segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Bazar do Bizarro - O Sinistro Empório Vodu no Togo




Para muitos de nós, quando temos uma dor de cabeça ou uma aflição de natureza médica, é uma simples questão de ir até uma farmácia e comprar algo para nos fazer sentir melhor. Se for algo mais grave ou urgente, procuramos um médico para diagnosticar o que estamos sentindo e ele irá planejar um tratamento. Em certos lugares, as coisas não são tão simples, e a melhor opção é buscar uma saída com a medicina local. 

No Oeste da África, ter um problema médico pode obrigar a pessoa a visitar o mercado local e comprar uma cabeça de jacaré, uma pata de macaco ou o rabo de um lagarto, moer tudo em uma poeira e consumir conforme a receita de um feiticeiro. Ao invés de médicos, a autoridade nesses lugares pertence a um curandeiro que irá queimar partes de animais até as transformar em cinzas que serão esfregadas em suas feridas. Se necessário, o pó de chifre de um antílope ou a bexiga de um babuíno podem ser a solução para seus problemas.

Bem vindo ao mundo do vodu tradicional da África Ocidental, que aos nossos olhos pode parecer bizarro, sinistro e até mesmo aterrorizante, mas que para muitas pessoas não passa de um fato comum da vida. É possível, que em nenhum outro lugar do mundo, o vodu esteja tão enraizado na sociedade e seja tão perceptível, quanto na República do Togo. Talvez também, não haja lugares que se comparem aos mercados locais, onde a quantidade de produtos ligados ao sobrenatural é assombrosa. Esses mercados fervilham com tais itens, em um comércio incrivelmente vibrante. O coração desse comércio pulsante, que oferece todo tipo de quinquilharia bizarra e incomum é o Empório Místico de Akodessewa.

A Nação Soberana do Togo é um dos menores países da África, dividindo fronteiras com Gana a oeste, Benin no leste e Burkina Faso ao norte. Embora o país tenha ganho notoriedade nos últimos anos com ondas de violência, tumultos e abuso dos direitos humanos, ao conhecermos as belas praias, o povo caloroso e as paisagens idílicas, não é difícil entender porque o Togo ainda é chamado de "A Pérola da África Ocidental". A capital, Lomé, localizada no Golfo da Guiné, é a maior e mais populosa cidade do país, e é famosa pelos seus mercados coloridos e sempre lotados. O Mercado mais importante de Lomé é o Grand Marche, que ocupa um quarteirão inteiro. O Grand Marche, foi fundado por colonos franceses e possui uma arquitetura tipicamente européia que se manteve intacta embora o país tenha conquistado sua independência meio século atrás.


Visitar o mercado é entrar em contato com uma cultura rica, repleta de tradições compartilhadas por diferentes povos há séculos. Comidas, temperos e artesanato nativo são oferecidos ao visitante. A medida que este adentra os corredores e inspeciona as barracas, vai descobrindo que as mercadorias no bazar podem ser bem mais exóticas do que se imagina. No centro do Grand Marche, em uma área fora do roteiro típico dos turistas, um peculiar grupo de comerciantes negocia uma infinidade de produtos empilhados em mesas e tablados. E quando você se aproxima o suficiente para entender qual a natureza dos produtos, o poderoso cheiro de morte o atinge como uma parede invisível. Mesmo em um lugar a céu aberto, a atmosfera é carregada com o que só pode ser descrito como o pungente fedor do sangue e da putrefação. O ar é tomado pela poderosa mistura de ervas aromáticas exóticas, barro cozido e uma multidão de carcaças animais apodrecidas, todas no mesmo ambiente, contribuindo para gerar um fedor nauseante impossível de ser afastado. O fedor é tamanho que nariz e garganta chegam a doer, irritados pelos vapores miasmáticos.        

Aqueles que se aproximam, de alguma forma superando o assombroso fedor de podridão empesteando o ar, percebem o conteúdo da macabra exposição de mercadorias. As bancadas transbordam com os restos dissecados de animais em vários estados de decomposição. Há cabeças, garras, patas, rabos, testículos, chifres e outras partes decepadas, todas expostas ao alcance das mãos. Além dessas peças de anatomia discerníveis, há coisas bem mais assustadoras, como órgãos internos ainda gotejantes recém extirpados: pulmões, fígados, rins, cérebros, estômago e é claro, corações, os órgãos mais valiosos para os comerciantes locais. Inúmeros crânios de animais permanecem empilhados aqui e ali, concedendo às tendas a aparência de uma necrópole profanada. Uma infinidade de ossos são reunidos em barris e caixas abarrotadas até o alto. Os comerciantes separam cada tipo de osso em um diferente compartimento para que os clientes possam escolher a mercadoria desejada sem o risco de apanhar algo errado. Pequenos ídolos feitos de pedra, marfim, chifre e osso repousam sobre ripas improvisadas como mesas, Essas peças rústicas, representando em sua maioria espíritos da natureza, são enxarcadas com sangue e sempre possuem uma aparência grotescamente antropomórfica. Uma inspeção mais cuidadosa dessas peças revela que algumas possuem detalhes curiosos como dentes, unhas e pelos de animais aderido ao sangue espesso que os recobre. Bonecas de pano ou de madeira flexível são penduradas em cordas no alto das tendas e podem ser compradas bem barato. Elas são bonecas de encantamento, o equivalente aos bonecos juju, nas quais se enfia alfinetes, sendo que aqui espinhos produzem mais resultado. 

