quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Cruzadas e Cthulhu - Ideias para envolver os Mythos no conflito que dividiu o Mundo Medieval


Um evento tão marcante da história humana, é claro teria de causar todo tipo de repercussão. O Velho Mundo nunca mais seria o mesmo após o fenômeno das Cruzadas.

Mas o que um acontecimento de tamanha proporção trouxe ao Universo dos Mythos?

Guerras sanguinárias, conflitos em larga escala e transformaçoes sociais profundas sem dúvida operam mudanças que são sentidas mesmo pelas entidades de Cthulhu e seus abomináveis servos.

A Europa sempre foi um terreno fértil para a proliferação dos horrores ancestrais. Cultos atávicos sempre agiram nas sombras, venerando seus deuses blasfemos e realizando seus rituais profanos em altares e templos ímpios. Artefatos portentosos forjados em tempos remotos estavam perdidos, bem como ruinas de povos e civilizacoes, nem todas humanas. Textos proibidos circulavam, protegidos por cabalas de poderosos feiticeiros ciosos de seu conhecimento ssquecido.

O Oriente Médio, berço das mais antigas Civilizações também escondia uma infinidade de mistérios e segredos. Povos ancestrais tiveram contato direto com os horrores além da esfera do tempo e espaço. Eles comungaram intimamente com esses Deuses e beberam de sua sabedoria medonha. Foi ali que alguns dos mais antigos cultos se formaram e foi a partir dali que eles se espalharam carregando consigo a semente dos antigos e sua liturgia de loucura e danação.

Quando Ocidente e o Oriente se enfrentaram num conflito sanguinolento, os Mythos encontraram uma forma de espalhar, uma vez mais sua mácula.


Se por um lado, a decadência do Império Romano, que por séculos controlou o Mundo Antigo, mergulhou a Europa no obscurantismo, por outro, isso contribuiu para conter, ao menos em parte, a disseminação do Mythos. 

Com um continente dividido numa colcha de retalhos de reinos e feudos, a proliferação do Mythos ficou muito mais restrita. Pequenos enclaves ainda detinham conhecimento profano, mas este raramente circulava além de suas fronteiras. A superstição que cobriu a Europa como um manto de ignorância serviu para ocultar o saber de teóricos e estudiosos do Mythos. 

Numa sociedade em que o conhecimento estava ao alcance de poucos; livros, manuscritos e documentos se tornaram incrivelmente raros. As conquistas da ciência foram nubladas junto com tratados esotéricos primordiais  à cerca do Mythos. O pouco que sobreviveu ficou trancafiado nas bibliotecas dos monastérios, escondido dos olhos de curiosos e da vigilância de ensores. Boa parte desse conhecimento foi lançado em fogueiras crepitantes, acesas pela Igreja Cristã que fez arder igualmente papel e carne.

É irônico como a Era Medieval através de seu obscurantismo flagrante, conseguiu reter, ao menos em parte o perigoso saber do Mythos. 

Talvez esses segredos tivessem se perdido por completo, se não fossem resgatados por volta do ano 1000, quando o Al Azif, pérfido tratado escrito pelo árabe louco Abdul Al Hazred foi traduzido como o Necronomicom. As palavras escritas nesse tomo medonho circularam pela Europa contaminando todos que o leram. É certo que a Cruzada ajudou a disseminar seu conteúdo.


Mais do que um fenomeno militar e religioso, a Cruzada foi um evento que colocou frente a frente diferentes povos e permitiu a troca de experiências. Se por um lado, esse contato resultou em guerra, preconceito e genocídio, por outro despertou curiosidade e certo grau de interação entre os oponentes.

Pela primeira vez em séculos as forças adormecidas do Mythos despertaram para sondar seus arredores em busca de oportunidades. Seus tentáculos há muito retraídos, puderam, uma vez mais se lançar e tocar o que estivesse ao seu alcance.

Tamanha a importância das Cruzadas para a disseminação do Mythos que alguns teóricos se perguntam se não teria sido o conceito geral sussurrado nos ouvidos dos homens por alguma astuta entidade. Sabe-se que Nyarlathotep sempre participou, por vezes diretamente, de momentos pivotais da história humana. Imaginar o Caos Rastejante instigando religiosos a inflamar tanto nobres quanto camponeses a marchar rumo ao Oriente numa Cruzada Santa que desvirtuaria para chacina e loucura, não parece mero exercício imaginativo. Dada sua natureza caótica, Nyarlathotep poderia ser o responsável por agitar o caldeirão Medieval fazendo borbulhar o desejo pela retomada da Terra Santa.

Poderia ser o Caos Rastejante a verdadeira força motriz por traz da Cruzada? Ele, que é famoso por atuar nos bastidores poderia influenciar comandantes, generais e Papas? Quantas piadas trágicas o sardonico Nyarlathotep seria capaz de pregar na humanidade dessa maneira atroz? 

Enviando visões, profecias e portentos ele tentaria a Europa a se lançar numa vã expedição. 


A Cruzada movimentou milhares de pessoas, ela contagiou nobres influentes e camponeses ignorantes com igual furor religioso. Do dia para a noite, as pessoas largaram suas ocupações e se colocavam a marchar pelas estradas tortuosas da Idade Média. 

O que poderiam ter encontrado a caminho dessa grande aventura?

Nos recessos ermos de florestas, em recantos inóspitos e em desertos desolados, os Cruzados transpuseram enormes distâncias e exploraram lugares até então pouco conhecidos. O que podem ter achado enquanto perambulavam pelo Leste Europeu ou pelo Oriente Médio? 

Estes regiões isoladas são historicamente o lar de criaturas não humanas que ali habitam há séculos. Eles deixaram um sem numero de cidadelas e ruinas. Os Cruzados podem ter explorado tais lugares e perturbado o sono de seres imunes a passagem do tempo. Há lugarejos remotos e vilas temidas, onde a mácula do Mythos reside. Cultistas demonstravam sua devoção através de rituais profanos e camponeses carregavam em seu sangue traços de miscigenação. Certas vilas pesqueiras purulavam com híbridos de abissais, comunidades de Carniçais antropofogos viviam no subterrâneo de cemitérios assombrados e poços profundos serviam de antro para imortais Shoggoth.

Não é difícil imaginar Cruzados, com o espírito elevado adentrando esses covis, acreditando serem capazes de limpar a presença diabólica que os corrompe.


A Cruzada deixou uma marca indelével nas terras por onde passou. O contato entre culturas distintas gerou conflito, contudo é possivel que cristãos e mouros tenham em algum momento colocado suas desavenças de lado para enfrentar algo muito mais incompreensível e chocante. Diante da visão perturbadora do Mythos, preconceitos seriam relevados em favor de uma aliança contra algo que se mostrava claramente inumano. 

Tanto cristãos quanto muçulmanos abominavam as práticas de magia negra e condenavam a feitiçaria como um todo. A ameaça de um bruxo ou de uma cabala de feiticeiros poderia render uma missão heroica visando desarticular tamanha infâmia.

Embora feitiçaria fosse mal vista, é inegável que muitos cavaleiros manifestavam interesse no mundo metafísico. Estavam dispostos a abraçar o misticismo e tradições ocultas. Isso se observava com mais frequência nas Sociedades Secretas e Ordens de Cavalaria que se formaram no decorrer das Cruzadas. É de se supor que esses grupos herméticos estivessem cientes da existência do Mythos e que se juntassem em um esforço para revelar, enfrentar e extirpar esse mal. 

