terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Guerra na Terra Santa - As Cruzadas se intensificam com sangue derramado em nome de Deus

Dando continuidade a nossa série sobre as Cruzadas 

A Primeira Cruzada foi o catalizador de mudanças profundas na sociedade europeia, graças ao contato entre culturas estrangeiras. A população no continente, assim como os reinos e a economia estavam experimentando um crescimento acentuado com a introdução de conhecimentos até então ignorados. O comércio ganhou importância cada vez maior e as pessoas depois de muito tempo conseguiam viajar além das fronteiras carregando consigo informações. Aqueles que comandavam o Mundo Medieval - nobres e clérigos, contudo, estavam envolvidos em disputas particulares que descambavam para guerras e conflitos internos.
 
Nesse contexto, em um determinado momento, as Cruzadas começaram a ser suscitadas uma vez mais. 

Um influente clérigo francês chamado Bernard Clairvoy defendia que o movimento para libertar Jerusalém havia unido a cristandade em torno de um ideal maior e mais justo. Ele ansiava por repetir aquele momento único em que rivalidades foram deixadas de lado, ao menos até o inimigo comum da cristandade, os infiéis, serem derrotados de uma vez por todas. No ano de 1144, o Emir de Mosul havia conquistado a Cidade de Edessa, um Principado Cristão que até então se mantinha seguro no Oriente Médio. Esse fato deu a Clairvoy um motivo perfeito para conclamar uma Segunda Cruzada.

Desde o sucesso do primeiro empreendimento Jerusalém havia ficado sob o poder de Reis Cristãos que garantiam o acesso de peregrinos à Cidade Santa. A cidade havia se aberto para uma onda de visitantes que se maravilhavam com suas paisagens e a consideravam "um pedaço do Paraíso na Terra". Com Jerusalém servindo como uma cidade cristã no Oriente Médio, os defensores da Segunda Cruzada acreditavam que seria mais fácil levar uma tropa até lá e usá-la para tomar as outras cidades. 


Sob o pretexto de libertar Edessa dos muçulmanos, vários governantes aceitaram tomar a Cruz. Obviamente, empreender a viagem havia se mostrado extremamente lucrativo já que pilhagem e riquezas estariam ao alcance de todos que aceitassem os riscos. Mas mesmo os mortos podiam obter uma compensação, já que perecer como um mártir era algo aceitável na visão medieva.

Os discursos de Bernard de Clairvoy contagiaram a Europa com um segundo furor teológico. As pessoas lembravam ou haviam ouvido falar da aventura de seus pais e avós. Haviam ouvido sobre a riqueza e as maravilhas da Terra Santa, queriam conhecer e experimentar o mesmo que eles. Para aqueles que enriqueceram na Primeira Cruzada, era a chance de aumentar ainda mais as suas fortunas. 

Guerras são motivadas por diferentes fatores, mas o econômico quase sempre se encontra entre os principais. As cidades italianas, por exemplo, prevendo que seriam necessários navios para transportar as tropas se colocaram à disposição da Cruzada para levar os soldados - por um preço. Haviam monarcas que aproveitariam para enviar para a guerra seus inimigos e desafetos. O ressentimento contra muçulmanos no leste europeu também era forte e uma cruzada serviria para expulsar os que tinham dinheiro e confiscar suas terras. Além disso, os camponeses se mobilizariam para participar já que a Cruzada era uma oportunidade única para quem não tinha nada. Até mesmo criminosos receberam indulto para se alistar na Cruzada o que engrossou as fileiras com todo tipo de bandido e assassino. O Exército de Cristo aceitava qualquer um disposto a marchar sob sua bandeira.

A Segunda Cruzada foi um movimentos muito mais amplo e que envolveu diversas ondas de soldados vindos de todas as partes da Europa. Eles empreenderam a jornada ao longo de décadas com diferentes alvos. Num primeiro momento Edessa era sua justificativa para atacar, mas logo esse destino, considerado muito distante, foi esquecido. Diferentemente da Cruzada anterior, o sucesso desse empreendimento foi bem menos significativo. 

Dessa vez, as nações muçulmanas sabiam o que esperar dos invasores e tiveram tempo para se preparar para as investidas em suas terras, formando tropas, armando exército e reforçando a defesa de suas cidades. Preparadas como estavam, encontrando um inimigo desorganizado e mal equipado, foi fácil subjugar a maioria das investidas. Mesmo em Jerusalém, a vinda de Cruzados passou a ser vista pelos habitantes locais com desconfiança, já que essas tropas de maltrapilhos não faziam distinção sobre atacar e saquear de cristãos. Eram como uma imensa nuvem de gafanhotos que onde ia, causava enorme devastação. Jerusalém, a essa altura, havia se consolidado como um lugar mais aberto, que negociava com árabes e judeus uniformemente já que estes também a tinham como uma cidade santa. Os Cruzados recém chegados da Europa, e repletos de um ódio cego pelo inimigo, não conseguiam compreender essa familiaridade. 


