segunda-feira, 28 de abril de 2025

Dicionário do Mythos de Cthulhu - Letra B de BENDAL-DOLUM

 

BENDAL-DOLUM

Seja por maldição ou por desígnios divinos, a fabulosa cidadela de Bendal-Dolum cessou de existir. O lugar esteve lá, na aurora dos tempos, uma fortaleza de rocha esverdeada erguida em meio a mais intransponível selva tropical.

Diz a lenda que Bendal-Dolum não foi construída por mãos humanas, seus grandes blocos de pedra ciclópicas e torreões foram edificados pelos servos tentaculares dos deuses. Eles habitaram esse lugar por milênios até se retirarem para as profundezas, deixando o local abandonado. Tribos primitivas posteriormente reclamaram para si a cidadela e remodelaram sua arquitetura alienígena para adequá-la às suas necessidades. Esses homens talharam as pedras e construíram escadas e rampas, templos e um palácio notável. Eles adoravam os deuses de outrora e sacrificavam alguns dos seus para os habitantes originais que ainda viviam na escuridão abissal de seus fossos.

Uma casta de alto-sacerdotes que servia Shub-Niggurath controlava a cidade. Eles utilizavam seus feitiços para fortalecer sua posição e realizavam festivais blasfemos nos quais a Deusa em pessoa era invocada. O poderoso feiticeiro pré-humano Haon-Dor da Hiperbórea teria sido um dos sumo-sacerdotes dessa ordem. Supõe-se que lutas pelo poder e rivalidades internas terminaram colocando os bruxos uns contra os outros. Isso desagradou Shub-Niggurath que decretou a destruição da cidadela. Certas tábuas falam sobre as Crias Negras da Deusa, se ergueram dos jardins suspensos onde habitavam para devorar a população residente. Também há rumores de doença, peste e outras catástrofes que podem ter causado o fim do lugar o que também explica porque ele jamais foi habitado novamente. Bendal-Dolum ficou deserta desde então, sendo gradualmente engolida pela selva desaparecendo da vista de todos.

As poucas tribos que conheciam sua localização a consideravam maldita, sendo um tabu explorar seus segredos. Várias Expedições modernas tentaram encontrar Bendal-Dolum, mas sua posição inóspita nas profundezas de Belize - na América Central, impediram que ela fosse descoberta. Uma selva infernal: quente, densa e repleta de mosquitos se interpõe como um obstáculo quase intransponível. Há boatos de que a Expedição comandada pelo renomado Arqueólogo, Jeremy Morgan, custeada pela Universidade Miskatonic, achou indícios de sua existência, contudo os poucos sobreviventes que retornaram da jornada em 1928, evitaram falar de suas descobertas. Posteriormente em 1990,  a expedição do Dr. Eric Williamson vasculhou a mesma região trazendo alguns artefatos supostamente encontrados na cidadela.

Bendal-Dolum é considerada uma lenda e são poucos os pesquisadores sérios dispostos a arriscar suas credenciais para provar sua existência. Mesmo os poucos artefatos que mencionam a cidadela são contestados e dividem acadêmicos. Para alguns Bendal-Dolum não passa de um mito criado pela Civilização Maia, uma cidade espiritual habitada por demônios e espíritos antigos. Painéis adornando as ruínas do Palácio de Kalkamal,  supostamente fazem menção a Bendal-Dolum a tratando como um lugar maldito.

Quem pode imaginar os segredos e tesouros que repousam no interior de Bendal-Dolum? É provável que o valor inestimável destes artefatos só possa ser igualado aos perigos que ainda residem nesse lugar.


A suposta localização de Bendal-Dolum em uma das regiões mais selvagens de Belize dificultaram a sua descoberta por exploradores. 

O Palácio da Cidadela esconde muitos mistérios como rostos enormes de pedra adornando os templos.

Uma visão do interior de Bendal-Dolum

A Pirâmide de Bendal-Dolum é uma das edificações mais impressionantes do complexo. 

As Construções de pedra da Cidadela perdida continuam de pé esperando por visitantes

BÔNUS: AS CAVERNAS DA VIDA

Nomeadas dessa forma pelos sacerdotes de Shub-Niggurath que compunham a casta mais elevada em Bendal-Dolum, este complexo de cavernas se localiza nos subterrâneos da cidadela e se estende por quilômetros.

As Cavernas se conectam aos lendários Fossos de Bendal-Dolum, o refúgio dos horrores que construíram a cidade originalmente. Muitos destes seres hibernam nos recessos mais profundos, alguns deles fossilizados e fundidos às rochas que foram seu covil por milênios. A maioria desses seres estão inativos, mas alguns despertam de tempos em tempos, vasculhando os túneis, se arrastando através deles em busca de sustento.

Há fortes indícios que as Cavernas da Vida conectam o mundo desperto à Terra dos Sonhos. Alguns cultos oníricos realizam peregrinações até uma montanha mística onde deixam oferendas para Shub-Niggurath. O lugar costuma atrair Bestas Lunares que coletam viajantes que são escravizados.

As Cavernas da Vida tem esse nome pois as crias de Shub-Niggurath também habitam esse lugar que fervilha com a influência da Deusa. Restos de matéria alienígena cobrem as paredes e o chão, se formando e reformulando eternamente, gerando formas de vida em constante transformação. Alguns devotos abençoados pelo leite da Deusa ou impregados pelo seu sêmen também escolheram habitar essas cavernas após sofreram mutações grotescas que fez deles menos homens e mais abominações. 

A Caverna da Vida parece ter uma fome voraz de matéria prima genética que possa ser corrompida e alterarda de formas imprevisíveis. Explorar esse lugar é um grande risco tanto físico quanto mental uma vez que aqueles que o fazem podem ser mudados em seu âmago. Rumores sugerem que alguns membros da Expedição Morgan, inclusive seu líder, teriam sofrido esse destino apavorante e que estariam ainda nas Cavernas, alterados ao ponto do irreconhecível. 

  

quinta-feira, 24 de abril de 2025

No Coração da Montanha - Os muitos mistérios do enigmático Monte Shasta


Desde tempos imemoriais, ao longo da história e das culturas, sempre existiram contos de lugares místicos e mágicos perdidos além do horizonte. A humanidade parece amar intensamente a mitologia que descreve uma civilização esquecida ou cidades perdidas escondidas de nós, além das fronteiras do que conhecemos, além do plausível, além do razoável. 

Tais histórias surgem em lendas de culturas que transcendem limites geográficos. A ideia de que algum lugar maravilhoso possa estar oculto atrai exploradores e aventureiros há séculos e inspira a imaginação dos sonhadores. Uma dessas histórias, que persiste há bastante tempo, é a de uma cidade fantástica escondida nas profundezas do Monte Shasta, na Califórnia, um lugar que se diz ser habitado por uma raça de seres misteriosos com fantástico conhecimento e tecnologia.

Não há dúvida de que o Monte Shasta projeta uma presença formidável para aqueles que o avistam pela primeira vez. Situado no extremo sul da Cordilheira Cascade, no Condado de Siskiyou, Califórnia, o Monte Shasta é um vulcão hoje em dia adormecido que se eleva a 4.322 m sobre o vale florestal circundante, tornando-se o segundo pico mais alto da Cordilheira Cascade e a quinta montanha mais alta de toda a Califórnia. Como o Monte Shasta não está conectado a nenhuma outra montanha próxima, ele se ergue sozinho, irrompendo abruptamente do solo como um gigante solitário místico que se levanta sobre os majestosos vales verdes ao seu redor e domina completamente a paisagem do norte da Califórnia. Diz-se que a enorme e intimidante montanha solitária pode ser vista a até 230 km de distância em um dia claro, tornando-se um impressionante monólito natural que captura a admiração e a imaginação da humanidade há séculos. 

Talvez não seja surpresa que a montanha tenha atraído todo tipo de lendas e histórias estranhas, com os nativos da região tecendo mitos a seu respeito. Uma das histórias mais conhecidas e, de fato, mais bizarras sobre o Monte Shasta é que a montanha abriga uma antiga e secreta cidade perdida, habitada pelos descendentes dos chamados Lemurianos, um povo altamente avançado que se acredita terem sido os primeiros humanos na Terra. Eles viveram em um continente perdido conhecido como Lemúria que teria submergido após uma catástrofe. O nome Lemúria foi cunhado em meados do século XIX para denotar um hipotético continente submerso que outrora conectava o Oceano Índico, e recebeu esse nome porque se especulava que foi por meio desse misterioso continente que os animais chamados lêmures migraram de Madagascar para a Índia. A famosa Madame Helena Blavatsky, uma das teosofistas mais famosas do século XIX escreveu extensivamente sobre os lemurianos e suas façanhas.

