sábado, 7 de janeiro de 2023

Prisioneiros das Algas - Os Mistérios do lendário Mar de Sargaços


O Mar de Sargaços é uma estranha e única criação da natureza. Por muitos anos esse lugar inóspito tem assustado e fascinado as pessoas. Ele é composto por uma vastidão marítima medindo aproximadamente 1130 quilômetros de largura por 3200 quilômetros de comprimento, localizado no Atlântico Norte, próximo do Mar do Caribe. O mar não possui nenhum litoral expressivo mas é limitado por correntes marinhas em todos os seus lados. A Ilha de Bermuda fica em sua fronteira ocidental e constitui sua única massa expressiva de terra.

Com diferentes correntes submarinas, esta área se diferencia das correntes frias que predominam no Atlântico Norte, possuindo trechos quentes e estáveis. Além disso, a área é submetida a temperaturas atmosféricas elevadas, longos períodos de sol e ventos amenos. Essas condições específicas fazem com que o trecho seja único por uma característica notável: a enorme concentração de algas marinhas. A vegetação forma um espesso tapete na superfície e recobre tudo. Esta vegetação de coloração castanha-esverdeada é conhecida como Sargassum e é ela que dá nome ao mar.

Embora o Mar de Sargaços seja incrivelmente calmo, um giro subtropical, uma espécie de sistema de rotação de correntezas se forma abaixo dele. Como resultado o mar inteiro formado pelo tapete de algas realiza um movimento contínuo de rotação em sentido horário. Entretanto, ele é tão lento que parece estático visto da superfície. 

O primeiro navegador a  registrar a existência do Mar dos Sargaços provavelmente foi Cristóvão Colombo em 1492, em sua viagem que resultou na descoberta do Novo Mundo. Ele anotou em seus diários a dificuldade de atravessar a área mergulhada em calmaria e densa vegetação marinha.


Coube aos portugueses o pioneirismo de explorar o Mar de Sargaços em meados do século XV. Ao se deparar com o local, os marinheiros acharam que haviam atingido os limites da borda do mundo e se perguntaram se ele não seria realmente chato. Temiam navegar através daquela superfície verde limosa que poderia ser o esconderijo de monstros, criaturas desconhecidas e outros terrores ocultos. As âncoras de sondagem revelaram que o mar era bastante profundo, diferente dos locais onde proliferam as algas, geralmente bem rasos. Eles temiam também que não houvesse saída e que ficassem eternamente presos naquele lugar. Superar a falta de vento sempre foi um desafio no Mar de Sargaços e em tempos no qual se dependia quase que exclusivamente do vento para impulsionar as embarcações, a calmaria do local constituía um problema considerável. Muitas tripulações precisavam remar através dele, um exercício ingrato em meio às algas que pesavam nos remos.

Os supersticiosos homens do mar acreditavam que o Sargassum era responsável por conter os navios, agarrando-se às embarcações e não permitindo que elas se movimentassem livremente. Eram como mãos invisíveis nas profundezas, agarrando e retendo os barcos. Muitos acreditavam que ficar preso no Mar de Sargaços constituía um risco mortal não apenas no sentido de se verem presos indefinidamente, mas por que alguns juravam que o lugar fazia mal para os sentidos e a própria razão. Havia algo no ambiente insalubre e coberto de algas que afetava o discernimento dos marinheiros (ou assim pensavam). Aqueles que permaneciam estagnados por mais de uma semana arriscavam sua sanidade.

Talvez não estivessem totalmente errados! O Mar de Sargaços é acometido de temperaturas altíssimas, de uma secura absoluta e de um cheiro salobro característico bastante desagradável. A decomposição das algas produz um fedor hediondo, sobretudo quando o sol está à pino. As algas também dificultam a pescaria e os animais que vivem nessas águas não são próprios para o consumo. Em resumo, você não quer estar em um lugar como esse por mais tempo que o necessário. 

Não faltam lendas sobre o Mar de Sargaços e entre os marinheiros ele é fonte quase inesgotável de histórias perturbadoras. É claro, uma das lendas mais fantásticas menciona os monstros que habitam as profundezas desse lugar ermo. São descritos como seres humanos cobertos de algas e musgos, nadando sob o tapete de Sargassum, vindo à superfície apenas para espiar por um momento ou então puxar os vivos para o fundo. Presume-se que eles sejam os espíritos de marinheiros que morreram afogados ou que enlouqueceram nesse trecho ermo do Atlântico. Também há a teoria de que eles seriam homens que enlouqueceram após beber dessas águas impuras e que cometeram suicídio. Além dos Homens de Algas, há histórias sobre serpentes marinhas, gigantescos cefalópodes e caranguejos de dimensões titânicas que devoram a carne dos homens do mar. 


