sábado, 16 de dezembro de 2023

RPG do Mês: Delta Green - Conspirações, Agentes e Horror Lovecraftiano no Mundo Moderno

 

A notícia é que Delta Green, enfim vai chegar ao Brasil.

A Editora Retropunk anunciou essa semana que Delta Green, o irmão quintessencial de Chamado de Cthulhu moderno, focado em conspirações e intriga no Universo do Mythos será lançado em um Financiamento Coletivo em 2024. 

Para celebrar essa notícia sensacional, o Mundo Tentacular reedita uma de nossas resenhas mais populares sobre esse livro sensacional.

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Delta Green possui um status quase lendário no universo dos Roleplaying Games.

O jogo, publicado originalmente pela Pagan Publishing no ano de 1997, conquistou um lugar de destaque, tornando-se referência entre os jogadores que buscavam histórias envolvendo investigação e horror. Com uma pegada fortemente influenciada pelo fenômeno Arquivo X, que na época fazia um sucesso estrondoso, Delta rapidamente se converteu em um jogo referencial. Juntando conspirações governamentais, operações clandestinas, discos voadores e horror lovecraftiano, ele é tido como um dos melhores jogos inspirados pelo universo do Cthulhu Mythos. Um caldeirão de intrigas e terrores, com uma pitada da angst daquele período.

Em sua versão original Delta Green contava as aventuras de uma organização agindo através de outras agências governamentais, recrutando membros do FBI, ATF, CDC, DEA ou CIA para trabalhar em missões secretas. Estas operações envolviam o que se convencionou chamar de "última linha de defesa contra a ameaça sobrenatural", um perigo que na ambientação teria sido descoberto em 1928, quando o governo americano conduziu uma operação na pequena cidade pesqueira de Innsmouth. No rescaldo dessa dramática intervenção militar, o governo se viu diante de um perigo até então desconhecido: cultos apocalípticos, horrores dimensionais, magia negra e entidades poderosas estavam entre nós. As barreiras que separavam fato e rumor, superstição e verdade caíram de um dia pra o outro.


Da necessidade de enfrentar essa grave ameaça, surgiu um programa destinado a lidar com todo tipo de questão sobrenatural. Durante a Segunda Guerra, a organização teve grande importância, estabelecendo uma rivalidade com as forças do Eixo, que tinham um programa similar. Os embates entre Aliados e Eixo, representados pelo Delta Green de um lado e a Karotechia, do outro foram determinantes para o desfecho da guerra.

Com o fim do conflito e o início da Guerra Fria, o mundo se transformou em um palco para a disputa entre as superpotências emergentes. Nesse período, americanos e russos travavam uma disputa de ideologias, tanto no campo político quanto pela hegemonia sobre o sobrenatural.

Em 1947, a descoberta de uma nave alienígena acidentada no deserto do Novo México transformou de vez as operações do Delta Green e mudou seu foco. Do misticismo para a tecnologia alienígena e seu controle estratégico. A noção de que não estávamos sozinhos no universo, se tornou um elemento essencial para a organização. Estudar e compreender a misteriosa raça alienígena - os cinzentos, era de suma importância, bem como acobertar sua existência do grande público.


Mas o próprio Delta Green terminaria por se implodir. Em algum momento no final da década de 60, agentes se envolveram em uma operação moral e eticamente condenável no Camboja. Uma que resultou em um retumbante fiasco. Depois disso, o Delta Green foi desmantelado e passou a operar exclusivamente na clandestinidade. As aventuras de Delta Green em sua versão original se passavam exatamente nesse período, com os jogadores interpretando agentes metidos em investigações alucinantes.

Mas apesar dos elogios e de ter colecionado prêmios, Delta Green sempre foi um jogo de nicho. A Pagan Publishing era uma editora menor, ainda que conhecida pelos excelentes livros, como o lendário Countdown, tido com um dos melhores suplementos de todos os tempos. Como resultado, Delta Green se converteu em um RPG cult, muito comentado e elogiado mas infelizmente pouco jogado pelo grande público. Curiosamente, Delta Green jamais foi descontinuado; de tempos em tempos, a Pagan lançava um suplemento ou livro de contos para não deixar seus entusiastas no vácuo. Os fãs respondiam de imediato e suplementos como Eyes Only e Targets of Oportunity se tornaram tesouros muito disputados. Ainda assim, o jogo estava caminhando para um inegável limbo.