Orgulhosos, os comerciantes sorriem ao oferecer suas mercadorias, exaltando os benefícios de cada produto e para o que eles são mais indicados. Um turista perdido pode ficar chocado com a descoberta inusitada, mas para boa parte da população de Lomé não há nada de estranho nessa parte do Mercado conhecido como Akodesawa, ou ainda Marche des Feticheurs (Mercado dos Feiticeiros) o maior e mais completo empório de Magia Negra do mundo.


A tradição do Vodu, ou Vodoun como os nativos da África Ocidental chamam sua crença, é muito difundida nessa região. Enquanto muitas pessoas tem a noção de que o vodu é um típico produto das Ilhas do Caribe, como o Haiti, suas raízes residem na porção Oeste da África, onde ele floresceu por séculos em diversos países como Togo, Nigéria, Gana e Benin, muito antes de ser levado por escravos para a América e região do Caribe. Lá o vodoun africano sofreu mudanças e se converteu no que entende-se como voodoo ou vodu. Hoje em dia, o vodum continua muito difundido no Oeste da África, mas é no Togo que ele encontra maior aceitação. Calcula-se que algo em torno de 60% da população local mantenha as tradições de seus antepassados. No Benin, o vodoun é a religião oficial do estado, ainda que o número de praticantes seja ironicamente menor, algo em torno de 40%. O Vodu é uma religião complexa que envolve inúmeros rituais, magias, cerimônias e sacrifícios animais para obter os favores e o benefício de entidades espirituais superiores. No vodoun, este aspecto também está presente, mas para os rituais, quanto mais exótico o ingrediente empregado, maiores as chances das entidades responderem. Desse modo, é necessário existir um mercado abastecedor desses itens incomuns, algo que uma farmácia jamais poderia oferecer. 

Supõe-se que o o Mercado dos Feiticeiros sempre tenha existido nas comunidades tribais, contudo a presença dos colonizadores franceses forçou o mercado à operar na clandestinidade. Os franceses obviamente não aprovavam esse comércio primitivo e por muito tempo, o Governo Colonial o proibiu, forçando a população a recorrer ao mercado negro. Com a independência na década de 1960, o Akodessewa renasceu e deixou os porões da ilegalidade, convertendo-se em uma verdadeira Meca dos fetiches vodoun. Tudo que um praticante pode precisar está à disposição, e pessoas viajam grandes distâncias, vindas de todo país e de outras nações tão distantes quanto o Congo, para comprar ervas, partes de animais ou unguentos receitados pelos feiticeiros de suas vilas e que só podem ser achados aqui.

No Mercado de Akodessewa existem blocos e mais blocos com lojas oferecendo todo tipo de ingrediente exótico que testa os limites da repulsa nos forasteiros. Misturados em fileiras após fileira nas simples mesas de madeira estão cabeças de macaco, couraças de crocodilo, pernas de leopardo, chifres de gazela e rinoceronte, mãos de gorila, rabos de hiena, além de camaleões secos, escamas de cobras e víboras, penas, bicos, pés e ovos de pássaros, e uma miríade de insetos vivos, mortos, ressecados... As partes de animais são compradas inteiras, mas é possível pedir a um dos atendentes para preparar a fórmula curativa, o que custa um pouco mais caro.