É provável que essas sociedades não tivessem plena compreensão do que eram essas forças, as interpretando como manifestações diabólicas de base judaico-cristã. Contudo não é impossível que eles tenham bebido do saber presente em livros e manuscritos encontrados em Jerusalém. A cidade foi um verdadeiro depositário de conhecimento místico e ordens como a dos Templários se estabeleceu na Cidade Santa após sua conquista. O interesse no oculto pode tê-los levado a encontrar antigos textos, tomos esotéricos e artefatos ligados ao Mythos. Compreendendo que conhecimento é poder, os Templários podem ter estudado esse material descobrindo a natureza vil dessas entidades nefastas.


Conhecendo o interesse de Ordens de Cavalaria no oculto, é razoável supor que elas também tiveram acesso a magias e rituais. Muitas Ordens tinham seus ritos particulares, mantidos em sigilo e transmitidos apenas aos membros de alto grau.

Talvez eles tenham usado esse saber como uma arma valiosa contra seitas e cultos. Podemos especular que tal conhecimento seria mal interpretado pela Igreja ou mesmo outros Cruzados se exposto publicamente. Esses textos seriam tratados como heresia. Se tal envolvimento fosse trazido à luz, as ordens e seus membros poderiam sofrer perseguições e até retaliação. 

Considerando que os Mythos nunca deixaram de existir ou de exercer alguma influência sobre a humanidade é correto inferir que cultos atuavam na época das Cruzadas. Seitas devotadas aos Grandes Antigos operavam no Leste Europeu e no Oriente Médio. Sociedades secretas devotadas a Nyarlathotep naturalmente ainda agiam no Norte da África, sobretudo Egito que sempre foi o seu centro de poder. A Irmandade do Símbolo Amarelo, um secto devotado a Hastur, tinha bases na Arábia e entrava em conflito com agentes a serviço da Grande Raça de Yith. Estes coletavam dados historicos a serem compilados em suas bibliotecas na Aurira do Tempo. 

Já os Servos da Chama Viva, acólitos de Cthugha, operavam na Pérsia e na Síria disfarçados em um zoroastrismo rudimentar. Da mesma forma, Yog-Sothoth tinha seguidores fiéis entre feiticeiros na Mesopotâmia. Seitas judaicas misturavam o ensinamento da Cabala com tradições arcanas "Daquele que é Tudo em um só". Isso sem falar do amplamente difundido Culto de Cthulhu cujos membros podiam ser achados da costa do Adriático até o litoral do Mar Morto. Marinheiros do mundo medieval rezavam para o Grande Cthulhu, senhor dos recessos submarinos, pedindo por uma travessia segura através do mar insondável. 

O Mediterrâneo também era lar de vários sectos ancestrais estabelecidos há séculos. Na Sicília e em Creta, floresciam comunidades matriarcais dedicadas a fecundidade que serviam a Cabra Negra e seus filhos. Os romanos a conheciam como Magna Mater, mas ela sempre foi Shub-Nigurath. Nos Balcãs, o horror do Cudoviste estava presente em povoados onde sacrifícios eram comumente realizados em altares de pedra ou cavernas. A lendária Pedra Negra de Stregoikavar se erguia em algum lugar das primevas florestas da Hungria. Ela servia como local de encontro para bruxos que extraíram dela poder arcano.

Digno de nota era o sanguinário Culto do Deus Esfolado que operava nas sombras da majestosa Constantinopla. Ele foi responsável por toda sorte de perversão e reuniu em seu auge milhares de seguidores fanáticos. A Quarta Cruzada foi responsável por roubar dessa seita abominável um poderoso artefato, o Sedefkar Simulacrum, uma estátua conectada ao Mythos. Ele desapareceu da capital bizantina em meio ao saque perpetrado pelos cruzados e supostamente foi carregada para a Europa, desaparecendo em algum lugar da França.

Mas deve haver mais, muito mais... informações que se perderam no tempo.


A Cruzada foi uma trágica aventura, uma que comoveu e contagiou todo um continente. Foi o fenômeno mais importante de seu tempo e como tal trouxe mudanças significativas.

A Europa se viu num caminho que a conduziu de uma Era Medieval marcada pelo isolamento para uma série de inovações e conquistas culminando na Era Moderna. 

Para o bem ou para o mal, a história de nossa civilização seria muito diferente se a Cruzada não tivesse acontecido.

sábado, 23 de dezembro de 2023

O que podemos esperar do filme "O Chamado de Cthulhu" de James Wan


A notícia chegou de forma inesperada, criando uma sensação de curiosidade, expectativa e preocupação na mente dos fãs de H.P. Lovecraft.

Em uma entrevista para divulgar seu novo filme Aquaman II, o diretor James Wan deixou escapar que está trabalhando num projeto para levar às telas uma adaptação de "O Chamado de Cthulhu". Ele pretende dar o pontapé inicial na pré-produção dessa adaptação do conto de mesmo nome, ano que vem e ter o filme pronto para 2025.

"O Chamado de Cthulhu", escrito por Lovecraft em 1928 é uma de suas obras mais conhecidas, conto que contribuiu de maneira incontestável para consolidar muitas das bases do que conhecemos hoje como Horror Cósmico. Ele pode não ser a história seminal do gênero construído por Lovecraft, mas é um dos contos que reúne a maioria de seus elementos. Temos um acadêmico em busca de um segredo, um artefato misterioso, um culto operando nas sombras, uma conspiração Ancestral que aguarda uma profecia prestes a se concretizar, além de um horror que ameaça a raça humana com uma nova era de morte e loucura.

"O Chamado de Cthulhu" também é notório por introduzir o personagem mais famoso criado por Lovecraft, o Deus Monstruoso Cthulhu, misto de Dragão, Gigante e Cefalópode. Nos últimos tempos, o autor ganhou reconhecimento e sua obra foi redescoberta por fãs e entusiastas que consomem sua ficção na forma de livros, séries, desenhos, jogos de tabuleiro e RPGs. Filmes, no entanto, parecem ser uma mídia difícil de se enquadrar. O interesse existe, mas as produções de contos lovecrafianos ao longo das décadas parecem recair em duas categorias distintas: filmes toscos que ganham status de cult e filmes que são simplesmente toscos e totalmente esquecíveis. Seja lá qual for o tipo, parece difícil para a obra de Lovecraft encontrar seu lugar na sétima arte.

Mesmo o prestigiado diretor mexicano Guilhermo del Toro, vencedor do Oscar e conhecido entusiasta de Lovecraft não conseguiu levar adiante seu projeto de estimação, a adaptação de "Nas Montanhas da Loucura", que há mais de uma década habita o limbo das produções muito aguardadas mas nunca filmadas. Uma série de contratempos alheios à vontade de Del Toro impediram a realização do filme. Seria a concretização de um sonho para os fãs de longa data que adorariam assistir uma produção à altura da obra original.

Del Toro esteve bem perto de iniciar as filmagens de "Montanhas", mas tropeçou em Prometheus que trazia uma história inconvenientemente semelhante. Além disso, a Universal, estúdio que ia assumir a produção parecia querer enxugar o orçamento que ficaria na casa dos 80 milhões. Apesar do interesse de astros conhecidos, com rumores de Tom Cruise interessado no projeto, a coisa não foi para a frente e o próprio Del Toro acabou desistindo.