Em 2015, após o sucesso do Financiamento Coletivo de Call of Cthulhu, a Pagan acabou mudando de nome, transformando-se na Arc Dream Publishing. Uma de suas decisões mais acertadas foi revitalizar seu jogo mais famoso. Assim ressurgiu das cinzas o RPG Delta Green, atualizado para o mundo atual em que a Guerra ao Terror descambou para a atual Administração Trump. Saem de cena as conspirações envolvendo alienígenas e discos voadores e entra um conturbado cenário sócio-político, no qual, o homem é o responsável pela maioria de suas tragédias. E é claro, os Mythos estão ali para manipular e empurrá-lo na direção do precipício. Ambiguidade e Niilismo estão na ordem do dia! Delta Green é um jogo pessimista e cinzento, com doses maciças de terror.


Bem, carregue sua arma, atire para matar, mas guarde a última bala para si mesmo.

A nova encarnação do Delta Green é composta de dois livros, Delta Green: Agents Handbook (O Livro do Agente) e Delta Green: Handlers Guide (O Guia do Operador). O primeiro deles, apresenta as Regras Básicas do sistema e o Background para a criação de seus investigadores - ou agentes como são conhecidos os personagens em Delta Green. O segundo livro, um mega compêndio de 400+ páginas, contém material voltado para o narrador, apresenta os detalhes e a história da ambientação, seus segredos e a verdadeira natureza do mundo e do universo. Como você já deve ter presumido, em uma analogia ao D&D, o primeiro livro funciona como o Livro do Jogador, o segundo faz as vezes de um Livro do Narrador.

Em comum o fato de serem excelentes livros básicos com vasto material cobrindo cada aspecto da ambientação, suas nuanças e meandros de uma maneira que beira a obsessão. Não estou exagerando, o grau de detalhismo e pesquisa é tamanho que em certos momentos o material parece documental. Uma produção que se refere a algo real, e não a uma organização fictícia.


Os personagens em Delta Green são agentes membros de organizações governamentais norte-americanas, responsáveis por manter e cumprir a lei como o Bureau Federal de Investigação (FBI) ou a Agência de Imigração (ICE), podem ser também membros do Departamento de Defesa ou das Forças Armadas, integrantes do Centro de Controle de Doenças ou ainda de órgãos de inteligência como a Agência Central de Inteligência (CIA) ou Agência de Segurança Nacional (NSA). Alguns podem ser civis, em geral especialistas de algum tipo que acabam sendo alistados pelo governo americano. O que eles tem em comum é que o governo os achou de alguma forma recursos valiosos para o Delta Green. Talvez o personagem tenha presenciado algo, talvez em uma investigação ele tenha encontrado indícios de uma conspiração ou ainda enfrentado um horror sobrenatural... seja lá o que for, a partir disso, ele passou a ser visto como um membro em potencial.

Os agentes que formam o grupo foram de alguma forma cooptados pelo Programa, e passam a operar com a tarefa de investigar, conter e acobertar ameaças não naturais e eventos que são um perigo não apenas para a América, mas todo o mundo. O Programa atua em total sigilo, através de pequenas células independentes instruídas por operadores responsáveis por distribuir as operações. Seus membros não sabem qual é a estrutura interna, o tamanho do Delta Green ou quem são os líderes por trás de tudo. Isso garante um álibi e negação plausível. Os agentes atuam ainda com um orçamento apertado e com poucos aliados dispostos a auxiliá-los. Ainda assim são a última linha de defesa e realizam um serviço que ninguém em sã consciência aceitaria desempenhar.


As consequências diretas de enfrentar o desconhecido acarretam em sérios dramas para os agentes. O contato com "coisas que não deveriam existir" e "horrores além da razão", acabam por corroer a sanidade e consequentemente perturbam o bem-estar mental dos agentes. Pior que isso, os relacionamentos profissionais e pessoais começam a sofrer danos irreversíveis. É nesse ponto que reside um dos elementos mais interessantes dessa nova versão do jogo.

Acompanhar como a vida dos personagens vai sendo aniquilada pelo seu trabalho, é parte central da ambientação. Entre uma aventura e outra, acompanhamos a gradual deterioração dos vínculos dos personagens: casamentos terminam, famílias se separaram, amigos se afastam e os elos se partem um a um. Nada sobrevive a um trabalho tão estressante e perturbador e isso também se reflete em abusos físicos e psíquicos que vão sendo incorporados. Sim, a coisa é hardcore... membros do Delta Green sofrem a cada investigação e aos poucos nada resta para eles a não ser a dura realidade do trabalho.


