A cidade costeira de Marblehead, no condado de Essex, Massachusetts, hoje é um vilarejo charmoso e histórico à beira-mar com prédios rústicos e pequenas ruas pitorescas que remontam aos dias dos colonos que vieram no Mayflower. Estes pioneiros britânicos, fugindo da intolerância religiosa fundaram o pequeno povoado de pescadores no distante ano de 1626. Originalmente, a terra era habitada pela tribo Naumkeag da numerosa Confederação Pawtucket, nativos distribuídos ao longo de toda a costa da Nova Inglaterra.
Os pioneiros demoraram para se estabelecer, enfrentaram um clima feroz, tempestades frequentes, doença e ataques de nativos inconformados pela perda de suas terras. A história original de Marblehead é marcada por chacinas, guerra e violência. Contudo, apesar dos desafios impostos, os colonos conseguiram prosperar, tornando o modesto assentamento numa importante cidade pesqueira e depois num entreposto comercial - porto de entrada para incontáveis estrangeiros que vinham tentar a sorte no Novo Mundo. Com uma longa tradição pesqueira e de construção naval, os ousados homens do mar nascidos em Marblehead são considerados os precursores da Marinha dos Estados Unidos. Foram eles os primeiros a subir e descer a costa leste, mapeando as baías e nomeando os rios e afluentes. Não é exagero nenhum dizer que foram os marinheiros dessa cidade os responsáveis por colonizar o país e permitiram que ele fosse conquistado.
No entanto, essa pequena cidade que hoje recebe turistas vindos de todos os cantos, atraídos pela sua atmosfera pacífica e edifícios pitorescos, guarda estranhas histórias. São lendas que envolvem misticismo e magia, feitiçaria e adoração demoníaca. No passado, Marblehead foi o lar de um feiticeiro muito poderoso que manteve sob seu controle os habitantes locais, obrigando-os a viver em meio ao pavor e o medo.
Tudo aconteceu no final do século XVIII, uma época em que Marblehead que até então havia experimentado grande progresso, começava a perder sua importância diante de outros centros portuários mais movimentados, sobretudo Boston, que se tornou o maior porto americano antes mesmo da Guerra de Independência. Os marinheiros de Marblehead se destacaram em várias batalhas navais contra os britânicos, mas muitos deles pereceram nesses sangrentos enfrentamentos. Foi mais ou menos nessa época, em face das mortes e tragédias familiares, que o espiritismo ganhou reputação na cidade. Muitos desejavam contatar seus mortos queridos e assim sessões espíritas, videntes e médiuns se tornaram algo relativamente comum na cidade.
Um homem que vivia em Marblehead se destacava quando o assunto era espiritualismo. Seu nome era Edward Dimond e ele era um ex-capitão aposentado, respeitado pela sua longa e dedicada carreira em alto mar. Dimond vivia em uma modesta habitação construída com os restos de um navio encalhado no sopé de uma colina colada ao cemitério. Ele era, sem dúvida, um homem excêntrico, uma figura grande e imponente que usava uma capa negra ondulante, uma cartola de cano alto e botas de couro compridas até os joelhos. Fumava um cachimbo entalhado, cheio de estranhos símbolos náuticos de onde expelia uma fumaça cinzenta. As pessoas o olhavam com desconfiança, pois era um homem austero tanto nas atitudes, quanto no comportamento esterno. Quando andava pelas ruas tortuosas, as pessoas se desviavam ou atravessavam a rua, pois alguns o reputavam fama de bruxo.
O Capitão Edward Dimond era um habitante estranho de Marblehead, vagava por aí, meio delirante, falando sozinho com amigos invisíveis, rindo e pitando seu cachimbo. Para muitos, simplesmente havia enlouquecido na solidão em que se confinara na cabana insalubre na qual residia, mas outros o tinham como um sábio. Em algum momento, as pessoas passaram a procurá-lo pois atribuíam a Dimond alegadas habilidades psíquicas, que fascinavam e assustavam a todos que buscavam seu aconselhamento.
Um dos poderes mais comentados e que ele exibia diante de plateias impressionadas, envolvia encontrar itens perdidos ou roubados. Quando pedido para que ele fizesse uso de suas faculdades mediúnicas, o Capitão assumia um comportamento bizarro. Ele usava espelhos, garrafas e bacias com água, cuja superfície reflexiva observava por longos minutos em busca de um transe mediúnico. Ao fazê-lo falava com uma voz gutural e soturna, revelando aquilo que seus interlocutores desejavam saber. Dessa maneira ele havia localizado vários itens dados como desaparecidos.
O Capitão era tão bom nisso, que dizem, ele era frequentemente abordado pela polícia para ajudá-los a encontrar objetos roubados. Em algumas ocasiões, ele ia além de apontar o ladrão, punindo os culpados de maneira severa. Conta-se que, em um inverno especialmente congelante, uma velha senhora foi até Dimond implorar para que ele encontrasse a lenha que havia sido roubada dela. Na época, ter lenha era importante porque com os invernos rigorosos, não ter como se aquecer poderia constituir uma sentença de morte. Sensibilizado pelo pedido, o capitão concordou em ajudar a anciã. No entanto, em vez de apenas encontrar a madeira, ele decidiu dar uma lição no ladrão. Lançou um feitiço que compelia o homem a percorrer a longa distância de sua casa até a cabana da velha senhora e de volta sem descanso. Em meio ao frio congelante com uma pesada tora nas costas, a tarefa exaustiva provou-se mortal e ele morreu ao tentar voltar para casa.
