Em 11 de abril de 1963, as gêmeas June e Jennifer Gibbons nasceram em Aden, filhas de Gloria e Aubrey Gibbons, que eram naturais da nação caribenha de Barbados. A família decidiu imigrar para o interior do País de Gales. As duas meninas tiveram de enfrentar um severo preconceito desde muito jovens, já que elas eram as duas únicas crianças negras na vizinhança e no colégio onde foram matriculadas. Precisaram lidar com olhares de reprovação e casos de agressão motivada por racismo que as levaram a gradualmente se isolar.
Não ajudava muito o fato das meninas terem um forte sotaque, quase incompreensível para os habitantes locais. Isso as levou a conversar apenas entre si. As gêmeas idênticas também eram conhecidas por copiar os movimentos e comportamento uma da outra, frequentemente terminando as frases ou andando lado a lado com movimentos idênticos. O bullying era constante e elas acabavam tendo que voltar para casa antes da hora, tamanho o assédio que sofriam por parte dos outros alunos.
É provável que esse ambiente estressante tenha contribuído para que as crianças se fechassem em seu próprio mundo, criando uma espécie de casulo para se proteger. A maneira como elas conversavam uma com a outra foi se tornando cada vez mais estranha, até que se converteu numa mistura indecifrável de palavras que nem mesmo os pais conseguiam compreender, um tipo de idioma secreto e bizarro que apenas a irmã mais nova delas, Rose entendia parcialmente. As duas também se negavam a conversar com qualquer outra pessoa, exceto por vezes Rose. Elas passaram a ignorar todos à sua volta, vizinhos, colegas, professores e até mesmo os pais. No colégio elas foram apelidadas de "Gêmeas Silenciosas" ou então de "zumbis".
Os pais preocupados com a situação procuraram terapeutas, sem resultados positivos, e ninguém se mostrou capaz de descobrir o que havia de errado com as meninas. Desesperados, decidiram separá-las e enviar as crianças para diferentes escolas particulares, na esperança de que elas pudessem romper a dependência que estabeleceram. Infelizmente a separação teve um efeito oposto, fazendo com que elas se tornassem ainda mais introspectivas. Apenas dois dias depois da separação imposta, as duas meninas pararam de responder e assumiram um estado vegetativo sem resposta a estímulos externos. Seus corpos ficaram "duros e pesados como cadáveres sem vontade própria".
Uma vez reunidas, elas despertaram daquele torpor e voltaram ao comportamento que haviam estabelecido. Dali em diante, sempre que alguém tentava separar as crianças elas gritavam e choravam, chegando ao ponto de se machucar em meio ao desespero. Se tudo isso falhasse, elas acabavam assumindo um estado de imobilidade. Psicólogos tentaram quebrar a dependência mútua, mas nada parecia surtir efeito nem tratamento e menos ainda drogas. As meninas passavam então a maior parte de seu tempo no quarto, desenhando e conversando uma com a outra, mas a essa altura, quando alguém se aproximava elas paravam de falar e ficavam em silêncio, encarando o vazio, ignorando por completo quem quer que estivesse próximo.
Quando as crianças atingiram 13 anos, a estranha relação sofreu outra mudança para pior, a medida que as gêmeas passaram a exibir um comportamento mais e mais agressivo. Apesar de sua extrema dependência, elas brigavam frequentemente com resultados violentos - produzindo arranhões, escoriações e até mordidas uma na outra. Em um incidente traumático, June quase matou a irmã afogada na banheira em que tomavam banho. Se não fosse pela intervenção do pai que ouviu ruídos estranhos vindo do banheiro, e chegou à tempo de resgatar a filha desmaiada, esta teria morrido.
Bizarramente, quando os pais tentaram mais uma vez separá-las, a reação emocional foi imediata. June simplesmente se desligou do mundo e ficou em um estado catatônico até ser levada para perto da irmã que se recuperava em um hospital.