As aventuras de Delta Green seguem um caminho um tanto diverso das histórias de Chamado de Cthulhu, no sentido de que o objetivo não é apenas compreender o desconhecido ou deter um culto de maníacos. Aqui, um dos objetivos principais é acobertar as revelações, evitar à todo custo que a população tome conhecimento da existência desses horrores. Nas aventuras, o horror sobrenatural está sempre permeando a trama, ainda que raramente ele se manifeste. Quando o faz, entretanto, surge com enorme letalidade.

É claro que o Operador - como o Guardião é conhecido em Delta Green, bem como os jogadores mais veteranos, não terão dificuldade em reconhecer alguns elementos como parte dos Mitos de Cthulhu. Ainda assim, o termo não é citado em momento algum! A premissa é que o horror sobrenatural na ambientação é tão incompreensível que mesmo os agentes mais experientes não sabem o que diabos vão enfrentar quando o operador telefona para eles. As investigações são um mergulho em uma zona de perigo e horror da qual ninguém emerge incólume.


Em teoria, os agentes possuem um treinamento e capacidade superior aos personagens civis, afinal eles são "os melhores entre os melhores", contudo, mesmo eles sofrem demasiadamente. Poucos jogos possuem um sistema tão cruel. Ele literalmente vai moendo os personagens a medida que estes avançam. Um veterano de Delta Green carrega cicatrizes tanto no corpo quanto na mente e também no espírito. Aceitar essa fardo é vital para compreender a proposta do jogo.

Não se engane... é provável que uma campanha de Delta Green não tenha um final feliz para seus personagens.

Já te convenci a nos seguir na continuação dessa resenha? Vem com a gente então, porque ainda falta falar do sistema de regras e de elementos únicos desse fantástico jogo. E quando eu terminar, duvido que você não vai estar salivando.

Vamos falar do sistema?

Em Delta Green, os agentes são definidos por seis características (ou atributos) base - Força, Destreza, Constituição, Inteligência, Poder e Carisma. Destes derivam atributos que representam força e resistência física e mental. As estatísticas podem ser roladas livremente ou escolhidas em um conjunto fixo de números se o jogador preferir.

Assim como ocorre em CoC, não existe classe de personagem, mas profissões que definem as áreas de conhecimento e as habilidades possuídas por cada um. As habilidades compõem uma longa lista que recebe modificadores e pontos que devem ser distribuídos gerando assim suas especializações. As habilidades são bastante centralizadoras, como por exemplo Prontidão (Alertness) que reúne ouvir, ver, sentir e perceber o mundo ao redor ou Atletismo (Ahtletics) que congrega todas as atividades físicas desde correr e pular, até nadar e arremessar. Também, como ocorre em CoC, os valores são expressos em porcentagens. Quanto mais alto um número, maior o conhecimento naquele determinada área de conhecimento e maior a chance de ter sucesso em um teste. Para fazer um rolamento o jogador usa o dado de porcentagem (dois D10) e tenta obter um valor igual ou menor do que o expresso na ficha. Números repetidos, concedem resultados críticos, sejam positivos ou negativos.


Cada profissão garante uma pontuação inicial para os personagens, enquanto os atributos fornecem pontos adicionais para a customização. De um modo geral, os agentes em Delta Green são bem mais capazes do que os personagens de Call of Cthulhu. Eles já iniciam o jogo com algumas habilidades em alto nível e conseguem se virar bem durante os testes que irão aparecer. Isso se dá pelo fato de que os personagens são treinados para esse fim.

Os agentes devem definir no momento da criação os seus Vínculos (Bonds). Estas são as suas conexões pessoais e particulares: esposas, maridos, filhos, parentes, amigos, mentores ou grupos de ajuda do qual o personagem faz parte. São essas ligações que ajudam o personagem a tocar sua vida e que se traduzem em um apoio quando o mundo ao seu redor começa a desmoronar. Um personagem sem vínculos começa a sofrer, perde seu referencial com a humanidade e abraça de vez o niilismo de suas missões. Ele não se importa com mais nada, pois abandonou o mundo e por ele se sente igualmente abandonado. Portanto, preservar os vínculos é essencial se você quer durar nesse jogo. Os personagens possuem também motivações que auxiliam a trabalhar o lado psicológico e usar válvulas de escape para suportar o dia a dia. Motivações podem ser qualquer atividade, desde fazer cooper e montar quebra-cabeças, até escrever romances ou passear com seu cachorro. Existe uma mecânica complementar que permite empregar essas motivações para recuperar pontos de sanidade perdidos.