A história conta que o continente afundou devido a um evento apocalíptico não especificado de forma semelhante ao que teria acontecido com a mítica Atlântida. À medida que a civilização se desfez, vários lemurianos conseguiram escapar pelo mar encontrando um lugar seguro nos arredores do Monte Shasta. Lá estabeleceram a Cidade de Telos em algum ponto sob a montanha, onde recriaram sua outrora grandiosa sociedade e supostamente continuam a viver até hoje.


Os lemurianos são tipicamente descritos como indivíduos altos, graciosos e magros, que chegam a medir dois metros de altura, com pele alva, quase luminescente, longos cabelos brancos e pescoços anormalmente compridos, adornados com colares feitos de contas, ouro ou pedras preciosas. Os estranhos seres geralmente vestem túnicas esvoaçantes e sandálias amarradas aos tornozelos, embora às vezes se diga que usam túnicas simples ou até que andam nus. 

Diz-se que eles dominavam várias tecnologias avançadas, como energia atômica, magnetismo, eletrônica e, alguns supõem, até mesmo a capacidade de alterar o espaço-tempo há milhares de anos. Seus conhecimentos permitiam a construção de grandes máquinas e engenhos como dirigíveis capazes de levitar e que eram usados para transporte. Algumas lendas dão conta de que eles iluminam seu reino subterrâneo com uma espécie de sol artificial, feito de cristal, alimentado por alguma fonte de energia poderosa e desconhecida, muito além de tudo o que conhecemos. Finalmente, há a crença de que os lemurianos possuem um órgão do tamanho de uma noz que se projeta de suas testas e supostamente os dota de vastos poderes psíquicos, como percepção extra-sensorial, telecinese, telepatia, a capacidade de aparecer e desaparecer à vontade e o poder de influenciar a mente dos outros.

A teoria de que lemurianos vivem no Monte Shasta tem uma história quase tão estranha quanto a dos próprios seres. Tudo remonta a um livro chamado "Morador de Dois Planetas" (Dweller of Two Planets), escrito por Frederick S. Oliver em 1899. No verão de 1883, Oliver, ainda adolescente, ajudava sua família a demarcar os limites de sua área de mineração, o que envolvia cravar estacas de madeira no solo e, em seguida, marcar a localização em um caderno. Em algum momento durante essa árdua tarefa, a mão de Oliver supostamente começou a tremer incontrolavelmente, e ele começou a escrever coisas sem controle. O menino correu para casa em pânico, com a mão continuando a agir por conta própria, escrevendo febrilmente durante todo o caminho como se tivesse vontade própria. Assim que chegou, sua mãe lhe deu mais papel. Ele continuou a escrever, escrever e escrever, rabiscando páginas e mais páginas com palavras, símbolos e desenhos. Essa misteriosa convulsão inicial cessaria revelando o início de um texto. Ao longo dos três anos seguintes, a mão de Oliver seria ocasionalmente dominada por essa força misteriosa, escrevendo várias páginas aqui e ali, até que finalmente, em 1895, ele completou um livro inteiro que narrava e descrevia a existência de uma cidade lemuriana secreta no Monte Shasta bem como sua história. 

Oliver continuaria afirmando que havia sido escolhido pelos lemurianos como uma espécie de porta voz deles, e que todo o livro havia sido canalizado telepaticamente através dele por intermédio de escrita automática através do tempo e espaço.

O rapaz chegou a afirmar ter sido levado astralmente à cidade secreta onde viu com os próprios olhos, descrevendo-a como um lugar maravilhoso nas profundezas da montanha, composta por vastos labirintos de túneis iluminados com portas automáticas, arquitetura elegante e apartamentos banhados a ouro e acarpetados com uma luxuosa substância felpuda. De fato, Oliver disse que toda a cidade era generosamente adornada com cristais brilhantes, metais preciosos e pedras preciosas, alimentada pela energia desses cristais e inacessível a estranhos sem o convite expresso dos próprios Lemurianos. Seus escritos afirmam que alta tecnologia abundava nesta cidade fantástica, com inúmeras menções a vários dispositivos e veículos incríveis empregados pelos moradores da cidade, incluindo grandes naves flutuantes que pairavam sobre suas cabeças. O livro foi bastante inovador e à frente de seu tempo quando foi lançado, fazendo menção detalhada a noções conceituais tão elevadas como mecânica quântica, antigravitacional, trânsito de massa e energia do Ponto Zero, chamada de "energia do lado escuro", conceitos extremamente singulares na época. Mais notável, Oliver não tinha como conhecer a a maioria dessas coisas, sendo um rapaz simples do interior.


Embora tenha morrido em 1899, aos 33 anos, seu livro foi publicado em 1905 por sua mãe, Mary Elizabeth Manley-Oliver. Na época da publicação o livro tornou-se um clássico ocultista instantâneo e uma fonte abertamente reconhecida para muitos sistemas de crenças, seitas e cultos da Nova Era. Ele até geraria uma sequência intitulada "O Retorno de um Morador da Terra", supostamente psicografado do além por um médium teosofista incorporando o relato de Oliver. 

Mas esta seria apenas a primeira menção literária à estranha cidade perdida dos Lemurianos no Monte Shasta. Em 1931, Harvey Spencer Lewis, usando o pseudônimo de Wisar Spenle Cerve, escreveu um livro inteiro sobre a Civilização Perdida, o que impulsionou ainda mais a popularidade de cidades e sociedades perdidas espreitando nas profundezas daquela montanha. A partir daí, os relatos sobre a estranha raça de seres avançados e a sofisticada cidade de Telos ganharam fama.

Muitos outros relatos sobre a suposta civilização lemuriana do Monte Shasta viriam à tona ao longo dos anos, e um deles se destaca por ser particularmente bizarro. A testemunha anônima, conhecida apenas como "M", afirma que sua experiência fantástica começou com a mudança de sua família do deserto de Nebraska para o Monte Shasta, onde passaram muito tempo acampando e se hospedando em um hotel enquanto procuravam um lugar para ficar. Ao longo dos meses, eles frequentemente se hospedavam em um acampamento chamado Panther Meadows, fazendo inúmeras viagens e explorando a área. Ficaram tão apaixonados pelo lugar que continuaram acampando regularmente lá mesmo depois de se instalarem em uma nova casa. Seis meses depois de chegarem a Shasta, estavam novamente em Panther Meadows acampando quando a bizarra odisseia de M teve início. 

Naquela manhã, seu marido e dois filhos tinham saído para explorar enquanto ela limpava a casa depois do café da manhã. Foi quando ela notou um jovem alto e esguio caminhando pelo prado em direção ao acampamento deles. A princípio, M presumiu que fosse apenas mais um campista de um acampamento próximo, já que ele não tinha mochila nem equipamento de caminhada. À medida que se aproximava, acenou e, ao chegar ao acampamento brincou educadamente sobre tomar uma xícara do café pois sentira o cheiro a manhã toda. M não hesitou em lhe dar uma xícara, e ela achou estranho o quão totalmente confortável se sentia em sua presença, conversando como se se conhecessem há anos. Em algum momento, a conversa girou em torno das lendas do Monte Shasta e de como algumas pessoas alegavam ter estado na cidade perdida de Telos. Foi então que o jovem perguntou se ela gostaria de ver tudo isso pessoalmente. A princípio, ela pensou que ele estivesse brincando, mas ele acenou para que ela o seguisse na direção de onde viera. M não esperava muito, mas o seguiu mesmo assim. Era ali que o próximo capítulo de sua estranha aventura se desenrolaria. Ela explica:

"Senti-me estranhamente atraída pelo jovem e perfeitamente segura com ele. Parecia que compartilhávamos interesses e crenças em comum. Ele disse que a entrada para Telos era próxima e que levaria apenas alguns minutos para chegar lá. Ele estava certo. Atravessamos os prados em direção às árvores e em poucos minutos estávamos em uma rocha alta e de formato estranho. Eu diria que tinha provavelmente 3 metros de altura e 1,5 metro de largura. A frente da rocha era plana e os galhos das árvores próximas a escondiam parcialmente. O topo da rocha inclinava-se em direção ao chão na parte de trás, de modo que parecia um triângulo assimétrico. Uma vista lateral era algo como esta frente de rocha. Lembro-me de que o chão ao redor era muito duro em comparação com o chão mais macio sobre o qual havíamos caminhado para chegar lá. Ele caminhou até essa rocha lisa e a tocou revelando uma porta secreta. Ela se abriu e ele fez um gesto para que eu o seguisse, o que fiz. Agora me maravilho por não ter o menor medo de ir com ele, nem sequer me ocorreu não ir."

