Se uma palavra pode descrever o Incidente Glozel, esta deveria ser "controvérsia". Uma das maiores e mais longas controvérsias no mundo da Arqueologia.
Tudo começou em Março de 1924, quando um rapaz de 17 anos chamado Émile Fradin, na companhia de seu avô Claude Fradin descobriu algo estranho na fazenda da família. Os dois estavam trabalhando em um campo conhecido como Glozel, que havia recebido o medonho apelido "le Champ des Morts", ou "O Campo dos Mortos". Poucos anos antes, o local foi palco de violentos enfrentamentos entre tropas alemãs e francesas na Grande Guerra. As velhas trincheiras escavadas no solo revirado, as fundas crateras produzidas pela artilharia e restos enferrujados de arame farpado ainda marcavam a paisagem, mas o som da guerra havia sido substituído por um silêncio bucólico. Glozel havia se tornado um lugar pacífico, usado para agricultura.
Émile estava trabalhando o solo quando uma das vacas que puxava seu arado prendeu a perna em um buraco. O animal mugia desesperado e os Fradin tiveram dificuldades em soltá-lo, pensando que ela havia ficado presa em uma armadilha. Finalmente conseguiram livrar a vaca, e isso revelou algo inesperado. Oculto sob a terra havia uma estrutura formada por tijolos de argila cozida e uma curiosa pedra lisa que servia de tampa para o que julgaram ser uma sepultura. Repousando sob essa pedra estavam ossos humanos. À princípio eles acharam que se tratava de uma sepultura comunal usada pelos soldados alguns anos antes, mas logo ficou evidente que os ossos eram muitíssimo mais antigos.
Até então, aquela parecia uma descoberta arqueológica trivial como muitas outras feitas no interior da França. Aquela região havia sido habitada ao longo de toda sua história por povos que deixaram sinais de sua passagem: De ruínas e cemitérios até cavernas com arte rupestre nas paredes.
À pedido dos Fradin, uma professora examinou os achados reunidos em uma caixa de madeira. Ela tinha alguns conhecidos no Ministério da Educação e enviou uma carta a eles relatando a descoberta sugerindo que poderia ser algo importante. Demorou alguns meses, mas em meados de julho, Benoit Clément, outro professor e membro da Societé d'Emulation du Bourbonnais, visitou o sítio na companhia de um arqueólogo chamado Viple. Clément e Viple examinaram os objetos e depois pediram para conhecer o local onde foram achados. Usando pás e picaretas cavaram mais fundo encontrando os restos de uma parede de tijolos e um teto. O arqueólogo Viple identificou o sítio como pertencente ao período gaulês-romano. Ele explicou que embora fosse interessante não se tratava de uma descoberta expressiva e liberou o campo para a estação do plantio.
Contudo, em janeiro de 1925 uma edição do boletim da Sociedade publicou fotografias dos objetos, em especial de uma pedra lisa repleta de inscrições. A Sociedade organizou uma pequena escavação coordenada por um médico local e entusiasta de arqueologia, o Dr. Anton Morlet especialista no período romano na Gália. Após estudar os objetos ele concluiu que eles eram consideravelmente mais antigos, talvez da Cultura Magdaleniana. Morlet supunha que pertenciam ao Paleolítico Superior (entre 12,000 a 9500 anos antes de Cristo), uma vez que as peças incluíam pontas de lança feitas de ossos de rena e representações desses animais, extintos desde 10,000 aC.
A nova escavação comandada por Morlet removeu uma infinidade de tabuletas de argila, ídolos, ferramentas, pedras talhadas e objetos com curiosas inscrições. As descobertas foram apresentadas em setembro de 1925 como artefatos neolíticos e atraíram a atenção de jornalistas que publicaram a história em detalhes. Embora Morlet tenha datado os artefatos como Neolíoticos, ele não estava cego para o fato de que o sítio continha objetos de épocas diferentes. Ele mantinha a opinião de que boa parte deles era muito antigo, portanto sua conclusão é que a área serviu como assentamento humano durante a transição de vários períodos, mesmo que alguns delas fossem separados por milênios.
Certos objetos eram realmente anacrônicos: uma pedra mostrava a representação de uma rena, acompanhada de símbolos que sugeriam o que parecia ser um alfabeto bem construído. Conforme mencionado, as renas desapareceram da região em meados de 10,000 aC, e a mais antiga forma de escrita humana foi estabelecida em 3,300 aC, no Oriente Médio. O consenso geral era de que nenhum povo anterior a esse período possuía uma forma de comunicação escrita, contudo na opinião de Morlet as descobertas de Glozel contrariavam isso enormemente.