Apesar da situação atípica, os pais decidiram manter as gêmeas juntas novamente. Embora elas ainda brigassem, na maior parte do tempo interagiam entre si brincando, lendo e conversando em sua língua própria. Quando as meninas completaram 15 anos, os pais decidiram mandar as meninas para uma instituição psiquiátrica que havia oferecido tratamento visando ajudar as gêmeas. Elas foram enviadas para viver em uma conceituada clínica na Inglaterra onde poderiam receber cuidados e ficar em segurança.
Embora à princípio tenham se adaptado bem ao local, logo passaram a manifestar um comportamento destrutivo. Quebravam objetos e móveis, brigavam com outras internas e chegavam a atear fogo depois de terem roubado o isqueiro de um zelador. Tudo piorou quando Jennifer invadiu a enfermaria e agrediu brutalmente uma funcionária com uma tesoura. A vítima foi amarrada e sofreu mais de 20 estocadas, sobretudo no rosto e peito - as meninas supostamente teriam torturado a mulher, enfiando a ponta da tesoura em seu corpo para em seguida abri-la, causando horríveis ferimentos.
Após esse incidente, as gêmeas, então com 19 anos, foram transferidas para outro local, o Broadmoor Hospital. Localizado em Berkshire, a instituição tinha reputação de ser uma das mais rígidas instalações de máxima segurança para criminosos insanos.
Foi então que as coisas se tornaram ainda mais estranhas.
Assim que chegaram, as gêmeas deixaram os especialistas chocados. Ninguém havia visto nada igual. Elas se comportavam de forma letárgica, sem resposta a estímulos externos, mas se separadas assumiam um comportamento extremamente agressivo. Pouco tempo depois de chegar, June entrou em um estado catatônico e só emergiu dele para tentar cortar os pulsos. Jennifer seguiu o mesmo papel, despertando apenas para atacar uma enfermeira a mordidas, sendo necessário mantê-la sedada, tamanha a violência do ataque. Nas poucas ocasiões em que a equipe médica conseguia extrair delas alguma reação, o que registravam era uma série de palavras sem sentido, grunhidos e guinchos que mais pareciam vir de animais selvagens.
Durante o período na instituição, os médicos perceberam condutas estranhas, algumas bastante perturbadoras. Elas pareciam assumir turnos para comer, beber e dormir. Enquanto uma se alimentava a outra passava fome, enquanto uma dormia a outra se mantinha desperta e atenta. Bizarramente mesmo que apenas uma se alimentasse ou descansasse, as duas pareciam se beneficiar.
Ao observa-las dentro das celas encontravam-nas, muitas vezes, estáticas em poses bizarras como se estivessem paralisadas ou mesmo mortas. Não reagiam de modo algum e seus corpos ficavam horrivelmente contorcidos no chão. O mais perturbador é que mesmo separadas em diferentes celas, elas assumiam poses semelhantes. Além disso, quando uma delas recebia alguma medicação, a outra reagia como se também tivesse recebido a mesma medicação.
Essa situação permaneceria por 12 anos, o suficiente para que se tornasse óbvio que elas jamais poderiam deixar o hospital e ter uma vida normal.
Foi durante essa longa estadia em Broadsmoor que as gêmeas atraíram a atenção de uma repórter investigativa de Londres chamada Marjorie Wallace. Interessada na história sobre as gêmeas ela começou a visita-las, firmando lentamente uma espécie de elo com as duas afim de entender o caso e escrever um livro sobre ele. Após incontáveis entrevistas, Wallace começou a ganhar a confiança das meninas, passando inclusive a compreender a complicada forma de comunicação das duas.
Com a ajuda de um psiquiatra, Wallace começou a introduzir a noção de que as duas meninas deveriam encontrar uma maneira de romper o vínculo firmado entre elas para se verem livres. Para isso, as gêmeas concluíram que uma delas precisaria se sacrificar para que a dependência psíquica fosse de uma vez por todas rompida. Os médicos tentaram dissuadi-las de tal coisa, mas elas ficaram irredutíveis.
Em 1993, no mesmo dia que as gêmeas seriam transferidas para uma instituição de menor segurança chamada Caswell Clinic, Wallace contou que Jennifer se aproximou dela e profeticamente disse "Eu preciso morrer. Nos decidimos que uma de nos precisa fazer isso para que a outra possa viver. Eu decidi que serei eu".
