segunda-feira, 29 de maio de 2023

"Dos causos que a boa gente de Arkham conta" - Quatro narrativas de uma cidade assombrada


Que tal conhecer quatro pequenas lendas da Nova Inglaterra?

São histórias compartilhadas e contadas pelos velhos e pelas viúvas, pequenas pérolas de conhecimento popular da região do Vale de Miskatonic, onde aquela boa gente supersticiosa compartilha sua sabedoria mais sussurrada do que narrada.

Puxe uma cadeira e ouça os Causos que a boa gente de Arkham conta. 

Por Luciano Giehl

A Dama Rubra

"Uma história popular em Arkham envolve a Mulher Rubra da Trilha Aylesbury. A antiga via, por muito tempo foi chamada de Picada Garrison, e se estendia mata adentro, entre freixos e abetos de tronco nodoso e galhos esqueléticos crescendo tortos. Quando a Trilha Aylesbury foi aberta no outro extremo, o prolongamento foi completado para facilitar a vida das pessoas. Mas tão logo a estrada foi inaugurada, os habitantes locais começaram a falar de estranhos incidentes naquele eito isolado. Mencionavam globos luminosos flutuando na escuridão perene, murmúrios incorpóreos e sensações incômodas que iam de apreensão até um pavor inexplicável. Alguns descreviam um peso no peito e uma súbita falta de ar que lhes acometia. 

O mais estranho, no entanto, foram os relatos sobre uma mulher que vagava por ali, mefítica, quase como uma aparição em meio a densa vegetação. Era dona de beleza exótica, pálida e de feições delicadas, com olhos azuis aquosos e um cabelos rubro acobreado caindo sobre os ombros de alabastro. Para escândalo de algumas senhoras, diziam que vagava nua em pelo. Visões de damas desamparadas não são exatamente novidade, sobretudo em recônditos que cortam prados afastados como aquele. Mas o que chamava a atenção é que a mulher não parecia desamparada, muito pelo contrário. 

De postura diligente, ela se punha a observar atentamente aos transeuntes que quedavam por aquelas bandas deixando uma sensação incomoda de tensa incerteza sobre suas motivações prementes. Não era apenas o inusitado de encontrar tal dama naquelas circunstâncias, mas algo mais que parecia estar ligado ao seu olhar transfixado. A mulher era má, ou assim sentiam os que eram fulminados pela sua incomoda atenção. Sua expressão transbordava com ódio fervente por tudo e por todos. 

A apelidaram de a Mulher Rubra da Trilha Aylesbury e o nome caiu como uma luva. 

No início, poucos davam atenção aos rumores, posto que tais visagens na Nova Inglaterra eram abundantes. A coisa mudou de figura quando algumas pessoas que sabidamente transitaram pelos ermos falharam em chegar a seu destino, e mais ainda, quando corpos brancos e com expressões petrificadas de pavor começaram a pulular na margem do caminho. Não se sabe quantos e se todos foram afetados pela mesma força nefasta. Inegável contudo, é que algo na Trilha deixava um rastro de vítimas. E em pouco tempo, menos e menos pessoas passaram a se arriscar por aquele trecho sabendo que a Mulher Rubra poderia estar à espreita deles."


Sulcos profundos

"Todo morador de Arkham sabe que as florestas próximas são fonte de toda sorte de história insólitas e rumores estranhos. As pessoas no entanto franziam o cenho quando se mencionava o Bosque do Menino Perdido. Para alguns era apenas um lugar isolado no coração do Vale de Miskatonic que não tinha nada demais, além das árvores encarquilhadas, das raízes que brotavam do chão feito tentáculos e da vegetação selvagem de espinheiro e hera venenosa crescendo em profusão. Mas é claro, mesmo os mais céticos evitavam cruzar por aquelas sendas depois de certa hora ou em datas específicas, quando certas estrelas luziam faiscando no firmamento. 

Isso porque ao adentrar o Bosque do Menino Perdido, um apelido que pegou em face de um trágico acontecimento real ocorrido lá pelos idos de 1900, era inegável sentir toda opressão daquele ambiente carregado. Era um tipo de energia que impregnava o solo negro, que nutria a vegetação e que se fazia sentir mesmo nos poucos animais que por ali vagavam. Era uma sensação estranha, de que o sagrado ciclo da natureza, ali, naquele pequeno ponto manchado de verde no mapa, encontrava-se em atribulação. 

Que o termo "natural" de alguma forma não se aplicava lá. E isso se fazia sentir em todo canto do Bosque do Menino Perdido, nas clareiras cobertas de folhas secas, nas copas de árvores majestosas cujos galhos se agitavam com ou sem vento, ou ainda, no som de passadas trovejantes que ecoavam pelas matas virgens nas noites sem lua e que deixavam sulcos profundos impressos na lama outonal."



O Teimoso Ebenezer Crutch

Quando o velho Ebenezer Crutch, lá de Ross Corners decidiu recolher aquela pedra esquisita que caiu do céu lá pelos idos de '28, não imaginou o problema que estava comprando. A coisa era estranha, não apenas por ter despencado do céu numa bola de fogo bem no centro de sua chácara. O impacto dela fez a terra tremer, abriu rachaduras no solo e tirou o sono de todo mundo na fazenda.
 
Mas foi em meados de Junho, seis semanas depois da queda, que o caso ganhou contornos mais esquisitos por conta dos animais ficarem arredios e a própria natureza dos arredores reagir como se estivesse vexada pela presença de algo anormal. Ou que "não pertencia ao local" como salientou Ma Crutch certa manhã, olhando da janela da cozinha.
 
Tanto foi que Ebenezer, decidido a dar fim naquela situação, foi até a clareira onde a coisa havia deixado uma cratera. Ele cavou o chão, amarrou a rocha com a corda mais grossa que encontrou, e arrancou a maldita do buraco, puxando com toda força de sua caminhonete Ford. Devia ter levado a coisa para bem longe... despejado na pedreira ou entregue à gente educada da Universidade Miskatonic que talvez soubesse o que fazer com ela. Mas Ebenezer decidiu levar a pedra de arrasto para um galpão da sua fazenda, achando que talvez uma coisa vinda de sabe lá Deus onde, tivesse algum valor que compensasse a trabalheira que deu movê-la de um canto para outro. Ele era teimoso, um típico morador da Nova Inglaterra que quando mete algo na cabeça, não há quem tire. Ele achava que a pedra deveria de ter alguma serventia.

Pragmático como era, acreditava piamente que uma coisa vinda dos "rincões siderais" precisava ter algum propósito além de simplesmente vagar pelas eras através do éter cósmico e vir cair num fim de mundo que nem Ross Corners. De pedra essa mundo estava cheio, não precisava de mais uma, espacial ou não... Nao senhor, tinha que ser algo diferente!
 
Foi em fim de Setembro que Ebenezer descobriu, da pior forma que estava certo. Não era "só uma pedra", era algo (na ausência de palavra melhor) muito diferente.



Whippoorwills

Um som que se houve recorrentemente nas matas que circundam Arkham é o piar dos Whirpoowill. Esses pequenos pássaros de pelagem castanha acinzentada se reúnem nas copas das castanheiras e freixos onde fazem ninhos. Mas diferente do canto dos pardais e dos estorninhos, o som produzido pelos Whirpowills não se traduziam em encanto para seus ouvintes. Roufenho, vigoroso e seco, o ruído soa como um estalido que alguns remetem ao som da tampa de um caixão fechando ou o soluço terminal de um moribundo. Essa característica lúgubre deu ao pequeno Whippoowill uma fama que perdura desde os tempos coloniais como uma ave de mau agouro. 

"Na casa de quem as pequenas aves se empoleiram a cantar, em breve, alguém morrerá."

Mais do que ser uma ave de negros auspícios, o Whippoowill atrai olhares de desgosto da boa gente dos arredores por um curioso costume. O pássaro ao caçar, tem predileção por insetos que habilmente ele captura em seu bico agudo. Ao invés de devorar ou levar as presas até seu ninho, o Whippoowill descobriu uma maneira de dispor do alimento. Uma vez capturando um inseto, digamos um besouro galhado ou uma mariposa cigana, ele o carrega até um dos abundantes espinheiros que crescem selvagens nos bosques. Habilmente o pássaro pressiona a presa contra um espinho até ela ser trespassada e ficar ali presa em espasmos de agonia. O Whippoowill só depois a devora. Por esse estranho ritual, raro na natureza, o Whippowill passou a ser chamado de "Pássaro Empalador".

Graças a esses fatores, não é de se estranhar que o pássaro seja evitado pela gente supersticiosa do Vale de Miskatonic. Mesmo os filhos de fazendeiros, muitos deles pequenos valentões que andam pelas trilhas com bodoques enfiados no bolso traseiro, evitam disparar pedras contra os Whippoowill, tendo ouvido de suas avós, nos alpendres de casa, a recomendação de jamais ferir uma dessas aves ingratas. 