Surge agora, James Wan, sinalizando não apenas com o interesse em levar adiante uma adaptação, mas afirmando que a pré-produção começa em breve. Ou seja, sinal verde para que "O Chamado de Cthulhu" se torne realidade. Mas o que isso significa para os fãs? Quem é James Wan na fila do pão? E principalmente, se essa notícia é digna de comemoração ou de preocupação?

Vamos por partes.

James Wan e um nome já conhecido no meio do cinema americano. Ele se consolidou como um diretor e produtor se franquias lucrativas de horror como Jogos Mortais e Invocação do Mal, além de produzir e escrever roteiros de filmes que alcançaram sucesso de público e de crítica.

Não é de hoje que Wan transita com desenvoltura no universo do horror, é dele o primeiro e melhor episódio da série Jogos Mortais. Para quem acompanha os blockbusters mais recentes, Wan é o sujeito responsável pelo surpreendente sucesso de Aquaman, um dos únicos filmes de heróis da DC que atingiu e até ultrapassou as expectativas da Warner Bros. Wan também está cotado para ser o diretor e roteirista de Monstro do Pântano, mesmo após produzir uma série sobre o mesmo personagem que durou uma única temporada. Isso mostra que, apesar do fracasso da série, ele ainda é considerado o nome certo para lidar com o celebrado personagem.

E não é pra menos, James Wan é reconhecido como um grande nome dentro do gênero, produzindo e buscando imprimir um estilo próprio em seus filmes.

Mas seria ele o nome certo para uma adaptação da obra de Lovecraft?

É difícil dizer. Muitos fãs apontam que Wan é um devoto do cinema de susto, que costuma fazer filmes jump scare, que fogem um bocado da proposta do Horror Cósmico. Talvez um diretor com um estilo mais introspectivo fosse mais adequado para a tarefa, mas francamente, eu penso que ele pode sim surpreender.

James Wan já deixou claro em seus trabalhos que domina a linguagem do horror e que consegue imprimir tensão e ritmo nos seus trabalhos. O primeiro Jogos Mortais é um excelente filme que conjuga tensão e suspense num ambiente confinado. As já mencionadas franquias Invocação do Mal e também Sobrenatural, dirigidas por ele também tem essa marca. Mesmo Aquaman, que é claramente um filme pipoca de super herói tem bons momentos de suspense, coincidentemente trazendo um ataque de criaturas submarinas que se assemelham, muito provavelmente de modo proposital, aos abissais.


Além disso, Wan já declarou que é, ele próprio, um fã de Lovecraft. Em mais de uma entrevista ele disse adorar os contos, a mitologia e os pormenores do Horror Cósmico. Quem melhor do que um fã de verdade para assumir a direção de um filme inspirado na obra de seu ídolo? Sabemos que James Wan também costuma escrever o roteiro de seus próprios filmes, o que é um bom indicativo de que não haveria conflito entre roteiro e direção. Além disso, ele também costuma assumir a cadeira de produtor, o cara responsável por injetar dinheiro na coisa. Se esse for o caso, podemos imaginar que ele daria atenção total ao filme e trabalharia em cada aspecto dele.

A escolha de "O Chamado de Cthulhu" também me deixa animado. Nem todos consideram esse conto como o melhor de Lovecraft, contudo ele tem certas vantagens sobre outros. De muitas maneiras, ele é o mais vendável para o público em geral. Além de trazer Cthulhu, que possui certo reconhecimento na nerdesfera, ele tem uma história mais fácil de entender e digerir para os recém chegados no Horror Cósmico.

A trama envolve uma conspiração misteriosa, conta com vilões muito bem construídos, diferentes cenários e um final apoteótico em alto mar. Quem assistiu Aquaman sabe do que James Wan é capaz de fazer em se tratando de imagens grandiosas envolvendo monstros colossais e terrores submarinos.

Aliás, esse pode ser outro trunfo do diretor, sua habilidade em traduzir em imagens cenas grandiosas e que usam para tanto efeitos especiais. Isso, somado a capacidade dele em reunir recursos para permitir essas cenas tem potencial para resultar em algo de primeira. E sejamos francos, um dos grandes temores em se tratando de filmes lovecraftianos é que os efeitos fiquem meia boca e os monstros pareçam ridículos. Após assistir Aquaman com o ataque dos Abissais e do monstrão, fica claro que, se for bem feito, o resultado pode ser incrível.

A única dúvida que resta é sobre a fidelidade do roteiro, se ele vai atender ao que queremos (e merecemos) ver na tela. Não é de hoje que os filmes baseados na obra de Lovecraft sofrem de forma medonha na mão de roteiristas que querem adaptar as histórias, seja para os dias atuais, seja para uma linguagem mais "mundana". O recente "A Cor que caiu do Espaço" com um Nicholas Cage atuando em estado comatoso é um exemplo fragrante disso.


O roteiro de uma história lovecraftiana, se beneficiaria ao seguir um script o mais próximo possível do original. Contudo em termos de Hollywood isso é um baita risco. As histórias de Lovecraft seguem uma estrutura bem particular, difícil de ser adaptada. E para quem não está habituado ao Horror Cósmico pode ser meio difícil entender que a sutileza da atmosfera, isolamento e loucura são tão importantes quanto cenas de susto e sangue. Se o diretor for capaz de compreender isso, ele pode fazer a diferença.

Outro fator que nos deixa animados é que James Wan costuma se dedicar às suas franquias. Em uma entrevista ele disse que ao acertar em um filão, não se importa em continuar dentro dele, explorando diferentes facetas e nuances em sequências. Se Chamado for um sucesso, talvez haja esperança de ver filmes baseados nos Mythos na tela grande, senão dirigidos, ao mesmo produzidos por ele.

Ainda é muito cedo para dizer qualquer coisa. É cedo até mesmo para ter certeza se "O Chamado de Cthulhu" realmente vai acontecer como previsto, mas quem sabe tenha chegado a hora de ter uma produção de boa qualidade baseada em H.P. Lovecraft.

E é isso que todos nós queremos!

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

O Saque de Constantinopla - A Cruzada que destruiu a capital do Império Bizantino


Apesar dos fracassos na Segunda e Terceira Cruzadas, a Europa ainda não havia se dado por satisfeita e tão logo o conflito terminou, uma nova Incursão começou a ser planejada.

O movimento, contudo, carecia de liderança, precisava de comandantes e principalmente dependia de dinheiro. Estava claro para todos que um empreendimento do porte das cruzadas era algo caro e arriscado, não apenas do ponto de vista militar, mas principalmente econômico. Não era possível deslocar grandes contingentes de pessoas, pagar pelo esforço delas, abastecer e suprir as fileiras de soldados apenas com promessas de redenção. Os homens precisavam de mais do que sustento espiritual, careciam de ouro tilintando em suas bolsas.

Ninguém fingia surpresa diante do fato que as Cruzadas eram um empreendimento tanto econômico quanto religioso, contudo, na Quarta Cruzada tal coisa ficou escancarada. A recompensa material era tão almejada, talvez até mais desejada pelos homens, que a espiritual.