Uma história supostamente real envolve o local conhecido como Horse Latitudes (Latitudes Equinas) uma área que fica entre os meridianos 30 e 35 exatamente dentro do mar. Ela recebeu esse nome  por conta de um lendário incidente envolvendo uma expedição espanhola que transportava cavalos para o Novo Mundo. Uma vez que as embarcações ficaram presas no Mar de Sargaço, a tripulação decidiu lançar os cavalos ao mar por não ter como alimentá-los. Mais de 100 animais teriam sido atirados na água e afundaram como pedras. Dizem as lendas que embarcações passando por esse trecho por vezes ouvem o som de cavalos relinchando e de animais em desespero.

Na tradição náutica, o Mar de Sargaços é o proverbial "Cemitério de Navios Perdidos” e tem sido discutido e evitado por marinheiros desde os tempos antigos.

Na ficção, a região se tornou pano de fundo de histórias sobre mistérios e horror a partir do final do século XIX com o conto In Sargasso (1896) de Julius Chambers e In the Sargasso Sea (1898) de Thomas A. Janvier. Algumas ideias sobre o Mar de Sargaços se sedimentaram em 1896 graças a Janvier que escreveu um romance dramático sobre a região, no qual descreve o mar como um emaranhado impenetrável de ervas daninhas agarradas firmemente aos restos de navios de todas as idades, de galeões espanhóis a embarcações modernas.

O tal "Emaranhado impenetrável" se tornaria uma “fronteira” sobrenatural por intermédio de William Hope Hodgson, que publicou uma coleção de contos fantásticos entre 1906 e 1920. Em “From the Tideless Sea” (1906), o narrador de Hodgson descreve os horrores de estar preso no coração do terrível Mar de Sargaços - o "Oceano Sem Marés do Atlântico Norte". O protagonista, um náufrago preso a um mastro, vê-se atordoado diante de um horizonte interminável de ervas daninhas - uma vastidão silenciosa e traiçoeira de limo hediondo!


No mundo real as coisas não são exatamente como na ficção. Não espere encontrar um cemitério de velhas embarcações agarradas às algas e cobertas por elas - essa é meramente uma invenção que para muitos se tornou um fato. Contudo, é inegável que o Mar de Sargaços constitui uma estranheza difícil de explicar e enervante de navegar. 

O local foi integrado à ficção científica no início dos anos 1930.

A identificação explícita do Mar dos Sargaços com o Continente de Atlântida começou com os trabalhos "Lendárias Ilhas do Atlântico de Babcock" (1922) e "Atlântida na America" (1925) de Lewis Spence. O autor atribui a descrição do Filósofo Platão à respeito de águas atlantes pós-cataclismo como "inavegáveis" as "águas mortas de um Mar de Algas". O vasto corpo de água abrange toda a área da ilha de Antillia de Spence, bem como a parte sul de sua Atlântida.

A conexão entre o Continente perdido e o Mar de Sargaços foi presumida pelo famoso escritor, folclorista, teórico e profeta Edgar Cayce, que mencionava em seus textos que a mítica Atlântida estaria próxima do Mar de Sargaços e que este se formou quando ela foi para as profundezas. Segundo ele, o Mar era uma prova da existência de Atlântida. 

Em palestras realizadas na década de 1930, Cayce descrevia as causas e os efeitos da destruição da Atlântida e o surgimento do Mar de Sargaços:

"Os augustos habitantes de Atlântida trouxeram à mente do homem as forças que se manifestavam pela associação mais próxima do mental e do espiritual. Eram forças científicas que lhes garantiam amplos poderes sobre o mundo que os cercava. Eles desenvolveram o uso de tecnologias notáveis: o uso dos gases, da transformação de elementos, e a elevação dos poderes do próprio sol, também empregaram a desintegração do átomo. Mas em algum momento, a tecnologia deles provocou a destruição naquela porção de terra onde viviam. E disso resultou um desastre de grandes proporções cuja evidência hoje é representada pelo Mar dos Sargaços."