Além das habilidades, os personagens possuem "Treinamentos Especiais" que são campos de conhecimento e saber obtidos através de aulas, treinamento e atividades específicas de aprimoramento. Nesse caso, o personagem pode receber vários treinamentos, expandindo a lista de coisas que ele sabe fazer. Os treinamentos vão desde mergulho (scuba), paraquedismo e interrogatório, até pilotar jatos e desarmar explosivos.

As típicas profissões em Delta Green envolvem Federais, Consultores e Militares. Há uma grande quantidade de opções a serem escolhidas e o jogador tem diante de si uma boa lista de ocupações. O ideal, na minha opinião, é tentar montar um grupo homogêneo onde cada personagem desempenhe uma função. Por exemplo, é interessante haver um médico ou biólogo, um personagem com background acadêmico, ao menos um com conhecimento em tecnologia e operação de computadores e outro capaz de enfrentar ameaças e proteger seus colegas recorrendo a armas. Entretanto, não é obrigatório que a célula tenha personagens cumprindo essas atribuições.


É claro, sanidade tem grande importância na ambientação. É o atributo sanidade que mede a deterioração do personagem e a medida que os pontos de sanidade vão se esvaindo ele começa a perder o controle. Uma sacada muito interessante no sistema de Delta Green é dividir a sanidade em três campos distintos: Violência, Impotência e Sobrenatural. Dessa maneira, um agente pode perder pontos de sanidade por ver uma cena de violência, por ser submetido a uma situação vexatória ou ainda por encontrar uma criatura.

Essa divisão faz sentido mecanicamente, uma vez que os agentes podem se adaptar a uma determinada situação e "endurecer" no decorrer da campanha. Um agente que é submetido a violência constante começa a se acostumar com aquilo e perde a sensibilidade diante de cenas que deveriam ser revoltantes ou chocantes. Assim como um soldado endurecido pelo fogo da batalha ele passa a aceitar a violência como parte do risco. O mesmo acontece com um agente que é capturado e torturado: ele acaba se acostumando depois de um tempo e não perde mais sanidade após se adaptar.


Se por um lado parece vantajoso se "adaptar" dessa maneira, tudo tem um custo... uma pessoa que deixa de se "importar" com a violência ao seu redor ou com o sofrimento começa a manifestar outros tipos de problema que, com o tempo, cobrarão seu preço. Já a sanidade perdida diante do Sobrenatural (em termos de jogo "Unnatural") não é passível de adaptação - esse horror é impossível de contornar. Quando uma determinada quantidade de pontos de sanidade é perdida em um único rolamento, o personagem começa a manifestar um quadro agudo de insanidade. Já quando um determinado limite for atingido (o que é chamado de Breaking Point) o personagem adquire perturbações mentais mais severas. Como se trata de um jogo lovecraftiano há uma longa lista de insanidades e perturbações mentais.

Outro elemento interessante das regras diz respeito a Força de Vontade (Willpower). Cada personagem possui um determinado número de pontos que podem ser empregados para superar a perda de sanidade e as crises que advém da loucura. O agente pode reunir suas forças e superar alguma adversidade, recorrendo para isso, a concentração e frieza... contudo, nada nesse jogo é de graça! Ao recorrer à força de vontade, o personagem negligencia um de seus vínculos, fraturando ainda mais seus elos pessoais. É preciso sabedoria ao empregar a força de vontade, pois abusar dela acabará invariavelmente trazendo mais danos do que benefícios. Além disso, a Força de Vontade pode se esgotar e nesse caso, acredite, seu agente estará em maus lençóis.

A criação de personagens é um processo relativamente rápido e guiado. Ele envolve escolher opções e distribuir pontos em habilidades específicas. Não há nada de remotamente complicado nisso. Fazer a fichas requer no máximo 10 minutos, com algumas escolhas e poucos cálculos. Com isso, sobra tempo para se dedicar ao histórico e definir detalhes mais profundos sobre seu agente.


