sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Policiais Ocultistas - O trabalho de investigadores devotados a combater crimes de cultos


Pergunte a qualquer policial, detetive ou autoridade da lei e ele dirá que não há nenhum caso igual ao outro. 

Na aplicação da lei, em meio a inúmeros crimes convencionais, por vezes surge um que se destaca seja por uma peculiaridade, por uma estranheza ou ainda por alguma bizarrice. Certos casos particularmente estranhos marcam a vida dos investigadores designados para desvendá-los. Pessoas desaparecidas, mortes inexplicáveis, crimes não resolvidos com pistas estranhas, tudo isso faz parte de um tipo inusitado de caso policial que espreita na periferia das investigações. 

Uma área especialmente estranha envolve os crimes onde existe motivação ou componentes de ocultismo. Não é raro que nesses crimes surjam pistas incomuns, rituais estranhos, sacrifícios e coisas para as quais a aplicação da lei tradicional não parece se adequar. São casos que frequentemente marcam a carreira dos investigadores e suas vidas dali em diante. 

No entanto, existem investigadores que mergulharam de cabeça neste reino sombrio, sabendo o que irão encontrar e dispostos emergir com a verdade, custe o que custar.

Um especialista em crimes envolvendo o oculto é o falecido Detetive Marcos Quinones, considerado o maior especialista do Departamento de Polícia de Nova York em cultos religiosos, satanismo e ocultismo. Quinones ingressou na polícia em janeiro de 1982 e, a princípio, era apenas um policial comum fazendo o trabalho policial normal, sem nenhuma conexão particular com crimes envolvendo o oculto. Apenas quando teve contato direto com uma série de crimes macabros que apontavam para rituais de sacrifício que ele começou a se dedicar a investigar tais crimes. Nas três décadas seguintes, ele se tornou uma espécie de especialista em ocultismo, investigando casos onde as evidências apontavam para rituais, feitiçaria ou magia negra.

Seu conhecimento do assunto era tamanho que ele se tornou Consultor do FBI, sendo procurado por agentes sempre que alguma cena do crime apresentava sinais de ocultismo, fosse a presença de parafernália satânica ou animais sacrificados. Quinones estudou à fundo o assunto, formou-se em Antropologia, com PhD em Religião Comparada, mas foram as experiências no dia a dia, investigando tais casos, que lhe forneceram as credenciais de "Especialista no Oculto". Com um olho clínico para casos dessa natureza, ele era chamado para examinar cenas de crime e determinar que tipo de pessoas estavam envolvidos, o que pretendiam e se realmente estavam comprometidas com essas práticas ocultas.  


Quinones conhecia à fundo vários tipos de ocultismo e práticas de magia negra, em particular o Satanismo clássico, Santeria, que é uma mistura de tradições da África Ocidental, caribenha e católica e Palo Mayombe, uma fusão de magia negra e tradições do nativas do Congo. 

Uma das áreas em que Quinones ganhou fama envolvia elucidar roubos de túmulos, um tipo de crime que se tornou muito comum em certas comunidades de Nova York. Sepulturas eram violadas e restos humanos subtraídos para servir de ingredientes em feitiços e rituais. Em 1987, Quinones expôs um mercado negro que negociava crânios, ossos e órgãos humanos que eram usados por feiticeiros em rituais de magia negra. Entre os envolvidos estavam todos os tipos de pessoas: de estrangeiros recém chegados aos EUA a especuladores da Bolsa de Wall Street. Em comum o fato de que eles contratavam alegados feiticeiros para lhes trazer benefícios financeiros. 

Quinones também chefiou uma unidade especial dedicada a investigar mutilações de animais. Entre 1990 e 1992, uma força tarefa comandada por ele investigou o surgimento de carcaças de animais - cabras, bodes e gatos, encontrados sem cabeça na região de Yorktown. Vários animais haviam sido degolados, enforcados ou deixados pendurados em árvores em Yonkers. A polícia tratava o caso como o trabalho de algum demente, mas Quinones usou seu conhecimento de religião e ocultismo para coletar informações. Por fim, ele descobriu uma rede de tráfico de animais que abastecia vários templos dedicados a realizar sacrifícios de animais em rituais de base africana. 

