No mundo da Arqueologia, onde existem ossos, existe história.
Então, onde há milhares de ossos, provavelmente haverá uma grande história.
A descoberta de uma trincheira com milhares de ossadas humanas em um Pântano na Dinamarca levanta muitas questões. Sobretudo por se tratarem dos ossos de guerreiros bárbaros. Em geral, os bárbaros estão do lado de quem promoveu o massacre, não de quem foi massacrado, certo? Bem, nem sempre...
Uma equipe de arqueólogos alemães estava realizando trabalhos de escavação em um pântano de turfas em Alken Enge na confluência do Vale do Rio Illerup, quando começou a encontrar ossadas, literalmente "brotando do chão". A área passou por uma grande enchente nas últimas semanas que ajudaram a revelar a macabra descoberta. Originalmente policiais haviam sido chamados para examinar os restos humanos, mas logo ficou claro que aquelas mortes haviam ocorrido há muito tempo.
Exames preliminares de radio-carbono dataram os ossos com uma idade aproximada de 2 mil anos, e que eles foram colocados no solo entre os anos 20 a.C e 54 d.C. A análise também determinou que a provável origem dessas pessoas era germânica. A quantidade de ossos é realmente impressionante e especialistas acreditam que haja algo em torno de 380 homens enterrados no descampado, com idades entre 15 e 60 - sendo que a idade média é baixa, em torno dos 20 anos.
De acordo com um estudo publicado após a descoberta, os arqueólogos conseguiram traçar algumas teorias a respeito do que teria acontecido com esses guerreiros que encontraram um destino brutal. O exame dos restos revelou uma história macabra de sangue, violência e morte.
As tribos germânicas eram chamadas pelos romanos genericamente de "bárbaros" em face de sua selvageria, ferocidade e comportamento agressivo. A fama dos guerreiros germânicos se tornou lendária entre as legiões romanas que os consideravam entre seus inimigos mais ferrenhos. Esses bárbaros costumavam adotar um estilo caótico de combate que privilegiava o enfrentamento aberto, com a força acima de qualquer perícia. Os guerreiros não distribuíam seu contingente quando a batalha se iniciava, eles literalmente corriam para cima do oponente gritando e correndo, bradando e golpeando sem se importar com o que estivesse na sua frente.
Muitos deles não pareciam ter medo e quando se chocavam com os escudos romanos os empurravam para que eles retrocedessem. Cronistas apelidavam as tropas germânicas de "turba ferox", pois seu comportamento era literalmente o de um bando animalesco. Não obstante, eles compensavam esse estilo de combate com uma determinação e força assombrosas. Muitos atacavam completamente embriagados, com uma fúria que aterrorizava os povos mais civilizados. Bebiam o sangue de animais selvagens, frequentemente usavam armaduras de couro e rebites de ferro, capacetes, escudos... privilegiavam armas pesadas como machados, lanças longas e martelos.
Entretanto, o bando encontrado nas charnecas da Dinamarca parece ter encontrado algum oponente capaz de fazer frente a eles no quesito selvageria. Na época, Roma estava empreendendo uma campanha de invasão dos territórios germânicos em larga escala. Os combates haviam se tornado frequentes e a medida que as legiões avançavam para o norte encontravam resistência dos povos locais.
Batalhas em larga escala na região eram, no entanto, raras, já que as tribos germânicas agiam independentemente. As tensões entre as tribos bárbaras facilitava o avanço dos romanos. Séculos de rivalidades e ódio tribal fazia com que algumas tribos preferissem até mesmo os estrangeiros aos seus inimigos de longa data. Quando uma legião fazia um movimento e atacava uma determinada tribo, outras, constituídas também por germânicos, se movimentavam para atacar e acabar com elas de uma vez por todas. De fato, antes dos romanos iniciarem seu avanço, procuraram saber quais tribos tinham uma relação conturbada e exploraram essas rivalidades ao máximo.
Segundo os arqueólogos, o grupo de guerreiros encontrados no pântano, não foram vítimas dos romanos, mas de outros bárbaros. O que mais chama a atenção, contudo, é a brutalidade desse massacre.
