domingo, 28 de novembro de 2021

Horrores Marinhos - O Culto das Profundezas devotado a Dagon e Hidra


É inegável que os mares oferecem infinitos enigmas, muitos deles, assustadores.

Além das ondas que arrebentam na praia e nos abismos insondáveis preenchidos por silêncio e escuridão, repousam coisas que a humanidade não está preparada para conhecer. A mera sugestão de sua existência seria suficiente para nos mover em um êxodo consciente para as regiões internas dos continentes, colocando uma distância considerável das costas recortadas e litorais orlados, onde estamos ao alcance dessas coisas.

Os oceanos possuem uma íntima relação com o Mythos de Cthulhu.

Nessa série de artigos, vamos investigar horrores submarinos de toda ordem e sua relação tempestuosa com o mundo da superfície. Hoje falamos do Culto das Profundezas Oceânicas devotado às divindades conhecidas como Dagon e Hidra

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Os mares talvez tenham sido um dos primeiros obstáculos para os homens do passado. Quando os povos primitivos se deparavam com porções de água, ali estacavam, receosos em tentar atravessar. As águas traiçoeiras ofereciam perigos inenarráveis e propunham uma questão central à respeito do que haveria além da linha da superfície. O que haveria lá embaixo? Da mesma forma, quando se afastavam da costa, perguntavam-se, o que poderia existir além do horizonte? E que seres bizarros, limosos e escamosos podiam reclamar aqueles reinos aquosos como seus domínios?

Dentro da Mitologia Cthulhiana, os Abissais são uma raça de homens-peixe consideravelmente mais antiga que a humanidade. Eles já construíam magníficas cidades submersas de madrepérola e coral quando estávamos descendo das árvores em busca de cavernas para nos refugiar. Os Abissais são criaturas complexas e sofisticadas, perfeitamente adaptadas à vida nas profundezas. Embora possuam características anfíbias, é inegável que se sentem muito mais à vontade na água do que em terra. Eles edificaram uma sociedade inteira sob as ondas, e esta manifestou pouco interesse em alterar seus modos ao longo das eras, sobretudo pelo fato de serem virtualmente imortais.


A maioria dos povos antigos temiam os Abissais e os evitavam à todo custo, sobretudo por conta das suas incursões em terra. Havia enorme temor e este era perfeitamente justificado pois quando vinham, levavam consigo escravos e mulheres humanas com quem pudessem procriar. No entanto, algumas civilizações acabaram se aproximando dos Abissais e com eles firmaram um acordo. Em troca dos prisioneiros que tanto desejavam, os abissais instruiriam os humanos a respeito dos segredos dos oceanos. Ensinaram como pescar, como entender o curso das marés, como se guiar pelas estrelas e conhecer os animais que habitavam os mares. Também forneceram um vislumbre de terras distantes e mapas para chegar até elas em segurança. Num primeiro momento  estes homens construíram embarcações simples, mas com o tempo elas foram sendo aprimoradas, permitindo jornadas mais longas.

Os povos da ancestral Mu, da remota Lemúria e do lendário continente da Atlântida estabeleceram boas relações com os Abissais e através deles conseguiram empreender suas primeiras jornadas além-mar. Contudo, quando essas civilizações experimentaram sua decadência através de catástrofes naturais, os acordos que tinham com os abissais foram esquecidos. A maioria dos herdeiros dessas orgulhosas civilizações preservaram seu saber à respeito do mar e os compartilharam com os que os sucederam. Os gregos no período clássico, em especial os minoanos e cretenses, sabiam como construir embarcações que os levavam além de suas ilhas. Nestas explorações entraram em contato com outros povos e firmaram laços de comércio que definiram as relações no mundo antigo. Também é de se supor que estes tiveram contato com os Abissais, mas ao contrário de seus antepassados, os gregos ficaram chocados com a existência do povo das profundezas e os trataram como monstros e seus filhos híbridos, como abominações. 

Esse ponto de vista, entretanto, não foi partilhado por outras civilizações que se formaram na Idade Antiga do homem. Os habitantes da Terra de Canãa, que construíram a orgulhosa Civilização Fenícia, forjaram a primeira Talassocracia do mundo, uma sociedade inteira baseada na cultura e progresso comercial marítimo.

