quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

True Detective - Terra Noturna: Primeiro Episódio (Parte 1)


True Detective está de volta e parece que de volta aos trilhos.

Depois de uma excelente primeira temporada apontada como uma das melhores séries de todos os tempos, a série antológica experimentou altos e baixos em suas sequências. Não que a segunda e terceira temporadas tenham sido ruins, pelo contrário, foram boas, mas é inegável que não conseguiram manter o mesmo nível da original ficando abaixo. Em termos de valores de produção, elenco, direção, roteiro e resultado geral, True Detective é nada menos do que sensacional conjugando intriga, mistério e suspense na medida certa.

Não por acaso a quarta temporada estava sendo aguardada com um misto de espectativa e suspeita. Mas após a estreia nesse domingo, 14 de janeiro as dúvidas foram dirimidas. A serie que contará com seis episódios semanais está excelente. Ainda é cedo para cravar, mas a premiere dessa temporada, que tem por subtítulo Night Country (Terra Noturna), já começou à toda, contando uma história intrigante e garantindo boas doses de mistério. Com elenco afiado, onde se destaca Jodie Foster, True Detective parece estar voltando às suas origens, com uma história tão cativante quanto sinistra, remetendo diretamente ao que todos queriam ver novamente, o Rei Amarelo.    

Os padrões estão lá novamente, afinal, sabemos que o tempo é como um círculo, fadado a se repetir periodicamente. Passados dez anos, esse é o momento para revisitar esse drama. Temos uma vez mais uma dupla de detetives brilhantes que vivem em desacordo graças às suas personalidades distintas, um crime aterrorizante, indícios de coisas incompreensíveis e reviravoltas que nos deixarão de queixo caído e famintos por mais.

A 4ª temporada toma um rumo importante, pois é a primeira não escrita pelo criador Nic Pizzolatto. Quem assume o posto de roteirista e diretora com maestria é Issa López (de Tigers Are Not Afraid) que infunde em Terra Noturna elementos de investigação procedimental e misticismo em meio a noite polar. Serão semanas antes do amanhecer, e nesse meio tempo, a metáfora perfeita é que permaneceremos na escuridão, até o caso ser concluído e a verdade vir à tona.


Em linhas gerais, o episódio 1 nos apresenta a chefe de polícia da cidade de Ennis (conhecida como "o Fim do Mundo"), Liz Danvers (Jodie Foster) e sua ex-parceira, a ex-militar Evangeline Navarro (Kali Reis). As duas guardam um ressentimento entre si, mas são arrastadas para a mesma investigação quando uma instalação científica local, a Estação de Pesquisa Ártica Tsalal, é encontrada abandonada. A equipe formada pelos oito homens que lá trabalhavam simplesmente desapareceram, como se tivessem fugido para o meio do deserto congelado. O que aconteceu com esses homens é apenas o começo do mistério desta temporada. 

Navarro acredita que o caso possa estar relacionado a um outro caso marcante, que custou sua carreira como detetive e a rebaixou ao serviço de patrulha. O caso não resolvido envolve o assassinato brutal de uma ativista Iñupiaq chamada Annie K. A falta de uma solução nesse crime fez com que as duas mulheres se distanciassem e se instalasse entre elas um clima de ressentimento que deve ser mais aprofundado em breve. Danvers e Navarro conseguem estabelecer desde o início uma química invejável, nos moldes dos detetives titulares Cohle e Hart, cuja relação era um misto de admiração mútua e incompreensão. O Crime contra Annie K deve surgir no decorrer das investigações, enquanto as detetives tentam resolver o caso na estação.   

Mais interessante ainda é saber que o tema do Rei Amarelo - a força sobrenatural que discretamente parece influir nos acontecimentos, também está de volta. Junto com ele temos um retorno ao sentimento esmagador de estranheza, isolamento e pessimismo que permeou cada episódio da primeira temporada. No ambiente selvagem do Alasca, onde a natureza parece se ressentir da presença humana e desejar sua partida, o tema fica ainda mais relevante.   

Bastou o primeiro episódio para sentir que True Detective - Terra Noturna está no caminho certo para se tornar algo memorável. Vai ser difícil se equiparar ao que deu origem a tudo, mas sem dúvida, esse é o maior esforço até o momento nesse sentido.

Como não poderia deixar de ser, o Mundo Tentacular vai acompanhar, True Detective, como fez anteriormente, analisando os detalhes, levantando suspeitas e comentando as pistas à medida que elas forem surgindo. E não faltam easter eggs, acenos e sinais para quem estiver atento aos detalhes.   

Vamos falar um pouco e ver o que sabemos...

