sábado, 8 de abril de 2023

Crucificação - A História da mais Cruel e Terrível das execuções do mundo antigo


No Mundo Antigo, execuções eram algo trivial. Ocorriam com chocante frequência e variavam de acordo com os crimes cometidos pelo indivíduo a quem se desejava punir.

Haviam punições rápidas que visavam fazer com que o criminoso morresse de uma vez, poupando-o de humilhações e constrangimento. Esses eram geralmente resolvidos com golpes desferidos contra a cabeça que resultavam em uma "morte limpa". Justiça célere, como diziam alguns juristas medievais.

Outras mortes, no entanto, podiam ser mais elaboradas, tornando-se verdadeiros espetáculos sangrentos no qual o transgressor enfrentava horas ou mesmo dias de absoluto sofrimento. A execução nesses casos não visava apenas a morte, mas era uma lição a ser aprendida pelos demais criminosos em potencial: "Façam o que ele fez, e este será o seu fim". 

O celebrado político e filósofo romano Cícero considerava a Crucificação a punição "mais cruel e terrível" que poderia existir. "Somente a palavra 'cruz' por si só deveria estar longe não apenas do corpo de um cidadão romano, mas também de seus pensamentos, de seus olhos, de seus ouvidos." dizia ele em suas cartas.

Das três formas mais brutais de executar alguém na antiguidade, a crucificação era considerada a pior, seguida pela cremação e pela decapitação.

"Foi necessária uma combinação de absoluta crueldade e sendo de espetáculo que levou à criação da Crucificação", conta Diego Pérez Gondar, professor da Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra.

Em muitos casos, a morte do executado ocorria dias após ser crucificado, diante do olhar dos transeuntes que passavam ou paravam para observar seu sofrimento. A crucificação geralmente ocorria em um lugar de grande destaque, onde as pessoas pudessem testemunhar o que acontecia e cada instante da penitência. O corpo passava por um misto de sufocamento, perda de sangue, desidratação, falência de diversos órgãos, entre outros problemas. O martírio era realmente indescritível.

A modalidade de execução hoje está intimamente ligada a via crucis experimentada por Jesus Cristo. É impossível falar no assunto sem invocar à mente imagens celebradas pela cristandade como  o maior dos sacrifícios. Contudo, Cristo foi apenas um dos muitos que morreram na cruz, um castigo cujas origens remontam a muitos séculos antes dele. Sim, a história da crucificação é muito mais longa e sangrenta do que podemos supor.

Ela provavelmente se inicia nos tempos do Império Assírio, que se estendia desde as costas do Golfo Pérsico até o que hoje é a Turquia e o Egito. Sua civilização foi um dia majestosa; marcada por conquistas, realizações e monumentos impressionantes que os tornaram famosos em todo mundo antigo. Em um momento de sua existência, ele constituiu o maior e mais influente Império do mundo. Isso ocorreu entre o ano 900 a. C e 600 a.C, aproximadamente, quando a grande civilização, uma superpotência tecnológica impulsionada pela riqueza de seus mercadores e à crueldade de seus exércitos atingiu seu ápice.

Um de seus mais importantes monarcas, Senaqueribe, é considerado o expoente original do que hoje é conhecido como Guerra Total. Ele levava a arte da guerra às últimas consequências, explorando cada aspecto do conflito para destruir o inimigo não apenas pela força militar, mas arrasando sua economia, sua sociedade e sua civilização. Se você vivia no mundo antigo, não iria querer enfrentar esse povo.

Os assírios tiveram o cuidado de deixar registros não apenas de suas realizações, mas também dos cruéis castigos que impuseram a seus rivais conquistados.

Embora castigos estivessem presentes nos códices legais e no discurso da realeza em todo o Oriente Médio, eles ganhavam especial destaque entre os Assírios. A Guerra e o Castigo aos inimigos era algo levado muito à sério pelos assírios. 

A historiadora Eva Miller no artigo "Crime and Testament: Enemy Direct Speech in Inscriptions of Esarhaddon and Ashurbanipal" (Crime e Testamento: discurso direto do inimigo nas inscrições de Assaradão e Assurbanípal) da revista especializada Journal of Ancient Near Eastern History revela como se davam as punições.

