Quando o filme, O Exorcista, baseado no romance de mesmo nome, escrito por William Peter Blatty, foi lançado no ano de 1973 ele tomou o universo do terror como uma tempestade. As pessoas não falavam de outro assunto, o filme se tornou um fenômeno de bilheteria e gerou uma duradoura controvérsia sobre a existência física do mal.
O Exorcista, hoje é tido como um clássico absoluto. Ele conta a história da menina Regan MacNeil (Linda Blair) de 12 anos, cujo corpo e invadido pela presença nefasta de um demônio chamado Pazuzu. A presença maligna a transforma, de uma menina meiga e amável em um monstro infame dado a cuspir meleca esverdeada e dotado de vários poderes sobrenaturais. A trama então segue os passos dos padres Lankester Merrin (Max von Sydow) e Damien Karras (Jason Miller) à medida que eles confrontam a entidade diabólica em uma batalha pela alma Regan. O Exorcismo que domina boa parte do terceiro ato do filme é um embate dramático.
Considerado um clássico, o filme é colocado frequentemente no topo das listas dos filmes mais assustadores de todos os tempos.
O que muita gente não sabe é que a criatura maligna Pazuzu, está longe de ser uma ficção criada para o filme. De fato, ele tem uma rica mitologia e história como uma entidade presente no mundo antigo.
Para conhecer o real demônio apresentado no filme, nós temos de voltar aos tempos ancestrais da Mesopotâmia no primeiro milênio antes de Cristo. Os povos mesopotâmicos acreditavam que o mundo era habitado por uma infinidade de demônios poderosos que viviam em meio aos mortais. Geralmente eles não podiam ser vistos, pois preferiam se manter invisíveis, contudo, tais seres se faziam sentir quando assim o desejavam.
Esse espíritos semi-divinos eram capazes de assumir muitas formas e a eles eram atribuídos toda sorte de incidentes e fenômenos que afetavam a humanidade, incluindo doença, fome, seca, aborto, impotência, esterilidade, ataque de animais selvagens e demais infortúnios. Isso era visto como parte dos desígnios divinos, uma forma dos Deuses punirem as transgressões cometidas, corrigir comportamentos considerados indesejáveis e reduzir a população humana. Os demônios embora muito temidos, não eram compreendidos em essência como malignos, visto que serviam a um propósito além de meramente atormentar as pessoas. Eles eram contudo, sempre maliciosos e desejosos de fazer cumprir as regras que colocavam os pecadores à sua mercê.
Durante o período Neo-Assirio entre 934–610 aC., um novo tipo de demônio apareceu na mitologia mesopotâmica. Essa criatura contrariava o sistema de seres cumpridores de ordens divinas. Ao invés de serem agentes divinos, eles eram puramente malignos.
Um espírito classificado como lilû, ou demônio do vento, Pazuzu era visto como a personificação do vento sudoeste que soprava doença e pestilência. Com o tempo, ele se tornou mais que isso, passou a ser visto como o Rei dos Demônios do Vento. Como tal ele era o responsável por vendavais e tempestades, mas também por deslizamentos e terremotos. Pazuzu era rebelde e por isso, em muitas de suas representações, é visto lutando com outros lilû que desafiavam sua autoridade. Pazuzu também seria o responsável pela fome, enviando nuvens de gafanhotos para dizimar as plantações ou ainda um vento escorchante para secar os rios.
O que diferenciava Pazuzu dos outros demônios, supostamente menos caóticos, era o fato de sua destruição ser imprevisível. Ele não escolhia alvos, lançava sua ira sobre tudo e todos, inocentes e pecadores igualmente. Nas versões sumérias e acadianas, ele se identifica da seguinte forma:
"Eu sou Pazuzu, filho de Ḫanbi, Rei de todos os demônios-lilû. Eu sopro furioso contra as poderosas montanhas e transcendo sua altura. Eu que escalei as montanhas, as fiz tremer. Os ventos que sopram contra mim são desviados, um por um, e eu quebro as asas de quem os provocou. Pois eu sou o Caos e os céus me pertencem."
Como o mais poderoso dos Demônios do Vento, Pazuzu tinha uma aparência condizente ao seu título. Sua forma era tão aterrorizante quanto seus atos ímpios. Ele era descrito como um horrível amálgama de várias partes humanas e de animais misturadas. Dotado de uma monstruosa cabeça de leão com chifres de gazela, orelhas humanas, um focinho de Cão, olhos esbugalhados e um corpo humano emaciado com mãos terminando em garras. Os pés eram de pássaro com garras de águia. Ele também possuía uma cauda de escorpião, um pênis com cabeça de cobra e um par de asas brotando nas costas. Em geral, era representando com a mão direita erguida e a esquerda para baixo, simbolizando a dualidade de seus atos: vida e morte, criação e destruição.
