baseado no original por Luis Bustillos Sosa
Nas lobregas e esquecidas entranhas da Cidade do México, onde as trevas devoram vorazmente as fontes de luz e o ar se torna um veneno para os pulmões, existe um labirinto escuro de túneis e condutos infindáveis: as Cloacas.
Neste submundo putrefato, onde as águas residuais fluem e refluem como um rio desbocado e os ruídos discordantes da civilização desaparecem na negritude eterna, vagam horrores indizíveis. As cloacas são terreno perigoso, infestado de pragas e doenças infeciosas. Os refugos da civilização escorrem por esses canos e desaguam nas galerias repletas com o excremento e sujeira, rescaldo e secreções imundas.
Num ambiente tão insalubre, inacessível para qualquer ser que não se alimenta de podridão e faz dela seu covil, vive uma criatura nascida das mutações mais perversas e da decadência urbana.
Poucos ousam mencionar o seu nome, mas os que o fazem, entre sussurros nervosos, o chamam simplesmente de o "Habitante".
Alguns sugerem que ele pode ser uma terrível mutação catalisada pelas substâncias aviltantes presentes na água poluída. Existe a noção de que ele possa um dia ter sido um ser humano, transformado pelo meio após anos de confinamento nos esgotos. Gradualmente teria sido consumido e deformado, até se tornar uma paródia grotesca do seu antigo eu. Outros, mais temerosos, murmuram que se trata de uma entidade demoníaca, atraída pelos segredos ocultos e pelas misérias insondáveis da grande metrópole. Finalmente há os que apontam para uma forma que nasceu espontaneamente em meio ao lodo cru e que se desenvolveu, tendo nesse meio uma espécie de caldo primordial.
Mas ninguém sabe ao certo que forças nefastas teriam sido combinadas para dar vida a esse horror. Sua origem permanece imersa em incertezas, sendo impossível aferir como se deu gênese tão profana.
Não obstante, o Habitante vaga pelos alagadiços, nutrindo-se com as formas de vida rasteiras e extraindo desse meio aquilo que necessita. Ele atrai ratos e os devora, bem como baratas, mocas e larvas. Quando o calor dos túneis chega a uma temperatura insuportável nos meses de verão, ele rasteja laboriosamente até perto da superfície na esperança de recolher alguma presa maior. Desaparecimentos de animais domésticos e pequenas crianças não são algo raro próximo das grades de coleta de chuva. E mais de um vagabundo já foi capturado pela coisa. De fato, alguns anos atrás, a descoberta de ossos, tanto de animais quanto de humanos numa galeria, reascendeu as histórias sobre o Habitante.
Há lendas que são contadas sobre ele desde os anos 60, quando as pessoas mencionavam os ruídos guturais de algo grande se arrastando pelos túneis. Falavam também do fedor pútrido, algo pior que mil fossas abertas num dia de calor, um odor ocre que emergia por bueiros e canos irrompendo das profundezas. Nas décadas seguintes a história se popularizou, como uma espécie de lenda urbana da qual as pessoas riam, mas apenas quando estavam na segurança de suas casas, bem distante das cloacas.
Entre técnicos e pessoal de manutenção, as lendas sobre a coisa nas Cloacas eram bastante populares. A maioria deles jamais ousariam descer sozinhos ou explorar algum túnel sem levar consigo uma gaiola com um gato. A ideia é que se a coisa fosse ouvida ou o fedor detectado, o felino fosse deixado para garantir a fuga apressada de volta à superfície. Há muitos relatos de trabalhadores citando tais situações, e narrativas dramáticas sobre colegas que não tiveram a mesma sorte. "As cloacas são cheias de ossos" - diz um ditado conhecido entre esses funcionários da companhia mexicana de água e esgoto.
Mas com o que se parece o Habitante das Cloacas?