Cada mistura, pó, unguento ou poção serve para um propósito distinto, em sua maioria voltado para a cura tradicional de alguma aflição. Imobilidade nas pernas? Basta moer os ossos de um leopardo, misturar com as patas de um avestruz e o casco de um cavalo. Impotência? Um unguento produzido com testículos de coelho, gorila e leão é a solução mais aconselhada. Pedra nos rins? Um chá produzido com o estômago de hipopótamo fervido e coado nas escamas de uma víbora resolvem imediatamente. Cada receita possui ainda uma mistura de ervas especiais. Os restos de animais servem ainda para remover ou causar mau olhado, invocar maldições, realçar atributos atléticos, alcançar sucesso financeiro e atrair a pessoa amada. A forma mais comum de preparo é o unguento produzido com os restos moidos e torrados direto nas chamas até se tornarem cinzas que são cozinhadas com as ervas. O material resultante, uma poeira preta e espessa é aplicado pelo feiticeiro direto na pele, na forma de símbolos desenhados ritualisticamente. Pequenos cortes são feitos na pele para extrair finos filetes de sangue que aderem ao unguento.

Dependendo da aflição que se deseja sanar, uma fórmula pode exigir a mistura de diversas partes de animais, ervas e outros ingredientes exóticos. Os seguidores do voudan acreditam que os rituais corretos podem curar desde artrite e infertilidade, até cegueira e surdez, passando por doenças que a medicina ainda não encontrou cura como câncer e AIDS. Quando um unguento falha, o que pode acontecer sobretudo com doenças mais graves, o feiticeiro sempre pode colocar a culpa numa proporção errada ou na qualidade dos ingredientes, salvando assim sua reputação. 

Diferentes animais são usados em diferentes tratamentos, mas há uma lógica a respeito de cada utilização. Gorilas por exemplo são indicados em unguentos fortificantes, chimpanzés realçam a memória, inteligência e atenção, lagartos são bons para quem quer fechar negócios e assim por diante. Também é muito popular a criação de fetiches e talismãs para serem utilizados em volta do pescoço, em bolsas tradicionais de couro, os patuás. Cada patuá é único com misturas de cinzas de animais, ervas, conchas e outros itens devidamente moídos e acondicionados na bolsa amarrada com um laço. Para proteger a casa ou o lugar de trabalho, os praticantes adquirem grandes arranjos de ossos pertencentes a animais poderosos como leões ou elefantes, que são colocados sobre a porta de entrada.



As mercadorias são adquiridas de uma forma curiosa e aparentemente única de negociação. Nada possui um preço fixo, e o comerciante age como um mediador entre os deuses e o indivíduo que deseja adquirir uma determinada peça. Para definir quanto um pé de elefante ou o chifre de um antílope irá custar, o vendedor ouve a estória do cliente, para que ele deseja a peça e o que ele pretende tratar. O comerciante então apanha algumas conchas e arremessa num tablado com círculos concêntricos. Depedendo da maneira que as conchas caem, ele irá fazer uma leitura e dizer quanto irá custar a peça. Dessa forma, uma parte pode custar apenas algumas moedas para alguns e centenas de dólares para outros. Obviamente, peças raras ou difíceis de serem adquiridas podem alcançar uma alta soma, o coração de um leão ou chifre de rinoceronte atinge pelo menos US$ 1500 dólares, o que para o povo de Togo é uma verdadeira fortuna. Os comerciantes não aceitam barganhar ou reduzir preços, uma vez obtido o valor por intermédio divino, ele não pode ser baixado.


Adquirir a peça é apenas metade do trabalho. Após comprar o item desejado é necessário levá-lo até um feiticeiro para que este produza a fórmula. Felizmente, há vários feiticeiros credenciados à disposição do visitante geralmente em cabanas ou tendas abertas a visitação. Cada feiticeiro enaltece as suas próprias habilidades, gritando a plenos pulmões ou complementando sua propaganda com shows pirotécnicos seja com fogos de artifício ou arremessando punhados de pólvora em fogueiras crepitantes. As fórmulas são preparadas na frente do cliente, as peças são cortadas, moídas e torradas, para que não haja dúvidas que todas foram utilizadas. Os serviços de um feiticeiro podem variar de preço enormemente. Um curandeiro iniciante pode cobrar barato pela sua consulta, mas um feiticeiro conceituado não cobra menos do que centenas de dólares pelo serviço prestado. Um aspecto curioso é que o feiticeiro deve realizar todos os estágios sozinho, ele não pode delegar funções para assistentes. O trabalho todo é dele, a preparação pressupõe um contato espiritual que não pode ser compartilhado. Um bom feiticeiro reúne as características distintas de um conhecedor de anatomia animal, de um açougueiro habilidoso e de um showman. A preparação de uma mistura pode demandar várias horas ou até dias de intenso trabalho.