À respeito de seu trabalho, o Detetive Quinones dizia:

"Ao ser chamado eu elimino tudo aquilo que é normal. Se restarem aspectos estranhos, eu me pergunto: isso é algum tipo de ritual? Em última análise, é preciso dissecar os elementos presentes em uma cena de crime com componente oculto. Os símbolos dentro de um ritual constituem um roteiro para identificar qual entidade os envolvidos desejavam satisfazer. Esses símbolos dizem o que eles queriam com a entidade e o que estavam dispostos a dar em troca. Sacrifícios de animais são o tipo mais comum de interação, acontecem em todos os estados e são mais frequentes do que se pode imaginar. Práticas religiosas clandestinas e de magia negra lidam com esses aspectos.

Ele continua em sua explanação:

"Os sacrifícios geralmente são realizados em algum lugar diferente de onde os restos são encontrados posteriormente. Assim, por exemplo, no caso dos animais encontrados perto do reservatório em Yorktown, a oferenda era para uma Entidade da Água e por isso foi deixada próxima a um local onde havia água em abundância. Um pássaro envolto em panos pretos que achei em Mont Vernon era claramente uma oferenda de Palo Mayombe. Continha um símbolo revelador: dois círculos interceptados por flechas costurados no tecido. Sacos contendo gatos pretos degolados indicavam satanismo clássico, uma forma de comunicação com os espíritos. Cada modalidade tinha um modus operandi e um significado que podia ser interpretado".


Quinones treinou policiais na cidade em todo o país, mostrando a eles como reconhecer atividades de ocultismo e a presença de cultos. Ele foi convidado a realizar palestras para agências de segurança na América do Norte, América Latina, Europa e África. Seus cursos formaram mais de 2000 profissionais na aplicação da lei voltada para o reconhecimento do ocultismo em cenas de crime. Ele também escreveu vários livros sobre o tema e até participou de exorcismos.

O caso mais emblemático do Detetive envolveu uma série de crimes realizados por membros de um Cartel de Drogas Mexicano que usavam rituais devotados a La Santa Muerte para aterrorizar seus rivais. As execuções realizadas pelos criminosos continham diversos elementos ritualísticos legítimos. A unidade de Marcos descobriu que um dos membros do Cartel era um ex-adepto de Santeria e que transferiu esse seu conhecimento da crença para o mundo do crime. A descoberta mais macabra feita por Marcos foi uma cena de múltiplos assassinatos nos quais as vítimas (membros de um cartel rival) haviam sido torturadas e cortadas. Por fim, o coração deles foi arrancado e incinerado como uma forma de escravizar a alma dos homens. 

Em disputas de gangues, esse tipo de intimidação era bastante empregada, como forma de aterrorizar os inimigos:

"O caso dos assassinatos ritualísticos em um depósito talvez tenham sido os mais marcantes de minha carreira. Não apenas por ser algo medonho - uma cena de crime simplesmente aterrorizante, mas pela forma como as crenças foram pervertidas e usadas para causar terror nas pessoas. Nada o prepara para a descoberta de quatro corpos mutilados, amarrados e com o coração ausente. O horror daquela cena é algo que me causou pesadelos por muito tempo".   

Graças a ajuda da Unidade de Quinones, os responsáveis por essas mortes foram descobertos, processados e presos. 

Infelizmente, o Detetive Marcos Quinones faleceu em 2021 vítima de câncer passando seu posto para a Doutora Dawn Perlmutter, professora adjunta do Programa Forense do Colégio de Medicina da Filadélfia. É ela quem hoje coordena o Grupo de Inteligência de reconhecimento simbológico e forma profissionais em metodologia criminal, homicídios atípicos e crimes ritualísticos. 