Mecanicamente, Delta Green parece uma variação do Basic Roleplay (BRP), o sistema da Chaosium para Call of Cthulhu. Os rolamentos são aplicados com penalidades e bônus ajuizados pelo Operador de maneira muito simples e prática. Um narrador, mesmo que seja iniciante, não encontrará grandes dificuldades em se organizar e assimilar as bases do sistema para sua primeira experiência de jogo. De certa forma, o sistema é até mais simples e enxuto do que o da sétima edição.

No que diz respeito a combate, é preciso abrir um parenteses sobre mortalidade nesse sistema. O Combate em Delta Green é especialmente perigoso e muitas armas possuem um atributo chamado "Letalidade". Armas potentes como metralhadoras, explosivos, granadas e espingardas podem matar com desconcertante facilidade. Uma arma que possui letalidade, tem um valor fixo expresso numa porcentagem. Essa é a chance dela eliminar o alvo imediatamente (!)

Uma granada, por exemplo tem 15% de chance de matar quando detonada perto de um alvo. Um rolamento abaixo do valor causa a morte. Mas mesmo que o teste de letalidade falhe, ele é suficiente para ferir gravemente o personagem, já que o dano dessas armas é aplicado somando os valores dos dados rolados individualmente. Por exemplo, a granada tem 15% de chance de matar imediatamente, mas digamos que o narrador role um valor de 71. A explosão, nesse caso provoca 8 pontos de dano (7+1). Cada personagem mediano tem 10-13 pontos de vida, que é incrivelmente pouco!


É óbvio que Delta Green não é um jogo orientado para o combate. Estes tem o seu lugar, mas o grau de mortalidade, deve ser o suficiente para desencorajar os personagens e fazer com que eles sejam cautelosos, mesmo que tenham à sua disposição um arsenal pesado.

Outra interessante mecânica do sistema é definida sob o título Lar (Home). Entre uma operação e outra, o agente tem a chance de voltar para sua família e escolher o que fará em seu tempo livre, até ser chamado para a próxima missão. Cada jogador interpreta uma situação na qual o seu agente explora suas mudanças pessoais e como a missão o afetou. Também é o momento de tentar lidar com a perda de sanidade, encarando tratamento psiquiátrico, tirando férias, cumprindo obrigações para reavivar vínculos, trabalhando para melhorar habilidades ou fazendo algum treinamento especial. Alternativamente um agente pode continuar se dedicando ao trabalho, usando o seu tempo livre para ler um tomo com conhecimento profano ou perseguir inimigos que escaparam, afundando ainda mais em uma existência voltada para sua carreira. Embora essa fase de jogo adicione complexidade a regra de sanidade, ela também permite ao jogador escolher o caminho a ser seguido pelo personagem de maneira sutil e interessante. Os Vínculos ajudam a ressaltar como as missões afetam cada personagem e fornecem ótimos ganchos para roleplay.

O Livro do Agente fornece uma série de detalhes a respeito de armas e veículos que podem ser usados durante uma missão, bem como uma lista completa de equipamentos de segurança e espionagem que vão desde escutas eletrônicas e sensores térmicos, passando por celulares e computadores de última geração. Boa parte do livro é devotado a apresentar as várias agências governamentais ligadas ao Governo Americano, como elas operam, qual o seu grau de influência e jurisdição, além de suas atribuições. Pode parecer maçante, mas essa apresentação é tão bem feita que nada soa repetitivo ou exagerado. Cada agência recebe de duas a três páginas e como resultado fornecem informações para que os agentes filiados a elas possam ser interpretados corretamente.


Finalizando o Livro dos Agentes temos uma série de apêndices. Esses fornecem informações a respeito de temas como vigilância, interrogação e perseguição, até coisas mais específicas (e assustadoras!) como por exemplo, como se livrar de um cadáver ou como comprar armas no mercado negro. Glossários também fornecem uma lista de termos para equipamentos, pessoas, localizações, operações e assim por diante. Tudo isso, extremamente útil para compor os elementos do jogo e adaptar o jargão técnico e profissional.