Diz uma história, muito popular entre as crianças que o pequeno Timmy Wallon, de 10 anos, ignorava a recomendação, quase que consenso entranhado na mente das demais crianças de deixar os Whippoowill em paz. Atrevido como era, o jovem não via diferença de ter na alça de mira de sua temida atiradeira um tordo marrom, um papa-mel ou qualquer outra ave da Nova Inglaterra, mesmo os temidos Whippoowill. Não senhor! Quando Walton calçava a pedra na funda e disparava convicto de que acertaria, não se importava em absoluto com o que caía vítima de seus petardos. Tal comportamento deixava os demais garotos consternados.

Certo dia, Wallon que brincara com os demais meninos numa cinzenta tarde de outono, falhou ao retornar para casa. O povo organizou um grupo de busca que se meteu nas matas atrás do rapaz, chamando seu nome. Não o acharam e então mandaram vir uns perdigueiros que um fazendeiro criava em Muldoon. Os animais eram farejadores treinados e não demorou até eles pegarem o cheiro do garoto. Embrenharam na mata quase que arrastando pela guia seu condutor. Levaram o grupo de busca até uma área fechada, de densa vegetação, escura e espinhosa. E lá, em meio a erva daninha e das urzes altas, sobre um tronco podre de carvalho tombado sabe lá Deus a quanto tempo, acharam disposto o corpo sem vida do menino Wallon. Ele estava caído sobre uma haste pontiaguda que lhe trespassava as costas, vindo a brotar no lado esquerdo de seu peito, como um apêndice medonho, embebido em sangue escuro. Tinha um semblante assombrado nos olhos vítreos e a boca meio escancarada em um pedido perpétuo de perdão. 

E dizem, no exato momento que o cadáver foi achado, um recital de apupos crocitou com o inefável canto de mau agouro dos Whippoowill.    

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Segredos de Tartessos - A Cultura que pode ter gerado o Mito de Atlântida


Platão entrou para a história como um dos maiores filósofos e pensadores de todos os tempos, mas poucas pessoas sabem que ele também foi um dos primeiros a escrever sobre a mítica Civilização de Atlântida. Seus textos inspiraram arqueólogos e buscadores de mitos antigos a buscar pistas que pudessem comprovar a existência do célebre Continente Perdido.

Embora a verdadeira terra de Atlântida jamais tenha sido encontrada, alguns lugares ao redor do planeta ajudam a fomentar a crença de que ela de fato existiu. E muitos acreditam que as provas ainda podem ser encontradas, bastando buscar nos lugares corretos. Muitos estudiosos da Atlântida apontam certos monumentos e locais antigos como os últimos resquícios de uma cultura a muito desaparecida.

A descoberta recente de peças de estatuário, encontradas na Espanha, surge como um desses achados impressionantes. Eles oferecem um novo ponto de vista a respeito de uma das primeiras civilizações ocidentais na Idade do Bronze. Os fragmentos pertencem a cinco bustos e um mosaico da obscura cultura conhecida como Tartesso

Até pouco tempo atrás, essa Civilização era tida como um simples mito. Os Tartessianos teriam vivido no sudoeste da Península Ibérica entre os século IX e V a.C e construíram uma sociedade incrivelmente rica e avançada. Para alguns eles teriam sido a inspiração para os escritos de Platão relativos a Atlântida.

"As escavações no sítio de Casas del Turuñuelo (em Guareña, Espanha) trazem à luz os restos de cinco bustos do século V aC e de um impressionante mosaico pertencentes a uma cultura sobre a qual ainda sabemos muito pouco - a Civilização Tartessiana."

Obras de arte da Civilização Tartéssia

O comunicado oficial do Instituto de Arqueologia de Mérida e do Conselho Superior de Investigações Científicas anunciou a descoberta realizada no sítio arqueológico. O terreno ainda está sendo escavado, mas artefatos tem sido encontrados nas fundações do que um dia foi uma espécie de palácio ou mansão. 

A pouco mais de cem metros dali os pesquisadores encontraram também uma área possivelmente destinada a adoração de divindades antigas. Há sinais inequívocos de que cavalos e outros animais foram oferecidos como sacrifício em rituais. Neste local, os arqueólogos acharam um mosaico com rostos de duas figuras femininas cujos adornos usados por elas remetem a arte tartessiana. Brincos semelhantes aos vistos no mural foram encontrados em Cáceres como parte de um enxoval funerário e os arqueólogos acreditam que sejam representações de divindades femininas. Há suposições de que seriam deusas representando a fecundidade e a morte.

Mas quem exatamente foram os Tartéssios? 

A histórica e misticismo desse povo é mencionada em registros gregos datando do primeiro milênio aC. Segundo historiadores helênicos a cultura de Tartessos teria florescido com uma mistura de povos paleo-hispânicos e fenícios que eventualmente se fixaram no sul da atual Espanha. Lá eles criaram sua escrita, idioma e adotaram costumes próprios. Sua capital, Tartessos, era uma cidade portuária situada onde hoje fica a Andaluzia. Os registros dizem ainda que a capital era muito rica em estanho, ouro, cobre e outros minerais, além de ser um centro de comércio que negociava com as nações do Norte da África e que tinha uma frota considerável de navios mercantes. O estanho era um mineral muito valioso no mundo antigo por causa de seu uso na fabricação de bronze, portanto os residentes de Tartessos eram sem dúvida prósperos. 

Por muito tempo a Civilização de Tartessos foi considerada lendária, já que não haviam provas suficientes para comprovar sua existência factual. Isso mudou em 1928, quando o historiador alemão Adolf Schulten realizou descobertas arqueológicas que provaram a existência dela. Os artefatos descobertos por Schulten foram encontrados em escavações realizadas no sul da Península Ibérica. Estes itens ajudaram a reconhecer essa cultura como uma das primeiras e mais avançadas civilizações da Europa Ocidental. Uma de suas maiores realizações envolvia um complexo sistema de escrita, conhecido como Escrita Tartessiana. Os símbolos que compunham esse alfabeto foram encontrados gravados em cerâmica, adornando objetos de metal e esculturas de pedra. Esses caracteres ajudaram a identificar os tartéssios como seguidores de uma religião politeísta. Seus deuses eram associados ao sol, à lua e às estrelas, bem como a animais como cavalos e touros.

O porão de uma ruína Tartéssia

Mas em algum momento essa civilização desapareceu misteriosamente da face da Terra, fazendo com que muitos se perguntassem se eles realmente haviam existido.

O que pode ter acontecido e qual a ligação desse povo ancestral com o Mito de Atlântida?

Uma das descrições que se tem sobre Tartessos data do século segundo depois de Cristo, ela diz:

"Tartessos era o nome de um rio ibérico que desaguava no mar por duas bocas na costa do sul da região. Entre esta desembocadura ficava uma grande cidade portuária que tinha o mesmo nome. O rio foi no passado um dos maiores da Península Ibérica, cruzando do oeste para o sul". 

A citação vem de Pausânias, um geógrafo do século II dC, que se inspirou nos escritos de um filósofo anterior – Aristóteles – que foi um dos primeiros a descrever um rio subindo os Pirineus e fluindo para o mar no Estreito de Gibraltar. No entanto, se você olhar para o mapa hoje, verá que não existe esse rio atravessando a Península Ibérica. 

Será que Tartessos reside nas profundezas?

Alguns escritores suspeitam que em algum momento, possivelmente no século quinto antes de Cristo ocorreu um cataclismo nessa região. Um terremoto ou um tsunami pode ter alterado o curso do rio causando uma inundação que devastou completamente a cidade de Tartessos. Inundações eram algo muito temido no mundo antigo; a invasão repentina de águas tinha um enorme potencial destrutivo, ainda mais considerando a arquitetura e a fragilidade das construções. 

O súbito desaparecimento de uma Civilização próspera, vitima de uma inundação que destruiu a capital pode ter inspirado o Mito de Atlântida. Todos os historiadores que mencionam o trágico destino de Atlântida são enfáticos quanto ao que causou seu ocaso: a água. Uma inundação sem precedentes teria varrido a cidade, cobrindo construções e arrasando tudo em seu caminho. No processo milhares de pessoas teriam se afogado. Quando tudo terminou, não restava quase nada e os sobreviventes tiveram de se dispersar pelo mundo - carregando consigo parte de sua cultura e conhecimento.  

O destino similar dessa cidade poderia ter inspirado o mito de Atlântida? Ou indo ainda mais longe, poderia Tartessos na verdade, ser a mítica Atlântida?

Esther Rodríguez, co-diretora do Projeto Tarteaso que coordena os trabalhos de escavações em Guareña, disse ao jornal El Pais acreditar que as estátuas e o mosaico achados recentemente podem levar a novas e empolgantes descobertas. "Quem sabe, será capaz até de reescrever a história como conhecemos." 

Ao estudar o mosaico, Rodríguez sugeriu que as imagens narram uma saga envolvendo um jovem guerreiro e as deusas que o protegiam, representadas por duas mulheres. Na história, o guerreiro enfrenta muitas ameaças, na forma de monstros marinhos e criaturas das profundezas, para salvar sua cidade da completa destruição. Apesar da história relatar uma saga na qual o herói consegue salvar sua pátria natal, uma ameaça continua pairando no ar. Uma espécie de profecia atesta que a cidade encontraria seu fim com a força de águas.