Encontrar objetos, entretanto, não era o único poder de Dimond, e nem de longe o mais notável. Ele era capaz de ver o futuro e o passado, falando a respeito de coisas que haviam acontecido ou ainda estariam por acontecer. descrevia em detalhes incríveis embarcações de um futuro distante e incidentes memoráveis ocorridos no passado, quando Marblehead estava se formando. Também era capaz de projetar sua voz ou mesmo sua imagem à distância, fazendo com que as pessoas ouvissem suas palavras ou tivessem um vislumbre de sua face em espelhos.
Um rumor que se tornou muito popular dava conta que durante tempestades violentas, o experiente Capitão Dimond escalava até o topo de um monte chamado Burial Hill que lhe garantia visão de toda extensão da baía. Lá do alto ele falava para o vento e assim transmitia mensagens que chegavam aos navios em alto-mar, dando-lhes instruções sobre como evitar de serem atirados nas pedras. As tripulações de várias embarcações relataram ouvir claramente a voz de Dimond em meio às tempestades, como se ele estivesse ali falando em seus ouvidos, ou às vezes realmente vendo uma aparição fantasmagórica cintilante dele de pé no convés indicando a rota mais segura.
Outras histórias sensacionais afirmavam que ele podia prever o tempo com incrível exatidão ou realmente controlar o próprio clima, amenizando tempestades ou inversamente fazendo com que elas piorassem consideravelmente. Com seus poderes mágicos, diziam que seu sopro podia causar um vendaval de enormes proporções. Não era incomum que os marinheiros fossem até ele antes de iniciar uma viagem para perguntar sobre as condições do tempo ou para pedir uma jornada segura.
Foram essas supostas habilidades que fizeram com que Dimond se tornasse conhecido como "O Feiticeiro de Marblehead", título que também o fazia ser tão temido quanto respeitado. Todos os tipos de boatos circulavam na época, como por exemplo, que ele amaldiçoava aqueles que o desagradaram lançando pragas que por vezes se provavam letais. Ele também teria afundado um barco mercante cujo capitão afirmou ser ele um charlatão.
Os habitantes de Marblehead sussurraram sobre ele ser um praticante de Necromancia e que para ativar seus encantamentos malignos costumava escavar corpos no cemitério de Burial Hill. Não se sabe até que ponto essas histórias são verdadeiras ou meros boatos, de fato não se sabe se Dimond algum dia teve algum poder sobrenatural, ou se ele era apenas um vigarista inteligente fortemente imbuído de folclore pelas pessoas supersticiosas do período. O que se sabe é que o medo fazia com que muitas pessoas temessem o sujeito e dispensassem a ele um tratamento diferenciado, quase como uma celebridade sinistra. Para ficar em bons termos com ele e não atrair sua ira, as pessoas costumavam enviar-lhe presentes ou oferecer agrados. Tal coisa, supostamente aconteceu até o fim de sua vida.
A autora e pesquisadora do folclore da Nova Inglaterra, Patricia Goodwin, fez muitas pesquisas sobre Dimond e escreveu duas novelas tendo ele como personagem principal, When Two Women Die e Dreamwater. Ela acredita que as lendas sobre as façanhas do Feiticeiro são verdadeiras, e opina à respeito:
"Como alguém que é um pouco vidente e que conheceu médiuns reais, o dom de Edward Dimond parece bastante plausível na minha opinião. Eu acredito que as lendas de Marblehead são absolutamente verdadeiras. Depois de escrever sobre ele, fiquei muito curiosa em estabelecer que tipo de habilidades ele possuía. Eu fiz várias pesquisas e acabei conversando com nativos americanos que me disseram que a habilidade de Dimond era muito rara, algo que os xamãs das tribos chamam de "visão de longe e fala de longe" e que nós conhecemos modernamente pelo nome de telepatia. Essa capacidade permitia a Dimond se comunicar psiquicamente através de centenas de milhas, é uma faculdade conhecida e estabelecida pela ciência da parapsicologia."
No final das contas, não se sabe quem realmente foi o Mago de Marblehead ou qual a extensão dos seus poderes. Não se sabe sequer à respeito de como se deu a sua morte. As histórias continuaram circulando por muitos anos, mesmo após sua suposta morte. O que se sabe é que ele foi uma figura impressionante em seu tempo, alguém que marcou a existência de todos à sua volta. É virtualmente impossível separar o que é fato do que não passa de ficção quando se trata do Capitão Edward Dimond, mas temos uma única certeza: ele será lembrado para sempre como um poderoso feiticeiro.
Curioso que o maluco fica assim depois de várias temporadas no mar. kk deve ter encalhado na ilha do Dagon
ResponderExcluirSeria ele um deep one ? Kkk
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