Os inimigos deveriam estar sempre no centro das manifestações de expressão, fossem passeatas ou celebrações de vitória. A ideia era arrastar os vencidos e conquistados para "poderem recriar sua subjugação e derrota" diante da população.

De acordo com os historiadores, o castigo da crucificação provavelmente se originou com os assírios e babilônios e foi usada sistematicamente pelos persas no século VI a.C. Eles acreditavam que a crucificação era o método de execução mais eficiente para transmitir a mensagem de seu poder. Aqueles que ousavam enfrentá-los deveriam sofrer a mais horrível das mortes. 

As informações mais antigas disponíveis sobre a Crucificação vêm de algumas decorações de palácios assírios. Nas paredes do palácio haviam relevos com desenhos que representavam algumas batalhas e conquistas e a forma como os prisioneiros capturados eram executados. Dentre estes aparece a técnica do Empalamento, contudo os desenhos mais contemporâneos remetem ao procedimento da Crucificação. Um desses relevos, relata a historiadora Rebecca Denova, mostra "prisioneiros pendurados em traves de madeira, com o poste usado para apoiar suas costelas e uma madeira perpendicular onde seus braços ficavam presos.

"O objetivo dessa punição excruciante era enfatizar a crueldade e o terror que aguardavam os prisioneiros e rebeldes", indica em um artigo da World History Encyclopedia.

O texto explica que a Civilização Persa adotou o método quando ascendeu no Oriente Médio. Eles realizavam as crucificações em árvores ou postes em vez de uma cruz formal para potencializar ainda mais o terror. Por vezes, nessas árvores haviam abelhas, vespas ou formigas que cobriam o corpo do criminoso que ali ficava preso.

Combinar a pena de morte com o escárnio do condenado e uma morte cruel era frequente e uma das técnicas era deixá-lo pendurado em um pedaço de madeira para que morresse de asfixia e cansaço. Quanto maior o martírio, melhor.

Coube a Alexandre, o Grande, levar a punição para os países do Mediterrâneo oriental em meados do século IV aC.

"Alexandre e suas tropas sitiaram a cidade de Tiro (atual Líbano), que era mais ou menos inexpugnável", relata o Professor Perez. "Diz a lenda que Alexandre questionou prisioneiros de Tiro sobre o que mais os aterrorizava e causava medo e eles quase que unanimemente respondiam: A Crucificação. Alexandre ameaçou a população da cidade que se eles não se rendessem, ao entrar na cidade promoveria um espetáculo de execução como nunca antes visto. Eles resistiram por mais alguns meses até capitular. Quando finalmente entrou na cidade, o conquistador ordenou a crucificação de cerca de 2.000 pessoas."

Os sucessores de Alexandre introduziram o castigo no Egito e na Síria, bem como em Cartago, a grande cidade norte-africana fundada pelos Fenícios. Foi nas Guerras Púnicas que os romanos tiveram o primeiro contato com o método. A princípio, eles ficaram chocados com a punição e a viam como um espetáculo nauseante e bárbaro. Ocorre entretanto que eles aparentemente acabaram se acostumando com ele... e por fim, até se afeiçoaram à sua realização, vindo a aperfeiçoá-la nos 500 anos que se seguiram. 

"Onde as legiões romanas iam, ocorriam crucificações", ou assim diziam os povos conquistados.

Em alguns lugares regidos pela Lex Romanis, o castigo foi adotado pelos locais e empregado com algumas adaptações de acordo com cada costume. Eram os romanos, entretanto que primavam pelo método consagrado de trespassar os pulsos da vítima com cravos de ferro que uniam a carne à madeira. 

Mas em pelo menos alguns momentos, os próprios romanos experimentaram de seu veneno. No ano 9 d.C, o líder germânico Arminio mandou crucificar os soldados do General romano Varo, após um confronto conhecido como a batalha da Floresta de Teutoburgo que representou uma derrota humilhante para os romanos. Dizem que foi necessário derrubar tantas árvores que a floresta ficou depauperada de madeira. Os soldados executados formaram eles próprios uma floresta de carne que gemia e se contorcia de dor. 