"Resta saber se a história revelada pelo mosaico ocorreu antes ou depois da devastação de Tartesso" especula Rodríguez.

"De uma forma ou de outra, estamos diante de grandes descobertas que podem colocar Tartesso na vanguarda de uma transformação operada na Europa durante a Idade do Bronze. Com a cultura avançada dessa civilização sendo compartilhada com outros povos europeus.

Ainda é cedo para afirmar qualquer coisa, mas as descobertas parecem realmente significativas e capazes de alterar o paradigma sobre o desenvolvimento cultural da Europa.  

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Sinistro e Maligno - As Aparições assustadoras do Hospital Santo Inácio


Certos lugares do mundo parecem atrair todo tipo de história estranha e assustadora. Você sabe ao que estou me referindo... aqueles lugares que parecem ter uma aura pesada, que causam arrepios e que você prefere não visitar depois de anoitecer. Seja lá por qual razão, alguns lugares parecem ter algo estranho. E isso cria a reputação de serem assombrados, ou mesmo malditos. Algumas vezes, as pessoas ajudam a espalhar essa fama que sobrevive à passagem do tempo, durando mais do que eles próprios, eclipsando a realidade e escrevendo os nomes de tais endereços no panteão das localidade dominadas pelo sobrenatural.

Um lugares destes fica no estado norte americano de Washington, e é, para rodos os efeitos um dos lugares mais assombrados do país, infestado com forças sinistras e malignas muito além de nossa compreensão.

Como acontece em muitos casos, a história do Hospital Santo Inácio tem um início marcado por uma ideia benevolente e cheia de boas intenções. Tudo indicava que os responsáveis por sua criação visavam o melhor para as pessoas, acima de seus interesses particulares.

Tudo começou no ano de 1892, quando o Reverendo Emil Jachern, um padre católico, decidiu que as pessoas carentes em estado de necessidade mereciam um lugar onde pudessem ser atendidas e tratadas. Dizem as histórias que ele se preocupava com a saúde dos pobres e miseráveis, conseguindo que médicos renomados as atendessem gratuitamente e que prestassem tratamento a quem precisasse. Padre Jachern também organizava eventos filantrópicos para arrecadação de fundos junto da alta sociedade de Washington.    


No entanto ele queria fazer mais pelos necessitados de sua paróquia na área de Colfax, uma das vizinhanças mais carentes do estado. Para ajudá-lo nessa tarefa, ele recrutou o apoio de uma congregação religiosa formada por irmãs católicas, as Irmãs da Providência. Com o auxílio delas, deu início a construção de um hospital para atender a então região rural. As obras do Hospital Santo Inácio foram concluídas em 1894 e no mesmo ano ele foi inaugurado. Era na época o único hospital de referência em todo o município. Ao longo dos anos foram feitas ampliações, com a adição da Escola de Enfermagem Santo Inácio aberta em 1911 e um ambulatório para tratamento emergencial em 1917. A instituição permaneceu aberta em funcionamento até a década de 1960, quando enfrentou dificuldades de custeio, pois ordens religiosas dependiam de doações ou patrocinadores particulares para financiar seus projetos. 

O Hospital fechou suas portas em 1964 e serviu por um tempo como um lar para adultos com deficiência de desenvolvimento, até ser finalmente fechado e abandonado em 2003. Por algum tempo, o Departamento de Arqueologia e Preservação Histórica do Estado de Washington considerou Santo Inácio como o edifício histórico mais ameaçado no estado, até que a Sociedade Histórica do Condado de Whitman aprovou um projeto de preservação para o prédio em 2015. Hoje ele é tido como uma espécie de patrimônio histórico, mas é mais famoso por outro motivo... as pessoas afirmam que o prédio é insanamente assombrado.

Não é difícil entender o que incentiva o surgimento de histórias de fantasmas e assombrações cercando esse lugar. Além de sua aparência imponente e da arquitetura gótica, a história do Hospital Santo Inácio também se presta a histórias de coisas que acontecem nas altas horas da madrugada, quando a noite cai e sombras dominam a paisagem. De acordo com rumores, um número assombroso de pessoas morreu aqui, tanto durante a construção quanto durante os anos de funcionamento. Da mesma maneira, muitos pacientes teriam enlouquecido aqui, sofrido e morrido nas dependências. O investigador paranormal Jason Hawes conta sobre algumas das mortes associadas a este lugar:

"Muita coisa aconteceu atrás destes muros e paredes. Muitas coisas ruins... eu entendo que o St. Inácio foi criado sob uma boa perspectiva, de ajudar e apoiar essa comunidade. Mas em algum momento as coisas se desvirtuaram saindo do caminho idealizado. Há histórias de maus tratos, de carestia, de pessoas sofrendo tortura e até de assassinatos. Se dez por cento dessas histórias forem verdadeiras, basta para colocar essa instituição no rol das mais terríveis, dentre as que receberam pacientes. Um verdadeiro inferno!". 


Os rumores sobre maus tratos de fato sempre acompanharam a história de Santo Inácio. Havia o boato de que as Irmãs da Providência, que formaram a base das enfermeiras no hospital exerciam uma influência sob a instituição e tratavam os pacientes com descaso beirando o criminoso. De fato, houve ações administrativas contra enfermeiras acusadas de negligência e comportamento abusivo. Maus tratos eram uma rotina. Também teria havido ao menos um "anjo de misericórdia", que são enfermeiros que ministravam drogas ou mesmo veneno para abreviar o sofrimento de pacientes - sendo que nem todos estavam à beira da morte.     

Circulavam rumores incômodos ao longo de toda sua história. Uma das acusações mais graves era que alguns médicos usavam o hospital para a realização de experimentos antiéticos e até imorais. Em uma época em que a medicina avançava rapidamente, surgiu a noção de que alguns profissionais prestavam que serviço gratuito no Santo Inácio estavam interessados em conduzir testes bizarros nos pacientes de cirurgias incomuns ao uso de drogas experimentais. Embora tais rumores jamais tenham sido comprovados alguns pesquisadores salientam a quantidade impressionante de procedimentos cirúrgicos realizados no hospital e o nome de grandes companhias farmacêuticas como principais patrocinadores do Santo Inácio. Isso levanta uma dúvida sobre até que ponto o apoio financeiro dessas companhias não envolvia uma contrapartida. No início do século XX, muitas drogas estavam sendo colocadas no mercado e testes precisavam ser realizados. A suspeita é que cobaias humanas tenham sido submetidas a substâncias potencialmente perigosas?

Finalmente, havia relatos sobre o período em que o Hospital abrigou indivíduos mentalmente instáveis mencionando o tratamento desumano dispensado aos pacientes. Um dos lugares mais temidos seria a ala médica 3, conduzida como um centro de tortura pelos enfermeiros e médicos sádicos dispostos a "disciplinar" os pacientes rebeldes com doses maciças de eletrochoque e procedimentos em desuso que incluíam trepanação e lobotomia.

Todas essas histórias contribuíram para criar a aura de pavor que até os dias atuais permeia o Santo Inácio.     


Na opinião de renomados parapsicólogos e autocelebrados "Caçadores de Fantasmas" o lugar é tão carregado de energia negativa que é possível sentir o desconforto no ar. Essa mesma energia alimenta uma vasta gama de fenômenos paranormais que vão dos tradicionais poltergeists até nexos de atividade telecinética latente.  

Um fantasma recorrente é conhecido como a "Sombra Escura", descrita como uma enorme massa amorfa de sombras que flutua no ar e persegue as pessoas pelos corredores hoje vazios do hospital. Aparentemente essa bolha nebulosa rescende a sentimentos de raiva, ódio e frustração. As pessoas que afirmam ter encontrado esse horrível espectro nas ruínas do Santo Inácio dizem que a experiência é traumática. Os psíquicos confrontados pela Sombra a descrevem como algo composto de puro mal. Sua malevolência é tão opressiva que sensitivos são afetados por ela mesmo à distância. Há lendas sobre a sombra perseguindo visitantes, os envolvendo e fazendo com que eles experimentem um pavor indescritível - frio extremo, medo e um desânimo esmagador são apenas alguns dos efeitos relatados. 

Outro espírito vingativo que vaga pelos corredores labirínticos do prédio é o de um trabalhador da construção civil que dizem as lendas foi esmagado até a morte por dois vagões antes mesmo do hospital ser concluído. Esse fantasma é muito conhecido e assombra o Santo Inácio desde os primórdios.  Aparentemente ele não gosta de visitantes e se ocupa de cutucar e empurrar as pessoas provocando acidentes por vezes fatais. Como resultado direto da ação do "operário" mais de uma pessoa teria rolado uma escadaria no segundo pavimento. Descrito como um homem robusto vestido com roupas de época, o "operário" assusta suas vítimas envergando horríveis ferimentos em seu corpo dilacerado. 

Além desses espíritos, há uma miríade de fenômenos estranhos relatados, com pessoas que visitam o hospital supostamente ouvindo vozes, sendo tocadas, empurradas e espancadas, vendo objetos se mover por conta própria, sendo lançados nas paredes, tendo luzes apagadas repentinamente e portas sendo misteriosamente trancadas. 


