quinta-feira, 21 de junho de 2018

Defesas Místicas - Armadilhas e Proteções contra entidades malignas


Desde que existem lendas a respeito de espíritos malignos, fantasmas e demônios, existem histórias a respeito de formas de se proteger deles e aprisioná-los. Parece ser da natureza humana tentar exercer controle sobre aquilo que não compreendemos, domar o que é, por definição, indomável. Por muitos séculos houve esforços para atrair e prender entidades sobrenaturais que estão muito além de nossa compreensão, obrigá-los à servitude com a ameaça de mantê-los presos pela eternidade.

A ideia de espantar e confinar forças malignas não é exatamente uma novidade, está presente em várias culturas ao redor do mundo e ao longo dos séculos. Há exemplos notáveis entre os Caldeus na Babilônia,  os Zoroastristas na Pérsia e os povos hebreus da Judeia, que se valeram de rituais elaborados para esse fim. Usando desde bacias de terracota até garrafas encantadas, passando por caixas com símbolos entalhados e estatuetas, magos buscavam agir sobre seres sobrenaturais. Tais ferramentas eram utilizadas de muitas maneiras: para afastar o mal, intimidar espíritos maliciosos, proteger casas, fazendas, prédios públicos e até mesmo cemitérios. Recobertos de símbolos místicos cabalísticos esses objetos teriam poder sobre o mundo sobrenatural. Até mesmo os primeiros cristãos teriam se valido desses instrumentos em sua luta com as forças diabólicas.    

Várias culturas possuem artefatos similares cujo propósito era se proteger e aprisionar espíritos.

Os Ojos de Dios ou "Olhos de Deus" são naturais da América Central, e eram usados para espantar demônios e fazer com que eles perdessem seus poderes sobre os mortais. Na África ocidental havia as carrancas, cujo propósito era aterrorizar os espíritos e fazer com que fugissem. Na América do Norte, os nativos tinham os Dreamcatchers (Apanhadores de Sonhos), tramas de madeira e ossos, para reter os espíritos antes que pudessem adentrar nos sonhos das pessoas. Na América do Sul, árvores de tronco oco eram usadas por pajés que no interior delas confinavam espíritos espúrios. No Tibet crânios de carneiros com símbolos arranhados também serviam para conter os tulpa e aprisioná-los. Nas tribos do Pacífico Norte, pilhas de ossos especialmente consagrados eram usados para atrair demônios. Não faltam no mundo exemplos de totens, amuletos e talismãs encantados utilizados para esse fim.


Na Europa era relativamente comum usar armadilhas para espíritos chamadas de "Garrafas de Bruxa" para capturar espíritos. Essas garrafas especialmente preparadas eram preenchidas com cabelo, unhas cortadas, sêmen, saliva, dentes além de sangue e urina para atrair as entidades. Atraídos pelo conteúdo da garrafa, quando nela entravam, esta era selada. Em seguida, adornada com símbolos de contenção, vidro e espelhos para manter o espírito aprisionado, além de alertas para que a tampa jamais fosse removida. A garrafa era então enterrada, jogada ao mar ou mantida em um lugar seguro. 

Há várias versões para esses rituais, com algumas tradições exigindo complexos preparativos antes que os espíritos fossem adequadamente capturados no vasilhame. Infelizmente, esses mesmos procedimentos, segundo alguns feiticeiros, também poderiam ser usados para capturar almas humanas.

Armadilhas para Demônios eram extremamente populares na Europa Medieval, onde medo e incerteza tornavam espíritos malignos uma coisa muito real aos olhos da população. O Velho Testamento falava dessas coisas, e a Lenda do Rei Salomão afirmava que ele havia recebido do próprio Arcanjo Miguel um anel, inscrito com selos mágicos que tinha poderes sobre o mal: o Selo de Salomão. Esse anel mágico dava ao Rei hebreu o poder de prender e controlar demônios. Ele é parte das tradições judaicas, cristãs e islâmicas. Histórias como a de Salomão levaram a crença de que demônios podiam ser compelidos a servidão por indivíduos que conhecem os métodos para tal façanha. No entender medieval, tais seres eram poderosos e perversos, potencialmente perigosos, mas muitos deles eram estúpidos e podiam ser ludibriados. Símbolos cabalísticos, objetos reluzentes e promessas vazias os atraíam e quando eles entravam na armadilha, bastava o mago fechar a tampa.