O Povo Fenício desde os seus primórdios teve uma relação amistosa com os Abissais que habitavam o Mar Mediterrâneo. É possível que os nobres da mais alta estipe que comandavam as Cidades Estado de Sídon, Tiro e Biblos, tivessem sangue Abissal correndo em suas veias. Essa característica não era vista como uma desvantagem, pelo contrário, o sangue abissal permitia a eles uma familiaridade com o mar. Isso talvez possa explicar porque a Civilização Fenícia se tornou em poucas décadas uma potência naval, dominando os mares e singrando de leste a oeste do Mediterrâneo por rotas até então ignoradas. Seus navegadores conheciam técnicas náuticas que permitiam impulsionar suas galés muito mais longe e em segurança, colocando-os em contato com povos distantes, com quem celebraram comércio.


Foi na antiga Fenícia que se formou o mais antigo Culto organizado, devotado ao Deus das Profundezas. A divindade central da sociedade abissal sempre foi o Grande Cthulhu, tido como o patrono alienígena de toda espécie, o Deus que os gerou nas profundezas. Num primeiro momento a Cidade-Estado de Tiro se converteu no reduto do Culto de Cthulhu, responsável por difundir os rituais blasfemos através dos portos, criando baluartes da seita nos portos de Luxor, Chipre, Atenas e Gadir.

Contudo, apesar da inquestionável importância de Cthulhu, haviam outros deuses que também eram venerados pelos Abissais e se mostravam bem mais acessíveis que o Sonhador de R'Lyeh. Desde o início dos tempos, os Abissais rendiam homenagem a dois dos seus, um macho e uma fêmea, alçados ao posto de Deidades e tratados com total reverência pelos títulos de Dagon e Hidra.

Dagon é o consorte de Hidra, a grande genitora, por isso, também eram chamados de Pai Dagon e Mãe Hidra, o que reforça o papel deles como Patriarca e Matriarca de todos Abissais. Os dois são venerados como representantes da espécie e invocados durante rituais importantes. Eles respondem prontamente quando surge a necessidade. Dagon geralmente é convocado para abençoar os guerreiros a caminho da guerra, para validar rituais de passagem ou aceitar sacrifícios na forma de alimento. Já Hidra tem papel sacramentando uniões, abençoando as fêmeas com fertilidade e recebendo sacrifícios humanos. Há rituais específicos em que ambos podem ser convocados, mas estes são consideravelmente mais raros. 

O Culto de Dagon e Hidra existe há milênios entre os Abissais, tendo surgido nas suas cidades submarinas. Ele foi introduzido de maneira organizada entre os homens primeiro entre os Fenícios. Os sacerdotes que lideravam o culto, à princípio, aceitavam apenas híbridos entre os devotos, contudo, a religião aos poucos foi encontrando espaço e se encaixando em outras camadas da sociedade. De fato, o Culto de Dagon (ou Dagan) se tornou muito difundido entre sumérios, acadianos, cananitas e filisteus que incorporaram elementos próprios aos rituais. Dagon passou a ser visto não apenas como uma divindade marinha, mas como Deus da fertilidade, abundância e do grão. Os sacerdotes vestiam uma indumentária própria com um manto simulando escamas e uma mitra que representava a cabeça de um peixe.


À certa altura, Dagon tornou-se a principal divindade do Panteão Semítico, sendo citado na Bíblia em pelo menos dois momentos cruciais: quando seu Templo é destruído pelo herói Sansão (Juízes 16:23) e quando a Arca da Aliança é removida de um dos seus templos e a estátua do Deus acaba sendo mutilada (1 Samuel 5:2). É provável que a essa altura, a religião já tivesse sofrido mudanças tão significativas que guardava pouca ou nenhuma conexão com os ritos originais. Esse desvirtuamento das cerimônias de Dagon marcou também o declínio da Civilização Fenícia que em meados de 540 a.C entrou em decadência. Quando Ciro, o Grande, Rei dos Persas conquistou a Fenícia, esta foi dividida em quatro reinos, o que pulverizou de uma vez por todas seu governo e decretou seu colapso.

Muitos fenícios em fuga se estabeleceram na Colônia de Cartago, no Norte da África onde o Culto de Dagon experimentou um renascimento por um curto período de tempo retomando suas doutrinas originais. Muitos híbridos humanos devolveram ao Culto o caráter marinho dos ritos, contudo, o Império Cartaginense acabou sendo devastado pelos romanos nas Guerras Púnicas.