No ano 60 DC. C., Boudica, a rainha da tribo britânica dos Iceni, liderou uma grande revolta contra os invasores romanos e crucificou vários legionários. Também foi uma das ocasiões em que os romanos sentiram na pele o castigo que reservavam para seus inimigos.

Isso nos leva a Terra Santa, onde as orgulhosas Legiões de César adentraram. 

Em Israel, mesmo antes da chegada dos romanos, a crucificação já era conhecida e usada. "Temos fontes que falam de crucificações anteriores à dominação romana na Terra Santa, embora a morte fosse reservada apenas para os crimes mais graves e vexatórios", salienta Perez.

Um historiador da antiguidade, o político e soldado judeu Flávio Josefo, nascido em Jerusalém no século I descreve que durante o reinado de Alexandre Janeu (125 a.C-76 a.C), que governou os judeus por 27 anos, a Crucificação foi empregada no conflito entre os fariseus e os asmoneus

"Enquanto festejava com suas concubinas em um lugar visível, Janeu ordenou a crucificação de cerca de oitocentos judeus e a morte de seus filhos e esposas diante dos olhos dos infelizes que ainda estavam vivos e agonizavam", escreveu Flávio Josephus sobre um incidente ocorrido no ano 88 a.C.

Quando os romanos entraram em Jerusalem, decidiram que apenas eles poderiam realizar as crucificações, garantindo para si o monopólio sobre a mais cruel das execuções.

De acordo com historiadores modernos, os romanos também chegaram a crucificar os condenados em árvores ou postes, mas incorporaram uma variedade de cruzes, como uma cruz em forma de X (crux decussata) que foi a mais utilizada por vários anos. No entanto, na maioria dos casos, eles usavam a familiar cruz latina (crux immissa) ou tau (T) cruz (crux commissa). Essas cruzes podiam ser altas (crux sublimis), mas as baixas (crux humilis) que eram mais comuns, e consistiam em um poste vertical (stipes) e uma barra transversal (patibulum)”.

Fazia parte da tradição que o condenado carregasse a parte horizontal da cruz até o local onde ocorriam as execuções. O espetáculo visava garantir que todos na cidade soubessem o que estava para acontecer e que pudessem se referir ao criminoso e humilhá-lo mais ainda. Era tolerado no entanto, um mínimo de piedade. Tradicionalmente, as mulheres de Jerusalém, dizem os cronistas, ofereciam ao condenado uma bebida que tinha efeitos analgésicos e que mitigava sua dor. 

"Se a vítima não estava nua, sua roupa era removida quando chegava ao local determinado e ele era deitado de costas com as mãos estendidas ao longo do patíbulo."

O verdugo amarrava os braços à trave ou então cravava os pregos nos pulsos usando para isso um martelo. Diferente do que é retratado em vários quadros, os pregos não podiam ser colocados na palma das mãos porque elas não suportariam o peso do corpo, podendo se rasgar e se soltar. Os pregos de ferro podiam medir até 18 cm de comprimento e 1 cm de espessura. Eram peças maciças, que tinham a cabeça larga para não escapar da carne e escorregar com a profusão de sangue que vertia da ferida.

O procedimento mais frequentemente adotado para a Crucificação envolvia uma série de etapas.

Quando o condenado estava preso à trave horizontal, ela era erguida com cordas ou um sistema de polia e fixada na estaca vertical que já estava cravada no chão. Os pés podiam ser amarrados ou pregados no poste vertical, um de cada lado ou os dois ao mesmo tempo, um  sobre o outro. Nesse caso, explicam os autores, um único prego era cravado nos metatarsos de ambos os pés, enquanto os joelhos estavam flexionados.

A dor devia ser inimaginável, "muitos nervos eram tocados durante o procedimento", destacam os historiadores. "A vítima presa à cruz tinha que forçar as pernas naqueles pregos para poder sentar e respirar. E nisso perdia-se muito sangue, havia uma dor tremenda, mas se não fizesse dessa maneira, ocorria o sufocamento.