Não por acaso, a Quarta Cruzada é considerada uma das mais absurdas e vergonhosas empreitadas da História Medieval. Não apenas seus resultados foram medíocres do ponto de vista militar, mas resultaram em um agravamento na conturbada relação entre a Santa Sé de Roma e a Igreja Ortodoxa. Resultou também na destruição de uma das maiores e mais modernas cidades da antiguidade, um orgulhoso marco da civilização que remontava ao Império Romano. Devastado pela sanha de riqueza de aproveitadores e ignorantes. O mundo antigo e a Idade Média nunca mais seriam os mesmos após essa trágica Cruzada.


A motivação principal dos cruzados uma vez mais focava na reconquista da Terra Santa supostamente pertencente à Cristandade. Mas diferente das demais, essa incursão concentrava seus interesses na Conquista do Egito, poderoso Reino muçulmano que uma vez submetido serviria como ponta de lança para outras vitórias no Oriente Médio e com o tempo Jerusalém. A obliteração do Sultanato Ayubita que governava o Cairo, era visto como uma meta essencial para o sucesso da empreitada. Sem essa vanguarda de valorosos guerreiros para conter uma invasão, a Terra Santa poderia ser tomada de assalto.

Aliados aos venezianos, os Cruzados francos e germânicos, tencionavam usar a poderosa Marinha da Cidade Italiana em sua jornada. O Doge de Veneza, Enrico Dandolo ofereceu uma frota para auxiliar no transporte dos 35 mil homens que compunham a cruzada, um feito notável. Mas o Doge manipulou os comandantes, oferecendo vantagens se eles realizassem ações que lhe fossem vantajosas.

Desde o início a Cruzada foi marcada por erros de gerenciamento e a falta crônica de recursos. Os Cruzados desejavam chegar ao Egito, mas não tinham dinheiro em seus cofres para suprir suas necessidades mais básicas. De fato, os cavaleiros cruzados estavam tão quebrados que não disfarçavam que tudo seria custeado através de pilhagens. Teriam de roubar para custear sua viagem e pagar aos homens o seu soldo. O Doge veneziano viu nisso uma oportunidade de ouro.


Enrico Dandolo convenceu os líderes da Cruzada a atacar a cidade de Zara, na costa da Dalmacia na atual Hungria. Zara era uma cidade rica, governada por rivais mercantis dos venezianos. Em troca de navios para o transporte de homens, os Cruzados agiriam como mercenários, contratados para tomar a cidade e obter recursos com a pilhagem. Havia, no entanto, um problema: Zara era uma cidade cristã e o Papa Inocêncio III havia advertido os cruzados que não seria tolerada qualquer ação temerária contra reinos da cristandade.

Apesar do dilema moral, os comandantes aceitaram realizar o ataque acreditando que "os fins justificariam os meios". Concluída a negociação, o exército cruzado foi conduzido em navios de guerra até a costa da Dalmácia, deixados a poucos quilômetros de Zara. O desembarque anfíbio dos milhares de soldados foi um dos primeiros dessa natureza. Os homens realizaram um ataque direto brutal, mas como as defesas resistiram bravamente, decidiram adotar um cerco. Após duas semanas tentando romper o acesso à cidade, os cruzados não haviam conseguido qualquer sucesso. A situação só mudou quando os venezianos trouxeram armas de cerco para reforçar a força de ataque. Guarnecidos com catapultas, trebuchets e aríetes, a investida ganhou ímpeto. Os valorosos defensores não tinham como resistir e acabaram se rendendo oferecendo um acordo que pudesse salvar os habitantes.

Apesar das promessas de que os cidadãos seriam preservados, a entrada do exército foi violenta com casas destruídas, igrejas saqueadas e um autêntico massacre. Os invasores francos e venezianos divergiam sobre a divisão do saque o que ocasionou ainda mais disputas. Zara foi pilhada até que não restasse nada de valor na cidade, os navios apreendidos pelos venezianos e as tropas dispersas. A noticia da pilhagem de Zara chocou a Europa e fez com que o Papa excomungasse todos os envolvidos.

Mas o pior ainda estava por vir!


Após esse incidente, os Cruzados aceitaram se aliar a Aleixo Angellus filho do Monarca deposto de Constantinopla. Aleixo se aproximou deles prometendo recursos suficientes para seguir com a tropa para o Egito, se o Exército Cruzado lhe ajudasse a retomar o trono do seu pai Isaac II Angelos. Com isso, eles contariam com um aliado poderoso em Bizâncio que ajudaria a cumprir seus objetivos originais - Conquistar Jerusalém.

O Exército então se dividiu, com um contingente seguindo para Acre, no Oriente Médio, e uma tropa muito maior rumando para os portões da capital do Império Bizantino. Esta tropa cercou a cidade por alguns dias enquanto um acordo emergencial era costurado entre o Imperador e seus rivais. O Imperador permitiu a entrada dos cruzados nos limites da cidade acreditando que eles não ousariam erguer suas armas contra um reino cristão.

Os historiadores divergem até os dias de hoje sobre as motivações dos cruzados. Alguns acreditam que eles planejavam tão somente devolver a Isaac II o trono, contudo outros defendem que as maquinações do Doge Dandolo foram cruciais para mudar os planos e influenciar o que aconteceu em seguida. Veneza era rival comercial e lucraria enormemente com a remoção permanente da Capital Bizantina do cenário mercantil. Seja lá quais fossem os planos, por pressão dos cruzados, Aleixo Angelos foi nomeado co-Imperador. Contudo ele permaneceu no trono por pouco tempo, sendo deposto e assassinado logo em seguida em uma revolta arquitetada pelos seus oponentes.

Privados de seu aliado e acreditando que estavam sendo ludibriados, os comandantes cristãos exigiram que os acordos firmados com o falecido Aleixo fossem cumpridos. Quando o Imperador bizantino se negou a atendê-los, decidiram conquistar Constantinopla e fazer valer sua vontade.


Os Cruzados conseguiram adentrar os muros da cidade imperial com relativa facilidade e uma guarnição de 70 homens abriu os portões para a entrada dos demais. Nos limites ao norte, os venezianos escalaram os muros usando cordas e escadas improvidas enquanto outros tiveram sucesso arrebentando as muralhas e invadindo em massa. Um incêndio de grandes proporções se iniciou quando os cruzados tentaram romper o portão principal. Este se espalhou, mas foi contido. Um segundo incêndio, ainda maior se alastrou pela cidade queimando tudo que encontrava pela frente. Em meio ao caos e terror, a população tentava se refugiar em palácios e templos acreditando que seriam poupados. As casas menores e propriedades queimavam, famílias eram massacradas pela horda feroz que não admitia qualquer resistência. Por fim, temendo o pior, a cidade capitulou, mas isso não impediu o Saque que veio em seguida.

Os cruzados saquearam Constantinopla pelos três dias que se seguiram. 

Durante esse período muitas obras de arte greco-romanas antigas e medievais foram roubadas ou arruinadas. Bibliotecas, palácios e museus arderam. Templos foram pilhados, altares virados e cofres de instituições bancárias roubados. Inebriados pela riqueza os cruzados se entregaram ao roubo sem pudores. Apesar da ameaça de excomunhão, eles destruíram, devastaram e saquearam os tesouros de igrejas e mosteiros da cidade. Acredita-se que o valor total saqueado de Constantinopla foi de cerca de 900.000 marcos de prata. Os venezianos receberam 150.000 marcos de prata que lhes eram devidos, enquanto os cruzados receberam 50.000 marcos de prata. Outros 100.000 marcos de prata foram divididos igualmente entre os cruzados e os venezianos. Os 500.000 marcos de prata restantes foram retidos por cavaleiros e soldados que levavam tudo que conseguiam carregar em suas mãos ávidas.  