"A alta incidência de traumatismo post-mortem evidencia o caráter destrutivo do combate, havia verdadeiro ódio nesse campo de batalha", disse Johannes Tarchen, um dos responsáveis pela análise das ossadas. "Isso foi uma matança! Não há como dizer de outra maneira".
Ao que sugerem os restos, a grande maioria dos mortos eram jovens, poucos deles com ferimentos anteriores de batalha o que aponta para um grupo de combatentes novatos. É possível que eles fossem um grupo de reforços de alguma tribo, guerreiros em treinamento ou ainda jovens que estavam marchando para se juntar a um grupo de veteranos. Eles estavam armados com machados leves e porretes, armas tipicamente destinadas a um grupo de combatentes de pouca experiência, já que são ferramentas simples, que demandam pouco treino.
Jovens que eram preparados para se tornar guerreiros recebiam as primeiras noções de combate diretamente de seus pais ou irmãos. Muitos deles carregavam armas simples, uma vez que as de melhor qualidade ficavam com o chefe da família ou algum guerreiro mais calejado. Muitos soldados "herdavam" as armas de seus oponentes e costumavam trocá-las após um combate. Todas que foram encontradas na vala eram de baixa qualidade.
A luta também não parece ter ocorrido no pântano. De acordo com os pesquisadores, o combate teria ocorrido em um terreno seco, em algum lugar próximo, dentro do limite de uma milha. Quando o inimigo era derrotado, o costume era juntar os corpos e contabilizar quantos deles haviam morrido, já que as tribos mantinham uma projeção de quantos guerreiros havia entre os seus rivais. O massacre de um contingente como esse seria um duro golpe para uma tribo absorver. Sem a chance de preparar uma nova geração de guerreiros, toda tribo poderia ser exterminada.
Vários cadáveres foram vilipendiados após a morte. É provável que enquanto era realizada a contagem dos corpos, os responsáveis pela tarefa aproveitaram para massacrar os cadáveres. Crânios foram despedaçados por golpes produzidos post-morten, falanges foram cortadas possivelmente para permitir que dedos fossem levados como souvenir e em alguns casos, houve decapitação. Os corpos foram simplesmente deixados para trás, já que não era costume enterrar os inimigos logo depois da batalha.
Ao que parece alguém - não está claro se aliados, parentes, ou até a própria tribo inimiga - retornou em algum momento, removeu peças de roupa, armas e pertences dos mortos e reuniu o que restou na trincheira onde eles foram enterrados. A essa altura, muitos dos cadáveres já haviam sido reduzidos a ossos pela ação do clima e de animais carniceiros.
A trincheira escavada tinha cerca de um metro e meio de profundidade e estava forrada com restos de turfa extraídos do pântano. Alguns dos restos foram empilhados e sobre eles colocaram pedras chatas de cor branca. Os crânios, muitos deles fraturados, foram colocados sobre as pilhas, já que eles serviam para identificar que esses ossos pertenciam a seres humanos. Alguns povos acreditavam que enterrar os ossos era uma forma de afastar fantasmas que poderiam se erguer e assombrar a região. Não era raro que tribos germânicas, após um combate violento como esse, buscassem outra área para viver.
Em um extrato superior ao local onde os ossos foram depositados os especialistas encontraram restos de animais, cerâmica e vários artefatos. Isso indica que, sabendo que ali haviam muitos corpos sepultados, era costume oferecer a eles presentes e sacrifícios. Essa prática pode ter vigorado por décadas - talvez uma forma de apaziguar espíritos inquietos.
Os especialistas ainda esperam encontrar pistas que ajudem a compreender quem eram e por que estes jovens guerreiros foram massacrados de maneira tão brutal.
O cemitério dos bárbaros é uma amostra de como a existência desses povos era violenta e exasperante, um tempo em que a vida se resumia ao implacável princípio de matar ou morrer.
Tá aí outro mistério esperando para ser desvendado .
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