A narrativa prossegue:

"Ao passar pela porta aberta, vi um conjunto de degraus que desciam até um pequeno patamar e continuavam descendo muito além. Havia um cheiro levemente úmido de mofo indicando que havíamos entrado em uma área que não era frequentemente agraciada com a presença de ar fresco. Era óbvio que estávamos dentro da montanha, pois as paredes eram de rocha. Chegamos a um patamar onde parei para olhar ao redor. Vi que estávamos em uma sala ampla banhada por uma luz suave vinda de uma fonte que eu não conseguia identificar. Não havia sinais de lâmpadas, abajures ou iluminação indireta. Descemos mais alguns níveis e o jovem caminhou até a parede mais distante, tocou-a e uma porta se abriu. A porta se misturava à parede de tal forma que, se você não soubesse exatamente onde ficava, nem imaginaria que havia uma passagem. Segui-o pela porta e me vi em uma sala de pedra muito grande, com teto alto. Essa sala também era bem iluminada por uma luz de fonte indeterminada."


Apesar da perspectiva assustadora de entrar em uma passagem secreta e sombria em uma montanha na presença de um completo estranho, a testemunha afirma repetidamente que não sentiu medo e que até se sentiu calma e confortável com tudo aquilo. Depois de passar por várias passagens mais adentro da montanha, transitando por salas com mobília estranha e "grandes caixas de vidro", eles chegaram a algumas pedras grandes e planas. Em uma das pedras haviam símbolos estranhos que ela não conseguia reconhecer e que não se parecia com nada que ela já tivesse visto antes. Quando ela perguntou ao seu companheiro o que eram, a história ficou ainda mais estranha do que já estava.

"À medida que me aproximava das caixas, vi que havia algum tipo de impressão na superfície. Eu não conseguia reconhecer a língua. Virei-me para perguntar o que as pedras representavam e, antes que eu pudesse perguntar, ele sorriu e disse: "Você não se lembra agora, mas estas são tábuas sagradas que você e seus colegas trouxeram da Lemúria quando as águas subiram para destruir nossa pátria."

Ele continuou explicando que nós (não tinha certeza de quem ele se referia como "nós" na época) tínhamos levado as tábuas para uma caverna e as tínhamos preservado lá. Enquanto ele contava a história, eu podia visualizar mentalmente várias embarcações que se moviam muito rápido em águas profundas. Elas diminuíram gradualmente a velocidade à medida que se aproximavam de uma caverna e, ao entrarem na caverna, eu as vi subindo à superfície. A caverna era muito grande. Quando os ocupantes abriram os veículos para emergir, foram recebidos por outros que rapidamente tomaram posse das tábuas de pedra e desapareceram pelas entradas da caverna. Quando as tábuas foram removidas, os ocupantes retornaram às pequenas embarcações e deixaram a caverna como haviam entrado. Nesse ponto, minha visão terminou... Tive a sensação de ter estado lá. Levei alguns minutos para me recuperar da ansiedade e, ao mesmo tempo, da excitação que experimentei ao observar aquele acontecimento. Senti um grande alívio e realização quando as tábuas foram entregues e pude ouvir agradecimento sendo oferecido.

A narrativa é bem estranha, mas ela é apenas o começo. Finalmente, ocorreu à testemunha, naquele momento, que ela não sabia sequer o nome do jovem e, quando perguntou a ele ouviu um som estranho diferente de tudo que já escutou. M se recorda de ter prosseguido na longa caminhada, algo que parece ter demorado horas. Ela se recorda de estar com seu companheiro em alguns momentos, em outros sozinha. Mesmo assim, apesar de estar num lugar estranho, não sentiu medo ou receio.

Ela tem lembranças vívidas de um grande salão de pedra fria onde haviam outras pessoas trabalhando, indivíduos que não deram a ela atenção e aos quais ela não conseguiu se referir pois pareciam ignorá-la. Nessa sala estavam estocados grandes cilindros verticais, cada um com aproximadamente 3 metros de altura e 1,2 metro de largura feitos de um material que parecia cristal. Em cada um desses cilindros, havia uma substância líquida gelatinosa. As pessoas na sala pareciam ocupadas manipulando aquela substância em um tipo de trabalho que pela concentração deles parecia importante.

M tem uma vaga lembrança do que acontecia ali. "Eles estavam extraindo ou canalizando energia de algum tipo. Algo que era de suma importância para a cidade deles. Era como se aqueles cilindros estivessem gerando uma quantidade absurda de energia. Mas era algo diferente de energia como conhecemos, essa era usada não só para alimentar máquinas e a cidade de Telos, mas tudo e todos. Até os habitantes da cidade recebiam essa energia".

M observou o trabalho por algum tempo até que seu companheiro disse que já era hora dela retornar para casa. Estranhamente M não se recorda de ter feito o caminho de volta, mas de simplesmente acordar em sua casa, como se tivesse sido levada para lá imediatamente.


De volta ao acampamento, a família de M a encontrou levemente confusa, como se tivesse acordado de um sonho desperto. Ela não mencionou sua estranha experiência na montanha achando que realmente tudo aquilo poderia ter sido um sonho. Na semana seguinte, a família fez outra viagem ao mesmo acampamento e, assim como antes naquela manhã, seu marido saiu com as crianças deixando M sozinha com as tarefas domésticas. Ela sentiu uma estranha sensação como se estivesse sendo chamada e se deixou levar por ela, refazendo o caminho que havia tomado anteriormente, mas dessa vez sozinha. Ela se sentia guiada e encontrou todas as portas e passagens como se estivesse familiarizada com tudo aquilo.

M seguiu através das cavernas e passagens conhecendo áreas diferentes da Cidade e do complexo de pedra que existia abaixo da Montanha. Era muito maior do que ela imaginava:

"Nessa segunda visita eu não vi ninguém, embora tenha sentido que uma presença invisível estivesse me guiando pelo caminho todo. Também havia algo diferente no lugar. O complexo além de deserto, parecia ter sido evacuado, tornando-se uma ruína. Haviam restos de mobília e objetos, mas tudo estava coberto de poeira. Eu me recordo de ter visto máquinas estranhas e aquelas estruturas de vidro e cristal, mas tudo parecia abandonado. É estranho mas eu tinha a sensação de um a grande familiaridade com tudo aquilo."

M disse que seguiu pelos corredores pelo que pareceram horas, embora o sentido de tempo no interior do complexo fosse diferente. Eventualmente ela chegou até aquele mesmo salão imenso onde ainda haviam os estranhos cilindros de vidro, mas nem todos eles estavam inteiros ou com aquela substância no interior. Uma voz a compeliu então a mexer naquelas máquinas, como ela havia visto as pessoas fazerem anteriormente. Sem entender exatamente o que fazia, ela percebeu mudanças de cor e sons enquanto operava o complexo maquinário que estava muito além de sua compreensão.

"Eu não posso ousar dizer o que estava fazendo ou qual o significado daquilo, mas em meu íntimo compreendi que de alguma maneira aquela tarefa era extremamente importante e que a primeira visita serviu para que eu me familiarizasse com o básico da operação. Talvez eu tenha sido uma daquelas pessoas no salão na primeira visita, talvez eu tenha realizado esse mesmo trabalho eras atrás... não sei dizer!"

M manteve em segredo essa segunda visita e todas as outras que ela faria posteriormente, sempre que era "convocada" para realizar aquela tarefa misteriosa, mas de suma importância. Ela acredita que de alguma maneira os habitantes da cidadela queriam que ela continuasse fazendo aquilo para ajudá-los. Ela não se recorda quantas outras vezes visitou a cidadela oculta, mas ela acredita tê-lo feito em pelo menos outras três ocasiões. Depois disso, M sentiu que seu trabalho não era mais necessário e que sua tarefa estava concluída.