Um dos lugares mais assombrados é o pequeno cemitério nos fundos do prédio, um lugar tristonho e sinistro que reúne cerca de vinte lápides cobertas de musgo. Especialistas chamam atenção para o fato das placas identificarem apenas sepulturas posteriores a 1947. Há rumores de que havia um cemitério anterior e que os corpos foram simplesmente abandonados sem identificação ou movidos para lugar ignorado. E esse desrespeito teria fomentado a ira dos mortos. Aqueles que entram no cemitério afirmam sentir uma presença esmagadora de melancolia que deixa cicatrizes emocionais duradoras. Há ainda globos de luz que parecem voar pelo ar e sumir no solo escuro do cemitério. 

A própria gestora que administrava o Hospital, Valoree Gregory, teve suas experiências nas dependências do Santo Inácio:

"Desde que comecei a trabalhar no Hospital, vi, ouvi e senti coisas que não consigo explicar. Certa vez recebi um empurrão tão forte que me jogou contra um armário. Eu me virei e vi uma mulher estranha vestida de enfermeira descendo o corredor. Até hoje não sei dizer o que foi aquilo. Certa vez um grupo veio visitar o hospital e tivemos uma situação inusitada. Ouvimos sons estranhos, como se pessoas estivessem subindo e descendo as escadas correndo em nossa direção. Foi muito alto. A coisa mais alta que já ouvi lá. Quando escurece certos sons são ouvidos: murmúrios, sussurros, palavras abafadas. E mesmo quando tudo está quieto fica uma sensação palpável, como se alguém estivesse observando constantemente." 

A misteriosa aparição vista por Valoree poderia ser um fantasma chamado "Nurse Mary" uma enfermeira conhecida pela sua agressividade e descaso com os pacientes. Ironicamente ela teria acabado seus dias no próprio Hospital Santo Inácio, sendo tratada da mesma maneira que um dia tratou dos pacientes. A infame Enfermeira Mary era famosa por empurrar, agredir e machucar os internos. Sua marca registrada era uma risada estridente que muitos ainda afirmam ecoar pelo ambulatório vazio.


Durante anos, a Câmara de Comércio de Colfax capitalizou as histórias de assombrações, oferecendo visitas guiadas ao hospital. Milhares de curiosos fizeram essa visita e graças a elas, reformas necessárias puderam ser realizadas. Infelizmente, os passeios fantasmas foram interrompidos em 2019, quando novos proprietários compraram o prédio.

Antes de concluir a compra do terreno e do prédio histórico, os novos proprietários afirmaram ter realizado uma extensiva pesquisa para confirmar as muitas histórias sobre o lugar na época que abrigava o Hospital. A conclusão foi que a maioria dos rumores sobre mortes e coisas pavorosas ocorridas nas instalações eram enormemente exageradas. É claro, algumas pessoas sofreram e morreram no local, mas o número não seria acima da média do que normalmente acontece em um hospital. Devemos lembrar que pessoas falecem em hospitais é algo mais ou menos esperado. Quanto às lendas sobre experimentos médicos, não há qualquer menção, ainda que os maus tratos tenham gerado controvérsia e manchado a imagem do Santo Inácio.

No fim das contas, é difícil comprovar as alegações feitas sobre o passado fantasmagórico desse lugar. Mas é claro, isso não impede que lendas sobre assombrações incorpóreas, ruídos e coisas voando continuem populares quando o nome do Hospital Santo Inácio é mencionado. Seria o lugar um tipo de nexo que permite a forças insidiosas passar através do véu? Ou ele é tão somente um lugar de aspecto sinistro propício ao surgimento de lendas urbanas?

Não há outra forma de saber, senão indo lá e vendo com os próprios olhos. Como diz o ditado "ver é crer", mas quem tem coragem de fazer isso? 

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Explorando os Mythos mais Obscuros - O Deus Rato das Profundezas


Já falamos do Culto do Deus Rato e do povo degenerado que serve esse deus desprezível e habita o povoado de Cão Coxo, interior da Nova Inglaterra. Cabe agora falar da criatura em si, aquela que inspira um horror abominável capaz de contaminar a população residente e perverter sua própria natureza em algo que é apenas meio humano.

Como ocorre com muitos horrores ancestrais, traçar a origem de um ser do Mythos não é tarefa simples. Geralmente o teórico dedicado precisa recorrer aos cultistas que são os únicos que guardam algum registro factual sobre as criaturas que veneram. E essa fonte é bem pouco confiável.

Infelizmente, no que diz respeito ao Deus Rato, as coisas são ainda mais complicadas. Os nativo-americanos costumam transmitir suas lendas e tradições de forma oral, de modo que é rara a produção de documentos ou material escrito. Assim, o pouco que se sabe provém de cultistas capturados e posteriormente interrogados.

Parece razoável supor que o Deus Rato é um Grande Antigo, um de poder sensivelmente menor do que as entidades que compõem essa galeria grotesca de monstruosidades ancestrais que inclui Cthulhu, Tsathogua, Yig e outros. Muitos teóricos supõem que o Deus Rato poderia ser uma entidade única um degrau abaixo dos Grandes Antigos ou ainda o último representante de uma raça esquecida. Existe a teoria defendida por alguns estudiosos de que o Deus Rato poderia ser uma Cria de Shub-Niggurath, mas essa hipótese é bastante contestada. Ele também teria ligação com Nyogtha e Mordiggian, ambos deuses de recessos profundos e que regem cavernas subterrâneas. 

Seja qual for o caso, o Deus Rato parece ser a mesma entidade desde o surgimento de seu culto. Isso indica que a monstruosidade é imortal pela passagem do tempo, ou ao menos que a passagem dos séculos não o afeta de maneira significativa. Gerações vem e vão, mas ele permanece o mesmo, ou ao menos, é o que dizem seus cultistas.

A criatura têm preferência por espaços subterrâneos onde fica abrigada durante as horas do dia já que a luz do sol parece incomodá-lo. Na escuridão ele se sente mais confortável, sobretudo por conseguir se guiar perfeitamente, mesmo quando imerso em trevas insondáveis. Ele se move apenas o necessário, preferindo que os seus cultistas, ou então, os grandes ratos que o servem cumpram suas vontades e caprichos. Quando forçado a fazê-lo, o Deus Rato pode se deslocar com discernimento pelos túneis estreitos de seu covil, espremendo seu corpanzil para atravessar mesmo os espaços mais exíguos. Sua sala do trono, por assim dizer, é uma câmara nas profundezas da antiga mina de Cão Coxo, um lugar insalubre e de difícil acesso, habitado por milhares de ratos e ratazanas mutantes sem pelo que parecem uma mistura doentia de homem e roedor. O espaço é preenchido por lixo, detritos, restos de ossos e excremento que criam uma forragem natural preservando o calor. Aos seus pés rastejam fêmeas enormes e inchadas, prenhes a ponto de rebentar e despejar ninhadas de crias do Deus.


Ele costuma deixar sua câmara quando rituais estão prestes a serem realizados pelos seus cultistas. É atraído pelo som de um gongo e de um cântico que mistura palavras num dialeto indígena esquecido e no obscuro idioma Aklo. Os sons combinados fazem com que o monstro se mova pelos túneis emergindo numa extremidade escura do templo. Um secto de ratos comensais sempre o acompanham nessas incursões e os cultistas sabem bem que é bom manter deles distância pois aqueles próximos são cobertos por um frenesi de mordidas e arranhões.

Em geral o Deus Rato demanda sacrifícios que lhe são oferecidos assim que ele chega, sem rodeios ou preâmbulos. Ao avistar uma vítima colocada na área destinada ao sacrifício - um pedestal de ossos amarelados, ele se aproxima vorazmente escancarando as mandíbulas. Ele usa seu peso para esmagar a vítima amarrada e em seguida dilacera o corpo com bocadas potentes que arrancam membros. O Deus Rato costuma se satisfazer com um humano adulto, geralmente uma fêmea, que é inteiramente devorada, contudo em ocasiões que ele está especialmente faminto pode ser necessário entregar outras vítimas. Na ausência destas, um sacerdote convoca quantos seguidores forem necessários e os empurra para perto da criatura. Em alguma ocasiões, o Deus pode exigir que sacrifícios sejam oferecidos à sua ninhada que devora a carne de suas vítimas até restar tão somente os ossos roídos.

Como agradecimento pela oferta de sangue, o Deus Rato compartilha com os seguidores fieis sua graça. Esta se manifesta através de uma poderosa emanação psíquica que atinge todos os presentes. O portento é uma visão arrebatadora que renova a crença do culto assegurando a eles conforto, alimento e proteção. Aqueles que o recebem são preenchidos por um êxtase jubiloso, provavelmente um estímulo extremo no centro de prazer do cérebro. Tomados por um furor delirante, os cultistas dançam, evoluem e se entregam a uma orgia bestial que pode durar horas. O Deus Rato pode participar dessa celebração escolhendo fêmeas para satisfazê-lo. Finalizado o processo, ele retorna para as profundezas onde ficará aguardando a próxima data ritualística.