Ela se recorda de seu valioso trabalho na companhia de seu antecessor:

"Marcos Quinones era mais que um colega, era um amigo. Nós nos conhecemos em 1996, quando eu era professora prestando consultoria à respeito de violência ritual, e ele especialista do NYPD em crimes ritualísticos e ocultos. Como não há muitas pessoas com quem você possa conversar sobre assassinatos satânicos, mutilações de animais, cultos violentos destrutivos e roubos de túmulos, nos tornamos amigos imediatamente. Ele conhecia todos os lugares, pessoas e grupos associados à violência oculta na cidade de Nova York. Ele fazia visitas regulares a lojas, cenas e lugares ocultos em Nova York. Fomos a uma Loja que vendia objetos de feitiçaria no Bronx e ele apontou o que cada item significava. Foi uma educação incrível. Acabamos trabalhando em vários casos juntos. Sempre que eu tinha dificuldade em decifrar um símbolo ou ritual particularmente difícil, Marcos sabia o que era. Pouquíssimas pessoas se especializam em crimes ritualísticos e todos nós acabamos nos conhecendo nesse meio. Marcos foi o mais gentil, atencioso e conhecedor de todos nós. Os crimes ritualísticos iam desde mutilações de animais até grandes redes de tráfico de drogas que usavam restos humanos, até os piores casos de homicídio envolvendo tortura e abuso de crianças."

Entre as muitas histórias à respeito de investigações nesse campo macabro, Dawn cita alguns acontecimentos marcantes e bizarros: 

"Nos casos típicos, os criminosos vão amaldiçoar os policiais por prendê-los, mas com crimes ritualísticos ocultos eles podem lançar maldições de verdade. Eles colocam feitiços em você, deixam animais mortos em seu carro e cabeças de cabras na sua porta. Marcos me disse que uma pessoa certa vez gravou o número de seu distintivo em um boneco vodu. Ele recebeu todo tipo de ameaça, algumas absurdas, outras realmente preocupantes. Um assassino certa vez enviou cartas escritas com sangue ameaçando matá-lo. Ele era um homem muito religioso e me dizia que você tinha que estar espiritualmente fundamentado para fazer esse tipo de trabalho. Para ele não era apenas um trabalho, era uma vocação. Ele respeitava outras religiões, dizia que seu papel era combater o abuso da liberdade de culto e separar aquilo que se tornava perverso do que era legítimo". 

Em casos envolvendo o Oculto, é preciso traçar uma linha que separa a ameaça e intimidação do real potencial de perigo. Segundo a Dra. Permutter a maioria dos envolvidos nesse tipo de crime se vale de intimidação para tentar afastar os investigadores.


"Eles sabem manipular as crenças das pessoas e criar o terror. Essas pessoas estabelecem a sua fama como bruxos, feiticeiros e assassinos... criam um personagem apavorante e estão habituadas a serem temidas pelas pessoas que compartilham das mesmas crenças. Elas não admitem que alguém não tenha medo delas e quando encontram uma pessoa treinada que enxerga através de seus artifícios, geralmente elas se sentem desprezadas. Recorrem então à violência e ameaça. Já houve casos de agressão sofrida por detetives designados para investigações do oculto, mas em geral são as ameaças o que mais chama a atenção. Um detetive de Chicago contava que tinha de remover carcaças de animais mortos toda semana da porta de sua casa - galinhas, pombos, gatos. Mas ele se assustou realmente quando encontrou uma cabeça de bode no quarto de sua filha."

A própria Doutora Permutter sofreu com esse tipo de ameaça covarde:

"Não é sempre que acontece, mas quando ocorre é que você realmente percebe como esse tipo de coisa pode ser assustadora. Certa vez estava auxiliando a polícia de Willmington a investigar uma sequência de roubos de cemitério em que restos estavam sendo profanados. De alguma forma os envolvidos descobriram que eu estava envolvida na investigação e decidiram tentar me intimidar. Recebi uma caixa no endereço da minha casa contendo um coração humano mumificado cheio de pregos. Aquilo foi bastante perturbador, mas passado o susto, não me deixei levar pelo medo. No fim, descobrimos o responsável por aquilo e ele foi preso".

Mas o Detetive Quinones e a Dra Permutter não são os únicos policiais que estudam o oculto e buscam conhecer os criminosos que se escondem nas superstições ou que realmente professam esse tipo de crença. Na continuação do artigo conheceremos outros desses policiais ocultistas. 

Um comentário:

  1. Que artigo fantástico, muito bem escrito. Desconhecia que havia pessoas capacitadas para investigar crimes nesses aspectos tão estranhos. Por falta desses profissionais qualificados, muitos bandidos cometem os mais horripilantes crimes e escapam ilesos. É preciso ser destemido e grande conhecedor do oculto para navegar nessas águas sombrias da investigação policial.

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