terça-feira, 3 de setembro de 2024

Cinema Tentacular: ALIEN ROMULUS - Resenha do Filme de Fede Alvarez


Desde o distante ano de 1979, a franquia ALIEN tem aterrorizado e entretido o público em todo o mundo por intermédio de lendas do cinema como Ridley Scott e James Cameron. Embora a franquia nos últimos filmes não tenha atingido o alto nível estabelecido nos dois primeiros filmes, cada sequência apresentou uma nova ideia, tom ou filosofia que permitiu a ela se sustentar por conta própria. 

Claro, a criação mais famosa do suíço H.R. Giger, o Xenomorfo, se manteve como a face mais popular da franquia por décadas, fixando-se no imaginário coletivo como parte indissociável da ficção científica. A criatura permanece como um ícone bizarro tão evocativo quanto na época em que foi criada. A imagem do Alien se tornou referência de medo diante do desconhecido e do imponderável e de terror perante aquilo que perverte a própria essência de quem somos. Reflexões existenciais perfeitas para um filme de horror ontem, hoje e sempre...  

Quando a Disney adquiriu a 20th Century Fox em 2019, o destino do famoso Xenomorfo ficou totalmente em aberto. É claro, seria razoável assumir que mais cedo ou mais tarde o estúdio acabaria revisitando uma de suas franquias mais conhecidas, mas a desconfiança que repousava no peito de cada fã (como um parasita crescendo ali dentro) era como o estúdio do Mickey daria continuidade a série. Um receio perfeitamente justificado visto como a Disney tratou Star Wars nos últimos tempos. Também não ajudava o estrago provocado pelos últimos dois filmes da franquia. PROMETHEUS tentou ser inovador, soprando novos ares e contando a origem das criaturas pela perspectiva de uma expedição que desvendava o segredo dos Engenheiros uma raça que semeou a vida pela galáxia. Em algum momento os tais Engenheiros teriam criado os Aliens e estes acabaram por sobrepujá-los. Infelizmente a maneira como esse roteiro chegou ao cinema causou estranhamento e dividiu opiniões, sendo que a maioria simplesmente repudiou o filme (repudiar é pouco, eu acho o lixo do lixo, mas enfim). A continuação direta de Prometheus, COVENANT tentou corrigir algumas coisas e ser mais claro, mas acabou igualmente naufragando em uma história pouco interessante e sem grande atrativo.


Isso nos leva a ALIEN: ROMULUS, a mais recente sequência da franquia projetada como um interquel se passando entre o ALIEN (1979) original de Ridley Scott e o ALIENS (1986) de James Cameron. Dirigido pelo diretor de EVIL DEAD (2013) Fede Álvarez, ROMULUS investe em algo muito comum atualmente, fazer um filme que é uma espécie de releitura e que serve como homenagem aos demais que se tornaram clássicos.  

Não foi má ideia!

Com o destino da franquia num hiato, atolado em incertezas não é nenhuma surpresa que a 20th Century Studios e Fede Álvarez tenham optado por uma abordagem de volta ao básico. Ele acerta em cheio ao buscar nos dois primeiros filmes os elementos que garantiram sua longevidade. Se ALIEN ainda desejava ser relevante e minimamente interessante ele precisava voltar às suas raízes originais e o melhor lugar para encontrar isso seria nos filmes que os fãs conhecem quase de cor e continuam amando intensamente. Trazer de volta o suspense, pavor, asco, empolgação e entretenimento de qualidade era vital e ainda bem que Alvarez compreendeu isso. 

ALIEN: ROMULUS tem uma história relativamente simples, fácil de aceitar e de acompanhar. Na trama, jovens colonizadores espaciais anseiam deixar sua vida opressiva em uma colônia escura e medonha localizada nos cafundós da fronteira controlada pela Corporação Weyland-Yutani. A protagonista é Rain Carradine (Cailee Spaeny), uma operária órfã encarregada de cuidar de seu irmão sintético e imperfeito Andy (David Jonsson). Buscando escapar desse panorama pessimista, os dois aceitam participar de uma ação desesperada. Unem-se a uma equipe que descobriu uma estação espacial abandonada repleta de suprimentos e recursos necessários para a longa jornada a um mundo melhor. Tudo que precisam fazer é ir até lá e recuperar o equipamento de que tanto precisam. Embora os esforços de coleta pareçam promissores inicialmente, a tripulação rapidamente descobre que eles não são as únicas formas de vida na estação espacial. Há algo assustador espreitando no lugar que era usado secretamente para experimentos.


É inegável que o filme faça referência direta a ALIEN, mostrando a estação como uma gigantesca casa assombrada da qual não há escapatória pois há monstros vivendo lá e a ALIENS que puxa a luta pela sobrevivência a um nível visceral cheio de reviravoltas.  

