, e os povos se tornaram rivais, é possível que o caráter maligno do Culto tenha sido realçado pelos romanos. Essas descrições teriam chegado aos dias atuais.

À despeito disso, escavações arqueológicas realizadas na década de 1920 no Iraque descobriram evidências factuais de que sacrifícios eram realizados nos templos dedicados a Moloch. De fato, entre os ossos encontrados estavam inclusive os de crianças. Além disso, muitos dos instrumentos utilizados pelos sacerdotes continham o símbolo que os identificava como ferramentas sagradas cuja finalidade era realizar sacrifícios.


Com isso, a antiga prática de sacrifício de crianças encontrou um fundamento renovado que acompanhava a interpretação medieval. Para os filósofos medievais, o Culto de Moloch era imensamente maligno e devotado a práticas tidas como blasfemas. Mais do que isso, teólogos medievais elevaram Moloch ao posto de um dos Senhores do Inferno, um dos aliados mais poderosos de Satã

O poeta inglês John Milton escreveu em sua obra-prima de 1667, Paraíso Perdido que Moloch era um dos principais guerreiros à serviço de Satanás e um dos piores anjos caídos que o Diabo tinha como comandante em sua luta contra o Céu. 

Em um trecho da obra, Moloch faz um discurso no parlamento do Inferno, onde defende a guerra imediata contra Deus e é então reverenciado na Terra como um deus pagão contrário ao cristianismo.

"MOLOCH, rei horrível manchado de sangue
De sacrifício humano, e lágrimas de pais,
O barulho de tambores e o rufar alto,
Abafava os gritos dos inocentes que passaram pelo fogo."

No romance de 1862 de Gustave Flaubert sobre Cartago, Salambô, os sacrifícios em homenagem a Moloch também eram retratados em detalhes poéticos:

"As vítimas, lançadas na abertura, desapareciam como uma gota de água em um prato incandescente, e uma fumaça branca subia em meio à grande cor escarlate. No entanto, o apetite do deus jamais era aplacado. Ele sempre desejava mais! A fim de fornecer-lhe um suprimento maior, as vítimas eram  empilhadas em suas mãos com uma grande corrente acima delas, que as mantinha em seu lugar”.


Mais recentemente, alguns pesquisadores propuseram que Moloch não seria exatamente um deus, mas uma espécie de ritual de sacrifício. Esse ritual envolvendo elementos de fogo consistia em queimar as vítimas, mas apenas umas poucas seriam mortas dessa forma. O sacrifício poderia também se referir aos cultistas que permitiam ser marcados com ferros ou se sujeitavam a andar sobre brasas incandescentes para provar sua devoção e coragem. Também haveria um rito de passagem no qual, o cultista segurava pedras em brasa ou placas de bronze aquecidas.

Nos círculos de ocultismo, Moloch se tornou uma figura associada a Goetia e ao diabolismo. Ele seria uma entidade de destruição e avareza, de ruína e das pragas, posicionado como o mais poderoso dos demônios na Árvore da Vida. Moloch também era chamado de "Príncipe do Vale das Lágrimas", em referência ao histórico envolvendo sacrifícios de crianças. 

Os hebreus o tratavam como "a Abominação dos Amonitas" e esse título o acompanhou pelos séculos seguintes. Fica claro que, quando os amonitas se tornaram inimigos dos hebreus, seus costumes se tornaram motivo de repúdio dos inimigos. Inegável que houve exagero na demonização da cultura desses povos e a transformação de seus costumes em barbárie. Contudo é inegável que os seguidores de Moloch praticavam rituais que chocavam os outros povos.

3 comentários:

  1. O interessante é consternadamente observar que estamos no limiar de começar a viver em fanatismo constante. Brevemente estaremos entregando nossas crianças a o novo Moloch. Vermelho de sangue e profano.

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  2. Abril de 2023. Depois de atentados com mortes de crianças inocentes, lembrei de Moloch e seu texto aqui que explica perfeitamente em que momento a sociedade brasileira se encontra... que tristeza...

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