1. A citação no Início


A quarta temporada abre com uma citação atribuída a um certo Hildred Castaigne que diz:

“Pois não sabemos quais animais a noite sonha quando suas horas ficam longas demais para que até mesmo Deus esteja acordado.” 

Para quem ainda tinha alguma dúvida de que a temporada teria uma ligação com o tema "Rei Amarelo", aqui a dúvida se desfaz quase que por completo. Hildred Castaigne é o personagem principal no conto "O Reparador de Reputações", escrito por Robert W. Chambers, o criador dos mitos sobre o Rei Amarelo.

Entretanto, se você tentar pesquisar a citação, não a encontrará em lugar algum da obra de Chambers. Isso porque a citação foi inventada por Issa López. "Eu estava procurando a frase perfeita para falar sobre as coisas que se escondem no escuro e não consegui encontrar. Então a escrevi."

Atribuir a citação falsa a Castaigne foi uma maneira divertida de dar “uma piscadela” à primeira temporada e para os fãs, disse López.

“Sou particularmente fã da veia sobrenatural da primeira temporada, O Rei Amarelo e Carcosa”, disse López, referindo-se ao templo dedicado ao ser misterioso na primeira temporada. “Eu tinha lido esses livros anos atrás, mas voltei novamente e perguntei: 'Quem poderia ser o escritor dessas citações?' E eu criei a ideia de que foi Hildred Castaigne quem escreveu isso."

Mais do que uma piscadela, esse é um indício de que haverá uma conexão nas tramas, como veremos em sinais mais óbvios nesse artigo.

2 - Caribous saltando para o vazio


Logo após a citação acima, o episódio se inicia com a bela paisagem da imensidão polar. O Alasca em toda a sua glória selvagem, justamente quando o sol se esconde no horizonte em um processo no qual ele retornará apenas semanas depois, mergulhando o lugar na escuridão.

A cena acompanha então um caçador inuit se posicionando para disparar seu rifle contra uma manada de caribous reunidos. No entanto, antes dele poder pressionar o gatilho, os animais parecem pressentir algo estranho e iniciam uma disparada desesperada que termina de maneira dramática, com eles despencando em uma ravina. 

A cena é surreal e bizarra.

Sem dúvida o objetivo dela é correlacionar a sensibilidade dos animais e da natureza diante de algum incidente estranho que acabara de ocorrer. Os animais teriam uma percepção superior que lhes permitiu sentir o advento de algo inesperado que os colocou em tamanho estado de pânico que os fez saltar no vazio e abraçar o esquecimento.

Mas o que poderia ser esse evento? A maior probabilidade é que ele esteja relacionado de alguma maneira com o despertar da entidade conhecida como "Ela" (sobre a qual falaremos mais adiante). Os caribous são uma espécie de símbolo do Alasca, animais que estão profundamente relacionados ao próprio espírito da terra que habitam. Não por acaso, o totem de muitas tribos é o Caribou, que assume o papel de guia espiritual dos Inuit

Os antigos povos esquimós acompanhavam os movimentos migratórios dos caribous através do território setentrional, confiando na capacidade desses animais de perceber pequenas alterações naturais muito antes dos seres humanos. Quando uma manada de caribous se afastava de uma determinada região, era momento de levantar acampamento e também partir, já que eles teriam uma razão para fazê-lo, geralmente algo relacionado a preservação do bando. Escassez de comida, presença de predadores, mudanças climáticas acentuadas estavam entre tais fatores. Antropólogos estudam a relação entre animais e o meio em que vivem sabendo de sua intuição e como ela pode ajudar as pessoas que vivem nas proximidades. Por exemplo, sabemos que pássaros conseguem detectar tremores de terra mínimos que irão se transformar em terremotos, certos peixes somem de regiões onde tsunamis estão para se formar. Observar esses animais é uma forma de se precaver de tragédias. 

Agora, o que poderia levar os animais a enlouquecer e preferir a morte? E que simbologia tal evento poderia ter para uma tribo nativa que viesse a descobrir tal coisa? Será que teremos alguma interpretação desse incidente uma vez que houve uma testemunha do ocorrido? Vamos aguardar... 

3 - Lone Star Beer


Esse é apenas um aceno discreto para a primeira temporada. Quando temos um dos primeiras vislumbres das instalações da Estação Científica Tsalal, vemos um lanche sendo preparado e uma garrafa da cerveja Lone Star sobre a mesa. 

Não é preciso dizer que a Lone Star é a cerveja preferida de Rusty Cohle na primeira temporada e aquela usada por ele para montar o diorama das vítimas e que depois serve de alusão para o Tempo funcionar em Círculo. 