Dos recessos de seu covil o Deus Rato pode enviar mensagens, convocar seus sacerdotes e transmitir suas ordens e desejos. Ele não costuma receber visitantes, exceto aqueles que sofreram mutações e que são mais roedores do que humanos. Os túneis são tomados por ratos e descer através deles sem atrair a atenção das criaturas é praticamente impossível. Além disso, a poderosa mente do Deus permeia cada centímetro dos túneis, perscrutando as passagens, ciente de qualquer elemento estranho nos seus domínios. Ele é capaz de estabelecer contato com indivíduos de seu culto que estejam longe, usando para isso suas projeções psíquicas. Também é capaz de falar com eles através de sonhos de uma forma similar ao Grande Cthulhu, mas com um alcance muito menor.

O Deus Rato não é exatamente um roedor, mas algo que se assemelha a um em forma. É provável que ele seja uma forma de vida alienígena que encontra um grau de similaridade com uma forma de vida terrena. Uma análise mais criteriosa sugere que ele não constitua uma entidade biológica nativa e sim algo vindo de outra realidade ou esfera.


Fisicamente a criatura é humanoide, movendo-se em duas pernas mais curtas e possuindo uma cavidade torácica larga com braços e cabeça. Seu corpo musculoso remete ao de um antropoide clássico, notadamente o gorila africano. Ele mede aproximadamente três metros de altura e as proporções de sua anatomia não são exatas. Seu corpo é sólido, coberto de uma pelagem crespa abundante de coloração cinza castanha que lhe fornece proteção. Estima-se que a criatura pese ao menos 500 quilos, mas a despeito disso, move-se com notável agilidade equilibrando-se num rabo fino articulado. Ele é capaz de levantar com facilidade cinco vezes o seu peso. O Deus Rato possui patas dotadas de quatro dedos terminando em unhas curtas na forma de meia lua, fortes o bastante para arranhar pedra. Ele se vale dessas garras quando precisa se defender e um golpe é capaz de dividir um humano em dois. A criatura prefere, no entanto, agarrar os seres que o desagradam para em seguida esmagá-los ou desmembrá-los.

A cabeça do Deus Rato é a parte mais incomum e bizarra de sua anatomia. Ela se assemelha ao crânio descarnado de um roedor gigante. Suas órbitas são fundas e vazias, sem a presença de olhos, o que leva a crer que ele não é capaz de enxergar, ao menos no sentido normal. A ausência de músculos no sistema auditivo - uma simples câmara lateral oca, também sugere que ele não dispõe de audição. O faro, por outro lado é muito desenvolvido permitindo a ele reconhecer pequenas variações químicas no ambiente. É provável também que ele possua algum outro sentido de localização desconhecido que lhe permite mapear e compreender seus arredores, mesmo na escuridão completa. As mandíbulas do Deus Rato são dotadas de dois grandes dentes incisivos na arcada superior e na inferior. Estes são muito resistentes e afiados, capazes de atravessar o torso de uma pessoa facilmente. Ao investir contra um humano, o Deus Rato costuma visar o pescoço, desferindo uma única e devastadora mordida que tende a ser letal. Enquanto isso, se vale de seu peso titânico para esmagar aqueles que lhe são entregues como sacrifício. A criatura é carnívora e se alimenta de forma sazonal devorando carne, sangue e ossos.

O Deus Rato é claramente uma entidade do gênero masculino. Apesar de seu porte, ele é capaz de realizar a cópula com fêmeas humanas e fecundá-las para gerar crias mutantes. Dentro do círculo do Culto, fêmeas escolhidas para essa função tendem a ser toleradas nas dependências da entidade, onde são mantidas durante todo período de gestação. Elas dão a luz a ninhadas mutantes, entre 6 e 8 espécimes de cada vez, sendo que destes apenas dois ou três perduram. Esses mutantes se assemelham a grandes ratos pelados, capazes de andar em duas pernas e que crescem até o tamanho de humanos adultos. Tais abominações raramente deixam o interior do ninho subterrâneo onde nascem. 

A criatura por vezes é vista com alguns enfeites grosseiros. Colares com pedras amarradas, contas de vidro e ossos descartados transformadas em adornos rudimentares presos por tiras de tendões. As fêmeas que servem o Deus Rato costumam trançar e fiar seus pelos e amarrá-lo com anéis ou contas de metal que pendem livremente. Elas também usam piche, óleo e sangue para pintar padrões geométricos em sua pelagem que fervilha com pulgas, percevejos e outros parasitas. Ele também é visto carregando lanças com cabeças humanas mumificadas espetadas na ponta. O fedor que acompanha o Deus Rato é insuportável e pode ser detectado a grande distância.

Apesar de ser uma entidade feroz, o Deus Rato costuma ser extremamente dependente de seu séquito. Ele é capaz de se defender, mas prefere que seus subordinados lidem com questões mundanas e o protejam sempre que necessário. Ratazanas também obedecem suas ordens e correm para auxiliá-lo quando há perigo. Apesar de ser considerado um Deus e tenha habilidades notáveis, a entidade pode ser ferida e possivelmente até morta. Ciente disso, ele tentará escapar caso confrontado por inimigos equipados com armas de grosso calibre e explosivos. 

Uma profecia muito antiga e conhecida na Terra dos Sonhos afirma que o Deus Rato encontrará seu fim nas presas de um formidável felino, uma Pantera Negra, para alguns um avatar da Deusa Antiga Bast.

DEUS RATO
, O Deus dos roedores 

FOR                170
CON               160
TAM               165
INT                  70
POD               105
DES                 70

PV: 32
Dano Extra: +3d6
Corpo: +4
Pontos de Magia: 21
Movimento: 9

Ataques por rodada: 2

O Deus Rato pode atacar duas vezes por rodada usando para isso suas garras. Opcionalmente ele pode desferir um ataque de mordida ou agarrar o inimigo para em seguida desmembrá-lo.

Capturar (manobra): O Deus Rato usa seu ataque para agarrar um inimigo menor que ele. na rodada seguinte ele arranca pedaços de seu corpo causando dano crítico.  

Lutar 45% (22/9), dano 1d8 + dano extra

Mordida: Ao escolher essa modalidade de ataque, o Deus Rato desfere uma única mordida devastadora que causa 2d8 + dano extra pontos de dano. 

Esquivar: 30% (15/6)

Armadura: 5 pontos de couro grosso

Feitiços: Conhece ao menos uma dezena de magias que o Guardião julgar adequadas. Os registros atestam que ele ensinou magia a seus seguidores fieis sobretudo como construir portais  e alguns feitiços para Invocar/Vincular.

Perícias: Rastrear em seu covil 95%

Perda de Sanidade: 0/1d10 pontos de Sanidade por ver o Deus Rato.

ROEDOR HUMANO, Os horrendos Filhos do Deus Rato 

FOR       3d6 x5         55
CON      3d6 x10      105
TAM      2d6 +6 x5    65
INT        2d6 +6 x5    65
POD       3d6 x5         55
DES       3d6 x5         55

PV médio: 17

Dano Extra médio: nenhum
Corpo Médio: +0
Pontos de Magia: 11
Movimento: 7

Ataques por rodada: 1

Os Roedores humanos atacam sempre que possível com seus grandes dentes incisivos.

Lutar 35% (17/7), dano 1d6 + 1 + dano extra

Esquivar: 50% (25/10)

Armadura: Nenhuma

Feitiços: Geralmente nenhum, contudo um indivíduo dessa raça com INT 85 ou mais pode conhecer 1d4 feitiços que lhe foram ensinados por seu deus.

Perícias: Escalar 80%, Furtividade 70%, Rastrear 55%, Escutar 55%

Perda de Sanidade: 0/1d6 pontos de Sanidade por ver um Roedor Humano

segunda-feira, 15 de maio de 2023

As Crianças de Bodon - O Horrível crime que chocou a Finlândia


Confesso que não costumo me incomodar muito com filmes de terror, pra falar a verdade depois de assistir tantos filmes do gênero é difícil algum se destacar e me impressionar. A maioria passa batida como simples entretenimento que depois de assistir acabo esquecendo quase que imediatamente. Mas recentemente assisti um que ficou alguns dias na minha cabeça e que veio visitar minha mente justo quando a casa estava quieta e as sombras mais escuras. 

O nome dele é Lago Bodom, ou simplesmente Bodom, um pequeno filme finlandês, o terceiro longa do talentoso diretor Taneli Mustonen. Lançado em 2016, a produção ganhou prêmios e colecionou elogios da crítica especializada que o considerou "uma viagem a um pesadelo muito real".

E esse é o ponto!

Parte do incômodo à respeito do filme é o mistério enigmático que o inspirou. Como a maioria dos fãs de terror, eu não me impressiono facilmente com o chamariz de um filme ser supostamente "baseado em uma história real". Lago Bodom, no entanto, tece criativamente os elementos do mais famoso caso de assassinato não resolvido da história finlandesa com sua própria história independente. O resultado é algo bastante intenso. 

No filme quatro adolescentes, duas garotas e dois rapazes decidem viajar e montar um acampamento à beira do infame lago que dá título ao filme. O objetivo deles é reconstruir os infames assassinatos que ocorreram naquele exato local mais de 50 anos atrás. O grupo espera que, ao reviver os momentos que antecederam os crimes, eles descubram evidências que passaram batidas e que possam indicar o que de fato aconteceu. Mas o passado sinistro do lago pode estar prestes a se repetir. 