Para tornar tudo ainda mais complicado, o estilo do alfabeto era semelhante ao fenício, datado de 1,000 aC. Mas é claro, era consenso que a Civilização Fenícia jamais estabelecera colônias naquela região, mesmo no auge de sua expansão marítima.
Não é de se espantar portanto que a maioria dos acadêmicos de arqueologia fossem bastante céticos quanto às conclusões de Morlet; afinal de contas, o estudo havia sido redigido por um arqueólogo amador. Várias das conclusões soavam absurdas: Escrita pré-histórica? Um cruzamento entre Paleolítico e Neolítico? "Tolice", vociferavam os acadêmicos! "Ridículo" ecoavam os pesquisadores!
Infelizmente para os círculos acadêmicos franceses, Morlet não se deu por vencido facilmente. Ele convidou outros arqueólogos que simpatizavam com suas teorias para visitar e realizar escavações no sítio. Durante o ano de 1926, Salomon Reinach, curador do Museu Nacional de Saint-Germain-en-Laye, passou dias escavando o sítio e ficou impressionado com o que descobriu. Reinach confirmou a autenticidade do sítio e dos artefatos nele encontrados. Outro importante estudioso a visitar o local foi Abbé Breuil que à princípio demonstrou entusiasmo com a profusão de peças e ossos retirados do local. Contudo, o próprio Breuil levantaria dúvidas a respeito da autenticidade de algumas peças chegando a afirmar que vários artefatos eram falsificações.
Breuil levantou suspeitas de que Morlet e Fradin teriam criado os artefatos usando como inspiração fotografias de peças originais encontradas em outra escavação. O fantástico alfabeto paleolítico, possivelmente a escrita mais antiga de todos os tempos seria nada mais do que uma série de símbolos inventados pelos falsários.
À despeito das graves acusações, Morlet continuou retirando de Glozel centenas de objetos em um período de dois anos. As fantásticas descobertas incluíam tabuletas de argila cozida com aquele mesmo alfabeto estranho e mais de quinze pedras polidas com a impressão de mãos humanas. Outros achados incluíam ídolos religiosos, pedras decorativas, cerâmicas, vidros, ossos e muito mais. Morlet acreditava que Glozel havia servido como importante centro religioso em algum momento do passado remoto e que posteriormente ele teria se convertido em um cemitério.
A essa altura os debates sobre Glozel já dominavam o meio acadêmico com grupos debatendo sua veracidade.
Em junho de 1927 dois outros sítios foram localizados pelo Dr. Morlet. Um deles contendo 67 e o outro 121 artefatos e uma infinidade de ossos humanos. Parecia claro que Glozel teria de ser aceito como uma relevante descoberta arqueológica à despeito da controvérsia sobre a origem das peças. Em uma reunião do Instituto Internacional de Antropologia em Amsterdam, realizada em setembro de 1927, Glozel se tornou o centro de todos debates.
Uma comissão internacional, formada por especialistas levaria à cargo investigações que tentariam revelar a natureza do sítio e sua origem. O grupo chegou a Glozel em novembro de 1927.
Durante os três dias em que a comissão esteve nos sítios, os arqueólogos encontraram uma profusão de artefatos. Tão grande a quantidade que um dos envolvidos disse que "eles simplesmente pareciam brotar do chão". Entretanto, após analisar as descobertas, a comissão declarou que tudo, com exceção de algumas pedras talhadas era uma fraude. A notícia caiu como uma bomba entre os defensores de Glozel. As peças foram consideradas cópias de outras peças autênticas encontradas em museus por toda França. Acadêmicos de renome acusavam Morlet e os Fradin de conduzir uma fraude absurda e demandavam que as peças fossem apreendidas como um engodo.
A discussão então passou para a esfera jurídica com os Fradin contratando um advogado para processar os acadêmicos, tendo como cabeça René Dussaud, nada menos do que o curador do Museu do Louvre que devolveu as peças de Glozel afirmando que o prestígio do Museu não poderia ser manchado por o que ele chamou de "uma fraude grotesca".
A disputa continuava causando acalorada controvérsia entre acadêmicos e em uma reunião realizada na Normandia, dois arqueólogos chegaram às vias de fato. Muitos pesquisadores pareciam "querer" à qualquer custo que Glozel fosse uma realidade enquanto outros sequer queriam discutir a possibilidade. Aqueles que defendiam o sítio ansiavam que uma civilização ancestral, surgida na França, se tornasse dona da escrita mais antiga do mundo, pré-datando as culturas semíticas em milênios. Era uma questão de orgulho! Sem falar que tal descoberta impulsionaria centenas de escavações e a abertura de sítios em toda França. Seus críticos duvidavam de tudo e afirmavam que Glozel produzia apenas lixo.
