Na costa do Mar Mediterrâneo encontra-se a bela ilha grega de Creta. Suas terras escapadas, com montanhas cercadas de mares cor de anil são um lugar com significativa herança histórica e cultural.
Entre os muitos locais importantes, está a Sfakia, uma região relativamente remota da ilha onde desponta uma antiga construção de pedra. Ao longo das convidativas praias de areia branca erguem-se ruínas que destoam da agradável paisagem, elas pertencem a um castelo que foi construído pelos venezianos no distante ano de 1371. Na época, piratas rondavam esses mares e faziam ataques a navios mercantes e vilarejos que pontuavam a costa. Eram tão temidos que rotas inteiras tiveram de ser desviadas para que os mercadores se vissem livres da ameaça. De nada adiantou, pois os ataques continuaram acontecendo, por fim, os ricos Doges de Veneza resolveram financiar a construção do castelo para vigiar seus interesses.
Chamado de Castelo de St. Nikitas, ele é mais conhecido como Frankastello (ou Frangokastello), significando o Castelo dos Francos, pois os engenheiros responsáveis por erguê-lo teriam sido franceses. O castelo passou a fazer parte da história da ilha, sendo usado em alguns momentos como quartel para tropas, noutros como baluarte defensivo ao longo de vários conflitos envolvendo os gregos e seus inimigos. Mais do que seu significado histórico, é nesse lugar que todos os anos um fenômeno fantasmagórico supostamente se desenrola, algo que até os dias de hoje permanece um mistério inexplicável intimamente ligado à crônica bastante sangrenta de Creta.
Foi aqui que em abril de 1828, a fortaleza à beira-mar tornou-se palco de uma violenta batalha durante a Guerra da Independência da Grécia empreendida contra os turcos. Nesta ocasião, as forças turcas aos milhares mantiveram o castelo sob cerco, com centenas de Sfakiotas e Epiridotas, liderados pelo patriota grego e herói revolucionário Hatzimichalis Dalianis, refugiados nele. Os gregos estavam em grande desvantagem numérica, com menos de 600 soldados contra mais de 8.000 turcos fora de suas muralhas. Contavam, entretanto, com a proteção do Castelo que lhes oferecia uma defesa eficiente de todo perímetro. Os gregos lutaram bravamente por semanas, dispondo guardas que defendiam as muralhas noite e dia, contendo o avanço de seus inimigos. Contudo os turcos sabiam que era questão de tempo até os defensores se entregarem, pois os suprimentos e munição estavam no fim. Quando estes se viram exaustos, famintos e sedentos, o comandante turco emitiu um ultimato para que se entregassem, mas os gregos, através de seu líder, disseram que só sairiam do Castelo mortos.
Em 17 de maio de 1828, o exército turco realizou um ataque implacável contra o castelo. Usando uma barragem de canhões, os soldados conseguiram destruir os portões e invadiram em massa. Foram recebidos pelos gregos armados com sabres, facas, porretes e algumas poucas pistolas; a luta desigual como poderia parecer se tornou uma batalha feroz e desesperada. Os gregos sabiam como os turcos podiam ser cruéis com seus prisioneiros e Dalianis ordenou que os homens lutassem até o último fôlego.
De acordo com a história, todos os defensores gregos morreram, incluindo o próprio Dalianis. Apesar da derrota, causaram pesadas baixas entre os turcos, algo na proporção de quatro para um segundo historiadores. Furioso o comandante ordenou que o massacre servisse de lição para os rebeldes e que os cadáveres deles fossem despejados sem cerimônia na praia de Orthi Ammos para apodrecer sob o sol do Mediterrâneo. Assim foi feito e os corpos jazeram ali até serem lentamente cobertos pela areia soprada pelo vento. O solo encharcado de sangue lentamente cobriu os guerreiros e não foi permitido remover nenhum deles para um enterro digno.
Foi um evento marcante e especialmente sombrio na Guerra da Independência da Grécia, mas, de acordo com a lenda, esses soldados talvez não tenham encontrado o seu descanso.