Grande parte da população civil da cidade foi morta e suas propriedades saqueadas. Mulheres foram estupradas e crianças executadas em um frenesi sanguinário que contagiou os invasores. Os cruzados não se importavam com quem eram suas vítimas - num primeiro momento judeus e muçulmanos que viviam na cidade sofreram, mas logo qualquer habitante local podia ser morto. Os assassinatos se multiplicaram em todo o canto. Nas praças, as fontes vertiam sangue, velhos eram obrigados a pular das muralhas e religiosos foram executados à sangue frio quando tentava conter os ladrões. Nada os detinha, nenhum argumento, nenhuma justificativa. Cegos pelo brilho fugaz do ouro e pela promessa de riqueza, eles se permitiam qualquer ato, não importando o quão reprovável. 


Quando o Papa recebeu notícias sobre o ocorrido se encheu de vergonha e raiva, mas nada mais podia ser feito. A cidade ardeu por dias sem que houvesse quem apagasse as chamas que devoravam tudo. Muitos prédios antigos foram consumidos até não restar nada senão escombros calcinados. Mesmo o Palácio real foi saqueado pela turba que deixou um rastro de destruição após a sua passagem. 

Os venezianos encheram seus navios com tesouros roubados, estátuas e obras de arte valiosas que abarrotaram os porões de suas embarcações. Prometeram que voltariam tão logo levassem os espólios para sua terra natal, mas jamais retornaram. Saciados pela riqueza conquistada, os venezianos decidiram que a cruzada já não valia mais a pena ser lutada. Da mesma forma, os soldados, agora ricos, desertavam aos montes e desguarneciam as fileiras do exército cristão. Alguns poucos decidiram se manter fiéis a proposta original e zarparam para Acre com o intuito de se juntar aos outros que lá os aguardavam. Mas a maior parte simplesmente decidiu que não queria mais tomar parte no empreendimento religioso, não agora que estavam ricos. Grupos se juntaram para fretar navios que os levassem de volta para a Europa deixando para traz as ruínas fumegantes da cidade que um dia foi a jóia maior da Cristandade.

Constantinopla já existia há 874 anos antes da época da Quarta Cruzada e era uma das maiores e mais sofisticadas cidades do mundo antigo. Talvez fosse o único lugar no Mundo Cristão que conseguia se equiparar às maravilhas das cidades islâmicas. Quase sozinha entre os principais centros urbanos medievais, manteve em funcionamento as estruturas cívicas, os banhos públicos, os fóruns, os monumentos e os aquedutos da Roma clássica. Era um triunfo arquitetônico de beleza e requinte inigualável com uma população culta e civilizada.

No seu auge, a cidade abrigou uma população estimada em cerca de meio milhão de pessoas protegidas por 20 quilômetros de muralhas com paredes triplas. Era inexpugnável e riquíssima. A sua localização fez de Constantinopla não apenas a capital da parte oriental sobrevivente do Império Romano, mas também um centro comercial que dominava as rotas comerciais do Mediterrâneo ao Mar Negro, seus mercadores visitavam terras distantes como China, Índia e Pérsia. Delas transbordavam riquezas e cultura inestimável.


Mas em 1203 ela quase deixou de existir  no rastro da Quarta e mais vergonhosa cruzada. 

A cidade, capital do Império Bizantino mudaria de mãos e seria absorvida nos séculos que se seguiram pelas tribos muçulmanas que a dominariam, substituindo a cruz no alto das torres pela lua crescente no topo dos minaretes. Em tempo, se tornaria a Capital da Turquia e doravante seria parte do Mundo Islâmico.

sábado, 16 de dezembro de 2023

RPG do Mês: Delta Green - Conspirações, Agentes e Horror Lovecraftiano no Mundo Moderno

 

A notícia é que Delta Green, enfim vai chegar ao Brasil.

A Editora Retropunk anunciou essa semana que Delta Green, o irmão quintessencial de Chamado de Cthulhu moderno, focado em conspirações e intriga no Universo do Mythos será lançado em um Financiamento Coletivo em 2024. 

Para celebrar essa notícia sensacional, o Mundo Tentacular reedita uma de nossas resenhas mais populares sobre esse livro sensacional.

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Delta Green possui um status quase lendário no universo dos Roleplaying Games.

O jogo, publicado originalmente pela Pagan Publishing no ano de 1997, conquistou um lugar de destaque, tornando-se referência entre os jogadores que buscavam histórias envolvendo investigação e horror. Com uma pegada fortemente influenciada pelo fenômeno Arquivo X, que na época fazia um sucesso estrondoso, Delta rapidamente se converteu em um jogo referencial. Juntando conspirações governamentais, operações clandestinas, discos voadores e horror lovecraftiano, ele é tido como um dos melhores jogos inspirados pelo universo do Cthulhu Mythos. Um caldeirão de intrigas e terrores, com uma pitada da angst daquele período.

Em sua versão original Delta Green contava as aventuras de uma organização agindo através de outras agências governamentais, recrutando membros do FBI, ATF, CDC, DEA ou CIA para trabalhar em missões secretas. Estas operações envolviam o que se convencionou chamar de "última linha de defesa contra a ameaça sobrenatural", um perigo que na ambientação teria sido descoberto em 1928, quando o governo americano conduziu uma operação na pequena cidade pesqueira de Innsmouth. No rescaldo dessa dramática intervenção militar, o governo se viu diante de um perigo até então desconhecido: cultos apocalípticos, horrores dimensionais, magia negra e entidades poderosas estavam entre nós. As barreiras que separavam fato e rumor, superstição e verdade caíram de um dia pra o outro.


Da necessidade de enfrentar essa grave ameaça, surgiu um programa destinado a lidar com todo tipo de questão sobrenatural. Durante a Segunda Guerra, a organização teve grande importância, estabelecendo uma rivalidade com as forças do Eixo, que tinham um programa similar. Os embates entre Aliados e Eixo, representados pelo Delta Green de um lado e a Karotechia, do outro foram determinantes para o desfecho da guerra.

Com o fim do conflito e o início da Guerra Fria, o mundo se transformou em um palco para a disputa entre as superpotências emergentes. Nesse período, americanos e russos travavam uma disputa de ideologias, tanto no campo político quanto pela hegemonia sobre o sobrenatural.

Em 1947, a descoberta de uma nave alienígena acidentada no deserto do Novo México transformou de vez as operações do Delta Green e mudou seu foco. Do misticismo para a tecnologia alienígena e seu controle estratégico. A noção de que não estávamos sozinhos no universo, se tornou um elemento essencial para a organização. Estudar e compreender a misteriosa raça alienígena - os cinzentos, era de suma importância, bem como acobertar sua existência do grande público.


Mas o próprio Delta Green terminaria por se implodir. Em algum momento no final da década de 60, agentes se envolveram em uma operação moral e eticamente condenável no Camboja. Uma que resultou em um retumbante fiasco. Depois disso, o Delta Green foi desmantelado e passou a operar exclusivamente na clandestinidade. As aventuras de Delta Green em sua versão original se passavam exatamente nesse período, com os jogadores interpretando agentes metidos em investigações alucinantes.