Nesse meio tempo, os Fradin, com ajuda de Morlet inauguraram um pequeno Museu com suas descobertas, cobrando entrada dos visitantes. Ultrajados pelo que afirmavam ser uma demonstração de má-fé um grupo de estudiosos foi até Glozel e começou a depredar o museu. Na ocasião várias peças foram destruídas a golpes de marreta. A polícia foi chamada e a confusão terminou em um verdadeiro quebra-quebra.
Um novo grupo de arqueólogos isentos, chamado Comitê de Estudos foi apontado para coordenar os esforços de verificar e datar as peças. O grupo visitou Glozel e conduziu escavações encontrando pedras e tabuletas que foram reunidas para futura análise. Embora o comitê tenha reconhecido que o sítio era autêntico, a conclusão que chegaram sobre as peças levantava suspeitas. Uma das tabuletas foi investigada criteriosamente e pequenos grãos de pólen foram achados aderidos à pintura o que poderia evidenciar que ela era mais recente do que se imaginava.
Bizarramente um dos estudiosos envolvidos nas análises, um respeitado pesquisador chamado Michel Bayle foi assassinado na mesma época com um golpe de picareta enquanto vagava por uma escavação. O caso causou grande repercussão e inflamou ainda mais o debate. No fim das contas, um outro estudioso foi apontado como o responsável pelo assassinato e o motivo do crime não tinha relação direta com Glozel. Os colegas de Bayle continuaram seu trabalho, recebendo frequentes ameaças anônimas de morte.
O relatório final do Comitê, chamado Relatório Bayle em homenagem ao professor assassinado, foi concluído em junho de 1929. Ele deixava claro que a maioria das peças recuperadas nas sepulturas em Glozel eram falsas. Cerca de 80% delas eram mais recentes do que se imaginava, tendo sido, provavelmente produzidas pouco antes de sua alegada "descoberta". Emile Fradin e o Dr. Morlet chegaram a ser formalmente acusados de terem falsificado o material para ganho próprio, contudo nenhum processo foi levado à termo e as acusações contra eles foram arquivadas em 1932.
Morlet continuou escavando o sítio até meados de 1938. Durante essa década de pesquisa, a maior parte dos museus e universidades de respeito da Europa se negavam a recebê-lo, vedavam o uso de bibliotecas e sequer analisavam suas descobertas. Morlet passou a ser considerado persona non grata. Suas peças eram tidas pela maioria dos cientistas como fraudes bem engendradas por pseudo-acadêmicos.
Descreditado e largamente ridicularizado pela comunidade internacional, o Dr. Morlet tentou uma última cartada em 1950, oferecendo os ossos achados em Glozel para que um laboratório realizasse a datação por rádio carbono, uma técnica então muito recente. Um laboratório na França se negou a conduzir os testes e outro nos Estados Unidos, após muita deliberação acabou cancelando a análise. Morlet morreu em 1965 sem conseguir autenticar os artefatos pelos quais tanto lutou.
A última carta de Morlet para os Fradim demonstrava seu descontentamento:
"Não tenho mais forças. Prefiro desistir do que prosseguir dessa maneira. A verdade virá à tona um dia, tenho certeza disso, mas não acho que iremos viver para vê-la!"
Então, com tudo isso o que dizer dos Artefatos de Glozel? Seriam uma fraude ou autênticos?
Talvez a maior evidência de que o sítio fosse genuíno fosse seu descobridor, Emile Fradin. Um rapaz de 17 anos, sem educação formal, passaria centenas de horas se dedicando exclusivamente a criar uma farsa? Além disso Fradin, não detinha nada além de conhecimentos básicos sobre história e arqueologia. Como poderia produzir tamanha quantidade de artefatos, a maioria deles, capaz de enganar arqueólogos treinados.
O que chama mais a atenção é que Fradin jamais tentou vender as peças, o que poderia ser muito lucrativo se ele construiu a fraude para ficar rico. Ao invés disso, ele sempre achou que as peças deveriam ser doadas a museus e universidades. O que ele teria a ganhar se jamais desejou vender as peças? Além disso, todos os especialistas que visitaram o sítio inicialmente o reconheceram como autêntico e apenas depois de muitas análises voltaram atrás. Alguns acadêmicos mudaram de opinião apenas depois de alguns especialistas mais gabaritados o fazer primeiro.
Seria possível que Morlet estivesse certo e que foi vítima de um complô que buscava desacreditá-lo? E se essa é a explicação, por qual motivo? Uma das teorias mais conspiratórias envolvia até mesmo uma Sociedade Secreta incumbida de manter a Civilização Perdida em segredo uma vez que seus mistérios não deveriam jamais ser divulgados.