Mais de dois anos se passaram, até que ela resolveu revelar para sua família e amigos o que havia acontecido. Surpreendentemente M descobriu que não estava sozinha e que outras pessoas ao longo dos anos haviam relatado histórias semelhantes em que se sentiam atraídos pelo Monte Shasta e exploravam seu interior através de portais e passagens que ficavam ocultos para todos os outros. As pessoas contavam histórias parecidas, envolvendo uma exploração do interior labiríntico da montanha que às vezes estava abandonada, mas em outras vezes parecia fervilhar com vida e atividade.

Estudiosos e pesquisadores, entusiastas das teorias sobre a antiga Lemúria acreditam que os habitantes da Montanha dominavam o tempo e o espaço, e que os visitantes escolhidos para conhecer Telos eram descendentes ou a reencarnação de indivíduos que haviam habitado o Monte milênios atrás. Estes eram chamados para executar tarefas que já haviam desempenhado com algum intuito secreto. Além disso, as visitas não seriam físicas, mas viagens astrais nas quais o "eu espiritual" das pessoas escolhidas era lançado no tempo, no passado, presente ou futuro para desempenhar uma função necessária.

Mas que tarefa tão importante seria essa e porque os habitantes do Monte Shasta não estavam mais presentes no lugar que um dia chamaram de Lar?

Há diferentes teorias quanto a isso. Talvez eles tenham desaparecido em algum tipo de catástrofe que os varreu da existência. Algum tipo de acidente, doença ou ainda um evento inesperado decretou o fim da sua civilização. Talvez eles possam ter desaparecido por vontade própria, quem sabe tenham avançado tanto em sua tecnologia e saber que a forma humana não era mais compatível e eles precisavam de pessoas para realizar as tarefas simples que um dia realizavam.

Mas há uma outra hipótese, muito mais incrível e fantástica. Seria possível que os habitantes do Monte Shasta ainda estivessem vivos, preservados em algum tipo de animação suspensa pelas eras? Eles precisariam ainda sobreviver no interior da Montanha que ainda necessitaria produzir energia para manter o lugar funcionando minimamente e é claro, oculto dos olhos curiosos de outras pessoas que poderiam fazer-lhes algum mal.

Nessa hipótese sensacional, os lemurianos estariam apenas esperando o momento de seu despertar, uma promessa feita a muitas pessoas que afirmaram ter recebido o convite para explorar as passagens secretas que conectam o Monte Shasta e supostamente fluem através do tempo de uma maneira diferente de tudo que podemos imaginar.


M não se ressente de não ter sido mais chamada pelos seus amigos no interior do Monte Shasta. Ela acredita que seu trabalho tenha se encerrado, e que por isso, ela não foi mais contatada. Mas mesmo assim ela tem uma sensação de completude: "É claro, eu gostaria de ser chamada novamente e de conhecer a cidadela em detalhes, mas acredito que fiz o que fui designada a fazer e isso encerrou meu trabalho. Talvez um dia eles voltem a falar comigo e me chamem para uma nova visita".

Ela, costuma fazer visitas ao Parque Nacional que cerca o Monte Shasta ao menos uma vez por ano. M afirma que muitas outras pessoas fazem o mesmo, mas que nem todas se recordam inteiramente de sua experiência, tendo uma espécie de deja vu à respeito do local e de seus segredos. Não é raro que turistas venham de longe para conhecer o Monte Shasta afirmando sentir uma enorme conexão com o local, mesmo conhecendo muito pouco à respeito de sua história. "Há pessoas que vem da Austrália, da Europa, da China... pessoas que visitam o lugar e sentem uma estranha conexão com o local. Como se sentissem já ter estado aqui antes em circunstâncias enigmáticas."

Não por acaso o Monte Shasta atrai milhares de visitantes anualmente se convertendo numa espécie de Meca para místicos, esotéricos e alegados magos interessados em desvendar seus segredos milenares. 

Existe a crença de que o Monte Shasta está em um ponto de contato entre poderosas Linhas de Ley - fluxos de energia primordial que correm através do planeta e que se espalham por todo o mundo. Essas áreas, em que as linhas se tocam favorecem a realização de rituais e de prodígios místicos. Para alguns as energias contidas nesses eixos pode ser canalizada para a realização de todo tipo de efeito mágico. Não é algo incomum testemunhar a presença de místicos em peregrinação solitária e de grupos acampando e realizando rituais nos arredores do Parque Nacional.

O Monte Shasta também se tornou famoso nas últimas décadas como um dos pontos de maior atividade de OVNIs na Costa Oeste dos Estados Unidos. Ufólogos relacionam a tecnologia avançada e o saber dos Lemurianos com um contato prolongado com seres alienígenas benevolentes que compartilharam parte de seus segredos - a Teoria dos Deuses Alienígenas. Para os humanos primitivos, os Deuses teriam descido das Estrelas e os abençoado com presentes incríveis. Para alguns, os próprios Lemurianos seriam membros de uma colônia que no passado remoto foi criada pelo cruzamento de humanos e alienígenas avançados, gerando uma raça não inteiramente humana que se perpetua pelo tempo.

As estranhas formações de nuvens que costumam ocorrer no pico nevado do Monte Shasta. em geral com aros nebulosos que parecem envolver o topo chamam a atenção dos observadores. Alguns acreditam que esses eventos ocorrem com o intuito de ocultar a vinda de veículos espaciais que entram e saem da montanha através de portas ocultas. 

Com tantas histórias sensacionais, o Monte Shasta preserva seus mistérios e provavelmente continuará a ser um enigma considerável para as gerações presentes e futuras.

domingo, 20 de abril de 2025

Dicionário do Mythos de Cthulhu: LETRA A de "ADUMBRALI"

ADUMBRALI

No universo do Mythos existem realidades, planos e dimensões que se justapõem aquilo que entendemos de modo muito simplório como "o mundo real". Por intermédio de rituais arcanos, pela vontade de algum Deus ou por incidência de fenômenos não inteiramente compreendidos, incidentalmente ocorre um estreitamento ou rompimento no tecido que separa as realidades. O resultado pode ser uma incursão de entidades e seres que habitam esses outros planos e que transacionam para o nosso lado.

O incrivelmente raro Cântico de Yste, uma compilação de tradições ancestrais da África setentrional fala à respeito de uma dessas espécies, os Adumbrali. Esses seres obscuros são atraídos por fraturas dimensionais e não raramente se dedicam a explorar nossa realidade, por vezes, interagindo com o mundo natural. Essa interação tende a ser desastrosa uma vez que os Adumbrali são predadores contumazes que buscam satisfazer seus instintos de caça. Eles costumam perseguir animais e humanos sem distinção, arregimentando, torturando e depois matando suas presas. Não é claro se eles se alimentam de suas vítimas, mas acredita-se que o processo envolve a absorção de energia vital. Algumas tribos subsaarianas mencionam os Adumbrali como demônios de sombras que se deliciam com a crueldade e massacre. Eles são vistos como uma presença aterrorizante.

O método preferido de caça dos Adumbrali envolve mesmerismo. Eles são adeptos de uma forma de hipnose utilizada para confundir e nublar a percepção das vítimas. Não se sabe exatamente como opera essa sugestão hipnótica, mas há suspeitas de que ela é estabelecida por intermédio de feromônios incidindo sobre o sistema límbico, gerando uma resposta fisiológica. A vítima se sente tranquila e é atraída para perto do Adumbrali sem perceber qualquer perigo iminente. Quando está ao seu alcance, o predador estende uma série de gavinhas fluidas que agarram e puxam até sua massa insubstancial. Essas gavinhas finas se assemelham a um emaranhado de cabelo trançado e são a única parte substancial dos Adumbrali.

Os nativos se referiam a essas criaturas nas suas lendas como "sombras vivas" e a descrição é bastante adequada. 

Os Adumbrali se assemelham a glóbulos de escuridão perene que flutuam graciosamente no ar. Eles se movem horizontalmente, mas por vezes rastejam, escalam ou se fixam em superfícies verticais onde encontram proteção do sol. Ravinas, fossos ou rochas são lugares adequados para se proteger da luz que lhes causa incômodo. Um espécime típico mede algo entre 1,80 e 2,30 metros e parece uma sombra disforme ou uma mancha não reflexiva de negrume uniforme. Outra particularidade é que a área imediatamente próxima a eles se torna fria. Como sombras que são, eles não podem ser tocados e portanto são impérvios a qualquer contato físico não podendo ser feridos. Para afastá-los o Cântico de Yste menciona o uso de fogo, mas tal método não é garantido. Quando agarra uma presa e a puxa para si, o Adumbrali a absorve causando severas queimaduras semelhantes às de congelamento. Os cadáveres são encontrados com ulcerações arroxeadas de formato arredondado, tratadas como "mordidas".