4 - Onde estão os cientistas desaparecidos?


Um dos grandes mistérios dessa temporada e o fio condutor da trama será  descobrir o que aconteceu com os cientistas da Estação Tsalal.

A polícia de Ennis é chamada até o local isolado quando um entregador chega à Estação de Pesquisa Ártica com provisões e encontra o local abandonado. O filme Curtindo a Vida Adoidado está sendo reproduzido no aparelho de DVD em looping na televisão. Ferris Buelller canta Twist and Shout sem parar, mas não há ninguém para assistir. Tudo parece ter sido deixado para traz deliberadamente, os telefones, a comida, os casacos, tudo... “É como se eles tivessem ido mijar e nunca mais voltassem”, observa Danvers enquanto examina a cena desolada.

Maionese rançosa e roupa molhada fedorenta sugerem que os cientistas sumiram há pelo menos 48 horas, talvez mais. Mas onde teriam ido? Uma das regras de qualquer estação isolada é que ao menos duas pessoas sempre devem ficar na estação para operar rádio e pedir ajuda em caso de necessidade e também para pedir socorro. NUNCA, de maneira alguma, todos os membros saem ao mesmo tempo. 

O episódio nos oferece uma breve ficha de cada um dos membros da equipe da Estação Científica Tsalal, como podemos ver na imagem abaixo. As imagens possuem detalhes a respeito do indivíduo e suas qualificações. Trata-se d euma missão conjunta de vários países com especialistas gabaritados, o tipo da coisa cara e difícil de reunir.

Abaixo reproduzi a imagem de apenas um dos membros da equipe, mas se for preciso, vou colocar outras para que possamos saber quem eram os homens na estação.


Ainda sobre a Estação e seus habitantes:

Pouco antes de alguma coisa horrível ter acontecido na Estação, o lugar parecia funcionar dentro de sua rotina, com os homens agindo de maneira calma e racional. De repente, um deles surta mencionando o retorno de algo a qual ele se refere apenas como "Ela". Isso ocorre instantes antes dos geradores elétricos desligarem em um blackout. O que poderia ter causado esse apagão e o que causou o ataque epilético num dos membros da equipe? Quer me parecer que os eventos estão conectados, mas só saberemos detalhes nos futuros episódios. Seria a causa algo físico e explicável, ou então uma circunstância sobrenatural?

No final do episódio, os cadáveres de alguns dos cientistas são encontrados no gelo, congelados. A expressão deles parece transfixada por um terror primitivo, como se a última coisa que eles tivessem visto fosse aterrorizante demais. 

5 - O que está sendo pesquisado


Qual a razão de ser dessa Estação e qual os seus objetivos?

De forma muito irritante, não conseguimos saber quem é o patrocinador dessa instituição, embora seja mencionado que ela não é custeada por uma ONG. O nome do patrocinador fica no vácuo, ignorado em face de uma prisioneira que não para de reclamar numa cela da chefatura de polícia. 

No entanto, é possível congelar a imagem e ler a página da internet que trata da missão da Estação Tsalal.


Portanto, temos que o centro de pesquisa investiga a Geologia, a Biologia e os impactos das mudanças climáticas, buscando a origem da vida. (Ou, como Danvers se refere, "Oh. Aquela coisa"). Centros de Pesquisa reais conduzem pesquisas desse tipo, preferindo as regiões polares uma vez que o gelo oferece condições para a preservação de micro-organismos que estão extintos em outros lugares do planeta. Outra razão é que o estudo das camadas de gelo fornece uma maneira mais acurada de datação das mudanças climáticas no planeta. Aparelhos especiais são capazes de encontrar alterações na formação do gelo que evidenciam alterações significativas mesmo antes da humanidade existir. É como ler uma impressão digital deixada no gelo por um acontecimento global.

Não há como extrair muitas informações com base no texto da imagem acima, ele parece convenientemente ocultar as verdadeiras missões da estação num bable-talk interminável. O importante é saber que a estação está em busca de informações sobre a origem e a extinção da vida no planeta.

6 - O que significa TSALAL?


Mas qual é o verdadeiro significado de TSALAL? O que essa estranha palavra significa e porque ela teria sido escolhida para nomear a estação de pesquisas onde ocorreu a tragédia vista no primeiro episódio? Existe um verdadeiro centro de pesquisa TSALAL no Alasca? Aqui está o que descobri:

Em hebraico, a palavra “TSALAL” foi usada no Antigo Testamento para dizer “ser, tornar-se ou escurecer”.

