Coleções de cenários prontos para Chamado de Cthulhu não são exatamente uma novidade.
Desde suas primeiras edições, a Chaosium oferece essas antologias para mestres novos e veteranos, bem como, para jogadores iniciantes e já experientes. Eles são a maneira perfeita de apresentar o jogo, a ambientação, o sistema e os principais elementos de Chamado de Cthulhu.
Gateways of Terror (Algo como Passagens do Terror) é apenas a mais recente das antologias de cenários prontos, uma coleção composta por três aventuras de curta duração para a sétima edição. Os cenários foram concebidos para serem narrados com pouco preparativo, basta uma rápida leitura da parte do Guardião para que ele possa assimilar os elementos centrais da trama. Detalhes, Recursos e Dicas acompanham cada história para facilitar a vida do mestre. Elas também trazem um elenco de personagens prontos, quatro para cada história, cada qual com seus atributos, habilidades e background, dessa forma, os jogadores recebem os personagens com tudo já pronto, precisando apenas dar um nome a eles.
A proposta original de Gateways é que as três aventuras apresentadas no livro sejam rápidas e direto ao ponto. Contudo, o Guardião, mesmo o de primeira viagem, não encontrará dificuldades em expandir o roteiro dessas histórias além do escopo de algumas horas. Elas possuem adendos para transformá-las em narrativas mais elaboradas e com um grau maior de aprofundamento.
Cada um dos cenários se passa em uma época e local diferentes, trazem uma boa parcela de investigação, e é claro, perigo na forma de ameaças aterrorizantes saídas do universo dos Mythos de Cthulhu. Todas seguem uma premissa similar dentro da linha clássica da ambientação: os investigadores tomam conhecimento de um mistério, embarcam numa investigação ou exploração, precisam interpretar as pistas obtidas e por fim são forçados a confrontar algum horror na forma de um monstro.
Mais do que um simples livro de cenários prontos, Gateways of Terror começa com uma longa introdução das regras básicas da sétima edição de Chamado de Cthulhu. Não se trata de uma repetição de conceitos, mas de dicas a respeito de como apresentar o jogo para quem não o conhece ou para quem está prestes a jogar pela primeira vez. Essa introdução é excelente para quem se propõe a narrar em eventos ou convenções de RPG, mas também por plataformas online. A introdução discute os pormenores da ficha dos personagens, como usar a Sorte, os testes de habilidade, dados de bônus e penalidade, combate e é claro a mecânica da sanidade. O Narrador iniciante poderá usar esse trecho da introdução como seu livro de referência quando for mestrar, já que os pontos principais ficam bem salientados.
Cada cenário é bem estruturado e segue o mesmo formato base. Eles começam com conselhos sobre como narrar o cenário, especificamente o ritmo adequado a ser impresso para aventuras curtas de no máximo duas horas. Em seguida, discute detalhes sobre os personagens prontos, incluindo o ponto forte e fraco de cada um, fornece dicas e ganchos para introduzir os investigadores antes de mergulhá-los no cenário propriamente dito. A apresentação de cada um deles é muito bem feita, fácil de ler, compreender e assimilar. As aventuras também possuem mapas detalhados das diferentes localizações, em geral com um modelo completo para o Guardião e outro mais simples para os jogadores. Finalmente, temos fartos recursos que concedem as pistas para cada mistério. É curioso que as fichas dos personagens sejam diferentes do modelo oferecido no Livro Básico, mas estas são bem mais simples e fáceis de entender.
Mas vamos falar dos cenários que são a parte mais suculenta do livro.
O primeiro cenário "The Necropolis" (A Necrópole) foi escrito por Leigh Carr, e é ambientada no ano de 1924. Ela se passa no Egito que é um dos cenários mais clássicos e misteriosos, especialmente atraente para novos jogadores. Os personagens são membros de uma expedição arqueológica escavando uma tumba no Vale dos Reis quando algo terrível acontece - eles próprios se vem sepultados nas ruínas milenares! Os quatro investigadores são então obrigados a explorar as catacumbas em busca de uma rota de fuga, mas logo a sobrevivência se torna uma preocupação muito maior já que eles descobrem não estarem sozinhos na tumba. Uma criatura muito antiga e extremamente faminta espreita pelos túneis dando início a um mortal jogo de gato e rato.
Dos cenários que compõem a antologia, esse é o que tem a maior área a ser explorada, consistindo de cinco aposentos. Presumo que seja perfeitamente possível estender esses túneis e câmaras, expandindo o cenário e oferecendo um mapa próprio da ruína. O cenário se concentra mais na exploração do que em investigação e pende para um estilo claramente Pulp. Alguns elementos da trama podem parecer clichê, mas eles encaixam dentro da proposta original e seguem as diretrizes consagradas pelo gênero. A aventura lembra um escape room no qual pensar rápido e fazer planos será mais importante do que qualquer habilidade de combate. De muitas formas, Necrópole é uma ótima aventura para fazer a transição de jogadores de outros sistemas para Chamado, ou ainda, para apresentar o jogo a novos jogadores de uma forma simples e direta. Jogadores experientes podem considerar a trama um tanto batida, mas sem dúvida, mesmo eles vão se deleitar com as conexões existentes com o universo Lovecraftiano.