Felizmente as condições de nossa realidade não são as ideais para os Adumbrali que depois de algumas semanas experimentam desconforto. Isso os motiva a retornar para sua dimensão à despeito de seu interesse por continuar caçando. Se impossibilitados de regressar eles sofrem progressiva degeneração que termina por consumi-los. Um Abrundali "morto" não deixa qualquer resquício ou marca, simplesmente desaparecendo.

Um Adumbrali fixado em uma superfície vertical se assemelha a uma sombra deslocada. Na imagem é possível ver o movimento de suas gavinhas tentaculares.  

A presença de um Adumbrali registrada em fotografia.

Três Adumbrali se alimentando de uma mesma presa.

Uma representação simples de um Adumbrali 


Bônus:

CÂNTICO DE YSTE

“... E estes não são outros senão os Adumbrali, as sombras vivas, seres de incrível poder e malignidade, que habitam fora dos véus do espaço e do tempo como os conhecemos. 
Sua diversão é caçar e atormentar os habitantes de outras dimensões, sobre os quais praticam atos horríveis e múltiplas ilusões...”

Um coleção alegórica de músicas, versos e costumes de tribos subsaarianas. Em geral o Cântico não é registrado, sendo uma tradição oral passada através das gerações. Entretanto, trechos do Cântico de Yste no idioma Seduu e benuê, podem ser encontrados em rochas e estruturas pictóricas no Mali, na Costa do Marfim e no norte do Congo.

A primeira vez que esses símbolos etnográficos foram reconhecidos eles foram categorizados pelo pesquisador belga Henry Bertrand Duamis no século XIX. Posteriormente Duamis buscou compilar as histórias orais dos povos congoleses, interessado em publicá-los em um livro. Seu projeto jamais foi concluído, mas o que se sabe é resultado de fragmentos de sua pesquisa.

Segundo Duamis, os textos foram criados por um povo ou clã antediluviano chamado Dirka cuja ancestralidade pode ser traçada aos primeiros homens. Os Dirka possuíam extenso conhecimento místico e dominavam a feitiçaria do Mythos. É possível que tenham estabelecido um ou mais cultos devotados a entidades primais como Tsathoggua.

O Cântico de Yste é famoso por relatar incursões de criaturas interdimensionais conhecidas como Adumbrali que atuam como predadores. Além de nomear tais criaturas ele cita como eles agem e como elas devem ser evitadas.

Parte dos escritos de Duamis se encontram no arquivo do Museu Etnográfico da cidade de Lyon, na França. Eles também podem ser achados em fac-símile na Biblioteca do Louvre, na Universidade de Bruxelas e outras instituições com interesse antropológico. É possível que anotações também estejam com descendentes da família Duamis que guardaram o trabalho de seu antepassado.         

Henry Bertrand Duamis (c.1878)

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Casa Boleskine - A Morada que o Senhor Crowley construiu


Quem conhece o Mundo Tentacular sabe que o blog tem alguns personagens recorrentes que vez ou outra surgem em nossos artigos. São as tais figurinhas carimbadas que tiveram uma vida tão cheia de reviravoltas que ainda causam fascínio e interesse.

Uma dessas pessoas sem dúvida é o místico, pensador, filósofo, autor e mago Aleister Crowley. Apelidado ainda em vida "o Homem mais Perverso do Mundo", Crowley foi uma figura peculiar que atraiu a atenção pelos seus feitos e desfeitos. Para quem quiser ler à respeito do caríssimo Mister Crowley (sim, esse mesmo da música feita em sua homenagem) basta clicar no link que estará no final da postagem.

Mas nesse artigo em especial falaremos à respeito de sua renomada (ou seria infame?) morada.

Aleister Crowley residiu parte de sua vida, entre 1899 e 1913, em uma Mansão que ele mandou restaurar chamada Casa Boleskine, localizada às margens do Loch Ness. É importante notar que não foi um acaso aleatório que levou o místico também conhecido como "a Grande Besta" ao coração dessa região isolada da Escócia. O fato é que ele via uma importância mística nesse local ermo, algo tão significativo quanto o propósito que ele tinha em mente. Crowley pretendia usar a Casa como cenário para um complexo experimento batizado de Ritual de Magia Sagrada de Abramelin, o Mago. Para realizar com sucesso o tal experimento, Crowley precisava encontrar uma morada que se encaixasse perfeitamente nos requisitos do ritual, uma que precisasse estar especificamente situada em um local isolado e que cumprisse certos requisitos. Há, no entanto, muitos elementos estranhos na história da Casa Boleskine.

Segundo a lenda, a casa foi construída sobre as ruínas de uma igreja do século X que foi destruída por um incêndio durante um culto, matando todos os fiéis que estavam lá dentro. A acontecimento reverberou na história local, não apenas por conta do teor trágico, mas por conta da superstição de que os mortos ali continuava vagando pelas imediações. Não por acaso a fama de assombrado se espalhou rapidamente e os vizinhos do terreno evitavam passar por ali mesmo durante o dia. Uma história recorrente afirmava que figuras sombrias e espectros com queimaduras e ferimentos medonhos podiam ser vistos perambulando por ali. Também havia o cheiro de fumaça e carne queimada que podia ser sentido há quilômetros de distância quando o vento soprava do lado para a terra.


A casa tem vista para o Cemitério Boleskine, no sopé da colina, que há muito tempo é palco de acontecimentos ocultos. O Cemitério teria recebido corpos de bebês indesejados não batizados, de mães que morreram durante aborto, de criminosos executados e claro, de suicidas. Todos os mortos indesejados eram sepultados na faixa de terra escura daquele cemitério maldito. Com ciprestes retorcidos e salgueiros tristonhos o lugar possui uma aura de melancolia.  

A mansão e o cemitério estão inexplicavelmente ligados por um túnel de pedra que se estende do porão da mansão até o sombrio interior da necrópole. Talvez ele tenha sido construído para que um guarda-mor alertasse o dono da casa sobre qualquer roubo de cadáver. Dizem que tal coisa costumava acontecer frequentemente: pregos de caixão, crânios de fetos e a mão esquerda de enforcados eram artigos usados em rituais de magia negra. Também se falava de práticas nefastas de necrofilia e necrofagia acontecendo naquelas premissas. Seja como for, a Casa e o Cemitério estavam conectados não apenas por essa passagem, mas pela história.

Vários dos antigos residentes de Boleskine foram enterrados no cemitério próximo e era uma espécie de tradição que o mais imponente mausoléu despontando na ravina fosse usado para esse fim. A estrutura de pedra cinzenta e ardósia esverdeada reúne os ossos de dezenas de senhores que chamaram a mansão como seu lar.

A mansão também tem vista para o Lago Ness, famoso pelo lendário Monstro do Lago Ness. As janelas do segundo andar e do sótão concedem uma vista magnífica do lago de águas plácidas e escuras. Mais de uma história relata avistamentos estranhos rompendo a linha da água e de borbulhas que surgem perturbando a superfície.  


Aleister Crowley comprou a Casa Boleskine em 1899 para se isolar do mundo e gozar da privacidade que praticar magias demandava. Ele almejava um lugar afastado onde poderia estudar o Livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago, mal traduzido por seu mentor, o fundador da Ordem Hermética da Aurora Dourada, Samuel Liddell MacGregor Mathers. Crowley era fascinado pela Magia Ritual e acreditava que através dela, o Mundo Real e Espiritual poderiam se conectar.

Foi durante seu tempo em Boleskine que a Grande Besta mergulhou de cabeça no ramo mais obscuro do espiritualismo e nas práticas de magia negra. Crowley acreditava que Boleskine oferecia as condições ideais para seus ritos, fosse pela teatralidade do ambiente soturno ou pelas reverberações sinistras de sua biografia.  

Em algum momento desse período, Mathers, que havia se exilado em Paris, chamou Crowley para a filial da Ordem Hermética da Aurora Dourada que havia criado. Crowley atendeu ao chamado e partiu para se juntar ao seu mentor na França e dali seguiu para outros projetos no campo do misticismo.  

