Localizado nos bancos ocidentais do rio Mississippi, em Nova Orleans, Louisiana, encontramos o distrito histórico de Algiers. Registrado no Centro Nacional de Lugares Históricos, ele é o segundo bairro mais antigo da cidade, conhecido por sua arquitetura histórica, igrejas e por ter sido o lar de inúmeros músicos de jazz. Algiers infelizmente sofreu enormes danos durante o Furacão Katrina em 2005, mas que aos poucos se recuperou do desastre.
Nova Orleans sempre foi uma cidade vibrante cheia de história e arte, mas o que muitas pessoas desconhecem é que ela tem uma rica história de tradição e folclore. Uma lenda popular na cidade envolve uma entidade estranha e sinistra que aterrorizou justamente a área de Algiers no final da década de 1930.
Tudo ocorreu no outono de 1938, quando um visitante indesejado bastante estranho começou a rondar as ruas escuras do distrito, sempre à noite. Testemunhas começaram a relatar que se tratava de uma figura alta e corpulenta com "olhos grandes, orelhas pontudas e chifres negros recurvos de carneiro no topo da cabeça". Essa criatura era vista espreitando perto de igrejas e prédios históricos, observando de vielas escuras e becos mal iluminados. Dizia-se que essa figura tinha todo tipo de poder estranho, como a capacidade de levitar, mudar de forma, desaparecer no ar e causar um medo profundo naqueles que o viam. Em muitos casos, as pessoas relataram ter sido confrontadas pelo misterioso ser e sentir como se tivessem temporariamente abandonado seus corpos perdendo a consciência e despertando em outros lugares da cidade horas mais tarde, sem saber como tal coisa havia acontecido. Outras relatavam assistir suas vidas passarem diante de seus olhos como testemunhas silenciosas. Os que viram o estranho também relataram posteriormente sofrer pesadelos pavorosos por várias noites à fio.
Dizia-se que o estranho assediava as pessoas solitárias, apresentando-se como o diabo em pessoa, oferecendo acordos, lançando obscenidades, insultos e maldições antes de desaparecer na escuridão. Ele buscava principalmente mulheres e casais negros. O tal diabo teria supostamente fechado pactos com interessados em trocar suas almas imortais por dinheiro, poder e fama. Ele também demonstrou possuir força sobre-humana vencendo um conhecido valentão com um único golpe.
Quando os relatos começaram a se espalhar pela população, muitos ficaram céticos, afinal aquilo parecia um absurdo sem sentido. Contudo o grande número de pessoas encontrando a criatura fez com que essa percepção mudasse drasticamente, com muitos afirmando categoricamente que a criatura realmente existia. Ele ganhou apelidos e passou a ser chamado de o Homem com Chifres de Algiers ou ainda de Diabo de Nova Orleans.
Alguns relatos feitos por testemunhas parecem simplesmente absurdos e inacreditáveis. Um desses incidentes envolve um casal que estava voltando para casa de carro quando foi interpelado por um estranho acenando para eles pararem o veículo. Eles encostaram para ver se o homem estava com problemas, e ele lhes pediu carona. A mulher afirmou ter um mal pressentimento, sobretudo porque sentiu um forte cheiro de enxofre cercando a figura morena e bem vestida. Ela pediu ao marido para irem embora e ele acabou concordando. Alguns quilômetros adiante, passaram pelo mesmo homem, que mais uma vez sinalizou pedindo a eles que parassem e lhe dessem carona. O motorista simplesmente acelerou achando aquilo muito estranho. Eles o encontrariam uma terceira vez perto de Algiers ocasião em que a figura sinistra finalmente revelou sua aparência demoníaca, fazendo seus olhos brilharem com um fulgor sobrenatural e apresentando os chifres que cresciam na sua cabeça.