Esta abominação é descrita como uma massa revoltante de carne pálida, pele pustulenta e escorregadia, similar a borracha que se contorce e arrasta. Uma bolha aviltante de sujeira gordurosa que deixa um rastro após sua passagem, como uma gigantesca lesma. O Habitante não tem membros e sim pseudopodes mal formados que se esticam, agarram e puxam a massa informe, impelindo-o pelos túneis. Ele vive em câmaras submersas ou cheias de lixo e não parece se importar com o ambiente que o cerca encontrando nichos onde passa dias imóvel.
A coisa se move lentamente, mas aperfeiçoou táticas para atrair vítimas em potencial deixando objetos brilhantes, por vezes de valor, próximo de onde está escondida. Quando alguma presa se aproxima, ela avança para capturá-la ou cai sobre ela. A criatura também faz uso de uma toxina química produzida por seus órgãos internos. Essa substância se concentra em uma espécie de bolha inchada e escura na superfície de sua massa. Quando assim deseja, ela se infla e estoura, liberando uma nuvem causticante de cheiro nauseante que age sobre as sinapses cerebrais paralisando a vítima que a respira. O habitante simplesmente então avança sobre a vítima que não consegue se defender.
Não há como saber quais os sentidos que a guiam ou se ela é dotada de real consciência. Seus olhos são como dois poços profundos que engolem a escassa luz ao seu redor e suas fossas respiratórias fungam constantemente fazendo um som de roufenho. É sua enorme boca rasgada que chama mais a atenção. Ela é dotada de dentes compridos e afilados como cerdas nas costas de um porco espinho. Uma vítima colhida pelo monstro é empurrada por essa bocarra que se distende, escorregando para dentro da goela graças a uma saliva que corre em profusão. No processo, ela é rasgada e fatiada. Grande o bastante para consumir um homem adulto, o Habitante pode engolir sua presa e lentamente a matar em seu interior.
É costumeiro que após a vítima parar de se debater, ele regurgite os restos uma e outra vez afim de absorver todo material. A criatura não consegue processar ossos, couro sintético ou cabelos e esse material é vomitado.
O Habitante é uma entidade solitária, passa a maior parte de seu tempo imóvel sendo difícil de distingui-la de uma simples pilha de refugo. Após se alimentar ela passa semanas deglutindo, período em que se mantém inativa. Contudo, seu apetite voraz, mais cedo ou mais tarde, irá levá-la a caçar novamente.
Os degredados e maltrapilhos compartilham seu saber em torno de fogueiras moribundas, trocando histórias de terror sobre essa coisa atroz e seu reino subterrâneo. Para alguns, o Habitante é um castigo nascido dos pecados da urbanização desenfreada. Outros acham que ele é um guardião sinistro que protege segredos velados de um mundo nauseante.
Em torno desse horror se formou uma espécie de culto doentio que venera o Habitante como uma espécie de divindade que deve ser aplacada e apaziguada. Esse bando de degenerados manifestam em seus corpos todo tipo de doença e carregam essas pústulas com distinção, considerando-as como símbolos de sua devoção irrestrita. São fanáticos e completamente insanos. Eles marcam os túneis que formam seus domínios com grafites elaborados em tinta.
A criatura aprendeu a confiar no séquito e a aceitar interagir com ele, ainda que, se especialmente faminta, devore um ou dois desses cultistas dementes. Os rituais improvisados são realizados nas galerias profundas, feitos na presença da criatura que asperge sua gordura vitriólica como uma espécie de sacramento batismal aos recém iniciados. Ele causa alucinações e revela portentos místicos. Os iniciados recolhem os restos regurgitados pela criatura, que são reunidos com grande devoção e empilhados em altares profanos. Sacrifícios, auto mutilação e outros comportamentos desprezíveis são levados à cargo na presença do Habitante na esperança de distraí-lo ou agradá-lo. Não há como saber se tal coisa o satisfaz de alguma maneira.
O Habitante das Cloacas é um enigma para aqueles que se aventuram a contemplar as profundezas proibidas da capital mexicana, mas é provável que seres semelhantes existam em outras metrópoles modernas ao redor do mundo.
Suas motivações são inextricáveis, mas uma verdade permanece inabalável: essa perversa entidade é a perdição daqueles que cruzam seu caminho.
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