A Era Dourada do horror em que vivemos atualmente tem se caracterizado não pelo festival de sangue e vísceras (o splatterfest que fez a alegria de gerações), mas por filmes inteligentes capazes de mexer com a nossa imaginação. São filmes que não usam apenas o jump scare ou o choque puro e simples, mas recorrem aos lugares escuros da nossa percepção.
Os fãs do horror sabem que os melhores filmes do gênero são aqueles que sugerem as coisas e deixam o próprio espectador conceber a dimensão do medo. Aquilo que não vemos, e que é apenas sugerido, por vezes, se torna muito pior. Filmes como "A Bruxa", "The Babadook" e "Corrente do Mal" são exemplos desse tipo de filme que faz, mesmo aqueles que torcem o nariz para o gênero reconhecer sua importância. Esmerando-se em contar a história, sem se importar com lentidão, esses filmes conseguem construir um clima que vai crescendo até atingir massa crítica. E quando chegam a ela, a tensão reverbera. Bons diretores já entenderam que aliando competência técnica (som, efeitos e elenco) com uma história atraente, o resultado é notável.
Talvez por isso "Um Lugar Silencioso" seja um filme especial, por conseguir atingir com excelência todos esses requisitos.
Partindo de uma premissa simples, ele mostra que o horror, como gênero ainda tem muito a ser explorado e a melhor maneira de fazê-lo é com sutileza. Não se trata de um filme inovador, mas a forma competente como ele foi realizado rende uma pequena joia. Mais que isso, é um filme capaz de agradar facilmente, mesmo os mais exigentes fãs do gênero.
Um Lugar Quieto começa com o casal Evelyn e Lee Abbot (na vida real o casal, Emily Blunt e John Krasinski) guiando seus filhos Marcus (Noah Jupe), Regan (Millicent Simmonds), e Beau (Cade Woodward) através de uma cidade abandonada e vazia. Lá encontram uma farmácia onde começam a explorar por suprimentos. O silêncio é absoluto! Eles falam apenas através de linguagem de sinais e mesmo os menores sussurros são evitados. A razão de tanto cuidado fica imediatamente clara quando o filho mais novo ignora a ordem do pai de deixar para trás um brinquedo barulhento e resolve levá-lo consigo. Um borrão monstruoso que se move com enorme velocidade agarra o menino e desaparece com ele. Não é preciso mostrar os detalhes a seguir: o sangue fica na imaginação do espectador, subentendido pelo rosto transfigurado de um pai impotente diante de um destino medonho.
Nessa introdução, o filme já ganha o público e o prepara para o que vai acontecer no restante da projeção. "Um Lugar Silencioso" é como tentar andar em uma montanha russa sem fazer um som: em algum momento você vai querer gritar!
Gradualmente nós entendemos que a família vive em um mundo atingido por uma tragédia global. Não sabemos exatamente o que houve, mas compreendemos que o planeta foi varrido por uma horda de criaturas que caçaram e exterminam a raça humana sistematicamente. Esses monstros são predadores perfeitos: caçam pelo som, são capazes de ouvir uma agulha caindo, à distâncias absurdas e são incansáveis quando detectam uma presa em potencial. Se eles o ouvirem, virão atrás de você! Considerando que essas criaturas não tem uma fraqueza discernível, sendo virtualmente à prova de balas, manter o silêncio absoluto parece ser a única forma de evitar a morte certa.
Muito pouco dessa informação é transmitida verbalmente para o público. Ao invés disso, as únicas pistas a que temos acesso aparecem na forma de velhos jornais e manchetes pregadas em um quadro, descrevendo os eventos que levaram a situação vigente. Essa tática poderia frustrar a audiência, procurando maiores explicações, mas o mistério do que está acontecendo ajuda a conjurar a aura que pesa sobre todo o filme. A da incerteza! Tudo o que se sabe é que ELES vieram, ELES mataram e ELES levaram a raça humana até perto da extinção.
Apesar de jogar uma bomba dessa magnitude, "Um Lugar Silencioso" é um filme que prima pela sutileza.
O diretor John Krasinski é relativamente inexperiente atrás das câmeras, de fato esse é seu primeiro filme de peso. Mesmo assim, ele entrega um excelente trabalho contando sua história apelando somente ao que se vê, jamais ao que se ouve. Nós logo aprendemos porque a família é obrigada a manter o silêncio, a andar de pés descalços sobre trilhas de areia fofa e as crianças jogam Banco Imobiliário com dados e peças feitas de pano. No silêncio se encontra a sobrevivência, já que, o Som, o menor deles, significa perigo. Todo momento em que um objeto produz um ruído - como uma tábua rangendo ou uma panela caindo, o público fica em suspense, esperando por alguma coisa horrível acontecer.