Mas apesar dos elogios e de ter colecionado prêmios, Delta Green sempre foi um jogo de nicho. A Pagan Publishing era uma editora menor, ainda que conhecida pelos excelentes livros, como o lendário Countdown, tido com um dos melhores suplementos de todos os tempos. Como resultado, Delta Green se converteu em um RPG cult, muito comentado e elogiado mas infelizmente pouco jogado pelo grande público. Curiosamente, Delta Green jamais foi descontinuado; de tempos em tempos, a Pagan lançava um suplemento ou livro de contos para não deixar seus entusiastas no vácuo. Os fãs respondiam de imediato e suplementos como Eyes Only e Targets of Oportunity se tornaram tesouros muito disputados. Ainda assim, o jogo estava caminhando para um inegável limbo.

Em 2015, após o sucesso do Financiamento Coletivo de Call of Cthulhu, a Pagan acabou mudando de nome, transformando-se na Arc Dream Publishing. Uma de suas decisões mais acertadas foi revitalizar seu jogo mais famoso. Assim ressurgiu das cinzas o RPG Delta Green, atualizado para o mundo atual em que a Guerra ao Terror descambou para a atual Administração Trump. Saem de cena as conspirações envolvendo alienígenas e discos voadores e entra um conturbado cenário sócio-político, no qual, o homem é o responsável pela maioria de suas tragédias. E é claro, os Mythos estão ali para manipular e empurrá-lo na direção do precipício. Ambiguidade e Niilismo estão na ordem do dia! Delta Green é um jogo pessimista e cinzento, com doses maciças de terror.


Bem, carregue sua arma, atire para matar, mas guarde a última bala para si mesmo.

A nova encarnação do Delta Green é composta de dois livros, Delta Green: Agents Handbook (O Livro do Agente) e Delta Green: Handlers Guide (O Guia do Operador). O primeiro deles, apresenta as Regras Básicas do sistema e o Background para a criação de seus investigadores - ou agentes como são conhecidos os personagens em Delta Green. O segundo livro, um mega compêndio de 400+ páginas, contém material voltado para o narrador, apresenta os detalhes e a história da ambientação, seus segredos e a verdadeira natureza do mundo e do universo. Como você já deve ter presumido, em uma analogia ao D&D, o primeiro livro funciona como o Livro do Jogador, o segundo faz as vezes de um Livro do Narrador.

Em comum o fato de serem excelentes livros básicos com vasto material cobrindo cada aspecto da ambientação, suas nuanças e meandros de uma maneira que beira a obsessão. Não estou exagerando, o grau de detalhismo e pesquisa é tamanho que em certos momentos o material parece documental. Uma produção que se refere a algo real, e não a uma organização fictícia.


Os personagens em Delta Green são agentes membros de organizações governamentais norte-americanas, responsáveis por manter e cumprir a lei como o Bureau Federal de Investigação (FBI) ou a Agência de Imigração (ICE), podem ser também membros do Departamento de Defesa ou das Forças Armadas, integrantes do Centro de Controle de Doenças ou ainda de órgãos de inteligência como a Agência Central de Inteligência (CIA) ou Agência de Segurança Nacional (NSA). Alguns podem ser civis, em geral especialistas de algum tipo que acabam sendo alistados pelo governo americano. O que eles tem em comum é que o governo os achou de alguma forma recursos valiosos para o Delta Green. Talvez o personagem tenha presenciado algo, talvez em uma investigação ele tenha encontrado indícios de uma conspiração ou ainda enfrentado um horror sobrenatural... seja lá o que for, a partir disso, ele passou a ser visto como um membro em potencial.

Os agentes que formam o grupo foram de alguma forma cooptados pelo Programa, e passam a operar com a tarefa de investigar, conter e acobertar ameaças não naturais e eventos que são um perigo não apenas para a América, mas todo o mundo. O Programa atua em total sigilo, através de pequenas células independentes instruídas por operadores responsáveis por distribuir as operações. Seus membros não sabem qual é a estrutura interna, o tamanho do Delta Green ou quem são os líderes por trás de tudo. Isso garante um álibi e negação plausível. Os agentes atuam ainda com um orçamento apertado e com poucos aliados dispostos a auxiliá-los. Ainda assim são a última linha de defesa e realizam um serviço que ninguém em sã consciência aceitaria desempenhar.


As consequências diretas de enfrentar o desconhecido acarretam em sérios dramas para os agentes. O contato com "coisas que não deveriam existir" e "horrores além da razão", acabam por corroer a sanidade e consequentemente perturbam o bem-estar mental dos agentes. Pior que isso, os relacionamentos profissionais e pessoais começam a sofrer danos irreversíveis. É nesse ponto que reside um dos elementos mais interessantes dessa nova versão do jogo.

Acompanhar como a vida dos personagens vai sendo aniquilada pelo seu trabalho, é parte central da ambientação. Entre uma aventura e outra, acompanhamos a gradual deterioração dos vínculos dos personagens: casamentos terminam, famílias se separaram, amigos se afastam e os elos se partem um a um. Nada sobrevive a um trabalho tão estressante e perturbador e isso também se reflete em abusos físicos e psíquicos que vão sendo incorporados. Sim, a coisa é hardcore... membros do Delta Green sofrem a cada investigação e aos poucos nada resta para eles a não ser a dura realidade do trabalho.


As aventuras de Delta Green seguem um caminho um tanto diverso das histórias de Chamado de Cthulhu, no sentido de que o objetivo não é apenas compreender o desconhecido ou deter um culto de maníacos. Aqui, um dos objetivos principais é acobertar as revelações, evitar à todo custo que a população tome conhecimento da existência desses horrores. Nas aventuras, o horror sobrenatural está sempre permeando a trama, ainda que raramente ele se manifeste. Quando o faz, entretanto, surge com enorme letalidade.

É claro que o Operador - como o Guardião é conhecido em Delta Green, bem como os jogadores mais veteranos, não terão dificuldade em reconhecer alguns elementos como parte dos Mitos de Cthulhu. Ainda assim, o termo não é citado em momento algum! A premissa é que o horror sobrenatural na ambientação é tão incompreensível que mesmo os agentes mais experientes não sabem o que diabos vão enfrentar quando o operador telefona para eles. As investigações são um mergulho em uma zona de perigo e horror da qual ninguém emerge incólume.


Em teoria, os agentes possuem um treinamento e capacidade superior aos personagens civis, afinal eles são "os melhores entre os melhores", contudo, mesmo eles sofrem demasiadamente. Poucos jogos possuem um sistema tão cruel. Ele literalmente vai moendo os personagens a medida que estes avançam. Um veterano de Delta Green carrega cicatrizes tanto no corpo quanto na mente e também no espírito. Aceitar essa fardo é vital para compreender a proposta do jogo.

Não se engane... é provável que uma campanha de Delta Green não tenha um final feliz para seus personagens.

Já te convenci a nos seguir na continuação dessa resenha? Vem com a gente então, porque ainda falta falar do sistema de regras e de elementos únicos desse fantástico jogo. E quando eu terminar, duvido que você não vai estar salivando.

Vamos falar do sistema?

Em Delta Green, os agentes são definidos por seis características (ou atributos) base - Força, Destreza, Constituição, Inteligência, Poder e Carisma. Destes derivam atributos que representam força e resistência física e mental. As estatísticas podem ser roladas livremente ou escolhidas em um conjunto fixo de números se o jogador preferir.