Finalmente, terminadas as etapas de compra e preparação, resta ainda o ritual de aplicação do unguento. Para essa importante função, o cliente pode recorrer ao feiticeiro que produziu a mistura, mas nada impede que ele escolha um outro feiticeiro especialista nos procedimentos ritualísticos. Aplicar o unguento não é apenas esfregar o material na pele, beber uma poção ou aspergir a fórmula... envolve invocar espíritos, adular, persuadir ou mesmo ameaçá-los para que eles intercedam positivamente. Não é um trabalho simples, o feiticeiro veste uma indumentária especial para cada ocasião, usa recursos dramáticos e porta objetos místicos. Por vezes, ele precisa implorar, gritar, cortar a própria carne. Cada feiticeiro tem a sua marca registrada, cada um tem seus meios para atingir o efeito desejado e alguns evitam falar a respeito para não entregar seus segredos.

Com tudo isso, o Grand Marche de Akodessewa conquistou renome internacional. Mas é claro, ele enfrenta frequentes protestos de grupos internacionais de defesa dos animais que denunciam as mortes como verdadeiras atrocidades contra a natureza. De acordo com ativistas, os mercadores do Togo contratam caçadores ilegais que agem além das fronteiras do país, invadindo reservas e áreas de proteção ambiental. O governo do Togo, alega que os animais são abatidos em áreas específicas dentro de seu território e que não incentiva a caça ilegal. Ele diz ainda que os animais são abatidos dentro de preceitos específicos que diminuem a crueldade e sofrimento, contudo, a fiscalização é, na melhor das hipóteses dúbia. O comércio de animais selvagens no Togo movimenta uma indústria de milhões de dólares e caçadores profissionais se aproveitam das leis relaxadas para fazer abate.

Além do questionável aspecto da morte indiscriminada de animais para alimentar os ritos, há outros rumores mais perturbadores a respeito da origem de certas mercadorias. Algumas lojas venderiam restos humanos para os rituais. A maioria dos frequentadores do Grand Marche negam veementemente esse boato e afirmam que o voudan não aceita esse tipo de cerimônia. Contudo, perguntando aqui e ali é possível encontrar com relativa facilidade indivíduos que sabem onde é possível comprar esses ingredientes macabros, prepará-los e utilizá-los no que alguns acreditam ser a forma mais poderosa de ritual. Restos humanos, na forma de ossos e pedaços de cadáveres também podem ser obtidos em cemitérios e os ladrões de sepultura no Togo parecem sempre ocupados.

O governo de Lomé também nega a existência de tais práticas, mas é um fato conhecido que quadrilhas de criminosos agem no submundo, especializando-se em capturar, assassinar e esquartejar "pessoas de quem ninguém sentirá falta". Nas ruas da capital, fala-se de pessoas pobres vendidas como escravas, de mães que abandonam seus filhos recém nascidos e de indivíduos com alguma característica marcante que são alvo destes assassinos. Albinos são especialmente desejados pelos feiticeiros pela crença de que estas pessoas, com deficiência de melanina, possuem propriedades místicas. Verdade ou mentira, albinos tem boas razões para temer por sua segurança na África Ocidental, tanto que as Nações Unidas e a União das Nações Africanas conferiu vistos para asilar essas pessoas em outros países sob alegação de risco de morte.


Nos mercados clandestinos, fora do Grand Marche a situação é ainda pior. Quem pode dizer ao certo o que acontece em um porão, em um depósito abandonado ou no meio da selva? As autoridades claramente não estão prepasradas para enfrentar esse tipo de ação e comenta-se que o tráfico humano com propósito de sacrifício ritual, tem crescido de modo alarmante no interior do país

A despeito da ameaça para a vida selvagem e rumores de crimes cometidos, considerando a maneira como o vodoun e animismo seguem sendo praticados na África Ocidental, tudo indica que o mercado continuará funcionando por muito tempo. O povo do Togo vê essas práticas com absoluta naturalidade. A medicina tradicional vodoun, segundo eles, sempre existiu e foi praticada por gerações de seus antepassados.

Um comentário:

  1. Olá! Li o informativo sobre a questão dos blogs e resolvi deixar meu comentário :)
    Acabei chegando aqui enquanto procurava por magia ocidental, em todas as suas formas. Esse tipo de religiosidade e culto a deuses/entidades, simbologias e etc muito me atrai.
    Dentre minhas pesquisas nunca encontrei nada relacionado com a sua publicação, e gostei muito de encontrar! Nós, brasileiros, temos grande ligação com o povo africano mas quase nada sabemos de sua cultura e religião. Já ouvi falar de vodu mas nunca parei realmente pra pensar no assunto e fui uma grande descoberta.
    Agradeço o post, muito informativo, e uma das coisas com as quais me surpreendi é essa cultura ainda estar forte, mesmo que somente em Togo. Tudo o que encontro sobre demais culturas ou já não é mais praticado ou é algo muito secreto.

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