"What’s in the Cellar?" (O que há no Porão) por Jon Hook muda totalmente o panorama ao fixar a trama no estado de Nova York em 1929. Arthur Blackwood, um respeitável advogado local está sendo julgado pelo sangrento assassinato de sua esposa no porão da antiga casa de campo da família. Tudo leva a crer que ele irá pegar "cadeira elétrica" pelo seu crime. Ele no entanto alega que é inocente, que a família foi amaldiçoada, e que um gênio no porão é o verdadeiro culpado. Os parentes e defensores de Blackwood estão desesperados para tentar salvá-lo, então eles entram em contato com o grupo - um amigo, um membro da família, um investigador particular e até um psiquiatra - este último para atestar se o réu não é insano, para descobrir a verdade. Embora a primeira cena tenha lugar em Nova York, o cenário pode ser transportado para qualquer lugar, uma vez que ele é essencialmente um cenário que tem lugar em um único aposento - o porão. Há pistas que não foram encontradas e indícios de que a história de Blackwood ainda que bizarra pode ter algo de verdadeira.
Entre as coisas guardadas no porão, os investigadores encontrarão algo que chama a atenção e que pode provar a inocência do homem, ao mesmo tempo que levará o grupo às raias da loucura. Novamente, existe uma corrida contra o tempo - embora nem os jogadores e nem os personagens irão perceber isso à princípio. Mas quando as coisas começarem a ficar estranhas e os investigadores se descobrirem presos, eles terão de usar toda sua astúcia para escapar com vida dessa terrível armadilha.
Dos três cenários na antologia, este é sem dúvida o mais rico e detalhado em termos de jogo. Os quatro personagens prontos possuem seus motivos e razões para entrar e examinar o quarto, motivos que provavelmente entrarão em choque com os de outros. Cada agenda particular move os personagens e cada um deles terá uma motivação diferente no curso da sessão. O cenário possui um tempo limite para chegar a uma conclusão, uma vez que é questão de tempo até a polícia chegar. Isso fará com que os investigadores se apressem para cumprir seus objetivos. De forma geral, "O Pensionista Morto" tem uma ideia muito boa e uma excelente condução.
Se Gateways to Terror possui um problema, se é que podemos chamar assim, esse diz respeito aos monstros. Embora eles não sejam os mesmos, todos eles tem o mesmo conceito: são forças implacáveis, saídas de lugar nenhum, malignas etc. Não há muito tempo de explorar o que são as criaturas, porque agem da maneira que agem e o que elas realmente são (além de horrores inomináveis). Outra curiosidade é que nenhuma das criaturas é parte do cânon lovecraftiano, constituindo monstros únicos ou nunca antes vistos. Se por um lado isso é bom para anular o meta-gaming, por outro é um pouco frustrante já que as criaturas não são parte da mitologia consagrada.
Fisicamente Gateways to Terror tem uma excelente apresentação, a escolha das fotografias que ilustram o livro é muito bem feita, os mapas são compreensivos e a arte pode ser usada para guiar a investigação durante a sessão. Em termos de jogo, não se trata de uma campanha. É possível misturar algumas coisas e utilizar o mesmo personagem quem sabe duas vezes, mas o ideal é que o grupo opte por usar os personagens elaborados para cada cenário. Dessa forma, as três aventuras funcionam melhor como one-shots. Eles também podem ser usados como cenários de demonstração, sendo rápidos e diretos ao ponto, ideais para narrar em convenções. Nada impede ainda que um Guardião introduza flashbacks, prequels ou explore circunstâncias antes ou depois de cada cenário. É perfeitamente possível, por exemplo, usar um personagem que participou de "O Pensionista Morto", e sobreviveu. em outra aventura, já como um veterano dos horrores do Mythos.
Suplementos como esse, Doors to Darkness (aqui traduzido como Portas para a Escuridão) e Dead Light & Other Dark Turns (Luz Morta) possuem um formato perfeito para ser usado como introdução e demonstração, em convenções e eventos de RPG. São histórias rápidas, fáceis de narrar e mais ainda de jogar.
Olá.
ResponderExcluirComo adquirir esse livro?
Olá Fabricio. Ele não está disponível em português, apenas no original em inglês. Se isso não for empecilho, você pode achar esse livro em grandes sites de compras que oferecem material internacional, como o Amazon e Submarino.
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