Durante a transferência para o novo hospital, Jennifer parecia estar em uma espécie de transe, e assim que a ambulância que a levava chegou ao destino ela desabou no chão sem razão aparente. A despeito das tentativas de reanima-la, Jennifer Gibbons jamais despertou. Ela morreu aos 31 anos. June contou mais tarde que no último encontro, as duas combinaram que Jennifer morreria para que assim, ao menos uma delas pudesse continuar vivendo.
As autoridades determinaram que Jennifer havia morrido devido a uma súbita inflamação no coração chamada miocardite. Embora não seja uma doença incomum, exames médicos jamais revelaram a existência da condição que normalmente tem um desenvolvimento lento sobretudo em alguém jovem, sem prévio histórico de doença cardíaca e em boas condições de saúde.
June diria a respeito da morte da irmã: "Finalmente me senti livre pela primeira vez na vida. Jennifer decidiu me dar esse presente e eu sou muito grata a ela". Até os dias atuais a causa da morte continua sendo um mistério. Marjorie Wallace que testemunhou tudo, escreveu a respeito:
"Eu passei anos tentando imaginar como aquela moça morreu. A única explicação que tenho e que ela simplesmente decidiu desistir de viver, acreditando que só assim a irmã seria livre".
Após o incidente June continuou no Hospital Psiquiátrico por algum tempo, mas nesse período começou a demonstrar melhora em sua condição mental. Ela começou a se comunicar de uma forma mais clara, abandonando de vez o idioma próprio que havia usado com a irmã ao longo de tantos anos. Também abandonou a postura agressiva e chegou a interagir com outros internos e enfermeiros.
Ela não demonstrou sofrer especialmente com a morte da irmã, acreditando que tal coisa era uma necessidade. E June Gibbons realmente começou a ter uma vida só sua. Eventualmente ela foi liberada da instituição mental e reintegrada à sociedade, estudando e tencionando tornar-se escritora.
Atualmente ela leva uma vida tranquila no País de Gales, raramente falando a respeito de sua atribulada vida e da irmã gêmea.
No túmulo de Jennifer, em Londres, há uma inscrição onde se lê:
Um dia nós fomos duas,
Nós duas fazíamos uma.
Nós não somos mais duas
Pois a vida é uma só
Descanse em paz.
A história de June e Jenifer Gibbons é tão trágica quanto estranha. Que tipo de relação elas estabeleceram e o que significa para elas aquela proximidade? Por que sua relação flutuava de tal forma entre períodos de ódio e amor? Como elas chegaram a conclusão de que uma delas precisaria morrer e como decidiram como seria? O que realmente causou a morte de Jennifer?
O elo entre irmãos gêmeos pode ser uma coisa realmente estranha e complexa, e com as Gêmeas Silenciosas, nós temos um dos casos mais bizarros, com respostas que provavelmente jamais conheceremos.
Adoro essas postagens de acontecimentos reais e bizarros, não pare com elas :). Muito bem escrita como sempre!
ResponderExcluirHistória incrível. muito bom.
ResponderExcluirÓtimo texto. O relacionamento das duas chega a ser sobrenatura, aguça a imaginação.
ResponderExcluirUm mistério.
ResponderExcluirCativante a descrição da história.
ResponderExcluirEsta história comprova a fragilidade do ser humano. Que triste que elas tiveram este fim
ResponderExcluirHistória boa
ResponderExcluirDecidi que faria uma conta no blog apenas para expressar minha paixão pelas obras.
ResponderExcluirObrigado por tudo, a historia está impecável!
Muito obrigado FelipeFerreiraMK. Essa história é realmente assombrosa tanto em conteúdo quanto em implicações. O Mundo Real tem uma incrível capacidade de nos chocar.
ExcluirFonte da matéria?
ResponderExcluirEu pesquisei em três sites diferentes sendo respectivamente a Wikipedia portuguesa inglesa e o site aventuras na historia. Diversas informações entre elas as mais surpreendentes não estavam presentes
ResponderExcluirSensacional história... continue o bom trabalho!
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