Nas controversas teorias de Cayce, que encontraram enorme aceitação na década de 1930, a Civilização da Atlântida era incrivelmente avançada, com uma tecnologia superior à dos homens em seu tempo. Ele defendia que a destruição do Continente teria ocorrido em função do uso de uma tecnologia desconhecida que se mostrou perigosa. Os sobreviventes da destruição de Atlântida teriam deixado sua Ilha Submersa e se dispersado pelo mundo originando as grandes civilizações do passado - babilônios, gregos, egípcios, astecas e outras seriam seus descendentes.

Mas não foi apenas Cayce quem usou o Mar de Sargaços como base para provar teorias polêmicas. Charles Fort, o controverso criador da Investigação Paranormal Moderna (chamado por seus seguidores de "Pai do Inexplicável"), defendia a existência de um “Super-Mar de Sargaço” em seu primeiro livro, The Book of the Damned (1919). Parte reportagem, parte estudo e parte literatura especulativa, o texto de Fort era um ataque contra o que ele via como arrogância das ciências tradicionais que excluíam tudo aquilo que não podiam comprovar. Fort defendia que o "Paranormal", se colocava além da Natureza, era atuante e poderoso desde o início dos tempos e que essa força era preterida pelos cientistas apenas porque eles não podiam comprová-la.

Fort usou o Mar de Sargaços como metáfora para suas teorias. Fort acreditava na existência de um Mar Invisível que seria como um tanque de retenção extradimensional, no qual as coisas apareciam inexplicavelmente (peixes caindo do céu) e no qual coisas desapareciam inexplicavelmente (como a tripulação do Mary Celeste). 

"Objetos abandonados, lixo, cargas velhas de destroços; coisas lançadas na atmosfera, objetos dos tempos dos Alexandres, Césares e Napoleões, de Marte e Júpiter; coisas levantadas pelos ciclones desta terra: cavalos e celeiros, de elefantes a insetos; folhas de árvores atuais e folhas da era carbonífera – todas essas coisas poderiam ser tragadas pelo Super-Mar de Sargaço e despejadas de tempos em tempos em nosso mundo sem que possamos compreender como e porque tal fenômeno acontece", postulava Fort.


Quanto ao Mar de Sargaço real e físico, Fort defendia que ele era a única manifestação visível desse Super-Mar de Sargaço dimensional, muito maior e muito mais misterioso. Fort realizou palestras sobre suas teorias e obteve grande fama como pesquisador devotado e também charlatão em busca de atenção. Ele pretendia realizar uma expedição ao Mar de Sargaço que tentaria provar as suas estranhas teorias, mas esta jamais aconteceu. 

Em tempos mais recentes os desaparecimentos no Mar de Sargaços e os estranhos incidentes transcorrendo em seus limites se tornaram parte das lendas sobre OVNIs. 

Muitos ufólogos de renome descrevem o Mar de Sargaços como uma zona de grande atividade ufológica. De 1968 em diante, teóricos como Charles Berlitz passaram a designar o local como área de atividade de OVNIs e OSNIs (Objetos Submarinos Não-Identificados). Os OSNIs, aliás, se tornaram os principais avistamentos no Mar de Sargaços e fonte quase inesgotável de narrativas fantásticas. Berlitz também reintroduziu a conexão original entre o Mito de Atlântida e o Mar de Sargassos lançada por Babcock em seu primeiro livro "The Mystery of Atlantis" (1969) no qual o Mar de Algas servia como referencial para comprovar certos pontos da lenda de Atlântida. Em muitas fontes é possível encontrar uma relação direta entre o Mar de Sargaço, o Mito de Atlântida e avistamentos de OVNIs e OSNIs na região. 

O Mar de Sargaços foi quase completamente desmistificado em meados do século XX, sendo objeto de repetidos estudos científicos. Expedições conseguiram explicar o porque da formação de suas algas, as razões para as correntes se comportarem da maneira como o fazem e outras questões que deixaram os primeiros marinheiros intrigados. Além disso, o apelido de "Cemitério de Navios Perdidos” há muito foi transferido para o Triângulo das Bermudas, cujas supostas propriedades sobrenaturais continuam desafiando explicações.

Hoje, ela está longe de ser um enigma, mas ainda assim, navegar por essas águas cobertas de algas ainda causa considerável estranheza. 

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