O casal aterrorizado com aquela visão correu para a polícia que deu início a uma busca pelo misterioso estranho. Eles aparentemente conseguiram encontrá-lo andando pela estrada e um policial deu ordem para que ele parasse. O homem riu e se desmaterializou diante dos olhos incrédulos dos agentes da lei que relataram o bizarro incidente.
Uma história semelhante aconteceu com uma jovem que estava saindo de um salão de dança certa noite e foi confrontada por um homem com chifres na cabeça. Ela gritou por socorro e algumas pessoas apareceram para ajudar. O Diabo de Algiers fez com que quatro dos homens caíssem inconscientes meramente olhando para eles. Outro que resistiu ao estupor teria sacado uma pistola e disparado nele à queima roupa. As testemunhas afirmaram que o tiro não provocou qualquer efeito, após o que o Homem do Diabo desapareceu deixando no ar sua gargalhada sinistra.
Dias mais tarde, o Diabo de Algiers foi visto cavalgando um garanhão preto e com olhos faiscantes, pelas ruas de Algiers. Nessa ocasião ele teria sido visto por dezenas de pessoas que ouviram o som dos cascos do animal ecoando na noite.
Os relatos continuaram a se multiplicar ganhando repercussão nos principais jornais da Louisiana. Em pouco tempo os rumores, mergulharam a população de Nova Orleans em uma histeria em massa. De fato, as pessoas estavam enlouquecendo. Haviam grupos de vigilantes percorrendo as ruas procurando pelo Homem Diabo o que resultou em mais violência. Foram feitas várias prisões depois que bandos armados espancaram inocentes falsamente acusados. Por pouco um homem não foi linchado depois que uma mulher apontou para um homem que ela achou estava a seguindo. No incidente mais grave um homem foi mortalmente baleado depois de ter sido confundido com a entidade diabólica. Com a situação saindo do controle, as autoridades aconselharam a população a ficar em casa depois do anoitecer.
Veio então uma reviravolta: detetives que trabalhavam no caso receberam uma dica anônima a respeito de um místico, autoproclamado feiticeiro e segundo os rumores, satanista conhecido como "Lord Harold Sorcière". Esse sujeito exuberante, absolutamente folclórico possuía informações vitais sobre o elusivo Diabo de Algiers. Harold, mais tarde identificado pelo nome de Carleton Clark, recebeu os policiais em seu consultório onde realizava seancés, lia cartas de tarô e fazia toda sorte de trabalhos mágicos. Quando interrogado ele confirmou que sabia quem - ou melhor o que - era o Diabo.
Clark alegou que a entidade havia sido invocada por ele próprio com o intuito de firmar um pacto diabólico entre um político da cidade e as forças infernais. O político em questão (cujo nome foi mantido em sigilo) desejava ter uma carreira política de sucesso e pediu a Carleton que intermediasse as condições do tal pacto. Ocorre que logo depois de fazer o demônio se manifestar fisicamente em um círculo de proteção, o político se arrependeu e ficou apavorado. Pior ainda, ele teria inadvertidamente rompido o círculo que restringia a entidade em seus limites. Livre para transitar pelo mundo físico, o Diabo escapou ganhando as ruas para espalhar a confusão pela cidade.
Depois de ouvir essa história inusitada os detetives não sabiam o que pensar! O mais provável é que Carleton fosse apenas um lunático, mas ele gozava de certa fama nos meios paranormais da cidade e muitos creditavam a ele credenciais como um poderoso ocultista. Carleton assegurou em seguida que poderia tentar atrair o demônio e convencê-lo a deixar Algiers para sempre, por um preço. Ele queria que a cidade pagasse 1500 dólares pelo serviço - em valores corrigidos de hoje, cerca de 35 mil dólares.
Num primeiro momento os detetives riram da oferta, mas o místico garantiu que estava falando sério e que aquela seria a única maneira de resolver o problema.