De acordo com os habitantes locais, todo mês de maio, na exata véspera da batalha catastrófica, algo muito estranho acontece nos arredores de Frankastello. Diz-se que em certas manhãs, antes do sol se erguer no horizonte, quando o mar está calmo e a atmosfera úmida, um exército de sombras espectrais começa a se formar na escuridão da praia. E estes então iniciam uma marcha a partir do mosteiro de Agios Charalambos, diretamente até as ruínas do antigo castelo. Moradores afirmam que esses fantasmas assumem a forma exata de homens uniformizados e até mesmo de homens à cavalo, muitos deles segurando armas e com expressões inescrutáveis no rosto.
Por vezes, esse exército de fantasmas está completamente silencioso, enquanto outras pessoas juram ser capazes de ouvir vozes, sons de cavalos e de marcha. Acredita-se que estas são as almas do exército inquieto que pereceu naquele castelo durante o horrível banho de sangue. Dizem que as sombras podem ser vistas de até 1000 metros de distância, e aparentemente marcham por cerca de 10 minutos antes de desaparecerem por completo no próprio ar. Então, elas ficam à espera do ano seguinte, quando farão novamente sua vigília.
O relato mais impressionante, no entanto, é de um destacamento de soldados alemães que ocuparam o Castelo durante a Segunda Guerra Mundial. Eles testemunharam o surgimento repentino de um exército diante dos portões de Frankastello nas primeiras horas antes do amanhecer. Temendo um ataque iminente, as sentinelas deram alerta e abriram fogo contra o bando sem obter qualquer resultado. O Oficial responsável chegou a redigir um relatório completo à respeito do episódio justificando os disparos e anexando ao documento o testemunho de várias pessoas. Ao longo dos anos, várias testemunhas proeminentes afirmaram ter visto as aparições do exército grego.
Então qual a explicação para esse fenômeno? O que seriam, estas entidades misteriosas? Eles são realmente os fantasmas dos soldados mortos há tanto tempo?
A principal teoria científica é que os fantasmas nada mais são do que algum tipo de fenômeno atmosférico, possivelmente uma ilusão conhecida universalmente como Fata Morgana. Esse fenômeno óptico ocorre quando objetos distantes são projetados e distorcidos em grandes distâncias devido aos raios de luz que se curvam por diferentes temperaturas em uma inversão térmica acentuada, neste caso causada pela umidade do ar e pelo calor da areia.
Durante as ocorrências de Fata Morgana, objetos a muitos quilômetros de distância podem ser projetados sobre outro ponto criando a ilusão de que espectros de aparência muito realistas estão presentes. Neste caso, a ilusão é complementada pelas lendas teorizando à respeito dos espíritos inquietos dos defensores de Frankastello. Entretanto, como explicar que a visão seja sempre a mesma e inclua detalhes sobre os uniformes, equipamento e até mesmo a visão do heroico comandante Dalianis?
O que torna mais difícil a busca por respostas é o fato de as Drosoulites nunca terem sido devidamente fotografadas ou filmadas, o que faz a maioria das pessoas tratar o fenômeno com ceticismo. As lendas insistem que câmeras fotográficas e de filmagem param de funcionar, ou que o filme se mostra incapaz de registrar imagens do exército espectral. Várias testemunhas que alegam ter não apenas visto a manifestação, como filmado ou gravado os sons produzidos por ela, dizem que o material sofre uma avaria inexplicável.
Diante de tudo isso, é difícil chegar a um consenso sobre o que acontece naquela faixa de areia ao menos uma vez por ano.
Até hoje, o exército fantasma de Frankastello atrai multidões de visitantes na esperança de ter um vislumbre da manifestação. Os habitantes locais compartilham com entusiasmo suas experiências e insistem ser tudo verdade. O fenômeno ainda não foi adequadamente explicado e continua a dividir opiniões. Seja qual for a explicação, os guerreiros fantasmagóricos de Creta aparentemente ainda não encontraram seu descanso, e se você visitar o local no mês de maio, talvez possa vê-los marchando uma vez mais.
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