Assim como ocorre em CoC, não existe classe de personagem, mas profissões que definem as áreas de conhecimento e as habilidades possuídas por cada um. As habilidades compõem uma longa lista que recebe modificadores e pontos que devem ser distribuídos gerando assim suas especializações. As habilidades são bastante centralizadoras, como por exemplo Prontidão (Alertness) que reúne ouvir, ver, sentir e perceber o mundo ao redor ou Atletismo (Ahtletics) que congrega todas as atividades físicas desde correr e pular, até nadar e arremessar. Também, como ocorre em CoC, os valores são expressos em porcentagens. Quanto mais alto um número, maior o conhecimento naquele determinada área de conhecimento e maior a chance de ter sucesso em um teste. Para fazer um rolamento o jogador usa o dado de porcentagem (dois D10) e tenta obter um valor igual ou menor do que o expresso na ficha. Números repetidos, concedem resultados críticos, sejam positivos ou negativos.


Cada profissão garante uma pontuação inicial para os personagens, enquanto os atributos fornecem pontos adicionais para a customização. De um modo geral, os agentes em Delta Green são bem mais capazes do que os personagens de Call of Cthulhu. Eles já iniciam o jogo com algumas habilidades em alto nível e conseguem se virar bem durante os testes que irão aparecer. Isso se dá pelo fato de que os personagens são treinados para esse fim.

Os agentes devem definir no momento da criação os seus Vínculos (Bonds). Estas são as suas conexões pessoais e particulares: esposas, maridos, filhos, parentes, amigos, mentores ou grupos de ajuda do qual o personagem faz parte. São essas ligações que ajudam o personagem a tocar sua vida e que se traduzem em um apoio quando o mundo ao seu redor começa a desmoronar. Um personagem sem vínculos começa a sofrer, perde seu referencial com a humanidade e abraça de vez o niilismo de suas missões. Ele não se importa com mais nada, pois abandonou o mundo e por ele se sente igualmente abandonado. Portanto, preservar os vínculos é essencial se você quer durar nesse jogo. Os personagens possuem também motivações que auxiliam a trabalhar o lado psicológico e usar válvulas de escape para suportar o dia a dia. Motivações podem ser qualquer atividade, desde fazer cooper e montar quebra-cabeças, até escrever romances ou passear com seu cachorro. Existe uma mecânica complementar que permite empregar essas motivações para recuperar pontos de sanidade perdidos.


Além das habilidades, os personagens possuem "Treinamentos Especiais" que são campos de conhecimento e saber obtidos através de aulas, treinamento e atividades específicas de aprimoramento. Nesse caso, o personagem pode receber vários treinamentos, expandindo a lista de coisas que ele sabe fazer. Os treinamentos vão desde mergulho (scuba), paraquedismo e interrogatório, até pilotar jatos e desarmar explosivos.

As típicas profissões em Delta Green envolvem Federais, Consultores e Militares. Há uma grande quantidade de opções a serem escolhidas e o jogador tem diante de si uma boa lista de ocupações. O ideal, na minha opinião, é tentar montar um grupo homogêneo onde cada personagem desempenhe uma função. Por exemplo, é interessante haver um médico ou biólogo, um personagem com background acadêmico, ao menos um com conhecimento em tecnologia e operação de computadores e outro capaz de enfrentar ameaças e proteger seus colegas recorrendo a armas. Entretanto, não é obrigatório que a célula tenha personagens cumprindo essas atribuições.


É claro, sanidade tem grande importância na ambientação. É o atributo sanidade que mede a deterioração do personagem e a medida que os pontos de sanidade vão se esvaindo ele começa a perder o controle. Uma sacada muito interessante no sistema de Delta Green é dividir a sanidade em três campos distintos: Violência, Impotência e Sobrenatural. Dessa maneira, um agente pode perder pontos de sanidade por ver uma cena de violência, por ser submetido a uma situação vexatória ou ainda por encontrar uma criatura.

Essa divisão faz sentido mecanicamente, uma vez que os agentes podem se adaptar a uma determinada situação e "endurecer" no decorrer da campanha. Um agente que é submetido a violência constante começa a se acostumar com aquilo e perde a sensibilidade diante de cenas que deveriam ser revoltantes ou chocantes. Assim como um soldado endurecido pelo fogo da batalha ele passa a aceitar a violência como parte do risco. O mesmo acontece com um agente que é capturado e torturado: ele acaba se acostumando depois de um tempo e não perde mais sanidade após se adaptar.


Se por um lado parece vantajoso se "adaptar" dessa maneira, tudo tem um custo... uma pessoa que deixa de se "importar" com a violência ao seu redor ou com o sofrimento começa a manifestar outros tipos de problema que, com o tempo, cobrarão seu preço. Já a sanidade perdida diante do Sobrenatural (em termos de jogo "Unnatural") não é passível de adaptação - esse horror é impossível de contornar. Quando uma determinada quantidade de pontos de sanidade é perdida em um único rolamento, o personagem começa a manifestar um quadro agudo de insanidade. Já quando um determinado limite for atingido (o que é chamado de Breaking Point) o personagem adquire perturbações mentais mais severas. Como se trata de um jogo lovecraftiano há uma longa lista de insanidades e perturbações mentais.

Outro elemento interessante das regras diz respeito a Força de Vontade (Willpower). Cada personagem possui um determinado número de pontos que podem ser empregados para superar a perda de sanidade e as crises que advém da loucura. O agente pode reunir suas forças e superar alguma adversidade, recorrendo para isso, a concentração e frieza... contudo, nada nesse jogo é de graça! Ao recorrer à força de vontade, o personagem negligencia um de seus vínculos, fraturando ainda mais seus elos pessoais. É preciso sabedoria ao empregar a força de vontade, pois abusar dela acabará invariavelmente trazendo mais danos do que benefícios. Além disso, a Força de Vontade pode se esgotar e nesse caso, acredite, seu agente estará em maus lençóis.

A criação de personagens é um processo relativamente rápido e guiado. Ele envolve escolher opções e distribuir pontos em habilidades específicas. Não há nada de remotamente complicado nisso. Fazer a fichas requer no máximo 10 minutos, com algumas escolhas e poucos cálculos. Com isso, sobra tempo para se dedicar ao histórico e definir detalhes mais profundos sobre seu agente.


Mecanicamente, Delta Green parece uma variação do Basic Roleplay (BRP), o sistema da Chaosium para Call of Cthulhu. Os rolamentos são aplicados com penalidades e bônus ajuizados pelo Operador de maneira muito simples e prática. Um narrador, mesmo que seja iniciante, não encontrará grandes dificuldades em se organizar e assimilar as bases do sistema para sua primeira experiência de jogo. De certa forma, o sistema é até mais simples e enxuto do que o da sétima edição.

No que diz respeito a combate, é preciso abrir um parenteses sobre mortalidade nesse sistema. O Combate em Delta Green é especialmente perigoso e muitas armas possuem um atributo chamado "Letalidade". Armas potentes como metralhadoras, explosivos, granadas e espingardas podem matar com desconcertante facilidade. Uma arma que possui letalidade, tem um valor fixo expresso numa porcentagem. Essa é a chance dela eliminar o alvo imediatamente (!)