Fisicamente Delta Green: Agent’s Handbook é impressionante. Possui uma capa dura resistente com papel brilhante de alta qualidade e ilustrações coloridas. Não é exagero dizer que o livro é muito bonito e tem um acabamento de primeira qualidade. A escrita é fluida e de fácil assimilação, os índices ajudam bastante a encontrar os itens procurados e a distribuição dos textos, recorrendo a caixas é correta. O livro é um recurso valioso para qualquer narrador interessado em usar agentes federais em suas mesas, uma vez que os conceitos podem ser transferidos para outras ambientações facilmente.

A essa altura, vocês devem ter percebido que eu falei relativamente pouco a respeito da ambientação dessa nova versão de Delta Green. Eu devo pedir a vocês desculpas, mas isso ocorre por uma excelente razão. Todos os elementos ligados ao universo do jogo fazem parte do Handler's Guide (O Guia do Operador) que funciona como um Livro do Narrador e francamente, eu não me sinto muito à vontade para descrever todos os tópicos distribuídos em suas mais de 400 páginas.


De fato, acho que eu estaria incidindo em um enorme SPOILER se o fizesse pois estaria entregando de bandeja detalhes centrais da trama. Por exemplo, o livro descreve como o Delta Green se formou, como ele opera, quem são os seus chefes, quais os seus objetivos, o que eles pensam, o que eles sabem a respeito do inimigo, que missões foram realizadas, quais foram um sucesso e quais foram um fiasco. Descreve detalhes sobre a fatídica Operação que condenou a organização, bem como seu ressurgimento das cinzas. Descreve as principais bases, laboratórios e instalações militares, o que está guardado nesses lugares, o que descobriam ao longo dos anos e o que ainda falta entender.

O que posso afirmar sem medo de expor demasiadamente a ambientação é que a História do Delta Green é longa e rica em detalhes. Cada página do livro fornece uma série de informações suculentas que por si só, são material para a criação de histórias e ganchos para montar cenários. As ramificações da Organização também são material de primeira que pode ser explorado pelo narrador.

Além disso, o Handler´s Guide faz uma análise dos inimigos do Delta Green com um bestiário completo de cada entidade e criatura bizarra encontrada pelos agentes ao longo de sua história. Mais do que uma série de estatísticas de monstros e abominações conhecidas pelos jogadores e mestres de Cthulhu, o livro sugere maneiras de apresentar esses seres a partir de uma abordagem diferente. Como fazer um Shoggoth parecer um monstro totalmente diferente? Como tornar um Byakhee uma ameaça ainda mais estranha? Como inserir o Grande Cthulhu em uma trama sem torná-lo óbvio? De que maneira Hastur pode ser trazido para uma campanha? O livro fornece respostas para todas essas perguntas e oferece muitas ideias. Algo muito interessante é analisar as mudanças no contexto de alguns cultos e divindades. Coo elas se transformaram ao longo do século XX e no século XXI. Há também uma lista de livros e tomos, bem como magias e feitiços que podem ser usados contra os agentes.


O livro inteiro é uma obra de arte, diagramado com caixas de informações que se assemelham a relatórios, memorandos, folhas de arquivo e rascunhos nos quais membros do Delta Green fizeram apontamentos e observações sobre diferentes tópicos. Esses podem ser facilmente copiados e oferecidos como recursos de jogo já prontos aos jogadores.

A forma como o livro oferece as informações é diferente e chama a atenção pela quantidade de detalhes e a fluidez do texto. Não estranhe se você começar a ler esse livro e não conseguir colocar ele de lado por dias, talvez até semanas... e não estranhe também que, ao pegar ele tempos depois, ainda continue encontrando detalhes que passaram desapercebidos.

Eu já li muitos livros de RPG que aconselham a JAMAIS permitir que os jogadores tenham acesso aos segredos da ambientação para não estragar as surpresas. Na maioria das vezes, esse aviso tende a ser um tanto inócuo, mas em Delta Green, o segredo, o mistério e o sigilo fazem parte da ambientação e quanto menos se falar a respeito dela, melhor.


É por essa razão que repito: não me sinto à vontade para estragar surpresas e revelar detalhes sobre o que o narrador encontrará nesse fantástico livro. O que posso dizer sem medo de errar é que ele fornecerá centenas de informações e entretenimento, na forma de uma história incrivelmente bem pesquisada e notavelmente bem formulada.

Delta Green é uma ambientação que vale a pena conhecer à fundo e que oferece inúmeras possibilidades para Narradores e Jogadores de viverem aventuras carregadas de drama, ação e loucura.

Francamente, eu não poderia indicar mais um RPG!

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