O mago partiu de forma intempestiva, supostamente sem dissipar os "12 Reis e Duques do Inferno" que havia invocado na casa durante os rituais que lá realizou. Pessoas que inspecionaram a casa disseram sentir uma aura esmagadora de ameaça no ar, o que combinava com os muitos altares montados no pátio e símbolos de proteção desenhados no assoalho da sala e quartos. Crowley traçou esses símbolos no chão, no teto, nas portas e nas janelas para confinar o que quer que ele tenha invocado e impedir que estes saíssem. Contudo ele mesmo tinha dúvidas sobre o que havia trazido para a casa e lá aprisionado. 

Muitos moradores locais atribuem a história infeliz da casa aos espíritos malignos deixados para trás. Crowley, que nunca admitia erros, chegou a reconhecer que os rituais que realizava na Casa Boleskine haviam saído do controle. Poderiam representar um perigo real para alguém entrando lá inadvertidamente.


Ainda assim, quando partiu para a França ele deixou uma família para tomar conta da propriedade. A filha de 10 anos e o filho de 1 ano da governanta que lá trabalhava morreram misteriosa e abruptamente. Doenças e acidentes se multiplicavam e a criadagem precisava ser substituída com frequência. As pessoas não queriam ficar lá e logo o staff foi reduzido e restringido apenas a um guarda que morava próximo e que se dispunha a ir uma vez por semana, durante o dia, averiguar se as portas estavam trancadas. Um rumor muito difundido é que esse guarda encontrava janelas e portas abertas mesmo que não houvesse sinal de que viva alma tivesse estado lá. 

Outra história macabra foi contada pelo próprio Crowley a amigos. Ele relatou que um funcionário da propriedade, que havia se abstido de álcool por muito tempo, ficou bêbado e tentou assassinar toda a sua família. O escândalo foi abafado, mas o homem, que posteriormente foi colocado sob os cuidados de um manicômio, acabou cometendo suicídio ao cortar a garganta com uma navalha. 

Eventualmente Crowley decidiu que era o momento de se livrar de Boleskine. Ele chegou a cogitar retornar a Mansão e realizar um grande Ritual de Exorcismo que expulsasse as manifestações ali contidas, contudo tal medida jamais foi levada adiante. A Grande Besta tinha receio de que isso poderia ser perigoso, visto que as forças lá dentro se ressentiam profundamente dele. Até onde se sabe, Crowley jamais retornou para Boleskine e para vendê-la utilizou agentes imobiliários. Seus objetos pessoas, sobretudo a vasta biblioteca, foi encaixotada e despachada de volta para Londres.

Mas mesmo depois da casa mudar de mãos, as energias negativas ali represadas não se dissiparam e tragédias continuaram acontecendo. 

Em 1965, um Major do Exército que havia comprado a casa cometeu suicídio com um tiro de espingarda na boca. Seu corpo foi achado semanas depois e dizem que sua face ficou transfigurada por um terror presenciado antes do ato extremo. Depois disso, um casal recém-casado mudou-se para a casa. A esposa era cega e, depois de um mês, o homem foi embora, deixando a mulher abandonada vagando sem enxergar. Em 1969, Kenneth Anger, um cineasta experimental interessado em ocultismo, soube que a casa estava à venda e a alugou por alguns meses. Ele também partiu alegando não ter suportado o "duro fardo de viver naquele lugar".


O próximo proprietário foi uma celebridade sombria de um tipo diferente: Jimmy Page, da banda Led Zeppelin. Page, que nutria interesse pelo ocultismo comprou a casa cogitando realizar lá algumas experiências ritualísticas em especial as delineadas por Crowley de quem ele era fã. O músico esperava que a aura de Boleskine pudesse contribuir para seu aprimoramento místico. Page passou muito pouco tempo na propriedade, ele a considerou desagradável e alegadamente teve pesadelos que o deixaram aterrorizado. A casa foi passada para um amigo e sua família e este relatou não se importar com os rangidos, gemidos e várias aparições fantasmagóricas inexplicáveis que ocorriam no local. O que mais o incomodava eram os fãs de Crowley e Page que frequentemente tentavam invadir a casa e profanar o terreno.

Proprietários posteriores descartaram qualquer ideia de assombrações ou bruxaria na casa, mas a tragédia continuou a assolar a região. Em 2015, os moradores da casa retornaram de uma ida às compras e encontraram a casa completamente em chamas. Não houve feridos, pois ela se encontrava vazia quando o incêndio começou.

Entre os muitos rumores da casa, persiste a narrativa de que Crowley realmente levou à cabo seu Grande Experimento Místico. Ele decidiu iniciar os preparativos na véspera da Páscoa de 1908, mas estes só se concluíram cerca de seis meses depois. Crowley observou que, devido a certos perigos sobrenaturais que o experimento poderia desencadear seria bom contar com alguém para auxiliá-lo, assim chamou um colega. O homem em questão era Charles Rosher, que, assim como Crowley, era membro da Ordem Hermética da Aurora Dourada e amigo do professor de Crowley, Allan Bennett

Rosher pretendia ficar com Crowley por meses. Acabou partindo – ou melhor, fugindo – em no máximo três semanas. O motivo: a presença de forças malignas invisíveis que Rosher tinha certeza de que haviam se apossado da Casa Boleskine e que pretendiam tornar sua vida um inferno. Tal foi a natureza de sua partida precipitada que Crowley não sabia de nada até que seu mordomo o informasse de que seu amigo havia partido. Os dois não se viram novamente por anos pois Crowley considerou a fuga um ato de covardia extrema.

Não há muitos relatos sobre como transcorreu o ritual de Abramelin, o que é curioso já que Crowley adorava se gabar de suas proezas mágicas. É curioso que ele fosse muito discreto sobre esse experimento em especial, levando muitos a crer que ele tenha sido um fracasso retumbante. Mesmo assim, o sempre enigmático Crowley provocava seus colegas afirmando que certos assuntos não deveriam ser abordados. 


Se algo sobrenatural ou maligno havia descido sobre Boleskine House, não demorou muito para que começasse a afetar e infectar as pessoas que viviam ao redor do lago. Em certa ocasião, logo após se mudar para Boleskine, Crowley retornou à residência após um passeio pelas colinas, apenas para encontrar um padre sentado em seu escritório. Pálido como um fantasma e profundamente preocupado, o sacerdote confidenciou que o zelador da hospedaria, um homem chamado Hugh Gillies tentara matar sua família em um frenesi de violência repentino. 

Em outra ocasião, um velho amigo de Crowley dos tempos de Cambridge, visitou-o — e, como Charles Rosher, pretendia ficar por um longo período. Ele também não suportou a aura de Boleskine partindo em menos de duas semanas, após apresentar sintomas semelhantes aos de um ataque de pânico e dizer a Crowley, em tom de medo, que a Casa Boleskine estava repleta de espíritos terríveis e malévolos.

O próprio Crowley reconheceu existir algo sinistro na casa. Ele decidiu trabalhar no único cômodo que oferecia um grau razoável de luz solar – e que contrastava fortemente com o resto da casa. Era um lugar purificado, segundo o próprio, uma ilha de sanidade naquela mar caótico. Mas mesmo naquele cômodo Crowley foi forçado a introduzir iluminação artificial, tamanha era a atmosfera lúgubre. 

Apesar das dificuldades, a atração magnética do Loch Ness e da Casa Boleskine continuou atraindo a Grande Besta de volta à Escócia, e ele continuou com seus estudos e planos. Ele também se casou.

"Sempre me sentirei um pouco grato a Boleskine por me dar minha esposa", disse Crowley. Ele se referia à sua amada, Rose Edith Kelly, que desposou em 1903. "Embora, anos mais tarde", revelou, "essa união, que tanto significou para nós dois enquanto durou, tenha se tornado uma tragédia doméstica, catalizada pela casa onde decidimos viver. Boleskine não era boa para nosso matrimônio", contou.