 A decisão de manter o elenco pequeno e íntimo foi em última análise uma excelente medida, mantendo o roteiro mais focado nos personagens. Isso funciona porque os personagens são bem construídos e interessantes, o que faz sentido já que a história se desenvolve a partir de seus dramas, dúvidas e incertezas. Na vanguarda de ROMULUS está o relacionamento entre a protagonista Rain e Andy, cuja dinâmica de irmãos fornece um ângulo simpático e sincero que os torna fáceis de se conectar. Quando eventualmente o conflito entre eles aflora, na segunda parte da trama, há uma mudança interessante em como ela irá lidar dali em diante com seu irmão artificial. Rain e Andy são, sem dúvida uma grande adição para a galeria de heróis da franquia. A performance eficaz de Cailee Spaeny e especialmente do talentoso David Jonsson soa perfeitamente convincente e é possível se conectar com eles de uma maneira que era impossível em Prometheus, por exemplo. Ao longo dos filmes de Alien tivemos atores roubando a cena no papel de androides e aqui não é diferente. 

O restante do elenco ajuda a construir a tensão que vai se tornando mais e mais sombria e asfixiante. É claro, o elenco de apoio também serve como desculpa para aumentar a contagem de corpos. Entretanto eles não somem de cena simplesmente com mortes bobas como acontece com os coadjuvantes na maioria dos filmes do gênero. Fede Alvarez reserva para cada personagem uma maneira especial de sair de cena (leia-se morrer), da forma mais grotesca possível. Por sinal, em ROMULUS temos algumas excelentes cenas de gore e terror visceral.


A produção deu grande ênfase na criação de próteses e animatrônicos, em oposição ao cenário atual de blockbusters que abusam do CGI. O filme recorre a truques práticos e recursos mais simples para se manter fiel ao espírito dos filmes originais. Como resultado os Aliens ficaram mais aterrorizantes, preservando a aura deles como criaturas bizarras e incompreensíveis que apelam a nossa repugnância ao terror corporal. As aparições deles sempre são acompanhadas de significado e de uma alta carga de tensão. Também temos várias cenas dedicadas aos Facehuggers e Chestbusters, os estágios iniciais da mutação das criaturas. De forma muito competente Álvarez garantiu que ROMULUS fosse tão perturbador para a plateia atual quanto deve ter sido para o público do ALIEN original.

Visualmente o filme foi muito bem concebido contando com uma equipe técnica extremamente eficiente, ainda que não necessariamente inovadora. Os cenários grandiosos do espaço e da face do planeta e seus anéis, alternam para o interior claustrofóbico repleto de corredores e câmaras da estação espacial abandonada. A cenografia investe no visual consagrado pelo ALIEN original onde se destaca uma tecnologia retrô com computadores de tela verde, equipamento velho, naves que parecem velhos navios de carga enferrujados e compartimentos de carga repletos de sombras. O interior da Romulus remete em muitos momentos a Nostromo com seu labirinto de corredores e acessos. 

Se o objetivo da equipe de produção era salientar que o espaço é um lugar insalubre onde você jamais se sente à salvo, parabéns, conseguiram fazer isso com louvor. ALIEN sempre foi a respeito de exploradores desesperados, gente que precisa trabalhar e vai a lugares em que a humanidade não é bem vinda. Aqui não é diferente. A música de Romulus também se encaixa muito bem com a trama. Não é aquela composição típica de filmes de terror criada para causar surpresa ou jump scare. A cargo de Benjamin Wallfisch ela toma a liberdade de utilizar pequenos trechos dos demais filmes, com ênfase em um mood pessimista que permeia toda projeção e que funciona perfeitamente.


ROMULUS é uma experiência independente, mas imbuída de constantes referências e várias citações aos demais filmes. É possível pescar essas referências à todo momento com frases de efeito, aparição de equipamentos famosos, da semiótica e com imagens que remetem diretamente aos seus predecessores, sendo a mais notória a aparição de um androide clássico da franquia. Fan service, sem dúvida, mas que funciona muito bem para satisfazer a nostalgia do público.

Com tudo isso podemos dizer que ROMULUS está em pé de igualdade com os filmes que busca tão avidamente se aproximar? 

Há alguns problemas na trama, em especial uma coisa que me incomodou um bocado que é justamente a sensação de pressa na resolução de tudo. Na porção final esse senso de urgência acaba ficando um pouco cansativo. Se por um lado eu entendo que tal coisa é necessária para criar uma sensação vertiginosa, por outro eu vejo ali um problema decorrente. Para imprimir esse ritmo acelerado, foi necessário encaixar certos elementos na trama e fazer com que tudo acontecesse muito rápido. O que mais me incomodou foi como os Aliens tinham de crescer rapidamente para justificar que se tornassem uma ameaça logo. Há alguns momentos em que é necessário fazer uma suspensão de crença e simplesmente aceitar algumas coisas para a história seguir adiante. Não chega entretanto a ser um pecado que atrapalha o filme ou torna ele menos divertido. 

No geral, ROMULUS é uma contribuição valiosa para a mitologia provando que a marca ALIEN ainda tem muito a oferecer se entregue nas mãos de alguém com paixão e respeito pela franquia.

Trailer:


Poster:




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