Em muitos exemplos as armadilhas para demônios na Europa Medieval consistiam de símbolos arcanos desenhados para atrair a atenção dessas entidades. Os símbolos obedeciam a elaborados padrões geométricos, com runas e nomes traçados cuidadosamente no chão ou em objetos específicos. Quando uma entidade se aproximava para analisar, o mago o prendia com um ritual que os impedia de deixar nosso mundo. Ao menos em teoria... o que não falta na literatura oculta são exemplos de criaturas escapando e se vingando de magos severamente. O adágio dos ocultistas "Jamais invoque aquilo que não pode mandar embora" se tornou quase um mandamento.

Por sua vez, símbolos místicos especialmente criados para oferecer proteção contra depredações sobrenaturais foram encontrados em cavernas e porões medievais, em casas simples e castelos, datando do século VI até os século XVIII e XIX. Ao que parece, as pessoas temiam que seus lares fossem invadidos por entidades malévolas e por isso tratavam de cobrir batentes de porta, o piso e pilares de sustentação com glifos protetores. Mesmo em épocas "mais iluminadas", parecia algo corriqueiro proteger a casa contra o desconhecido.

Com uma história tão longa, não é estranho que armadilhas para demônios ou proteções continuem sendo descobertas nos lugares menos prováveis. Em 2014, arqueólogos britânicos removeram tábuas do piso de uma casa onde encontraram linhas de proteção riscadas com giz evocando algum tipo de defesa arcana. A casa em questão, chamada Knoles Manor, fica em Kent, na Inglaterra e pertenceu ao Arcebispo de Canterbury no século XV. O mesmo arcebispo reprimiu esse tipo de "magia camponesa", comparando-a a heresia. Segundo os arqueólogos, os símbolos devem ter sido desenhados quando o arcebispo habitava a casa e esta passou por uma reforma completa.  


Símbolos semelhantes foram encontrados em uma propriedade de campo pertencente ao Rei Jaime I. Estudiosos acreditam que nobres próximos ao monarca encomendaram a um "mago" que criasse padrões e símbolos de proteção, além de armadilhas para manter os espíritos afastados. Considerando que eles foram feitos na conturbada época da Revolta de Guy Fawkes, tudo indica que o propósito era se precaver contra inimigos. Especula-se se o Rei sabia ou não que tais símbolos existiam. Eles foram desenhados em baixo das tábuas do assoalho, no quarto real (para afastar miasmas e doenças na cama do Rei), ao redor da lareira (para evitar incêndios provocados por demônios) e em um ponto exatamente abaixo de onde se localizava o trono usado para audiências públicas. Com isso o Rei se veria protegido de todas influências negativas no plano sobrenatural.

Contudo, Jaime I não seria o único Rei britânico recorrendo a essas proteções místicas.

Henrique VIII contava com especialistas em ocultismo que verificavam a melhor maneira de defendê-lo de possíveis ataques sobrenaturais. O temor de que o Rei fosse vítima de uma possessão de ordem demoníaca ou acometido de uma maldição lançada por um bruxo, constituía uma preocupação da mais alta seriedade. Comparativamente era quase a mesma preocupação que chefes de estado tem nos dias atuais a respeito de terrorismo. Quando Henrique VIII promoveu o cisma com a Igreja de Roma, seus conselheiros para assuntos sobrenaturais ganharam ainda mais importância, uma vez que se temia um possível ataque no plano espiritual. Há rumores de que ele foi aconselhado a usar roupas com símbolos de proteção costurados na parte interna dos trajes. Se é verdade ou não, não se sabe.


Da mesma maneira, a herdeira de Henrique VIII, Elizabeth I ficou conhecida por contar com conselheiros especializados no mundo invisível. O mais famoso desses doutos especialistas foi o famoso médico John Dee que entre outras coisas se ocupava de preservar defesas contra todo tipo de malefício, maldição e artimanha arcana. O médico era uma verdadeira autoridade no período e sua opinião levada em conta, inclusive em vários assuntos de estado. Historiadores acreditam que Elizabeth não se ocupava desses temas, mas que aceitava os conselhos de Dee quanto a sua segurança no plano sobrenatural, acatando suas sugestões e medidas de proteção.

Dee entrou para a história como um dos magos mais influentes no período elizabethano, conhecido por ter elaborado os princípios da magia enoquiana, envolvendo a conjuração de Anjos da Guarda e de ordem superior. Muitos místicos reputam a ele um papel central no estudo do ocultismo, sobretudo no que diz respeito a símbolos de contenção e proteção. 

Desde que existe a crença em espíritos malignos e demônios, existem lendas a respeito de como se proteger da ação de tais seres. Será que esses símbolos e runas exercem algum poder sobre o Reino do Além? Será que eles são a chave para banir o mal que tem afligido a humanidade desde épocas remotas? 

A despeito da opinião das pessoas, esse ainda é um interessante aspecto de nossa história, um que talvez precisemos estudar mais a fundo.

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