O período de Crowley como Lorde e Senhor de Boleskine também foi marcado por graves disputas e desentendimentos. Um "mago rival" teria conjurado energias sobrenaturais que causaram a morte de sua matilha de cães farejadores. Crowley adorava seus cães e ficou furioso com essa ousadia. Ele reagiu através de rituais que visavam contra-atacar seu desafeto. Além disso, seus servos começaram a adoecer ou se demitir pois não gostavam da casa. Doenças e insatisfação eram algo mundano nesse emprego. Então, o pior de tudo aconteceu numa manhã. Crowley ouviu gritos e xingamentos selvagens e histéricos vindos da cozinha. Um empregado havia ficado inexplicavelmente furioso e atacou Rose. Tal era o estado de ferocidade do sujeito, que Crowley e sua equipe foram forçados a trancá-lo no porão e aguardar a chegada da polícia local.


Felizmente, Rose se recuperou, mas ela não se viu livre de infortúnios. Em 1911, Crowley foi forçado a interná-la em um asilo, devido a demência provocada por seu alcoolismo descontrolado. Embora não culpasse a casa por mais esse revés, ele com certeza suspeitava que o ambiente não era bom para a esposa. E de fato, quando deixou a casa em busca de tratamento, ela afirmou que a morada exercia uma forte influencia sobre sua condição geral.

Hoje em dia, a lendária Casa Boleskine segue mantendo um grande apelo popular como "lugar assombrado". Dada a sua tumultuada história, a fama é mais do que merecida ainda que provavelmente haja muitos exageros e invenções. Inegável contanto que o lugar desempenha um papel crucial na biografia de uma das figuras mais controversas e fascinantes do século XX.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Sepultado pela Eternidade - As precauções contra o retorno de um temido morto vivo


Um dos medos mais antigos, presente em diversas culturas e difundido entre incontáveis povos do passado era o medo dos mortos voltarem a vida.

Parece uma tolice hoje em dia, mas nossos antepassados aparentemente dedicavam boa parte de seu tempo livre tentando encontrar maneiras de impedir que as pessoas enterradas retornassem para incomodá-las. O terror era tamanho que há relatos no mínimo bizarros sobre práticas de contenção. Por exemplo, os persas contratavam vigias para manter guarda no perímetro de cemitérios e observar por pelo menos sete dias e sete noites se o morto não se erguia do lugar onde havia sido enterrado. Na Rússia medieval também havia essa preocupação e os caixões por vezes eram cobertos com pesadas pedras, lacrados com correntes ou então amarrados com cordas. Em algumas partes da China era um costume bastante difundido prender nos tornozelos de cadáveres suspeitos bolas de ferro para restringir seu movimento.

Mas sempre há casos que extrapolam e vão longe demais.

Arqueólogos escavando um sítio da antiga cidade romana de Sagalassos, no sudoeste da Turquia, se depararam recentemente com uma tumba do século II d.C. que foi preparada para impedir que seu ocupante perambulasse por aí. Uma área de aproximadamente 30 metros ao redor do mausoléu em questão foi especialmente preparada para impedir o cadáver de incomodar os vivos.

Os especialistas relataram a descoberta do mausoléu que se difere de todos outros depósitos funerários da antiga necrópole. Neste contexto específico, os restos humanos foram cercados por uma série medidas cautelares que incluem até memso armadilhas visando deter o morto à qualquer custo. Johan Claeys, arqueólogo da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, descreveu além dos obstáculos, rituais mágicos e truques com o intento de preservar o homem debaixo da terra. 

O mausoléu remonta a 100-150 d.C., quando Sagalassos estava sob domínio romano. Claeys e sua equipe trabalham como parte do Projeto de Pesquisa Arqueológica local e a primeira coisa que chamou a atenção deles foi a maneira como este homem foi depositado no mausoléu. Em funerais normais o cadáver era colocado em uma profundidade de 1,50 metros (os proverbiais sete palmos), mas esse morto foi colocado a quase 4 metros abaixo do nível do solo. O caixão foi lacrado com pregos, acorrentado e atado com uma corda. Além disso na tampa do ataúde foram desenhados cuidadosamente símbolos cujo propósito era apaziguar o espírito.

Mas os cuidados não pararam por aí!

Seja lá quem tenha enterrado esse cadáver, seu objetivo era não deixar nenhuma brecha para o inesperado. Os arqueólogos encontraram os restos de 5 gatos que teriam sido sacrificados e sepultados no mesmo espaço - gatos eram tidos como guardiões do mundo espiritual, portanto sua função era impedir qualquer incidente não natural. 

Próximo dos felinos foi erguida uma mureta com um metro de altura composta de tijolos isolando uma camada grossa de cal viva, colocado ali para causar queimaduras em quem andasse sobre ela. O estudo observa que cal viva era usada como uma prevenção a necrofobia e como medida protetiva contra vampiros, carniçais e fantasmas. No entanto a quantidade da substância chama a atenção. O cal podia ser frequentemente utilizado para evitar a putrefação ou para proteger os vivos de qualquer doença que o falecido tivesse, mas essa não parece ter sido a principal razão aqui.
 
O mais impressionante, entretanto, foi a descoberta de uma derradeira medida protetiva - uma legítima armadilha. Telhas finas de terracota foram colocadas cuidadosamente sobre um fosso de três metros, escavado ao redor da tumba. No fundo dessa trincheira haviam centenas de pregos de ferro. Os pregos eram ferramentas comuns para afastar o mal - Plínio, o Velho, escreveu sobre o uso de pregos para combater pesadelos, enquanto outros textos se referem a eles afastando espíritos malignos. Neste caso, era claramente a maneira de dissuadir o morto de sair do seu descanso eterno. 

"Nós já havíamos encontrado práticas de proteção similares na região, mas o fato delas estarem todas presentes aqui chama a atenção. A combinação de métodos restritivos, de medidas místicas, o uso da cal e da armadilha com pregos denota que tudo foi projetado por um medo profundo do cadáver. Independentemente da causa da morte ter sido traumática, misteriosa ou ainda o efeito de uma doença contagiosa ou punição, ela parece ter levado os vivos a temer uma possível retaliação do morto", relatou Claeys.

Mas quem seria o indivíduo ali sepultado e o que justificava tantos cuidados?

Infelizmente a lápide e as pedras que marcam o sepulcro não identificam quem está enterrado lá. Esse tipo de coisa é especialmente curiosa já que era costumeiro identificar as pessoas, sobretudo em um mausoléu de aparência tão impressionante. Os arqueólogos acreditam que dado o luxo da cripta a pessoa tenha sido alguém de posses: um mercador bem sucedido ou nobre de status social elevado.

Seja lá quem fosse esse homem falecido, ele obviamente aterrorizava aqueles que o enterraram. Os arqueólogos observam que todo o rito funerário aqui é confuso. Enquanto o falecido foi tratado com respeito e enterrado de maneira apropriada, foram as práticas posteriores ao enterro que demonstravam estar longe do normal. É como se o morto tivesse sido tratado de forma correta, mas posteriormente medidas tivessem sido adotadas para certificar que sua morte seria definitiva.  

Após a publicação das observações, estudiosos sugeriram outra possibilidade. 

Talvez o temor não fosse à respeito do morto retornar, mas de que alguém o incomodasse. Nessa interpretação a família do falecido o estaria protegendo da ação dos vivos e não o contrário. Na época do enterro, a região de Sagalassos era atormentada pela presença de necromantes - magos que interrompiam o descanso dos mortos e podiam usar partes deles em seus feitiços. Os restos de pessoas famosas ou ilustres eram, segundo a crença os mais valiosos.

O Professor Claeys, no entanto acredita que as medidas eram no sentido de evitar a fuga do morto, um temos muito mais palpável, do que o inverso.

"Algumas pessoas continuavam a ser temidas mesmo depois da morte. Estes indivíduos especialmente poderosos ou influentes mantinham essa aura de autoridade mesmo após serem declaradas mortas. Outra possibilidade é que o indivíduo tenha experimentado uma morte traumática, violenta ou incomum. Talvez até ele possa ter sofrido algum efeito de terceiros, o que justificaria o temor destes. Mortos retornando com o intuito de extrair vingança dos vivos era uma crença comum no período".  

Há muitas questões à respeito desse mausoléu peculiar e seu ocupante misterioso, mas os estudiosos esperam resolver ao menos algumas dentro em breve. Há planos para a abertura do caixão e uma investigação criteriosa de seu conteúdo, isto é, se realmente ainda existir alguém sepultado ali.

Hmmmm... abrir um mausoléu milenar repleto de armadilhas e coberto de avisos para não fazê-lo, o que poderia dar errado, certo?