Seja como for, após 1942, uma nova lei proibiu a realização de escavações privadas o que obrigou o fechamento do sítio em Glozel. Ele permaneceu fechado por ordem do Ministério da Cultura e só reabriu para escavações em 1983. Seu estigma ainda era tão grande que ninguém desejava trabalhar nele. Apenas em 1995, o sítio recebeu novas escavações e um relatório assinado por estudiosos concluiu que Glozel continha objetos da Idade de Ferro e do Período Medieval.
A controvérsia ainda prosseguia. Em 1996 as sepulturas 2 e 3 foram identificadas como sendo do século XIII com artefatos desse período. Já a sepultura 1, a primeira descoberta pelos Fradim, tinha artefatos que foram identificados como pertencentes ao período de 300 aC até 300 dC, relativos a civilizações celtas e romano-gaulesas, conforme os primeiros relatórios sobre Glozel indicavam originalmente.
Finalmente em 1997, um exame de datação por radio carbono nos ossos demonstrou que a maioria deles pertencia ao Período Medieval, ainda que existissem fragmentos de ossos consideravelmente mais antigos, remontando ao século III.
A conclusão é que o lugar foi largamente utilizado por povos antigos em diferentes períodos e estes deixaram resquícios de sua passagem na forma de artefatos e ossos. A mais controversa teoria de Morlet, que o convenceu de sua origem Neolítica, eram os ossos de renas. Contudo biólogos na década de 1990 demonstraram que alguns desses animais sobreviveram em áreas isoladas da Europa até meados do período Gaulês-romano, talvez até ao período medieval, o que explicava suas representações em imagens e os ossos presentes na sepultura.
Outro dos aspectos mais fascinantes a respeito de Glozel, sem mencionar controversos, dizia respeito às famosas Tabuletas de Glozel. Totalizando quase 100 peças de cerâmica com inscrições, essa era a mais fantástica das descobertas retiradas do solo. Se elas realmente fossem Neolíticas como o Dr. Morlet sugeria, as descobertas de Glozel provariam a existência de povos avançados vivendo na Europa muito antes das civilizações do oriente médio se formarem. Tal coisa mudaria para sempre nossa compreensão da antiguidade.
Qual a conclusão a respeito desse alfabeto e seu conteúdo?
A resposta não é fácil de ser dada.
As inscrições jamais foram satisfatoriamente traduzidas e ninguém sabe que povo as criou ou quando embora a corrente majoritária sugira que as tabuletas são do século III. Ao longo dos anos, vários especialistas afirmaram ter conseguido decifrar os símbolos correlacionando a linguagem neles contida com inscrições produzidas por povos bascos, caldeus, celtas, hebreus, ibérios, latinos, berberes e fenícios. Nenhum dos especialistas, no entanto, conseguiu ir além de teorias a respeito da origem desses símbolos e eles permanecem um grande mistério até os dias atuais.
Mesmo hoje, a controvérsia a respeito de Glozel prossegue forte, gerando enorme debate e discussão entre arqueólogos. E ao que parece a conclusão não está sequer próxima de ser obtida.
A história da região continua obscurecida por uma sombra que dificilmente um dia será iluminada.
O que eu acho foda desses ditos cientistas, é que até onde eu sei,a ciencia se baseia em experimentação, testes, não é isso o método científico? Se os caras achavam ridículo, uma tolice esses artefatos supostamente anacrônicos, por que não simplesmente foram lá analisar, investigar, testar pra enfim tirar a prova? E sempre tem esse negócio "arqueólogo amador", como se a falta de um diploma invalidasse automaticamente a pessoa. O que impede alguém de estudar e se aprofundar em uma área que gosta? Poxa tem tantas pessoas por aí que entendem bastante sobre história por exemplo, conseguem discorrer bem sobre variados temas históricos, e não são formados na área. De novo, se além das peças serem ridiculas, era pior ainda um amador estar divulgando essas peças, por que não foram lá tirar a prova e desmascarar o cara de uma vez?
ResponderExcluirNo mundo existem gênios analfabetos e idiotas com mestrado. Simples assim...
ExcluirOLÁ!!!
ResponderExcluirEvidentemente, que o BRUNO acertou.
No entanto, também existem muitos IDIOTAS nesse meio, bem como, PESSOAS que se dizem CIENTISTAS, mas que, no entanto, são deveras mal intencionados.
E, em assim sendo, QUANDO não entendem de um assunto, denigrem-no.
Será que INEXISTEM FILÓLOGOS desinteressados de uma ESCRITA NEOLÍTICA?