Imagem do filme "Lago Bodom" mostrando o resultado da horrível matança na tenda.

Além de ser um filme elegante e atmosférico, a lenda que o inspirou é incrivelmente intrigante e apelou para minha curiosidade mórbida. O crime real é considerado até os dias atuais extremamente estranho, tendo ganhado inúmeras interpretações na Finlândia. Os elementos desconcertantes deste caso com mais de meio século de idade, ainda são suficientes para despertar um misto de interesse e fascínio nos fãs do True Crime.

Após assistir o filme, quase que imediatamente fui buscar informações sobre o caso que entrou para a história finlandesa como "O Assassinato das Crianças de Bodom".  

Tudo começou em 4 de junho de 1960, quando Maila Irmeli Björklund e Anja Tuulikki Mäki, de 15 anos, e seus namorados, Seppo Antero Boisman e Nils Wilhelm Gustafsson ambos de 18 anos, foram acampar às margens do Lago Bodom. O local é famoso pela belezas naturais, um refúgio próximo da cidade de Spoo e um recanto para campistas interessados em desfrutar da natureza em um ambiente acolhedor. Até então, muitos campistas faziam esse roteiro e acampavam ali, jamais havia sido registrado qualquer incidente, mesmo que o local fosse afastado.

Contudo, o que começou como um acampamento inocente terminou, como algo, literalmente, saído de um filme de terror. Por volta das seis da manhã do dia seguinte, um grupo de meninos, que estava observando pássaros nas proximidades, viu um homem loiro se afastando da área de camping onde havia apenas uma barraca desfeita. Eles ignoraram o sujeito embora tenham percebido que haviam algumas roupas e cobertores espalhados. Apenas por volta das onze da manhã, foi que um corredor chamado Risto Sirén, percebeu que havia algo errado no pequeno acampamento. Ele viu marcas estranhas que à distância parecia sangue e decidiu alertar a polícia.

Fotografia real da cena do crime, obtida na manhã em que os corpos foram encontrados.

Quando chegaram a área de camping descobriram uma cena medonha! 

Os corpos de Anja Tuulikki Mäki e Seppo Antero Boisman foram achados dentro da tenda, amarrados e escondidos sob um cobertor empapado de sangue. O assassino aparentemente lançou o cobertor sobre os dois e começou a esfaquear os adolescentes através do tecido. Foram dezenas de estocadas, o criminoso deveria ser alguém forte para conseguir controlar o casal enquanto eles eram massacrados por sucessivos golpes.

Maila Irmeli Björklund foi encontrada deitada em cima da tenda, nua da cintura para baixo. Ela havia sofrido ferimentos ainda piores, com muitas facadas infligidas depois que ela já estava morta. Ela não havia sido estuprado, mas os golpes foram tão selvagens que em determinado momento, a faca usada parece ter trincado nas costelas e quebrado. O assassino então usou uma segunda arma para desferir ao menos mais uma dúzia de cutiladas profundas na vítima. Ele teve o cuidado de remover a lâmina alojada na lateral do corpo da garota. O namorado dela, Nils Wilhelm Gustafsson, também foi encontrado fora da barraca. Ele estava desmaiado; sofreu um ferimento na mandíbula e um único golpe de faca. Ele ainda estava vivo quando a polícia chegou ao local e foi o único sobrevivente dos assassinatos. Nils alegou não ter qualquer lembrança dos ataques e os médicos que cuidaram dele atestaram posteriormente que ele havia sofrido um ferimento na cabeça que causou sua perda de memória.

Em 1961, um psiquiatra à serviço da polícia finlandesa conduziu uma sessão de hipnose para tentar trazer à tona as lembranças de Gustafsson. Durante o transe hipnótico ele relatou a terrível experiência na qual um estranho forte, de cabelos longos e jaqueta militar invadiu o acampamento armado com uma faca. A testemunha foi capaz de descrever a imagem e um retrato falado do homem foi feito. Nils chamava a atenção para o olhar alucinado do sujeito cujos olhos brilhavam com uma luz vermelha. Ninguém foi capaz de reconhecer a figura descrita pelo sobrevivente.  

A motivação do crime embora parecesse ter sido roubo, não se sustentava. Após os ataques brutais, o assassino de fato subtraiu vários objetos pessoais das vítimas, incluindo carteiras e peças de roupa. Contudo, as botas de Gustafsson e algumas das roupas roubadas foram encontrados a cerca de 800 metros da cena do crime, largadas na mata. As carteiras, ainda com dinheiro, foram abandonadas ali perto, bem como um colar com pingente de ouro. Os objetos foram deixados sobre uma pedra, empilhados cuidadosamente. O únicos outros itens pessoais dos jovens que não foram achados foram uma fotografia que pertencia a uma das garotas, uma bússola de um dos rapazes e uma mochila que eles haviam tomado emprestado de um amigo. A polícia também não encontrou as armas usadas no crime.

Um grupo de policiais e detetives investiga os arredores do acampamento.

Nos anos que se seguiram ao crime, os investigadores apontaram muitos suspeitos, mas três em particular pareciam mais promissores. Karl Valdemar Gyllström, também conhecido pelo apelido de "kioskman", era um homem notoriamente duro que dirigia um quiosque próximo e odiava os campistas, chegando a jogar pedras nas crianças que passavam. Durante uma conversa com um vizinho, Gyllström teria confessado os assassinatos do Lago Bodom. No entanto, a polícia não aprofundou a investigação após questionar sua esposa, que assegurou que ele esteve em casa com ela no momento dos assassinatos. Gyllström também foi visto enchendo um poço em seu quintal apenas alguns dias após os assassinatos. Muitas pessoas acreditam que é aqui que ele pode ter escondido as armas do crime e outros itens perdidos, no entanto, a busca policial em sua propriedade não revelou nenhuma evidência.

Embora nunca tenham encontrado nada, Karl Valdemar Gyllström ainda atrai suspeitas. Em 1969, ele se afogou no Lago Bodom, para alguns cometeu suicídio ou ainda, foi morto pelos fantasmas dos jovens que assassinou. Após a morte, a esposa de Gyllström relatou que o marido era realmente um homem perigoso e dado a arroubos de violência, mas que ela não acreditava ter sido ele o responsável pelos assassinatos. Apesar de todos indícios, a polícia jamais considerou o sujeito como seu principal suspeito.  

Depois de ser excluído da lista oficial de suspeitos, a suspeita recaiu sobre outro homem, Hans Assmann. Um caçador e veterano de guerra que tinha fama de ser colaborador nazista, Assmann apareceu no radar da polícia na manhã de 6 de junho de 1960, um dia após o incidente. Ele deu entrada no Hospital Cirúrgico de Helsinque, com as unhas pretas de sujeira e as roupas cobertas de manchas vermelhas, supostamente sangue. A equipe do hospital disse que ele estava muito nervoso e agressivo e que alegava não lembrar o que havia acontecido. Ele não tinha ferimentos graves, além de alguns cortes superficiais, estava embriagado e tinha as tais manchas em suas roupas. Ele disse posteriormente que era realmente sangue, mas de um animal que ele havia abatido, já que estivera caçando ao longo da semana.

Além de um breve interrogatório, a polícia não perseguiu Assmann, alegando que ele possuía um álibi sólido - estivera bebendo em um bar a noite inteira. Por conta disso, as roupas manchadas de sangue nunca foram examinadas e acabaram sendo descartadas. Além de sua visita suspeita ao hospital, Assmann levantou algumas outras bandeiras vermelhas em relação ao caso.

Depois que uma reportagem divulgou a descrição dada pelos meninos que viram um homem loiro se afastando da cena do crime, Assmann cortou seus longos cabelos loiros e mudou a aparência. O Dr. Jorma Palo, um dos médicos que examinou o suspeito afirmava que ele provavelmente era o culpado. Um sujeito conhecido por ter um passado tumultuado, que bebia em demasia e que manejava a faca com notória habilidade - se gabava de ter matado uma dezena de soldados soviéticos nos tempos da guerra, justamente com uma faca. O ex-detetive Matti Paloaro, um dos investigadores do caso Bodom também considerava Assmann responsável por outros cinco homicídios não resolvidos. Isso faria dele um serial killer, contudo, Assmann nunca foi acusado formalmente. Muitos consideram as possíveis conexões políticas dele, sobretudo com policiais, como o motivo de sua liberação. Ele era amigo de vários veteranos da guerra que o viam como um colega e assim o protegiam. 

O retrato falado do homem misterioso visto nos arredores do acampamento

Graças às múltiplas fontes e literatura aludindo à sua culpa, Assmann era o suspeito favorito do público até 2004, quando os investigadores decidiram reabrir o caso 44 anos mais tarde, afirmando que novas tecnologias, sobretudo de exame de DNA, poderiam ajudar a resolver o crime. 

Evidências de sangue encontradas em um par de sapatos e análise dos ferimentos prometiam lançar uma luz sobre o caso. Uma nova análise de DNA levou à prisão de um suspeito surpreendente: o único sobrevivente Nils Wilhelm Gustafsson.