Em muitos casos, era uma morte lenta. Por fim, não era o ferimento nas mãos ou nos pés que provocava a morte e sim a falência de múltiplos órgãos, causada pelo esforço de manter a respiração. Médicos legistas ressaltam que a morte era decorrente de um massivo colapso circulatório devido ao choque hipovolêmico. Os condenados sofriam diminuição do volume de sangue (hipovolemia) devido à perda traumática de sangue e desidratação, mas principalmente por insuficiência respiratória.

Uma das facetas mais tenebrosas da Crucificação é que a morte podia demorar dias e dias até chegar. Há registros de indivíduos que ficavam pendurados por até sete dias sem alcançar a expiação. Quando o espetáculo se tornava excessivamente hediondo, alguns verdugos ordenavam que ele fosse abreviado com um ferimento desferido com lança ou espada. Não haviam, no entanto, regras claras.

"Como normalmente levavam dias para morrer, em alguns casos o que os soldados faziam para acelerar a morte era bater nos joelhos e quebrar as pernas. Dessa forma, o condenado não conseguia se levantar nem um pouco para respirar usando os músculos das pernas, isso fazia com que morressem em pouco tempo”, relata Perez. 

Segundo o relato bíblico, os soldados romanos implementaram essa medida com outras pessoas que haviam sido crucificadas com Jesus, mas não fizeram com ele porque já havia morrido. As escrituras dizem que Cristo havia sofrido uma tremenda tortura, tipicamente romana, a Flagelação antes de ser crucificado. Isso pode ter abreviado seu sofrimento.

Amarrado ou pregado, o castigo da crucificação buscava "expor e humilhar" o condenado ao que havia de pior e mais ultrajante. Por essa razão, era uma morte reservada aos piores inimigos para deixar claro que não queriam ver ninguém cometendo o mesmo crime. Aplicava-se também a escravos e estrangeiros, mas muito raramente a cidadãos romanos. Chegou a existir uma lei que baniu esse tipo de sofrimento do convívio dos romanos que podiam sofrer várias atrocidades, mas nunca uma similar à Crucificação. 

O método estava intimamente associado a traição, a levantes militares, terrorismo, a algum crime que teria levado a derramamento de sangue, ou seja, quando alguém era especialmente violento. Nos registros romanos que sobreviveram há casos de homicidas, de homens que mataram os pais ou a esposa, que abandonaram o campo de combate, que assassinaram seus comandantes ou de escravos que conspiraram para matar seus senhores. Os romanos viam esses comportamentos como graves ofensas.  O que impressiona no caso de Jesus, é que ele não havia cometido nenhum crime de gravidade e mesmo assim, recebeu uma punição absurdamente desproporcional.

Constantino I aboliu a punição da crucificação apenas no século IV d.C. e se tornou o primeiro Imperador Romano a professar o cristianismo. Ele acreditava que a Crucificação deveria ser um símbolo da Nova Fé e assim, o peixe (símbolo da cristandade até então) cedeu espaço para a cruz que hoje denota a fé cristã.

No entanto, esse não foi o fim da Crucificação. 

A punição continuou sendo repetida em outros lugares ao longo da história. Por exemplo, no século XVI, em pleno Japão Feudal, missionários foram crucificados pelas autoridades nipônicas. O ato é considerado como marco do início de um longo período de perseguição contra os cristãos naquele país. O mesmo ocorreu na Coréia e na China. Durante as Cruzadas, alguns soldados capturados sofreram esse tipo de execução nas mãos dos seus inimigos muçulmanos. Mesmo em tempos mais recentemente, fala-se que na Grande Guerra, soldados britânicos teriam sido crucificados no incidente conhecido como Anjos de Mons. Na Guerra do Vietnã também houve relatos nunca comprovados de soldados americanos ou civis cristãos sofrendo esse tipo de martírio. 

É irônico que apesar de sua longa e cruel história, a cruz represente hoje, para muitos cristãos e não cristãos, uma mensagem de entrega e sacrifício.

2 comentários:

  1. Maravilhoso o texto e é impressionante o assunto. Quando se sabe o que Cristo sofreu, muitos compreendem o que é a palavra "sacrifício". O que é a simbologia máxima da abnegação. Nenhum desses "heróis sociais" nem teria um décimo da coragem do Nazareno ante da situação.
    Obrigado por seu texto. ^^b

    ResponderExcluir