O Culto de Dagon, no entanto, foi carregado pelos sobreviventes, estabelecendo pequenos templos em cidades portuárias no sul da Europa. Os principais centros de adoração a Dagon no continente incluíam Cádiz e Sevilha, na Espanha, Porto e Lisboa em Portugal, Marselha na França, Nápoles e Salerno, na Itália, além da Ilha de Sardenha. Nesses locais a seita se desenvolveu em segredo entre pescadores e marinheiros, sendo praticada em absoluto sigilo. Contudo, sendo um culto que praticava sacrifícios e prezava pelo segredo em seus rituais, era difícil não atrair a atenção. A ferrenha perseguição da Igreja Católica obrigou os cultistas a mergulhar ainda mais na clandestinidade. Muitos membros híbridos da seita foram perseguidos pela sua aparência hedionda, sendo aniquilados no correr da Idade Média. Os únicos centros de adoração que restaram foram aqueles estabelecidos em Marselha e na Sardenha. Não por acaso, eram portos de grande movimento comercial que favoreciam as atividades do culto. Marselha aliás se converteu num dos maiores centros de adoração de Dagon e Hidra com templos operando nos porões da lendária Casbah do Mediterrâneo.

A seita se beneficiou da Expansão Ultramarina e encontrou no Novo Mundo locais onde poderia se fixar sem chamar a atenção. Longe dos olhos vigilantes de instituições dedicadas a destruí-los, o culto firmou contato amistoso com abissais que viviam no vasto litoral das Américas. No Caribe, o Culto de Dagon prosperou nas Bahamas, Costa Rica e nas Bermudas. Já na América do Sul, ramificações da seita dominaram vilarejos pesqueiros no nordeste do Brasil, e também nas cidades portuárias do Rio de Janeiro e Santos. No outro lado do mundo, o Culto de Dagon estabeleceu bases em Madagascar, nas Filipinas, Singapura, em Ilhas da Polinésia e no sul do subcontinente indiano. As Ilhas Andaman sempre tiveram importância como centro de adoração.


Dentre os ramos mais bem organizadas da Seita, é preciso mencionar a lendária Ordem Esotérica de Dagon, estabelecida na cidade costeira de Innsmouth na Nova Inglaterra. A cidade hospedou por décadas um dos mais poderosos grupos de sectários dedicados ao Culto. De fato, a Ordem fundada em 1840 só foi desmantelada em 1927, após uma série de desaparecimentos que alertaram o Governo Federal das ações temerárias da Seita. Uma operação militar coordenada pela Marinha dos Estados Unidos colocou fim à ameaça. No processo de invasão e tomada de Innmouth, vários Abissais e híbridos foram mortos ou capturados pelo governo norte-americano.

A operação abriu os olhos do governo para a existência de grandes conspirações sobrenaturais ocorrendo sem que ninguém tivesse conhecimento de suas ações. Mais do que revelar tal coisa, o Incidente de Insmouth demonstrou como o Governo estava despreparado para lidar com tais ameaças. Após a operação julgou-se necessário criar um Departamento especializado, incumbido de localizar, avaliar e neutralizar tais ameaças em solo americano. Os membros da recém formada Divisão P (de Paranormal), interrogaram os prisioneiros de Innsmouth que revelaram a dimensão da conspiração.

Na década de 1930, uma segunda operação militar destruiu um foco de atividade de abissais e híbridos em Porto Rico. A operação foi um sucesso e serviu para provar que a Ordem de Dagon ainda estava ativa e constituía uma ameaça considerável. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Divisão P, renomeada com o nome código Delta Green atuou nos bastidores do conflito frustrando uma possível aliança entre os Nazistas, coordenada por membros da Thule Gesselshaft e Abissais. No período do pós-guerra, boatos à respeito de Cultos devotos de Deuses Marinhos abundam em várias regiões costeiras do mundo e é provável que estes continuem atuando secretamente.   

Os cultos de Dagon e Hidra possuem diferenças consideráveis no que diz respeito a doutrina, mas em essência são seitas que favorecem sacrifício e idolatria. Há muitos elementos cerimoniais tomados emprestados de crenças locais em um grosseiro sincretismo místico religioso. Uma seita pode recorrer a lendas nativas, costuradas com as Sagradas Escrituras e doutrinas chapinhadas de seitas da fertilidade do Oriente-Médio. O resultado é uma mistura de diferentes elementos pseudo teológicos um tanto incompreensivos.