De acordo com a promotoria, Gustaffson tinha um histórico de ciúmes, violência e bebedeira. Testemunhos colhidos posteriormente afirmavam que a namorada de Nils havia se queixado dos ciúmes do namorado e que pretendia desfazer o relacionamento por considerar o rapaz instável. Segundo a teoria da promotoria naquela noite em questão o rapaz bebeu muito e num ataque de raiva atacou Maila Irmeli Björklund. Em seguida, os dois rapazes supostamente tiveram uma briga violenta e nela Nils sofreu os ferimentos em seu rosto. De alguma forma, ele conseguiu dominar o colega e o amarrou junto com a namorada. Ele então criou um cenário que o isentasse de culpa, lançando-a sobre algum assassino oportunista que atacou o acampamento no meio da madrugada.

Os peritos ofereceram indícios de que os ferimentos no rosto de Nils poderiam ter sido resultado de uma violenta luta com Seppo. Atestaram ainda que Maila, a primeira a morrer teria sido assassinada algumas horas antes dos demais, por estrangulamento. As facadas - mais de 30 golpes - foram desferidos quando ela já estava morta a algum tempo. 

Além disso, o único ferimento de faca sofrido por Nils era pouco condizente com os demais desferidos pelo assassino. Como se ele tivesse sido provocado com enorme cuidado para não causar um ferimento profundo como todos os outros. Especialistas se dividiram sobre a natureza desse ferimento, levantando a suspeita de que ele pudesse ter sido auto infligido.

As Crianças de Bodom, as vítimas do crime que chocou a Finlândia

Finalmente as botas de Nils Gustafsson também levantaram suspeitas sobre a participação dele no crime. A perícia descobriu que as botas continham muitas manchas de sangue pertencentes às três vítimas fatais, mas nenhum sinal de sangue do próprio Gustafsson. Elas foram descartadas longe do acampamento e não havia nenhum indício de que elas tivessem sido calçadas por qualquer pessoa, exceto seu dono.  

A Defesa alegou que Gustafsson não tinha motivo para os crimes e que não havia como determinar que os ferimentos por ele sofridos eram auto infligidos. Depois de ser inicialmente condenado, Gustafsson cumpriu de apenas um ano sendo libertado após um recurso bem-sucedido. Apesar de sua absolvição, ele também ainda é visto como culpado por muitos. Durante seu julgamento, quando um repórter lhe perguntou como ele sabia que era inocente se não conseguia se lembrar de nada, ele simplesmente respondeu: "Sou inocente, essa é minha única certeza".

Com Gustafsson inocentado de todas as acusações e a maioria dos outros suspeitos mortos, parece que os filhos de Bodom nunca terão seu assassino levado à justiça. À medida que esse mistério de meio século permaneceu, ele se tornou uma lenda local. 

Há inúmeras histórias sobre quem, ou o que, poderia ter causado a morte dos jovens. Uma lenda muito popular menciona fantasmas na floresta, espíritos malignos e forças nefastas que se erguem das profundezas da mata para eliminar invasores. Alguns supersticiosos afirmam que Lago Bodom num passado remoto serviu como palco de incontáveis sacrifícios praticados pelos povos ancestrais que viviam nas suas margens plácidas. Antropólogos e arqueólogos de fato atestam que o lugar serve de lar para gerações de povos nórdicos que ali residiram e que alguns deles realmente eram praticantes de sacrifícios humanos.

As lendas locais mencionam trolls que habitam esse lugar em particular e criaturas que vivem nas profundezas do lago. Fadas e outros espíritos silvestres completam o rico folclore que aponta para um sem número de criaturas e entidades mágicas capazes de tal atrocidade. Mas não apenas seres de contos de fadas povoam o imaginário de teóricos que desconfiam de algo sobrenatural como responsável pelas mortes em Bodom. Há histórias sobre espíritos possessores que poderiam ter se apossado do assassino e matado usando suas mãos. De fato, muitos dos que apontam Nils Gustafsson como o responsável pelas mortes, afirmam que ele não teria culpa direta na chacina, visto que estava sendo controlado por um desses espíritos malignos.

O local onde ocorreu o crime foi investigado cuidadosamente em busca de pistas.

Para aumentar ainda mais a aura de estranheza sobre o lugar, em 2012 arqueólogos descobriram uma cova rasa perto do local onde ocorreu o crime na qual estavam os restos de seis indivíduos. A análise dos restos apurou que seriam soldados que lutaram na Segunda Guerra Mundial e que teriam sido executados naquele local. Tudo indica que eles seriam prisioneiros fuzilados pelos alemães. Uma lenda recorrente na área mencionava justamente fantasmas vestindo uniformes militares vagando pela área. O relato de Gustaffson sobre uma figura misteriosa vestindo jaqueta militar também foi apontado como indício da ação de um espectro na cena do crime.      

O infame Caso das Crianças de Bodon até hoje continua sem solução.

Ele tem servido como uma história de advertência para as gerações de jovens campistas sobre os perigos de acampar em um lugar isolado. Provavelmente ela ainda será contada muitas e muitas vezes ao redor de fogueiras e nas margens do próprio lago que testemunhou o derramamento de sangue. À medida que se infiltra na cultura popular, o caso continua ganhando diferentes teorias graças à exposição à internet na forma de creepy-pastas, narrativas de true crime e agora, filmes.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

O Culto do Deus Rato - Os medonhos seguidores da Coisa na Escuridão


No vasto universo do Mythos, certos seres e entidades parecem estar circunscritos a determinadas regiões. São seres de grande poder e influência, mas que por algum motivo parecem estar ligados a um espaço territorial relativamente pequeno. Como se estivessem enraizados ao próprio solo, eles não conseguem ou muitas vezes, não contemplam, se afastar dessas áreas. Tais entidades se convertem em senhores de seu espaço, passam a controlar todos os elementos, todos aspectos e a própria natureza é cooptada pela sua influência perversa, o que inclui animais e humanos que lá habitam.

Há exemplos óbvios de Entidades que seguem esse preceito, de nunca se afastar dos territórios que por diferentes razões decidiram reclamar como seus. Um dos melhores exemplos é indubitavelmente o insalubre Vale de Severn, cujos limites contabiliza uma série de vilarejos decrépitos, cada qual voltado para uma diferente deidade que ali reside e é adorada pelos seus degenerados residentes.

O que tais seres desejam, o que os compele e quais as razões para que eles fiquem confinados ali, muitas vezes escapa de nosso conhecimento e poucos, exceto os que vivem nessas áreas podem ter alguma noção de seus motivos inescrutáveis.

Uma Entidade obscura, até para os padrões do Mythos, que vive circunscrita a uma determinada área de atividade é a bizarra abominação vulgarmente conhecida como Deus Rato da Nova Inglaterra.


Tal entidade é reverenciada por um diminuto grupo de indivíduos, mormente membros de tribos de nativos norte-americanos ou seus descendentes que residem nas imediações de um povoado chamado Cão Coxo (Lame Dog) nos arrabaldes do estado.

O lugar sempre foi isolado e de difícil acesso. Coberto de densas matas virgens e de pântanos intransponíveis que no inverno se tornam armadilhas naturais de neve e gelo, a área sempre afastou os nativos. Mas não era apenas a natureza selvagem e a presença de grandes roedores que objetava a conquista do espaço, havia algo mais que os xamãs e feiticeiros dos Narragassett e Mohegan podiam sentir. Uma mácula contaminando o próprio solo escuro dessa terra profana. Chamavam a faixa pantanosa de Nahuchtill, a Terra do Rato e a evitavam a todo custo.

Segundo as lendas nativas, após uma grande rixa entre tribos, uma delas foi forçada a buscar um refúgio onde pudesse se estabelecer. Encontrou guarida justo nas terras ermas do Nahuschtill, a "província dos ratos que andam sobre duas pernas". O xamã dessa tribo proscrita era Cão Coxo e esse nome passou a ser compartilhado por todos eles. Cão Coxo entrou em contato com a coisa monstruosa que vivia nas profundezas daquele descampado quase que imediatamente e ofereceu sua servitude quando identificou se tratar de um dos Deuses Primordiais ligados aos Antigos. Ele foi alçado a uma condição de Profeta pelo próprio Deus Rato.

O povo desse assentamento foi então apresentado a rituais que a criatura transmitiu ao seu sacerdote. Os que resistiram à ideia se tornaram as primeiras vítimas de sacrifícios doentios. O Deus Rato demandava uma prova do comprometimento dos postulantes a servi-lo e essa só poderia ser dada com sangue. O culto nasceu dessa maneira, congregando talvez duas dúzias de malogrados nativos e algumas squaw raptadas que passaram a adorar aquele horror como seu deus único. O isolamento e os tabus tribais permitiram que a tribo se desenvolvesse, entregue a práticas nauseantes de feroz adoração e perversa endogamia. Com o passar do tempo gerações nasceram contaminadas pela semente atroz do Deus Rato, tornando-se cada vez mais degeneradas em aparência e mentalidade. 