Os Cristãos cometeram erros estratégicos que acabaram colocando suas conquistas consolidadas na região em risco. Um de seus erros principais foi cercar a grande cidade de Damasco em uma tentativa de conquistá-la e a submeter ao controle cristão esse importante centro mercantil. O cerco foi marcado por tentativas em que as tropas foram repelidas por chuvas de flechas vindas das torres altas da cidade e muralhas que pareciam intransponíveis. As defesas de Damasco eram quase inexpugnáveis, mas os cruzados às colocaram à prova usando escadas e cordas para transpor suas muralhas. 

Seguidas tentativas de romper as defesas encontraram resistência cada vez mais vigorosa e milhares caíram diante dos muros crivados por setas mortais, pedras e por óleo quente. A medida que os dias passavam ficava claro que vencer a defesa seria quase impossível. Para piorar, o exército islâmico conseguiu cortar a linha de suprimento dos atacantes e estes se viram sem comida e água. Incapazes de persistir em sua ofensiva sem o básico, tiveram de desistir do ataque e reagrupar em Jerusalém. 

O ataque a Damasco fez com que várias lideranças muçulmanas se juntassem em um esforço comum para repelir os cruzados no Oriente Médio. Da mesma forma, o fracasso custou caro aos Cruzados que se desentendiam quanto a culpa pela derrota sofrida. Com os sucessivos fracassos e cada vez menos tropas chegando para substituir as que estavam na região, as poucas posições conquistadas foram facilmente retomadas. O habilidoso Comandante curdo Saladino se destacou liderando os exércitos muçulmanos e mais tarde sendo proclamado Sultão do Egito. Seu comando marcaria um período de grandes vitórias que custaram ainda mais aos reinos cristãos.

Em 1187 uma última campanha em larga escala dos cruzados terminou em catástrofe. Na Batalha de Hatin, na região que atualmente corresponde a Israel, um grande contingente de Cruzados foi aniquilado por uma armada muçulmana comandada pelo próprio Saladino. O ataque foi tção devastador que os sobreviventes tiveram de escapar desordenadamente, muitos foram capturados e uns poucos conseguiram chegar ao litoral. Para consolidar sua vitória completa, Saladino decidiu estender seu sucesso até Jerusalém, tomando a Cidade Santa uma vez mais. Com a Cidade sobre controle do Islã, a Segunda Cruzada se encerrou.


O triunfo de Saladino, uma vitória incontestável, foi visto como uma afronta na Europa. Como era possível que a Cidade Santa caísse nas mãos dos muçulmanos e ninguém fizesse nada para mudar essa situação? 

No Mundo Cristão se iniciaram os preparativos para um novo empreendimento. Mais e mais nobres desejavam tomar a Cruz e partir rumo ao Oriente contagiados por um furor religioso que beirava o fanatismo. E claro, haviam os interesses financeiros. Entre os envolvidos diretos estavam o Rei Filipe Augusto da França e Frederico Barba Ruiva, Imperador do Sacro Império romano Germânico. Além deles, o Rei Ricardo Coração de Leão que também decidiu deixar a Inglaterra e se engajar no conflito, determinado a retomar Jerusalém. Não por acaso, essa Terceira Incursão recebeu o apelido de "A Cruzada dos Reis". Digna de nota foi a participação das Ordens de Cavalaria, em especial os Cavaleiros Teutônicos que constituíam uma força extraordinária de monges guerreiros. 

Num primeiro momento os cruzados conseguiram algum sucesso ao tomar a Ilha de Chipre que se tornou um baluarte cristão no Mediterrâneo. Além disso, a conquista de Acre garantiu um porto de desembarque valioso para adentrar no Oriente Médio. Contudo apesar dessas vitórias significativas, os combates continuaram pendendo para o lado dos muçulmanos. Mais uma vez as cidades foram reforçadas para esperar o inimigo conhecido. A invasão foi contida e novas investidas em suas terras debeladas. Saladino provou ser um comandante extremamente competente e mais bem preparado.

Sucessivas derrotas terminaram por sufocar a Cruzada. Não havia outra opção para os cruzados senão retornar para a Europa e lamentar seu fracasso. Ainda que alguns acordos no fim da guerra tenham garantido o direito sobre as cidades conquistadas e permissão para o trânsito de peregrinos à caminho da Terra Santa, no geral, o desfecho da Terceira Cruzada foi de amarga derrota.

Mas ainda haveriam outras Cruzadas

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