Na indústria literária, o primeiro escritor a ganhar notoriedade pelo uso dessa palavra foi Edgar Allan Poe. Ele usou a palavra em sua história de 1838, em seu conto clássico A Narrativa de Arthur Gordon Pym de Nantucket que não por acaso se passa no Pólo.

Na história, Tsalal era o nome da misteriosa ilha antártica habitada por um grupo de nativos violentos e canibais. Esta história foi posteriormente continuada por Júlio Verne, 50 anos depois da morte de Poe, em sua história de 1897, intitulada Um Mistério Antártico.

Outro escritor famoso que usou o nome foi Thomas Ligotti, que se inspirou no nome e o usou em seu conto chamado "O Tsalal".

De acordo com uma postagem do Reddit, o significado de TSALAL em True Detective não é apenas um Easter egg fazendo referência a Ligotti ou Poe.

Na verdade, tem algo a ver com um “ambiente sombrio de história alternativa” conhecido como Antártica Verde. Isto faz referência a um conto em que o continente um dia foi habitável. O povo Tsalal residia no continente e praticava costumes horríveis.

Embora isto possa parecer semelhante ao trabalho de Poe, o Tsalal da Antártica Verde tem um subgrupo conhecido como povo Hali. As suas raízes remontam à cidade de Carcosa, onde os habitantes adoravam o Rei Amarelo.

A Estação Tsalal obviamente não existe. Ela foi criada para o programa.

Contudo, a estação de investigação é baseada em duas estações de pesquisa reais no Ártico: a Estação de Campo Toolik e o Observatório Barrow. Essas estações de pesquisa, felizmente jamais apresentaram qualquer desaparecimento misterioso ou acontecimento estranho digno de nota.

7 - Pistas sobre os estudos em Tsalal


Logo no início do episódio vemos os cientistas trabalhando ou desfrutando de alguns momentos de lazer. Nada parece estranho ou anormal, a equipe está em perfeitas condições físicas e mentais, sem indicativo do que viria a acontecer logo em seguida.

Algo que chamou minha atenção nessa cena inicial é um cientista que está fazendo alguns cálculos que são anotados em um quadro branco. É possível perceber que estes dados estão sendo anotados pouco antes da tragédia e alguns resultados estão sendo assinalados por círculos vermelhos.

O quadro branco chama a atenção posteriormente, pois um dos cientistas escreveu com uma caligrafia tremida as palavras "Nós todos estamos mortos" abaixo de seus gráficos.

Mas o que significam esses números e será que eles são importantes para a trama?


É difícil entender o significado dessa tabela, mas ela parece se referir a análises de amostras de gelo coletadas pela Estação de Pesquisas. A coluna mais à esquerda parece nomear de onde vieram as amostras obtidas (East Grip, Neem, North Grip). Em seguida temos elevação, que se refere a altitude e a localização expressa em coordenadas de Latitude/Longitude, que devem dar as localizações precisas. A penúltima coluna é difícil de ler, mas parece se referir a temperatura. Finalmente, a última coluna é uma graduação de comprimento (???). Poderia ser a profundidade de onde veio a amostra?

Não sei exatamente qual o significado disso, mas é interessante reparar que alguns valores estão assinalados. Dentre estes, um em especial (o número 3027) possui duas exclamações, como se o resultado fosse inesperado ou surpreendente.

Eu busquei as coordenadas assinaladas no gráfico:

Latitude 75,10 N; Longitude 51,04 W

Mas infelizmente não significa nada... é uma coordenada no meio do Mar Báltico, quase na Rússia. Claro que pode ser apenas uma isca deixada e que não tenha um significado, pode ser ainda que seja algo apenas para enganar o espectador, mas a essa altura, não vamos desconsiderar nenhum elemento.

*     *     *
 
Será que já temos elementos suficientes para discutir?

Não? 

Então fiquem atentos, pois esta é apenas a primeira parte da postagem sobre pistas e indícios no primeiro episódio da quarta temporada de True Detective. Fiquem conosco pois ainda vamos discutir quem (ou o que) é "Ela", o assassinato de Anne K e é claro a identidade real do Fantasma Travis.

4 comentários:

  1. Essa temporada promete... não sei se supera a primeira, mas..promete ser boa. Parabéns pelo artigo!

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  2. Tá aí uma série que integra minha lista de "por assistir" faz tempo... Com a entrada da Jodie Foster então, a curiosidade aumentou!

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  3. Conheci esse site graças a primeira temporada de TD, desde então entro aqui vez ou outra para ler algum artigo seu, sempre muito bem escrito. Aqui estou eu novamente, atrasado mas voltei hehehe

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