Quando os colonos brancos chegaram à Nova Inglaterra, as tribos foram forçadas para o território interior, através dos pântanos evitados desde os primórdios. Lá ficaram chocados em encontrar a tribo esquecida composta de homens e mulheres com feições de roedores entregues a um comportamento repulsivo. Muitos guerreiros ficaram tão perturbados pelo povo de Cão Coxo que fugiram sem olhar para trás, outros no entanto os combateram encontrando árdua oposição, já que as crianças do Deus Rato agora contavam com um padroeiro poderoso. Ainda assim, aquela gente também sofreu perdas severas. Vieram então os colonos brancos que em sua marcha para o interior derrubaram árvores e abriram estradas que transpunham o pântano gelado cercando Nahuchtill. Ficaram incomodados pela presença dos grandes roedores que viviam na área e mais ainda pelos nativos degenerados com feições bizarras que os receberam. Não havia nada ali e portanto seguiram em frente sem perturbar os locais.

Por algum tempo Cão Coxo permaneceu intocada, protegida pela sua insignificância, ao menos até a chegada de imigrantes russos que por algum motivo acabaram se aventurando por aquelas bandas. Eram obstinados, resistiam bem às agruras do clima severo e lá fincaram bases para erguer um rústico assentamento. Talvez o local estivesse fadado a ser abandonado, mas em algum momento chegou a notícia de que naquelas terras lamacentas havia ouro em abundância. A notícia atingiu a costa e começou a atrair cada vez mais gente disposta a tentar a sorte no lugarejo batizado Cão Coxo. Nas décadas seguintes as concessões de garimpo mudaram o lugarejo e despejaram pó de ouro sobre balanças que fizeram a fortuna e a ruína dos residentes. Cão Coxo provou de certo progresso e permitiu o surgimento de um grupo aristocrático, em sua maioria descendentes dos colonos russos originais, que se converteu na classe mais abastada. Ergueram moradas luxuosas e palacetes com lambris e telhados de alvenaria que contrastavam com as barracas mal ajambradas dos garimpeiros.

Como seria de se esperar, a onda de progresso não contemplou os nativos. Estes foram afastados da cidade em crescimento e forçados para uma das áreas mais miseráveis - justamente na vizinhança do acesso subterrâneo onde o Deus abominável habitava. Continuaram a honrá-lo com sacrifícios de sangue na escuridão de suas catacumbas, onde exércitos de ratos pululavam. Eram evitados à todo custo pelos recém chegados, perplexos pela aparência bestial e modos daqueles miseráveis desprezíveis.


Mas a glória do ouro aos poucos foi esvanecendo em Cão Coxo e com ela o progresso. Em pouco mais de duas décadas a cidade havia sido drenada de sua riqueza mineral e nada mais restava a ser explorado. Com efeito, a decadência foi tomando conta de tudo, os casarões perderam sua opulência e a gente branca partiu pouco a pouco, enxotados pelas pragas que agora corriam pelas ruas. Restaram uns poucos que se apegavam ao terreno conquistado tão arduamente e que eram teimoso demais para partir. estes acabaram sendo assimilados pelos nativos que lenta, porém gradualmente começaram a voltar para a cidade, ocupando as casas vazias, exceto pelos ninhos de ratos. Em algum momento, os moradores locais acabaram contaminados pelo mesmo cultismo e passaram a adorar a divindade blasfema para a qual os nativos prestavam homenagem. Desta feita, um grupo miscigenado se tornou proeminente, com pele mais clara e cabelos negros - compunham a nova sociedade de Cão Coxo.

Na virada para o século XX, os residentes estavam tão integrados que era difícil separar nativos de brancos. Todos eles também comungavam do mesmo sacramento doentio ao imoral Deus Rato. No começo do século, as luzes de uma era de saber permitiu que os filhos de Cão Coxo deixassem os limites da cidade e explorassem as cidades próximas fixando-se em Salem, Bristol e é claro, na assombrada Arkham no Vale do Miskatonic.

O povo de Cão Coxo continuou professando sua religião profana que evidenciava a sua condição de sujeição diante de seu Deus. Os rituais um dia foram realizados na superfície, mas a necessidade de sigilo os forçou a transferir seu tabernáculo para o subterrâneo adjacente à morada do Deus Rato. Nessas câmaras umbrosas de rocha áspera a congregação se reunia em total escuridão para seus ritos doentios. Os membros inferiores do culto não possuem uma indumentária específica, vestem trapos ou se apresentam nus. Os sacerdotes, no entanto, costumam trajar mantos pesados e escuros além de uma máscara tradicional que lembra o crânio de um rato. 


Sacrifícios são parte importante das cerimônias e se não houver uma vítima - geralmente uma mulher subtraída de uma região vizinha, os cultistas estão dispostos a oferecer um dentre eles. A vítima é entregue ao Deus Rato que preside as cerimônias de corpo presente. A enorme criatura dá cabo de suas oferendas devorando-as aos bocados com selvageria. Por vezes, estas também podem ser dadas às crianças do Deus Rato, as hordas inefáveis de imensas ratazanas que habitam os túneis. Tamanha a voracidade dessas criaturas que suas vítimas são roídas em poucos minutos até restarem apenas os ossos carcomidos. 

Após os rituais de submissão e sacrifício, o Deus Rato abençoa sua congregação com portentos. Estes são transmitidos mentalmente como em uma espécie de alucinação coletiva para os presentes que partilham do devaneio. A experiência de iluminação contamina a todos que se entregam em seguida a uma orgia lasciva em meio às trevas. Ali cercados pelos ratos e outros horrores mutantes eles se entregam num imundo bacanal. Durante essas orgias indescritíveis muitas mulheres acabam "abençoadas" dando a luz a novas gerações de seguidores, visto que a fecundidade é uma das dádivas do Deus Rato.

Os cultistas típicos do Deus Rato são jovens, uma vez que poucos chegam a idade avançada dado o caráter de sacrifício de seus rituais. Essas pessoas apresentam uma aparência reminiscente de sua divindade nefasta. Possuem dentes afiados e proeminentes, pequenos olhos rosáceos e apresentam crescimento de tufos de pelo cinzento e crespo em porções do corpo. São repulsivos para a maioria das pessoas: de baixa estatura, aspecto pouco saudável e modos estranhos. Há entretanto, casos mais graves de deformação congênita, com indivíduos apresentando membros atarracados, dedos fundidos e pés na forma alongada das patas de ratos. 


Em casos extremos encontra-se incidência de indivíduos com um focinho curto, orelhas em riste e até mesmo compridas e finas caudas de rato. Esses cultistas tendem a se manter nos túneis do covil do Deus Rato e raramente são vistos no exterior sem roupas pesadas que escondem sua evidente deformidade. Apesar de não poderem ser vistos na superfície sem causar choque, eles são tidos como indivíduos escolhidos pelos seus pares. Alguns deles vivem em meio as ninhadas de ratazanas cegas e albinas, grandes como porcas que os nutrem com seu leite. As mulheres que nascem com essas mutações muitas vezes são concubinas do Deus Rato em pessoa, impregnadas por ele de tempos em tempos.

Os líderes do Culto também costumam vir desse grupo, dominando feitiçaria oferecida pelo Deus Rato e usando seus poderes sobrenaturais para atingir todos que desafiam sua autoridade. A tenebrosa maldição da Coisa-Rato que opera uma transformação horrenda na vitima é uma técnica conhecida por esses bruxos e reservada àqueles que despertam sua ira. Os feiticeiros acumulam a função de sacerdotes, presidindo os rituais, comungando com seu Deus e recebendo dele as instruções de como proceder. São devotos fanáticos e servem a criatura em toda sua capacidade. 

Em geral o Deus Rato sempre pareceu satisfeito com seu pequeno domínio que se resumia a Cão Coxo e redondezas, contudo na segunda metade do século passado ele começou a aumentar sua influência enviando cultistas para outros lugares.

Os membros do Culto que recebem a anuência dos sacerdotes tendem a se estabelecer em grandes cidades onde suas atividades chamam menos a atenção. Suas deformidades também tendem a ser menos evidentes. Embora tenham recebido a permissão do Deus Rato de deixar Cão Coxo, eles se mantém fieis ao Culto e suas diretrizes. Muitos se estabelecem em prédios abandonados e ruínas tomadas por ratos, tornam-se mendigos e vagabundos que vivem em meio aos roedores na escuridão. Contemplam encontrar outros seguidores e estabelecer com eles um templo devotado ao Deus. 


Essas congregações raramente conseguem lograr sucesso nessa empreitada e a maioria desses "missionários" falham em seu intuito. Há entretanto exceções marcantes. Na cidade de Nova York, o Culto do Deus Rato conseguiu encontrar um terreno fértil para proliferar ocupando estações abandonadas de metrô e usando os túneis como seu reduto. Rumores alarmantes sugerem que cultistas do Deus Rato se espalharam por áreas profundas do metrô encontrando fartura de vítimas entre as populações de sem-teto e simpatizantes entre eles. O Culto enfrenta ainda a concorrência de Carniçais (ghouls) que também vivem nesses mesmos túneis gerando uma feroz disputa territorial. Contudo, o fato de existirem templos devotados ao Deus Rato nas profundezas atesta que eles parecem ter conquistado seu espaço e que estão expandindo seus domínios.