Uma granada, por exemplo tem 15% de chance de matar quando detonada perto de um alvo. Um rolamento abaixo do valor causa a morte. Mas mesmo que o teste de letalidade falhe, ele é suficiente para ferir gravemente o personagem, já que o dano dessas armas é aplicado somando os valores dos dados rolados individualmente. Por exemplo, a granada tem 15% de chance de matar imediatamente, mas digamos que o narrador role um valor de 71. A explosão, nesse caso provoca 8 pontos de dano (7+1). Cada personagem mediano tem 10-13 pontos de vida, que é incrivelmente pouco!


É óbvio que Delta Green não é um jogo orientado para o combate. Estes tem o seu lugar, mas o grau de mortalidade, deve ser o suficiente para desencorajar os personagens e fazer com que eles sejam cautelosos, mesmo que tenham à sua disposição um arsenal pesado.

Outra interessante mecânica do sistema é definida sob o título Lar (Home). Entre uma operação e outra, o agente tem a chance de voltar para sua família e escolher o que fará em seu tempo livre, até ser chamado para a próxima missão. Cada jogador interpreta uma situação na qual o seu agente explora suas mudanças pessoais e como a missão o afetou. Também é o momento de tentar lidar com a perda de sanidade, encarando tratamento psiquiátrico, tirando férias, cumprindo obrigações para reavivar vínculos, trabalhando para melhorar habilidades ou fazendo algum treinamento especial. Alternativamente um agente pode continuar se dedicando ao trabalho, usando o seu tempo livre para ler um tomo com conhecimento profano ou perseguir inimigos que escaparam, afundando ainda mais em uma existência voltada para sua carreira. Embora essa fase de jogo adicione complexidade a regra de sanidade, ela também permite ao jogador escolher o caminho a ser seguido pelo personagem de maneira sutil e interessante. Os Vínculos ajudam a ressaltar como as missões afetam cada personagem e fornecem ótimos ganchos para roleplay.

O Livro do Agente fornece uma série de detalhes a respeito de armas e veículos que podem ser usados durante uma missão, bem como uma lista completa de equipamentos de segurança e espionagem que vão desde escutas eletrônicas e sensores térmicos, passando por celulares e computadores de última geração. Boa parte do livro é devotado a apresentar as várias agências governamentais ligadas ao Governo Americano, como elas operam, qual o seu grau de influência e jurisdição, além de suas atribuições. Pode parecer maçante, mas essa apresentação é tão bem feita que nada soa repetitivo ou exagerado. Cada agência recebe de duas a três páginas e como resultado fornecem informações para que os agentes filiados a elas possam ser interpretados corretamente.


Finalizando o Livro dos Agentes temos uma série de apêndices. Esses fornecem informações a respeito de temas como vigilância, interrogação e perseguição, até coisas mais específicas (e assustadoras!) como por exemplo, como se livrar de um cadáver ou como comprar armas no mercado negro. Glossários também fornecem uma lista de termos para equipamentos, pessoas, localizações, operações e assim por diante. Tudo isso, extremamente útil para compor os elementos do jogo e adaptar o jargão técnico e profissional.


Fisicamente Delta Green: Agent’s Handbook é impressionante. Possui uma capa dura resistente com papel brilhante de alta qualidade e ilustrações coloridas. Não é exagero dizer que o livro é muito bonito e tem um acabamento de primeira qualidade. A escrita é fluida e de fácil assimilação, os índices ajudam bastante a encontrar os itens procurados e a distribuição dos textos, recorrendo a caixas é correta. O livro é um recurso valioso para qualquer narrador interessado em usar agentes federais em suas mesas, uma vez que os conceitos podem ser transferidos para outras ambientações facilmente.

A essa altura, vocês devem ter percebido que eu falei relativamente pouco a respeito da ambientação dessa nova versão de Delta Green. Eu devo pedir a vocês desculpas, mas isso ocorre por uma excelente razão. Todos os elementos ligados ao universo do jogo fazem parte do Handler's Guide (O Guia do Operador) que funciona como um Livro do Narrador e francamente, eu não me sinto muito à vontade para descrever todos os tópicos distribuídos em suas mais de 400 páginas.


De fato, acho que eu estaria incidindo em um enorme SPOILER se o fizesse pois estaria entregando de bandeja detalhes centrais da trama. Por exemplo, o livro descreve como o Delta Green se formou, como ele opera, quem são os seus chefes, quais os seus objetivos, o que eles pensam, o que eles sabem a respeito do inimigo, que missões foram realizadas, quais foram um sucesso e quais foram um fiasco. Descreve detalhes sobre a fatídica Operação que condenou a organização, bem como seu ressurgimento das cinzas. Descreve as principais bases, laboratórios e instalações militares, o que está guardado nesses lugares, o que descobriam ao longo dos anos e o que ainda falta entender.

O que posso afirmar sem medo de expor demasiadamente a ambientação é que a História do Delta Green é longa e rica em detalhes. Cada página do livro fornece uma série de informações suculentas que por si só, são material para a criação de histórias e ganchos para montar cenários. As ramificações da Organização também são material de primeira que pode ser explorado pelo narrador.

Além disso, o Handler´s Guide faz uma análise dos inimigos do Delta Green com um bestiário completo de cada entidade e criatura bizarra encontrada pelos agentes ao longo de sua história. Mais do que uma série de estatísticas de monstros e abominações conhecidas pelos jogadores e mestres de Cthulhu, o livro sugere maneiras de apresentar esses seres a partir de uma abordagem diferente. Como fazer um Shoggoth parecer um monstro totalmente diferente? Como tornar um Byakhee uma ameaça ainda mais estranha? Como inserir o Grande Cthulhu em uma trama sem torná-lo óbvio? De que maneira Hastur pode ser trazido para uma campanha? O livro fornece respostas para todas essas perguntas e oferece muitas ideias. Algo muito interessante é analisar as mudanças no contexto de alguns cultos e divindades. Coo elas se transformaram ao longo do século XX e no século XXI. Há também uma lista de livros e tomos, bem como magias e feitiços que podem ser usados contra os agentes.


O livro inteiro é uma obra de arte, diagramado com caixas de informações que se assemelham a relatórios, memorandos, folhas de arquivo e rascunhos nos quais membros do Delta Green fizeram apontamentos e observações sobre diferentes tópicos. Esses podem ser facilmente copiados e oferecidos como recursos de jogo já prontos aos jogadores.

A forma como o livro oferece as informações é diferente e chama a atenção pela quantidade de detalhes e a fluidez do texto. Não estranhe se você começar a ler esse livro e não conseguir colocar ele de lado por dias, talvez até semanas... e não estranhe também que, ao pegar ele tempos depois, ainda continue encontrando detalhes que passaram desapercebidos.

Eu já li muitos livros de RPG que aconselham a JAMAIS permitir que os jogadores tenham acesso aos segredos da ambientação para não estragar as surpresas. Na maioria das vezes, esse aviso tende a ser um tanto inócuo, mas em Delta Green, o segredo, o mistério e o sigilo fazem parte da ambientação e quanto menos se falar a respeito dela, melhor.


É por essa razão que repito: não me sinto à vontade para estragar surpresas e revelar detalhes sobre o que o narrador encontrará nesse fantástico livro. O que posso dizer sem medo de errar é que ele fornecerá centenas de informações e entretenimento, na forma de uma história incrivelmente bem pesquisada e notavelmente bem formulada.

Delta Green é uma ambientação que vale a pena conhecer à fundo e que oferece inúmeras possibilidades para Narradores e Jogadores de viverem aventuras carregadas de drama, ação e loucura.

Francamente, eu não poderia indicar mais um RPG!