Em comum, o fato de que praticamente todos cultos buscam primordialmente estabelecer a cooperação e interação entre híbridos e abissais. 

Um dos rituais consagrados, presente na maioria dos cultos prevê a conjunção carnal entre abissais machos e fêmeas humanas, tanto híbridas quanto humanas puras capturadas para esse fim. No passado, os Cultos mantinham relações estreitas com negociantes de escravos que lhes garantiam vítimas para abastecer esses rituais, mas recentemente, eles passaram a recorrer a sindicatos criminosos. O objetivo desses rituais era fecundar as fêmeas e garantir o surgimento de novos híbridos. Uma vez que a cerimônia constituía uma traumática violação física e emocional, em muitos casos as vítimas eram drogadas para não guardar memórias do incidente. Uma vez inseminadas, eram libertadas, ainda que permanecessem marcadas pelo Culto que acompanhava de perto o nascimento e criação das crianças.

As congregações geralmente buscam se estabelecer nos portos; em porões e docas subterrâneas, de preferência onde existem túneis inundados com conexão para o mar. Isso permite o acesso mais fácil de abissais ao local, sem chamar a atenção de curiosos. Estes ditos Templos possuem evidentes características religiosas, que incluem estatuas das deidades, sacrário para guardar regalias e um altar mor de onde o sacerdote conduz o serviço. Sendo um tabernáculo marinho, é indispensável haver uma ou mais piscinas com água salgada. As paredes desses templos são cobertas de inscrições nos Caracteres de R'Lyeh, a linguagem sagrada dos Abissais, usada em suas cerimônias. Outros ornamentos típicos incluem decoração com estrelas do mar, ouriços, coral, pérolas, cascos de tartaruga e restos de peixes pendurados nas paredes. O Chaat Aquadingen, é o tomo mais importante para o Culto, pois contém os ensinamentos e parábolas das profundezas. 

Os alto sacerdotes sempre são híbridos, geralmente em um estágio avançado de sua transformação que os torna mais abissais que humanos. Eles vestem uma indumentária característica, com um doumã vermelho e dourado, joias a lhes adornar os braços e um tipo de coroa de madrepérola na cabeça simbolizando seu status. Na cintura trazem um par de facas de aspecto grosseiro penduradas em cintos de couro: uma delas é recurva e afiada,  usada mormente nos sacrifícios, a outra é serrilhada para demais ritos. A autoridade do Sacerdote é completa e em seu Templo, sua palavra é final. Eles são geralmente assistidos por quatro a oito sacerdotes menores, responsáveis por tarefas ordinárias.


As piscinas são usadas nos ritos de sacrifício, no qual vítimas podem vir a ser afogadas, degoladas ou então torturadas lentamente pelos sacerdotes e seus assistentes. Para alguns cultos, o sangue tem um papel central nos sacrifícios, com os Abissais respondendo a invocação mediante o tributo pago dispersado na água. Outros respondem ao sacrifício quando a vítima é afogada. Geralmente os corpos são levados para as profundezas pelos abissais no final da cerimônia, desse modo os cultos descartam suas vítimas com facilidade.

Alguns rituais sagrados do Culto de Dagon e Hidra podem ocorrer ao ar livre, geralmente em praias isoladas sempre à noite, quando a maré está alta. Os lugares escolhidos são marcados com obeliscos de pedra negra ou esverdeada que reluzem na luz da lua. Essas cerimônias são menos frequentes e geralmente demandam a participação de vários abissais. Os sacrifícios são abundantes, havendo canto e danças frenéticas, culminando  num ritual orgiástico que visam a concepção de novos híbridos.

Os Cultos recebem como recompensa pela sua devoção pesca abundante, presentes das profundezas e a proteção dos abissais. Um dos objetivos das seitas é acompanhar e preparar o caminho para o tão aguardado despertar de Cthulhu. Durante o serviço religioso, o sacerdote relata a história de Cthulhu e cultiva nos membros da congregação um fanatismo duradouro. Os intérpretes da doutrina acreditam que quando as estrelas estiverem certas, o Grande Antigo deixará R'Lyeh para visitar a terra e declarar o início de seu domínio sobre o mundo. E quando tal coisa ocorrer, os membros do Culto estarão presentes para pavimentar seu caminho com sangue e fervor.

Um comentário:

  1. É, não tem jeito... Vou ter que jogar "CoC - The Dark Corners of the Earth" novamente.

    PS: Também curti a referência à Skyrim ;)

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