Dias depois, o Diabo de Algiers apareceu uma vez mais nos arredores da Igreja de Deus em Cristo um dos prédios históricos mais conhecidos do distrito. Ele teria sido visto dirigindo impropérios para duas mulheres que se dirigiam para a missa. A criatura conforme descreveu um jornal local "rescendia a enxofre e carregava um tridente nas suas mãos. Ele soltou uma gargalhada zombeteira quando uma das mulheres apontou para ele a bíblia que levava consigo". Curiosamente o Diabo foi visto quase no mesmo horário a seis quadras dali galopando o mesmo cavalo preto sobre a linha férrea que delimitava o distrito. Essas aparições causaram grande repercussão e fizeram com se iniciasse um movimento popular para arrecadar o valor que Carleton demandava para despachar o Diabo de volta para o lugar de onde veio: as profundezas do Inferno.
Há diferentes versões do que aconteceu em seguida.
Diz-se que o mago aceitou fazer o trabalho sem cobrar nada depois que foi convencido a corrigir o erro cometido. Outros defendem que uma arrecadação popular levantou a soma de 980 dólares, quantia que foi aceita pelo místico como comissão para o perigoso serviço que se propunha a realizar. O que aconteceu em seguida também divide opiniões. Em algumas narrativas Carleton Clark teria empreendido uma batalha épica contra o Diabo de Algiers atraído até uma encruzilhada à meia-noite pelo sacrifício de sete pombas brancas. Em seguida o místico usou de toda sua perícia arcana para esconjurar a entidade que desapareceu em uma nuvem de enxofre. Outra versão bem mais divertida atesta que o místico convidou o Diabo para vir com ele até um bar onde os dois beberam amistosamente uma garrafa de Bourbon e se tornaram amigos. No fim da noite, o ocultista convenceu a criatura a desistir de sua estadia na cidade e partir de uma vez por todas.
Não se sabe exatamente o que aconteceu, mas o fato é que o o Homem com Chifres não foi mais visto em Algiers ou mesmo em Nova Orleans, sedimentando a lenda duradoura de que o flamboyant Lord Harold Sorcière teria logrado êxito. Ele se tornou uma figura enigmática, tratado por alguns como um herói, por outros como uma fraude ou mesmo um aproveitador.
É claro, a polícia de Nova Orleans não gostou nem um pouco da história e passou a investigar Carleton Clark suspeitando que ele estivesse por trás das aparições do Diabo desde o início e que tudo aquilo havia sido um plano para explorar a superstição das pessoas e lucrar.
Posteriormente, o místico decidiu deixar Nova Orleans desaparecendo na obscuridade quando a história começou a esfriar. Depois disso a narrativa ganhou tantas interpretações que é quase impossível hoje em dia separar o que é lenda e o que realmente teria acontecido. Mas será que se pode confiar em alguma parte desse relato exótico? Quem teria sido o misterioso Lord Harold Sorcière? Será que ele tinha verdadeiros poderes sobrenaturais ou não passava de um espertalhão e farsante?
É quase impossível saber, mas o interessante sobre as lendas urbanas é justamente isso. Cada um pode acreditar no que quiser, mas que essa história é boa, ah, isso é...
Essa eu não conhecia. Adorei!
ResponderExcluirOlá Angela, obrigado. Nova Orleans é um lugar impressionante com uma quantidade notável de histórias curiosas e lendas locais. Aqui no blog tem algumas delas: do Assassino do Machado, à Rainha Mambo Marie Laveau, passando pela homicida Madame da alta sociedade que assassinava escravos. Não faltam histórias curiosas.
ExcluirMuito bom, eu me pergunto o quando de real existe em todas essas lendas que aparecem
ResponderExcluirAh sim, essa é a grande questão. Como surgem essas histórias e se há algo de real nelas ou se não passam de invenção. Por vezes fato é rumor se confundem de tal maneira que se torna impossível dissociar uma coisa da outra. As melhores lendas nascem assim.
ExcluirSou apaixonado por esse blog. Ao longo dos anos tantas postagens boas,informações preciosas para quem busca conhecer misterios e lendas.
ResponderExcluirMuito bom!
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