Pazuzu era conhecido por diferentes nomes: "Agonia da Humanidade", "Agonia dos Homens" e "Sofrimento dos Mortais". Ele também era chamado de "Doença dos Homens" e "Aquele que é Maligno". Com estes títulos bizarros e com sua aparência grotesca, não e de se estranhar que Pazuzu fosse extremamente temido.
Entretanto, ainda que fosse definitivamente uma entidade perversa, Pazuzu não era exatamente a perfeita encarnação e personificação de tudo o que é maligno no mundo como o filme sugere.
Apesar de se apresentar como um inegável terror, o demônio curiosamente era visto como um espírito protetor. Segundo o mito, Pazuzu parecia desfrutar de apenas uma coisa mais do que espalhar o caos entre os mortais. E isso era lutar contra outros demônios. Os Mesopotâmios sabiam bem disso, e acreditavam que Pazuzu pudesse agir como um tipo de Guardião.
Vários rituais e feitiços eram realizados com o intuito de fazer com que Pazuzu os defendesse contra outras manifestações indesejadas. De fato, muitas das imagens conhecidas de Pazuzu decorrem de amuletos e talismãs protetivos feitos de terracota, bronze, ferro, ouro, vidro ou osso. Todos tinham a função de pedir a ele que os defendesse contra influências diabólicas.
Pazuzu era invocado especialmente como protetor de mulheres grávidas e de bebês recém-nascidos. A explicação para isso é que um dos maiores inimigos de Pazuzu era outro demônio, no caso, uma demônio fêmea chamada Lamastu, que era conhecida por roubar, sequestrar e matar bebês ou fetos não nascidos. Dizer que Pazuzu e Lamastu eram inimigos é eufemismo. Os dois se detestavam de tal forma que um faria qualquer coisa para negar ao outro o que mas desejava - e o maior desejo de Lamastu eram as crianças.
Para proteger os jovens, afastar doenças mortais de recém nascidos e reduzir os riscos da gravidez, o nome de Pazuzu era mencionado em incontáveis rituais. Amuletos dele também eram pendurados em portas ou quartos onde as crianças dormiam como uma forma de barrar a entrada de Lamastu. A crença de que o demônio do vento poderia garantir a sobrevivência de um bebê era tamanha que muitas mães e pais repetiam o nome de Pazuzu antes de colocar seus filhos para dormir.
Outro detalhe curioso é que, diferente do que vemos no filme "O Exorcista", não há nenhuma menção na mitologia suméria ligando Pazuzu a possessão ou controle de um ser humano. Realmente, tal coisa seria inconcebível para os mesopotâmios; um demônio, especialmente um monarca diabólico, jamais escolheria habitar o corpo frágil de um mortal, quanto mais de uma criança.
Ele foi, sem duvida, muito popular em sua época e considerado como uma entidade real. Um terror autêntico que se insinuava nas casas e nas vidas das pessoas.
Hoje em dia, por conta do filme, seu nome se tornou muito difundido. Trazido de volta para o inconsciente coletivo, Pazuzu talvez seja o demônio do passado mais famoso nos dias atuais, atrás apenas de Lúcifer. Seu nome é reconhecido amplamente, quando tantos outros entes desapareceram na obscuridade do tempo.
Entretanto, mesmo nos tempos atuais, há muito mistério em torno dessa entidade malévola. Enquanto a maioria dos demônios antigos, incluindo Lamastu, passaram por uma evolução gradual e metamorfose ao longo do tempo, Pazuzu parece ter surgido do nada totalmente formado, tornando difícil identificar um local preciso ou momento em que tal entidade surgiu originalmente. Ele aparece abruptamente nos registros arqueológicos, apenas a partir do século XVIII.
Ainda outro mistério que cerca Pazuzu é o grande número de imagens criadas tendo ele como modelo. Na época dos mesopotâmicos, construir imagens de demônios era considerado uma tolice, na melhor das hipóteses, e algo imensamente perigoso, na pior. Acreditava-se que ao criar uma estatueta de um demônio tal coisa poderia atrair sua atenção e a possível ira da entidade. Contudo, no caso de Pazuzu, existem vários exemplos de estatuetas encontradas em sítios arqueológicos na antiga Suméria. Mesmo em templos e palácios foram descobertas carrancas de Pazuzu. Por que isso acontecia numa época em que era amplamente considerado um mau agouro fazer imagens de demônios, não está claro.
Há teorias... Seria possível que as imagens fossem originárias de algum templo ou culto devotado a adoração de tal entidade? Caso isso seja verdade, seria um caso singular de adoração sistemática a uma entidade maligna. Qual seria a origem dessa seita e como ela seria vista, podemos apenas imaginar.
É provável que essas questões fiquem sem resposta, mas dada a resistência de Pazuzu em se perpetuar através das eras, é no mínimo curioso que ainda estejamos falando dele.
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