Esses elementos de sutileza funcionam perfeitamente para construir o clima de apreensão que transborda da tela para a platéia que coopera ficando em absoluto silêncio. Nesse mundo onde qualquer som pode ser o seu último, um brinquedo barulhento ou um prego solto podem ser seu pior inimigo. A habilidade de Krasinski em contar essa história e de convencer as pessoas a embarcar nela, é o que torna "Um Lugar Silencioso" tão interessante.
Mas o filme vai além da boa narrativa e introduz personagens muito bem construídos com quem acabamos nos importando, o que é um baita mérito considerando que nenhum deles pode falar. O casal principal tenta proteger sua família e reconstruir suas vidas em uma fazenda isolada na qual adaptaram a infraestrutura ao cruel e inaudível dia a dia.
Para tornar tudo ainda mais complicado Evelyn está grávida e a perspectiva de um bebê faz descer sobre a casa um sentimento de dúvida quanto ao futuro da família. De um ponto de vista prático, o fato da personagem estar grávida parece forçado, afinal quem iria trazer uma criança para esse mundo? Mas de um ponto de vista humano, perpetuar a espécie poderia ser compreendido como o último propósito de nossa raça. Um risco, sim, mas uma obrigação.
Enquanto isso, as crianças também precisam se adaptar diante desse novo mundo. Marcus tem que aprender com o pai a explorar as ruínas do mundo e conhecer os seus perigos. Só assim ele poderá ocupar o lugar de Lee se o pior acontecer. Já a filha mais velha do casal, Regan, (interpretada por Millicent Simmonds que é surda na vida real) é uma adolescente que se culpa pela morte do irmão mais novo. Ela acredita que o pai deixou de confiar nela por conta da tragédia. Incapazes de discutir o que aconteceu eles vão represando suas emoções.
Logo a família terá que enfrentar uma grave crise e para sobreviver seus membros terão de confiar uns nos outros. Mas não se engane! "Um Lugar Silencioso" não é apenas um terror disfarçado de drama familiar e problemas de relacionamento. O terror toma conta da tela justamente quando Lee e Beau estão fora e Evelyn precisa lidar com sua gravidez. E quanto a Reagan, ela terá de provar que é capaz de ajudar sua família quando as criaturas forem atraídas para sua casa - aos montes!
Por trás de uma história simples, o suspense vai se construindo e a hora final é um impressionante exercício de pavor. Com criaturas medonhas vagando pela casa e um novo membro da família que ignora as regras de "silêncio é sobrevivência" nós ficamos na ponta da poltrona esperando pelo pior. Para quem gosta daquela sensação de angústia, na qual a gente segura a respiração, pode se preparar, esse filme vai proporcionar uma experiência duradoura.
O filme prima pela criação dos monstros. O trabalho feito para determinar a natureza das criaturas é nada menos do que sensacional. Idealizados pela ILM (Industrial Light and Magic), os predadores foram desenhados para se comportar da forma mais realista possível. Eles se movem de uma maneira peculiar, produzem ruídos, hesitam e agem de uma forma especial, como se realmente fossem coisas vivas determinadas a matar. Quando um deles está em cena, o medo dos personagens é quase palpável.
John Krasinski disse em entrevistas que jamais teve interesse em filmes de terror e que sempre se assustou com facilidade ao assisti-los. Ironicamente ele conseguiu criar um filme que será lembrado como um dos expoentes dessa nova geração de filmes de horror "com algo mais". De sua abertura silenciosa até o final atordoante, "Um Lugar Silencioso" tem tudo para conquistar um lugar de honra no rol dos filmes que nos mantém reféns por algumas horas.
É claro, com o sucesso estrondoso de crítica e bilheteria, que o transformou em uma agradável surpresa nessa temporada, a sequência já está engatilhada. Se mantiver a mesma base, a franquia tem tudo para ser duradoura.
Trailer:
Pra min pareceu um Last of Us só que sem graça e chato...
ResponderExcluiré divertido, dá margem para outros tipos de monstros que envolvem regras que não estamos acostumados. Por exemplo como the darkest hour https://en.wikipedia.org/wiki/The_Darkest_Hour_(film). Não tem no filme, mas numa estação elétrica não atarefada, separar suas pernas um passo num chão de concreto comum pode te matar. O mesmo pode ser extrapolado para eletromagnetismo
ResponderExcluirExcelente filme, e excelente analise.
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