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Nas Ruínas de Innsmouth - Antologia de contos da Editora Clock Tower em Financiamento Coletivo


Uma cidade pesqueira, isolada e evitada por todos os seus vizinhos que a temem com razão. Pois apenas os que vivem em Innsmouth ou nos seus arredores sabem os horrores indescritíveis que espreitam pelas suas ruas desertas. 

Entre a população local estão membros de um antigo Culto apocalíptico, a Ordem de Dagon. 

Muitos deles são descendentes dos fundadores dessa Ordem abominável. 

Muitos deles realizaram um pacto blasfemo com as profundezas.

Muitos deles foram pervertidos: mudaram e se transformaram. 

E agora não são mais humanos!

Innsmouth é uma das criações mais aterrorizantes do genial H.P. Lovecraft.


A Editora Clock Tower, responsável por publicar o que há de melhor e mais clássico no gênero Horror Cósmico, pioneira em vários lançamentos e textos que jamais haviam sido traduzidos em português mergulha nas lendas e mitos de Innsmouth para trazer uma antologia de contos inteiramente inspirada pela mais assustadora cidade da Terra Lovecraftiana.

Os contos que compõem essa antologia foram escritos por fãs e entusiastas do Horror, que tomaram emprestada a prosa e os conceitos de Lovecraft destilando sua visão particular sobre Innsmouth e seus inúmeros terrores.

"Nas Ruínas de Innsmouth", não é só uma expansão do ambiente presente em um dos maiores e mais famosos contos de H.P. Lovecraft. É uma homenagem ao autor do Cthulhu Mythos, Contos, poesias e ilustrações que darão uma nova visão sobre essa terra amaldiçoada. Além disso, haverá textos interconectando as histórias, tornando o livro uma narrativa fechada que aumenta o panorama da obra original.

Conheça a seguir o conteúdo do livro e quem são os participantes dessa coleção. 

SUMÁRIO

"Mistérios não revelados de Innsmouth" (introdução pelo editor)

1946 — Innsmouth, MA. (EUA) — Como tudo começou

Sombras que vêm do mar (Alexandre Callari) - Um homem sem esperança na vida vai passar uns tempos em Innsmouth. Lá tem contato com um ancião que o alerta sobre perigos da cidade, mas ele não lhe dá ouvidos, não imaginando o mal que está por vir. Uma história muito bem contada que remete com detalhes à cidade de Innsmouth e suas ruas misteriosas.

Um punhado final de consciência (Explorador) - A história de um pescador que começa a ser atormentado por estranhos pesadelos, sendo taxado de louco pelos amigos. Em uma bela noite, ele pega seu barco e rema para Innsmouth. Nos causou impressão muito positiva a imaginação do escritor desse conto.

O breve relato de um moribundo (Hugo Sales) - Um jovem vai para Innsmouth em busca de sua amada que não responde mais suas cartas. Lá se depara em um comércio com estranhos seres e depois com sua esposa, que agora está muito mudada.

O que descansa na escuridão (Dama Oliveira) - Essa é a história de duas meninas que tinham forte amizade, mas que são separadas, sendo que uma delas (órfã), após a adoção, vai parar em Innsmouth. Anos depois, elas se encontram nessa maldita cidade em meio a uma trama violenta e um destino que as une. Nos impressionou muito a força narrativa desse conto no que se refere a sentimentos entre pessoas do mesmo sexo, em meio aos horrores alienígenas de Innsmouth.

O relato de Natham White (Julius) - Essa é a história de um escravo chamado Nathan White. White trabalhava como marinheiro em um navio mercante, até que uma estranha tempestade fez a embarcação ficar à deriva, indo parar em Innsmouth. Lá tem contato com estranhos moradores e uma seita macabra que pode levar ele à loucura. O que impressiona é como o autor conciliou as questões relativas ao racismo e ao horror de forma magistral.


A morte em nome do deus proscrito (Marcos Faria Martins Filho) - Essa é a história do brasileiro José dos Anjos, que em um quarto de hospital psiquiátrico faz seu relato para uma enfermeira. Anjos explica a forma inusitada sobre como ele, do Brasil imperial, foi parar em Innsmouth e tudo o que de mais macabro presenciou no lugar. Um destaque para esse conto é sua forte ambientação e os detalhes históricos, haja vista o escritor ser historiador.

A mancha (Helton Lucinda Ribeiro) - Esse conto trata das aventuras de uma antropóloga da Universidade de Columbia em sua breve passagem sobre Innsmouth. Dr. Wilmarth da Miskatonic University aconselha ela não ir, mas mesmo assim, em pouco tempo a jovem chega à cidade desolada. E lá, uma estranha seita deseja ofertar sua filha que ainda está no ventre ao deus Dagon, mas isso é impedido por um fato muito inusitado. O destaque para esse conto vai na forma como o autor fez relação com outros elementos dos Cthulhu Mythos.

O relatório de Ethan Darkwood (Ari C. Freire) - Um corpo muito estranho é encontrado no Rio Miskatonic em Arkham e Ethan Darkwood foi chamado para dar uma resposta ao caso. Suas investigações o levam à cidade portuária de Innsmouth, onde seres híbridos, metade homem, metade peixe, reverenciam um deus chamado Dagon, segundo relata para ele o velho Zadok Allen. Mesmo assim, ele insiste em prosseguir suas investigações, que poderão levá-lo à loucura.

A noiva de Innsmouth (Lucas Freitas) - Essa é a história de um nobre que decide virar marinheiro e se depara com a cidade portuária de Innsmouth. Um destaque para o conto foi a escrita coerente, coesa. A escrita no que tange ao horror é primorosa, visível e acertada.

Arte de corpo e alma (Alex Rebonato) - Uma história sobre um curador de uma galeria de arte que, depois de um acidente, deixa-o obcecado por pinturas bizarras. Isso faz com que ele tenha pouco sucesso, mas chama a atenção de um habitante ilustre de Innsmouth, que o convida a conhecer essa cidade por um motivo muito peculiar. O destaque do conto vai para a força imaginativa do autor e a forma com prende nossa atenção a descrição dos fatos.

Os diários de Matt Eliot (Felipe Silva Carvalho) - Durante as investigações conduzidas por Selectman Mowry e que levaram à prisão de Obed Marsh, trechos do diário de Matt Eliot foram utilizados como evidência. Os relatos são uma linha do tempo que conecta a primeira viagem do Sumatry Queen ao início do culto a Dagon, que culminou no declínio de Innsmouth. O destaque para esse conto foi a qualidade como o autor inseriu fatos relativos aos eventos da novela A Sombra sobre Innsmouth (como a prisão de Obed Marsh), de forma muito detalhada.

A canção de Scyllintha (Luciano Reis) - De volta a sua cidade natal, Innsmouth, um marinheiro terá que encarar o seu passado, enfrentar seus medos e descobrir uma verdade oculta, abissal e mortífera, ao som de uma hipnótica e sedutora melodia. O destaque foi a criatividade e originalidade da história muito bem escrita. É ótima a construção narrativa.

Dos confins do tempo (Focinho Curto) - Uma vila de pescadores enfrenta a escassez de alimentos. Isso obriga os seus moradores a irem cada vez mais longe no mar, aproximando-se do temido Recife do Diabo e da estranha cidade de Innsmouth. Poderes ancestrais estão prestes a se manifestar. O destaque vai como o autor explora de forma aterrorizante Innsmouth, conto ótimo e bem escrito.

O bibliotecário em Innsmouth (Luciano Paulo Giehl) - A misteriosa doação de um raro volume para o acervo da Universidade Miskatonic leva um bibliotecário até a decadente cidade de Innsmouth. Mas aquilo que parecia um trabalho corriqueiro se transforma em pesadelo quando ele descobre que entrar nessa cidade pesqueira é mais fácil do que sair. O destaque vai para a história que foi muito bem escrita e desenvolvida, utilizando de forma perfeita elementos dos Cthulhu Mythos.

Epílogo

A prisioneira de Innsmouth (Liveira) - poesia

Cântico para Dagon (Paulo R. Caetano Tonon) - poesia

A Editora Clock Tower está oferecendo esse livro no formato de Financiamento Coletivo em uma campanha que se iniciou hoje. As metas extras contemplam material adicional, extras, contos, mapas e muito, muito mais...

Se você gosta de horror, tensão, suspense e criaturas macabras, não deixe de apoiar no catarse através do link: