quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Stranger Things 2 - Resenha da tão aguardada segunda temporada


A espera foi longa, mas a segunda temporada de Stranger Things finalmente está entre nós.

A série do Netflix que ano passado conquistou uma legião de fãs com uma mistura irresistível de suspense, ação e muita nostalgia caiu nas graças de muita gente. E todos se perguntavam se a segunda temporada conseguiria manter ou mesmo superar o elevado nível estabelecido na sua já clássica temporada inaugural. Não é segredo que Stranger Things se tornou uma sensação do dia para noite, um sucesso que nem mesmo a própria Netflix esperava. 

O público respondeu imediatamente aos personagens carismáticos, o charmoso elenco, as tramas bem construídas, o suspense de roer as unhas e é claro ao chamado afetivo dos anos 80, a década perdida, que deixou e continua deixando saudades em quem viveu e em muita gente que gostaria de ter vivido essa época mágica. Mais do que uma novidade empolgante, Stranger Things servia como um agradável túnel do tempo com incontáveis referências a serem caçadas, discutidas e debatidas. Por alguns dias, a pergunta que mais se ouvia por aí era "Você já terminou de assistir Stranger Things?"


Bom, a espera foi longa (quase 15 meses!) mas aí está Stranger Things 2 com todos os seus elementos familiares no devido lugar - o elenco, a trilha sonora, o humor, as imagens de pesadelo, e a nostalgia gritante. Temos uma fartura de referências que vão desde Alien e Exorcista, passando por Warriors, os Selvagens da Noite até as melhores obras de Stephen King reunidas em uma série que aparentemente continuará a atrair fãs e ser debatida por muito tempo.

É claro, a segunda temporada não possui o fator novidade que a primeira oferecia, e assim, um pouco do charme original se perde. Mas isso não chega a ser um defeito, já que a falta de novidade é facilmente compensada pelo aprofundamento dos personagens e do mundo em que eles vivem. Os garotos estão um pouco maiores e esse crescimento se traduz em outras questões e interesses. Óbvio, eles ainda são vidrados em andar de bicicleta, assistir filmes e jogar D&D, mas eles estão amadurecendo. Além disso, a assustadora experiência da primeira aventura, deixou marcas nos meninos, nas suas famílias e amigos mais próximos.

Stranger Things 2 começa pouco mais de um ano depois deles terem enfrentado as ameaças do Mundo Inverno. O Demogorgon, a criatura maligna que escapou de outra dimensão e se instalou em Hawkins foi derrotada em uma eletrizante batalha na qual Eleven desapareceu. As instalações secretas do Centro de Pesquisas continuam existindo, mas os sinistros cientistas que lá trabalhavam deram lugar a outros que fiscalizam a passagem dimensional escondida no porão. Will Byers teve muita sorte e conseguiu retornar para sua mãe e irmão, mas como bem sabemos através do epílogo, ele voltou mudado, trazendo um segredo assustador. Dustin e Lucas tentam levar suas vidas da maneira mais natural possível, enquanto Mike continua remoendo a falta de Eleven com quem ele tenta se comunicar diariamente.


Will ganha muito mais destaque, como o pivô dos acontecimentos estranhos dessa temporada. É ele quem dá os primeiros indícios de que a experiência no Mundo Invertido não está encerrada e que um inimigo muito mais poderoso e terrível que o Demogorgon está à espreita. Apesar de todos tentarem voltar ao curso normal de suas vidas, Will continua sofrendo episódios perturbadores no qual ele se vê deslocado para uma aterrorizante dimensão paralela. E é claro, se ele pode ver o que existe lá, com certeza, o mesmo vale para os habitantes daquela realidade.

A série se esforça em devolver os personagens a um território inexplorado, repleto de mistérios e desafios. Se antes a ameaça estava concentrada em um único monstro aterrorizante, a segunda temporada expande o conceito do Demogorgon e apresenta novas ameaças.  O inimigo da vez é uma ameaça chamada Devorador de Mentes, uma sombra gigantesca com tentáculos que lembra muito um dos horrores inumanos de Lovecraft. O Devorador é capaz de entrar na mente de suas vítimas, controlar e espionar o que ela faz e pensa. O novo adversário traz um senso de revitalização para a série e introduz uma criatura aterrorizante tanto na aparência quanto nas intenções. O pobre Will passa por maus bocados nas garras da criatura que planeja usá-lo para invadir Hawkins e nosso mundo.

Além de Will, outro personagem que ganha mais destaque na segunda temporada é o Xerife Jim Hopper. David Harbor, o ator que vive o personagem, tem a chance de explorar um papel diferente, o de pai adotivo de Eleven que desde os acontecimentos do final da temporada ficou secretamente sob sua responsabilidade. Eleven ainda tenta se ajustar ao mundo fora do porão do laboratório onde foi criada e precisa aprender a confiar em Hopper. Já o xerife não sabe exatamente como lidar com uma pré-adolescente cheia de curiosidade com o mundo exterior e ainda por cima detentora de poderes telecinéticos. As discussões entre os dois dão o tom de vários episódios e fazem com que a tensão continue crescendo até explodir em uma dramática fuga.

   
Também temos a oportunidade de conhecer as famílias de Dustin e de Lucas, com o segundo apresentando sua irmã mais nova, uma mala sem alça que literalmente rouba todas as cenas em que aparece. A amizade de Dustin e Lucas, aliás é posta à prova pela chegada de uma nova aluna vinda de Los Angeles e que desperta o interesse dos meninos. Mad Max, é literalmente o sonho dos dois, uma garota ruiva, cheia de atitude, que anda de skate e que não leva desaforo para casa. No início eles tentam convencê-la a fazer parte do grupo, mas só quando ela acaba se envolvendo na investigação e se arriscando com os perigos, é que Max se torna realmente parte do grupo. A promissora aparição de mais uma garota para o elenco infanto-juvenil sinaliza com algumas mudanças interessantes na dinâmica do grupo, sobretudo por envolver um interesse romântico. Fico na esperança de que a personagem tenha mais importância na próxima temporada, já que depois de seu aparecimento nos primeiros episódios ela perde gradualmente sua importância, tornando-se uma mera espectadora dos acontecimentos na reta final.

Mad Max vem acompanhada de uma família desajustada, onde seu meio-irmão desponta como um problema em potencial. Billy, o típico rebelde sem causa e mau caráter dos filmes anos oitenta é um ótimo acréscimo à trama e cada vez que el está em cena, provocando os outros ou tentando atropelá-los com seu carro, transmite uma aura de ameaça.  

Por sinal, os adolescentes de Hawkins, também estão de volta. O romance de Nancy e Steve continua, embora muitos tenham torcido o nariz para a escolha final dela na conclusão da temporada anterior. Jonathan, o irmão mais velho de Will, continua no páreo e terá uma segunda chance com Nancy em meio a uma investigação paralela dos acontecimentos na cidade. Isso nos leva a outra ponta que ficou solta na primeira temporada, a repercussão quase nula a respeito do desaparecimento de Barb (a amiga de Nancy morta pelo Demogorgon). Finalmente essa lacuna é preenchida e sabemos o que aconteceu e como a família dela foi afetada pelo ocorrido. A maior mudança é justamente em Steve que começa a perder espaço para seu rival, o que o leva a mudar o foco transformando-se numa espécie de babysitter ou irmão mais velho para os garotos. Essa transição funciona perfeitamente na trama e faz com que o personagem ganhe novo fôlego e importância. Se na primeira temporada ele acabou como o namorado mauricinho com cabelo e dentes perfeitos, aqui ele conquista a simpatia de todos como o sujeito que "faz o que é certo" e está disposto a salvar o dia. 

   
Além do Xerife Hopper, o outro protagonista adulto de Stranger Things, Joyce, a mãe de Will também tenta esquecer dos acontecimentos traumáticos do ano passado. Apesar do retorno de Will, são e salvo, Joyce desconfia corretamente que ele está escondendo alguma coisa e continua preocupada com sua segurança. Winona Ryder, talvez o rosto mais famoso do elenco, continua fantástica como Joyce e agora com a vantagem de estar em terreno familiar dá um show. Outro rosto familiar na série é a inclusão de Sean Astin (sim, ele mesmo Samwise Gangee!) que faz o papel do novo namorado de Joyce, Bobby, um sujeito simpático e prestativo que não faz idéia da encrenca em que está se metendo. Um dos melhores diálogos da temporada é dele, quando depois de examinar um mapa pergunta meio sem graça o que está no final dele, "um tesouro pirata"? 

(Para quem não pescou a referência, Sean Astin quando moleque foi o protagonista de Gonnies, filme que serve de inspiração para Stranger Things. E lá, ele caçava um tesouro perdido, escondido por um pirata).

Já Eleven experimenta uma espécie de jornada ao longo da segunda temporada, ao mesmo tempo metafórica e literal. Millie Bobby Brown, a intérprete de Eleven confirma a suspeita de que é um novo talento e que dentro em breve estará brilhando em super-produções no cinema. A menina consegue ir de extremos emocionais em segundos, sempre com uma naturalidade impressionante. Não é nenhum exagero afirmar que, assim como aconteceu na primeira temporada, ela continua sendo um dos personagens mais interessantes do elenco. Um dos enredos centrais de Stranger Things 2 é explorar a origem de Eleven e descobrir quem ela era, quem era sua mãe e como ela se tornou um dos experimentos do maldoso Dr. Brenner. Nós acompanhamos Eleven nessa sua busca por informações e descobrimos detalhes perturbadores a respeito de sua origem. Um dos episódios, no qual que ela finalmente descobre a identidade da mãe e o seu triste destino é um dos melhores da temporada. Ele atesta que maldade e perversidade não são uma característica apenas dos monstros do Mundo Invertido; alguns monstros na série, são muito humanos. 


O Episódio 7, "The Lost Sister" (A Irmã Perdida), talvez seja o único ponto fora da escala em toda temporada que do contrário poderia ser chamada de impecável. Passando-se inteiramente fora do universo suburbano de Hawkins, ele remove os personagens que nós amamos e apresenta uma série de outros protagonistas liderados por "Eight" (Oito), outra vítima dos experimentos do Dr. Brenner e que assim como Eleven tenta sobreviver no mundo real. O episódio em si não é ruim, nem mesmo os personagens que conduzem a narrativa - um grupo de desajustados e marginais, entretanto, fica a impressão de que os produtores estão tentando forçar o surgimento de um spin-off quando o que queremos é mais da trama original. Não vou ficar surpreso se dentro em breve tenhamos uma nova série se passando no mesmo universo de Stranger Things, estrelada por "Eight" e seus amigos. Só não sei dizer se ela terá o mesmo apelo.

Voltando a Eleven, manter ela e Mike a maior parte da temporada afastados também foi uma decisão arriscada dos roteiristas. O público queria que os dois se encontrassem de uma vez, mas isso só ocorre nos últimos episódios... felizmente quando enfim temos a tão esperada reunião, ela vem em um clima perfeito e justifica a espera. Talvez Mike - que é o coração e a alma da primeira temporada, fique um pouco alienado nessa sequência, mas ao menos nos dois últimos episódios ele tem a chance de brilhar intensamente.


O desafio dos Irmãos Duffer (a dupla de diretores e criadores da série) era enorme nessa segunda temporada. Para manter a qualidade e o interesse do público eles teriam de decidir entre introduzir mudanças e novas perspectivas para a trama e personagens ou preservar aquilo que funcionou tão bem, sob o risco de oferecer apenas "mais do mesmo". Felizmente eles conseguiram em um passe de mágica equilibrar as duas coisas e entregar uma série redondinha. Stranger Things 2 consegue reeditar todos os elementos que fizeram a primeira temporada ser uma sensação e se arrisca aqui e ali com bons resultados. Se ela não é tão empolgante e inovadora, o produto final é bem acima da média e vai agradar em cheio todos que estavam saudosos.

Os dois episódios finais tem um ritmo de fazer inveja para qualquer série de suspense, com uma mistura de emoção, ação e reviravoltas. A luta final com o Devorador de Mentes nos subterrâneos de Hawkins e nos porões do Laboratório é eletrizante. O capítulo final oferece ainda um excelente epílogo na forma de um Baile de Formatura, no qual temos a chance de ver o crescimento dos personagens e as ramificações de seus relacionamentos o que já nos deixa muito ansiosos pela terceira temporada.


Stranger Things 3 está mais do que confirmado, ainda mais com a perspectiva da série se tornar uma das mais assistidas do Canal de Streaming. Além disso, o final da temporada deixa no ar a perspectiva de que os horrores do Mundo Invertido não irão descansar e que eles continuam espreitando. A inserção da música "Every Breath you Take" (do The Police) no trecho final tem um sentido bem claro de que algo está do outro lado, vigiando a todo momento.

Por ora, no entanto, é  momento de deixar as crianças, adolescentes e adultos de Hawkins celebrar sua vitória.


Trailers Legendados:


domingo, 26 de novembro de 2017

Helter Skelter - A loucura conspiratória da Família Manson


California 1967, o ano conhecido como "Verão do Amor".

O ex-detento Charles Manson fica atônito com as transformações do mundo desde que ele havia sido preso em 1960. O slogan "faça amor, não faça a guerra" estava na boca de todos, enquanto grupos de rock da Costa Oeste, como Beach Boys, Grateful Dead, Jefferson Airplane sonham com o sucesso. As garotas se tornavam liberadas e drogas passam de mão em mão. Entusiasmado, ele se une a comunidades hippies de San Francisco, onde se dedica a tocar guitarra e se apresentar nas ruas. Ao se sentir bem recebido em toda parte, ele se pergunta se essa não é uma nova chance de mudar de vida. Se ele não morreu e chegou ao paraíso.  

Uma jovem bibliotecária chamada Mary Brunner, de apenas 23 anos, o acolhe sem fazer perguntas em sua casa. Manson fica intrigado principalmente com a forma como as pessoas passaram a questionar as instituições: Governos, empresas, professores, religiosos, os juízes e carcereiros, todos que haviam abusado dele estavam sob constante observação e crítica. A sociedade estava em ebulição, clamando por mudanças em sua própria estrutura. O sistema era visto como algo a ser derrubado, destruído pela revolta popular que ansiava por mudanças imediatas. Por fim, ele havia encontrado um mundo com jovens dispostos a se engajar em causas, desde que estas fossem consideradas legítimas por eles.

Mary Brunner também mostrou a Manson que os tempos eram outros no que dizia respeito às relações entre homens e mulheres. Havia muita liberação, e Manson logo explorou as possibilidades recolhendo Darlene, uma garota de 16 anos que havia fugido de casa e trazendo-a para morar com os dois. O triângulo parecia conviver bem, seguiam o lema "nada e ninguém pertence a ninguém". Manson ficava com Darlene durante o dia e à noite com Mary. Isso deu a ele uma ideia a respeito de comunidades hippies.


Em pouco tempo, influenciada por Manson, Mary decidiu largar o trabalho na biblioteca universitária e viajar com ele e Darlene a bordo de um velho ônibus escolar que Manson havia comprado com o restante do dinheiro da amante. O trio passou a visitar comunidades hippies ao longo da Califórnia onde Manson se apresentava como um artista em busca de reconhecimento e sucesso. Logo, o ônibus passou a receber novos adeptos, na maioria adolescentes que não tinham para onde ir e queriam chegar à Los Angeles. Manson os recebia com um sorriso encorajador e dizia que eles poderiam fazer o que quisessem enquanto viajassem com ele. Não haveriam regras e nenhuma forma de autoridade seria tolerada. 

A trupe, composta de 10 ou 12 pessoas viajou pela Costa Oeste, do Oregon até Los Angeles parando em cidades abandonadas ou no meio da estrada. Manson convencia os rapazes e meninas a se prostituir para conseguir dinheiro para comida, drogas e combustível. Ao chegarem a Los Angeles, o riqueza das mansões e o glamour de Hollywood contagiou a todos. Eles estavam em uma cidade rica e cheia de novas perspectivas. Os seguidores acreditavam que Charlie logo conquistaria o estrelato e todos iriam desfrutar de seu sucesso e viver numa daquelas mansões enormes, com comida e fartura para todos. No espírito da época, o grupo de hippies era recebido em comunidades de beira de estrada e chegaram a dormir na propriedade de artistas que apoiavam a contra-cultura.

Uma das pessoas que recebeu o bando foi Dennis Wilson, baterista dos Beach Boys que incentivou Manson a gravar suas canções folk. Wilson apresentou Charlie a alguns produtores da indústria fonográfica e ele chegou a gravar algumas demo-tapes para serem distribuídas entre agentes de talentos. Para pagar as contas ele exigia que os membros do bando conseguissem mais dinheiro, o que os levava a prostituição e venda de drogas.



Mas as músicas gravadas por Manson não fizeram o sucesso que ele esperava, o que o deixava furioso. Não demora muito e ele acaba descontando sua raiva nos engenheiros de som que fizeram a gravação das fitas, acusando-os de terem sabotado seus esforços e atrapalhado deliberadamente sua busca pelo estrelato. Alguns dos membros da Família decidem se afastar de Manson que fica paranoico achando que todos estão contra ele. Sabendo que a única forma de recuperar o controle sobre o restante da Família é mantendo-os ao seu alcance, ele decide usar o que sobrou de seu dinheiro para alugar uma velha fazenda nos arredores de Los Angeles. O grupo passou a residir em Rancho Spahn, uma propriedade rústia que estava abandonada. Lá Manson se tornou o líder espiritual de todos e deu início a um período marcado por viagens psicodélicas, experiências com LSD, amor livre e total cumplicidade entre os membros do grupo que passam a se apresentar como integrantes da mesma "Família", a Família Manson.

Apesar da penúria em que viviam, os membros da Família Manson se diziam felizes e satisfeitos com sua opção. Eles compartilhavam praticamente tudo e acreditavam ser parte de um movimento que ajudaria a reformar a humanidade, resultando em uma Nova Era de paz e compreensão. Apesar de seus princípios pacíficos, Manson incentivava seus seguidores a roubar e cometer pequenos delitos. Alguns deles passaram a roubar automóveis, entrar em casas, subtrair objetos em lojas ou simplesmente mendigar nas ruas. Drogas e álcool eram aceitos na casa, mas Manson decidia quem do grupo teria acesso, como forma de controlar a família. Ganhava uma porção maior quem obtinha mais dinheiro na semana. Não demorou muito até que Manson também se envolvesse com tráfico de drogas, trazidas por motoqueiros que transitam pelos estados. Ele conseguiu algum dinheiro agenciando mulheres como cafetão ou chantageando clientes.

Mas apesar de todos seus planos, Manson não conseguia fazer sucesso com sua música. Culpando todos ao seu redor - menos a si mesmo, ele se torna rancoroso e adverte seus seguidores que a sociedade não está pronta para ouvir a sua palavra transformadora. A essa altura, Manson já plantara na mente de seus jovens seguidores o conceito de que era uma espécie de Profeta.


Certo dia, ele ordena que seus seguidores arrumem as coisas e que partam com ele na busca de um novo lugar para viver. A Família encontra uma granja abandonada nos limites do Deserto conhecido como Death Valley onde resolvem se estabelecer. O Rancho Baker se converte no santuário da Família e Manson assume a postura de um líder messiânico, afirmando que ali eles ficarão em segurança quando chegar o Fim dos Tempos. Mesclando citações bíblicas e canções dos Beatles, adicionando algumas gotas de ódio racial e terrorismo, Manson começa a elaborar uma teoria aceita cegamente pelos seus seguidores, a de que o Apocalipse estava próximo. Grande fã dos Beatles, ele afirma ter recebido uma revelação na forma de profecia ao escutar repetidas vezes o famoso "White Album" da banda. Ele relaciona a faixa "Revolution no 9" com o Capítulo 9 do Livro das Revelações, no qual o quinto anjo do Apocalipse anuncia a vinda do "Filho do Homem", que Manson afirma ser ele próprio.

Em seu delírio, ele assume a postura de um Messias que irá limpar a Terra dos infiéis e abrir os Sete Selos para o início do Apocalipse. O "Fim dos Tempos" conforme suas palavras viria com Guerras Raciais que colocariam brancos e negros em lados opostos de uma Guerra Civil sangrenta, um evento chamado de Helter Skelter, o nome de outra faixa do mesmo álbum dos Beatles. Para Manson o conflito teria fim com a vitória dos negros, mas estes acabariam por se sujeitar a ele e a Família, reconhecendo-os como líderes que viriam a governar o que restou do mundo. Influenciado por sua própria insanidade, Manson fica cada dia mais paranoico, sobretudo quando a polícia investiga suas ligações com tráfico de drogas. Temendo que fosse uma questão de tempo até ser preso, ele decide antecipar o Helter Skelter. 

Na tarde da sexta-feira 8 de agosto ele envia quatro seguidores de confiança, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Leslie van Houten, acompanhadas de Tex Watson, até a casa 10500 em Cielo Drive. onde Manson acreditava que um produtor musical chamado Terry Melcher ainda vivia. Ele não sabia que a propriedade havia sido alugada alguns meses antes: o inquilino era o Diretor de cinema Roman Polanski. Manson havia dado ordens expressas para que seus seguidores fossem até a casa e matassem quantos porcos (na linguagem deles, pessoas ricas) conseguissem. O líder da Seita fornece ao grupo uma arma de fogo e várias facas e porretes, além das instruções de como entrar na casa e promover o massacre. O objetivo era fazer com que a polícia culpasse ativistas negros e que esse fosse o estopim para o Helter Skelter (Guerra Racial).

Naquela noite fatal, Sharon Tate, esposa de Polanski, com oito meses de gravidez estava recebendo convidados para passar a noite com ela na propriedade. Seu marido estava fora do país, filmando e ela se sentia solitária. Foi um infortúnio tantas pessoas estarem presentes na mansão. O ataque foi rápido e brutal, os assassinos entraram, acuaram as pessoas na casa, as juntaram na sala e as massacraram sem piedade usando facas e porretes. Os que resistiram foram alvejados.

O assassinato de Leno e Rosemary La Bianca foi perpetrado no dia seguinte para reforçar a conspiração mentirosa de que as chacinas haviam sido conduzidas por radicais negros. Nessa ocasião, o próprio Manson acompanhou o grupo destacado para a tarefa. Deu a eles uma dose de LSD e escolheu a mansão mais adequada, aquela habitada por "porcos". Manson pulou o muro, e se esgueirou pelo pátio até a janela da sala que estava aberta. Ele voltou aos seus discípulos e lhes deu a ordem: - "Entrem e matem todos! Me deixem orgulhoso!", em seguida foi embora.


Transcorrendo os meses de agosto e setembro, a polícia continuava sem encontrar uma resposta para os crimes. Nesse meio tempo, Susan Atkins, se envolveu no assassinato de um rapaz chamado Gary Hinman e acabou sendo detida para interrogatório. Enquanto estava presa, deixou escapar para suas colegas de cela detalhes sobre suas viagens de LSD, sobre seus companheiros da Família Manson e finalmente, sobre o prazer que tinha em matar. Em 12 de outubro, a polícia interrogou Susan uma segunda vez e ela acaba revelando sua ligação com Charles Manson e a Família ainda escondida no Rancho Baker. A polícia que já desconfiava saquela Seita Estranha, acredita ter encontrado os responsáveis pelos massacres de Los Angeles.

Várias viaturas policiais convergem para o local e os detetives da homicídios dão ordem de prisão para o grupo que se rende sem resistência. Na propriedade encontram objetos comprometedores, sobretudo a arma de fogo utilizada na invasão. Drogas, álcool e menores de idade também são apreendidos e a Família Manson começa a ser relacionada com uma série de crimes que incluem tráfico de drogas, roubo, agressão e cárcere privado, além é claro, da participação nos assassinatos ocorridos em 8 e 9 de agosto.

O julgamento se estende por um ano e meio e transforma-se em um evento para a mídia. Manson é chamado de arquiteto da tragédia, um verdadeiro demônio capaz de persuadir adolescentes a matar com prazer e cometer atos impensáveis apenas para agradá-lo. Entretanto, apesar de sua participação intelectual, Manson se defendia alegando não ter matado ninguém em pessoa.


As três meninas angelicais que acompanham os trabalhos judiciais, mudavam de aparência constantemente, raspando os cabelos, se vestindo como hippies e distribuindo flores aos jornalistas. Diante de um juri atordoado, elas confessam alegremente seu papel nas chacinas. Reconhecem ter cometido os crimes como um "ato de amor" em nome de seu líder espiritual. O próprio Manson dá mostras de instabilidade: tenta atacar o juiz, agride à socos e ponta-pés seu próprio advogado, grita e esperneia, entalha um "x" na própria testa, depois o transforma em uma suástica... o público assiste tudo incrédulo.

Em março de 1971, após um desgastante julgamento vem a sentença: Manson, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Leslie van Houten são condenados à morte, assim como Tex Watson e Bobby Beausoleil em outro processo correndo em paralelo no Texas. A sentença, no entanto acaba sendo comutada para prisão perpétua com uma mudança no Estatuto Judicial da Califórnia. 

Nos anos que se seguem, os membros da Família Manson acabam se dispersando ou sumindo de circulação. A maioria dos que foram presos se dizem arrependidos de participar dos crimes e de tomar parte nos crimes. Culpam seu líder tresloucado e as drogas pelos atos impensados cometidos e afirmam que Manson detinha sobre eles uma espécie de controle quase sobrenatural. Alguns sequer se recordam de seus anos no seio da Família, as lembranças parecem turvas e distantes. No cárcere, Tex Watson e Susan Atkins se convertem em Cristãos Renascidos. Alguns menores de idade conseguem voltar para suas famílias e alguns até mudam de nome para romper de vez com sua participação nesse medonho caso.


Mas é claro, havia exceções e alguns membros da Família permaneceram leais à Manson e sua filosofia demente. O Rancho continuou servindo como santuário para jovens até a polícia debandar seus moradores; logo depois a propriedade foi derrubada para não se tornar destino para desajustados e curiosos. O caso mais grave envolvendo ex-membros da Família Manson ocorre em 1975 quando Lynette Fromme, uma jovem desajustada, tenta assassinar o então presidente dos Estados Unidos Gerald Ford.

De forma sinistra, a filosofia torpe de Manson continua bem viva no mundo atual. A crença de que é preciso assassinar pessoas para promover uma mudança social, encontra ecos nos dias atuais com o terrorismo radical e os crimes perpetrados por inimigos da tecnologia como o UnaBomber. Já o racismo de Manson, um admirador confesso de Hitler e da solução final, continuou sendo compartilhado pelos milícias supremacistas brancas e por neonazistas. Finalmente, o caráter religioso da Família, uma Seita no modelo Messiânico encontra similaridade com os Daividianos que promoveram uma matança durante o Cerco de Waco em 1993.

Ainda hoje, psicólogos e pesquisadores comportamentais estudam o que atraiu tantos jovens a uma companhia tóxica como Charles Manson, um homem que os levou a  matar sem escrúpulos. Culpar apenas o uso de drogas parece uma resposta muito simples para essa questão. É óbvio que Manson detinha sobre eles um tipo de controle vigoroso graças ao seu carisma e manipulação. Mas como ele foi capaz de criar um vínculo tão forte, uma verdadeira unidade familiar ainda choca os especialistas.


Nas palavras de Susan Atkins, "Manson era uma figura paterna que todos queriam agradar. Todos desejavam que ele sorrisse e dissesse algumas palavras incentivadoras, e quando ele o fazia, era como experimentar a maior felicidade do mundo. Não há como explicar! Nossa vida estava nas mãos dele... se ele pedisse para morrermos por ele, nós simplesmente morreríamos".

Charles Manson permaneceu confinado à uma cela isolada na Prisão de San Quentin, Califórnia desde sua condenação em 1971. Seus pedidos para obter liberdade condicional foram negados apesar de exaustivas tentativas. Semana passada, Manson morreu de causas naturais, aos 83 anos de idade.

A despeito de sua morte, o horror de suas ações continuará a nos assombrar por muito tempo.

Para ler mais a respeito da Família Manson leia aqui:

Os Crimes da Família Manson

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Explorando os Mythos mais Obscuros - Tulzcha, a Chama Verde


Tulzcha é apresentado no conto O Festival ("The Festival") por H.P. Lovecraft.

Muito se fala a respeito da tenebrosa Corte dos Outros Deuses, localizada no Centro do Universo. Ela é tida como um dos locais mais aterrorizantes do Cosmos, pois é lá que o poderoso Sultão Demoníaco, Azathoth, possivelmente a Entidade mais poderosa do Universo, aquele definido como a Pura Entropia, rege sua Corte, tal qual um astro-rei profano, emitindo luminescência cinéria. Ao seu redor, flutuam em uma órbita infindável estes Outros Deuses, com suas mentes apagadas e sua existência blasfema. Eles giram, evoluem e colidem eternamente ao som mefítico de flautas e címbalos emitindo um som metálico e fluido de cacofonia planetária.

Muitos são os horrores que perfazem essa dança cósmica. Um véu de cores prismáticas sela essa realidade distinta de todo o resto do Universo Ordenado, pois o Caos ali contido é veneno para as leis convencionais do espaço e tempo. Entre os comensais que circundam Azathoth estão divindades obscuras, muitas dos quais sem nome ou serventia, sem consciência de seu próprio poder. São colossos abomináveis, servidos pela alma e pela mente dos Deuses, o próprio Caos Rastejante, Nyarlathotep. Esse Deus cumpre em nome deles as tarefas que eles próprios jamais poderiam executar. Contudo, entre as aberrações estúpidas da Corte, existem entidades que escolheram habitar esse recôndito do Universo e coexistir com os horrores que lá habitam como se fossem um deles. 

Em meio ao séquito rodopiante destaca-se uma colossal bola flamejante que crepita eternamente com chamas esverdeadas. Ela não emite calor, pois não é fogo - ao menos não como nós compreendemos em nosso mundo. Ela evolui lentamente, mas quando determinada, é capaz de cruzar enormes distâncias em um piscar de olhos. Brotando nos recessos mais distantes da Corte como um turbilhão esmeralda, essa divindade não se confunde com os demais deuses beócios, sobretudo porque não lhe falta inteligência. Nos tomos ancestrais de conhecimento atávico, encontra-se registrado o nome desse horror, onde ele é chamado Tulzcha, a Chama Verde.


Tulzcha talvez seja um dos Deuses Exteriores menos compreendidos dentre as Deidades Cósmicas que compõe esse seleto grupo. Assim como Yog-Sothoth, Shub-Niggurath ou o próprio Azathoth, Tulzcha também representa um conceito cósmico. Contudo, enquanto seus irmãos de poder podem ser compreendidos como a encarnação do tempo/espaço, vida e entropia, a noção do que seria Tulzcha escapa à compreensão humana. É possível que a força cósmica representada por essa entidade seja ainda desconhecida e que sua mera noção constitua um enigma indevassável para nossa percepção. Alguns filósofos dos Mythos especulam que ele pode reger o sincronismo cósmico. A entidade dessa forma teria influência sobre as probabilidades e os incidentes, regulando a quebra de paradigmas e certezas como uma força atuante por detrás do acaso. Tais teorias, contudo, jamais foram devidamente comprovadas.

Na ausência de uma explicação do propósito cósmico de Tulzcha, alguns estudiosos resolveram enquadrá-lo em uma categoria genérica como uma entidade maligna. O "Monstros e suas Espécies" - um volume extremamente raro, menciona o caráter subversivo dos rituais dedicados a Tulzcha e o relaciona aos mitos do tormento e eterna danação nas profundezas da terra. Nesse contexto, é fácil compreender porque Tulzcha acabou por ser incluído na relação das entidades demonizadas. Ele seria um dos Reis do Inferno judaico-cristão, o senhor da tortura, da chama que alimenta os braseiros, piras e fogueiras e da dor infligida aos pecadores. 

O volume encadernado com pele humana intitulado "Cultes des Goules", menciona brevemente Tulzcha como uma divindade reverenciada por sectos de ghouls que rendem homenagem através de sacrifícios e orgias. O Deus é visto novamente como uma força subterrânea que lança sua luz esverdeada sobre recessos nas profundezas. Uma vez que esse culto parece ter sido banido ou exterminado pelos seus irmãos necrófagos, não há como comprovar as alegações de seus sacerdotes.


Finalmente, talvez a melhor descrição do que é Tulzcha possa ser extraída das páginas funestas do próprio Necronomicom. Esse compêndio nocivo reconhece a existência da entidade, mas mesmo ali não existem muitas informações. Tulzcha é descrito como a Chama Verdejante que brota das profundezas, tal qual um pilar de energia flamejante, projetando-se na direção do céu, espalhando-se pelo firmamento. 

Nos parágrafos mal traçados por Abdul Al-Hazrad, o árabe louco relata como Tulzcha era invocado na antiga Sarmakand por uma Seita de Feiticeiros em busca de poder e conhecimento arcano. Ele menciona que Tulzcha pode ser convencido a auxiliar aqueles que trilham o caminho da magia. De maneira similar a Yog-Sothoth, ele se relaciona com bruxos e escolhe alguns para serem o simulacro de sua sabedoria. O preço, adverte Hazred tende a ser muito alto: ele afirma que muitos feiticeiros acabaram descobrindo sua própria imortalidade, ainda que seus corpos continuassem a se deteriorar pela eternidade.

De Sarkomand o pequeno secto dedicado a Tulzcha parece ter se disseminado para outras terras. É possível que em algum momento de sua conturbada existência; Irem, a infame Cidade dos Pilares tenha sido uma base de cultistas dedicados à Chama Verde. Da Península arábica, a semente de um proto-culto viajou para a França e para a Itália, onde se estabeleceu brevemente em pequenas comunidades isoladas. Os cultistas veneravam Tulzcha em celebrações nos solstícios, equinócios e outras datas astronômicas significativas.  

Os últimos remanescentes desses cultos europeus desapareceram há muito tempo, possivelmente após perseguições e o extermínio de religiões pagãs. O derradeiro culto que venerava Tulzcha partiu dos Países Baixos em meados do século XVI, tomando duas direções distintas: uma parte deles se instalou na América, na cidade portuária de Kingsport e a outra nas Índias Ocidentais. 

Aqueles que se fixaram na colônia da Nova Inglaterra continuaram a cultuar Tulzcha de maneira secreta rendendo a ele rituais, sacrifícios e cerimônias orgiásticas em bosques e colinas. Tal grupo chegou a empreender festivais profanos nos quais a chama viva era invocada dos recessos da terra para receber seus tributos. Essa facção parece ter desaparecido da face da terra em meados do século XVIII, deixando para trás alguns poucos traços de sua passagem. Dentre os tesouros valiosos que esse grupo detinha, estava um volume carcomido do Necronomicom em idioma latino, trazido do velho mundo. [Que é mencionado na história "O Festival"  de H.P. Lovecraft]

A outra ramificação do culto que se moveu para as Índias Ocidentais fixou-se com sucesso nas Bahamas e Antilhas e continuou a realizar seus ritos sagrados. Com o tempo, esse culto foi transferido para Cuba e Haiti, e lá recebeu uma forte influência das crenças regionais, acrescentando elementos de Vodu e Santeria aos seus dogmas religiosos. Nesse período, os cultistas começaram a se afastar progressivamente de Tulzcha (uma divindade egoísta e extremamente severa em seus castigos) para se dedicar a Yig que se tornou o Culto mais poderoso nessa parte do mundo. O último enclave de feiticeiros puros, devotados exclusivamente à Chama Verde na região se encontrava em Cuba, mas após a Revolução de 1959 não se sabe ao certo se ele sobreviveu.

Tulzcha pode ser invocado para nosso mundo através de rituais em datas propícias. Os rituais envolvem cânticos, mantras e oferendas na forma de sacrifícios de sangue ou energia mística. Se atraído pelo ritual, Tulzcha se desloca de sua morada na Corte de Azathoth até a Terra. Ele assume uma forma gasosa e penetra em nosso planeta pelo núcleo, subindo rumo a superfície na forma de uma erupção como um gigantesco pilar de fogo verde. Uma vez manifestando-se dessa maneira, o Deus é incapaz de se mover até se dissipar por vontade própria.

Descrito como um turbilhão de fogo cor de esmeralda, Tulzcha gira em sua base cuspindo labaredas em todas as direções. Testemunhas suficientemente próximas conseguem divisar formas bizarras aparecendo e desaparecendo em meio ao vórtice rodopiante; criaturas alienígenas, geralmente em estado cadavérico ou em decomposição, que são absorvidos pela massa e desaparecem silenciosamente.

O pilar de fogo, que corresponde ao corpo de Tulzcha pode ter qualquer altura. Em ambientes fechados ela tende a atingir o teto e se espalhar como uma cascata espumosa, engolfando o que estiver em seu caminho. Pedra e metal são cobertos de uma fuligem nitrosa de cor verdejante doentia após o toque. Muitos objetos ficam completamente inutilizados. Em lugares abertos, o pilar ascende a alturas vertiginosas, desaparecendo no céu ou entre as nuvens, pintando a abóboda celeste de uma vasta região com tons esmeraldinos. Um detalhe especialmente desconcertante a respeito dessa combustão de aparência vulcânica, diz respeito ao fato da entidade não criar sombra e não gerar calor. O "fogo" de Tulzcha mais parece uma massa viscosa, como uma densa maresia coalescente de natureza desconhecida que fica contida no vórtex.


O toque de Tulzcha é especialmente maléfico e conhecido por todos os cultistas. Para atingir quem o desagrada, ele arremessa "bolas de fogo" ou estende "línguas flamejantes" com um alcance efetivo de até 15 metros. O mais leve contato com Tulzcha é incrivelmente nocivo para qualquer forma de vida, causando uma espécie de disrupção em nível celular. As células vivas literalmente se desfazem, a medida que o corpo é drenado de sua energia e viço claramente envelhecendo. A pele se torna pálida e cheia de rugas, ressecada e quebradiça, cabelos e dentes caem, ossos se tornam fracos e órgãos experimentam uma falência temporária. A dor beira o insuportável, como se uma severa câimbra acometesse cada músculo do corpo repentinamente. Não é raro que vítimas tocadas por Tulzcha entrem em choque perdendo a consciência. Se o contato for prolongado a morte é inevitável e tudo que resta do cadáver é uma massa retorcida com sangue jorrando de cada orifício.

Cultistas da Chama Verde conhecem a sua ira e sabem que ele costuma punir aqueles que o desagradam com esse toque nefasto. Não por acaso, muitos preferem morrer pelas próprias mãos antes de enfrentar esse suplício.

Links para Explorar outros horrores dos Mythos de Cthulhu:

Ghatanothoa, o Senhor do Vulcão



terça-feira, 21 de novembro de 2017

Charles Manson - Os crimes que chocaram a América e o mundo


Ele gostava de chamar a si mesmo de demônio e para muitos, ele de fato era um.

Quem o via hoje em dia, velho e desgrenhado, achava que não passava de um ancião frágil e inofensivo. Mas aparências enganam e apesar de ser um octogenário, aquele pacato prisioneiro do Setor de Segurança Máxima da Penitenciária San Quentin ainda causava muito medo nas pessoas. Tanto que, todos os seus apelos para obter liberdade condicional foram sumariamente negados. As pessoas temiam que uma vez solto, ele ainda poderia constituir uma ameaça. Não por conta dele mesmo, mas pelos que ainda poderiam ser manipulados por ele. 

Aos 82 anos, Charles Manson ainda era um dos homens mais temidos do sistema prisional dos Estados Unidos. Longe de ser um prisioneiro comum, ele era um símbolo: a própria imagem do fanatismo, da maldade e do horror em carne e osso. Em uma pesquisa realizada em 2005, ele ainda era considerado o criminoso mais temido da América. E é possível que ele continue sendo por muitos anos, mesmo depois da sua morte.

Manson era um prisioneiro diferenciado, talvez pelo fato de ser um criminoso ao longo de praticamente toda sua vida. Aos 82 anos de vida, ele havia passado apenas 19 em liberdade. Os outros 63 haviam transcorrido atrás das grades, sendo que as últimas quatro décadas de modo ininterrupto. E foi apenas por um irônico acaso que ele continuou dessa forma, já que o Sistema judicial da Califórnia foi alterado em 1971, revogando a sentença de pena de morte. Charles se beneficiou dessa mudança e não foi executado, ainda que ele tenha recebido cinco condenações capitais em juízo. Há muito tempo os pulmões de Manson deveriam ter estourado pela ação da câmara de gás, mas ao invés disso ele foi condenado a habitar um limbo nos porões mais escuros e profundos de San Quentin. Sem direito a apelos ou condicional, já que recebeu uma sentença de prisão perpétua. 

Manson quando foi preso e recentemente 
Muitas pessoas dizem que ele teve sorte de ter envelhecido na prisão, de onde administrava sua própria página da internet e gravava seus discos de rock nos quais lia versos bíblicos, do Corão e peças de poesia. Ele ainda pedia por liberdade condicional, sabendo que esta seria negada. Alguns artistas, astros do rock e defensores dos direitos civis imploravam clemência, mas a verdade é que ninguém realmente queria vê-lo livre. Charles dizia não se arrepender de nada, e o mundo não estava pronto para perdoar os crimes que ele orquestrou. A memória do dia em que três mulheres e um rapaz, todos seguidores fanáticos de Manson despedaçaram sete pessoas que sequer conheciam, obedecendo ordens diretas de seu Profeta, Deus ou Demônio. Charles Manson, foi um pequeno criminoso com delírios de grandeza. 

Foi a faxineira que fazia a limpeza toda semana que descobriu os corpos. Como fazia todos os sábados ela chegou para o trabalho naquela manhã ensolarada de 9 de agosto de 1969. A casa pertencia a um dos casais mais famosos de Hollywood, a mansão em estilo espanhol era do diretor de cinema Roman Polanski, então com 36 anos, e da sua jovem esposa, a talentosa atriz Sharon Tate de 26 anos. A propriedade ficava na tranquila vizinhança de Cielo Drive, uma região habitada por muitos astros de cinema. Tudo estava muito silencioso e a faxineira por um instante achou que os donos não estavam, mas logo percebeu que algo estava errado: havia uma mancha de sangue na entrada da cozinha. E quando ela foi verificar os fundos da casa, encontrou dois corpos caídos em uma enorme poça de sangue. Ao fugir em disparada topou com um terceiro cadáver no interior de um automóvel na garagem. Aterrorizada, foi até os vizinhos mais próximos gritando que havia acontecido algo terrível.

A cena dantesca causaria horror até mesmo nos policiais chamados para entrar na mansão, pois enquanto seguiam os rastros de sangue pela propriedade de Polanski encontravam sinais de que algo medonho havia transcorrido. Não apenas mortes brutais, mas algum tipo de catarse emocional na qual o assassinato parecia ser o brusco desfecho. A palavra "porcos" (pigs) havia sido pintada com sangue nas paredes do corredor. No salão encontraram o corpo sem vida de Sharon Tate, tombada de lado em posição fetal, nua e coberta com algumas pétalas de flores casualmente jogadas sobre seu corpo. Várias punhaladas marcavam peito e costas, sobre o ventre inchado - já que estava grávida de oito meses, estava entalhado com faca um "X". Uma corda branca estava presa em seu pescoço e a outra ponta ligava ao corpo de um homem mutilado com golpes violentos de faca e cutelo. O rosto coberto com uma toalha ensanguentada havia sido desfigurado além de qualquer reconhecimento.

Uma das últimas fotos de Roman Polanski e Sharon Tate
Uma carteira de identidade em seu bolso dizia se tratar de Jay Sebring (35 anos), o cabeleireiro de Sharon, um dos mais requisitados da cidade. Os cadáveres caídos no jardim pertenciam a Abigail Fogler (26), rica herdeira de uma Indústria cafeeira e o cineasta polonês Voyteck Frykowski (37). Os três eram amigos pessoais de Polanski e haviam ido fazer companhia a sua esposa já que ele estava trabalhando em Londres. O ocupante do automóvel - e depois souberam, a primeira vítima do massacre, era Steven Parent, um estudante de 18 anos que teve o azar de estar indo visitar um amigo que fazia a segurança da mansão. O guarda por sinal, não viu ou ouviu nada, ele estava de folga e morava numa propriedade ao lado, situada a certa distância.

Mas o horror que começou naquele sábado, com a notícia daquela tragédia, iria continuar a assombrar Los Angeles até o domingo à tarde quando Frank Struthers, de 15 anos chegou à casa de sua mãe Rosemary de 36, e seu padrasto Leno La Bianca, de 44, proprietário de um supermercado no elegante bairro de Los Feliz. O rapaz encontrou La Bianca deitado no sofá da sala, com uma almofada empapada de sangue pousada sobre sua face. Tinha um cutelo de cozinha cravado na garganta e do pijama que vestia se projetava o cabo de um garfo com empunhadura de marfim. Frank quase desmaiou, mas ainda conseguiu correr para pedir ajuda. 

O corpo de sua mãe foi descoberto pela polícia no quarto do casal. Rosemary La Bianca estava caída de barriga para baixo em uma poça de sangue com a camisola de dormir enrolada na altura do pescoço, as costas, nádegas e pernas cobertas de perfurações. Uma almofada também havia sido colocada sobre a cabeça. Na sala de estar haviam sido pintadas três palavras com sangue: "Morte aos Porcos" (Death to pigs), "Erga-se" (Rise) e "Confusão e Caos" (Helter Skelter

A lista do Massacre
O sinistro fim de semana contabilizou os seguintes números apavorantes: Sharon Tate recebeu 16 perfurações por faca; Jay Sebring, sete golpes de faca e um ferimento de arma de fogo; Abigail Folger, 28 perfurações; Voyteck Frykowski, 51 ferimentos de armas brancas variadas, dois tiros e 13 golpes contundentes na cabeça (é provável que ele tenha lutado antes de morrer); Steven Parent, recebeu quatro tiros e uma punhalada; Rosemary La Bianca, 41 feridas causadas por facas, cutelo e garfos, e Leno La Bianca, 26 apunhaladas. Em seu ventre, próximo do garfo que havia sido enfiado até o cabo na sua carne, estava talhada a palavra "Guerra" (War).

Toda Los Angeles ficou estarrecida. Quem poderia ser o responsável por esses horrendos massacres? Qual seriam os motivos para promove tamanha barbárie? Desde logo, a polícia afastou a possibilidade de que os crimes haviam sido motivados por roubo, uma vez que não faltava nada da mansão de Polanski. Os detetives encontraram vídeos pornográficos e pequenas doses de drogas na propriedade que deu margem para as mais estapafúrdias teorias: orgias sexuais, tráfico de entorpecentes, rituais demoníacos, sacrifícios humano... 

As pessoas diziam que o demônio havia se manifestado na mansão para cobrar de Polanski e de Tate o preço pela fama que haviam conquistado. Polanski apenas um ano antes, havia conseguido enorme sucesso com o lançamento de seu filme mais conhecido até então "O Bebê de Rosemary" cujo enredo tratava de pactos e demonologia. Religiosos fanáticos diziam que o demônio havia sido conjurado para a mansão dos Polanski em algum tipo de Missa Negra na qual os participantes foram mortos. Exorcistas falavam da necessidade de purificar a propriedade. Videntes e médiuns chegaram a se apresentar à polícia, oferecendo suas habilidades extra-sensoriais para encontrar o demônio que agora, estava à solta em Los Angeles. Diziam que o casal La Bianca também estava envolvido com bruxaria e que provavelmente eles haviam sido punidos pelos mesmos motivos. A paranoia cobriu a Cidade dos Anjos com uma mortalha sanguinolenta. Durante alguns dias festas foram canceladas e o calendário de eventos de Hollywood foi todo remodelado. As pessoas voltavam cedo para casa, temendo o que poderia acontecer a elas. A venda de armas disparou na cidade, bem como o de trancas e fechaduras. Ninguém se sentia à salvo e o medo irracional por alguma coisa sobrenatural parecia atingir até mesmo as pessoas mais razoáveis.

"Morte aos Porcos" escrito na parede da Mansão Polanski
A imprensa fez um enorme estardalhaço a respeito do caso, cobrando da polícia medidas urgentes para descobrir os responsáveis. Todo contingente da polícia foi chamado para vigiar as ruas e parar qualquer suspeito. O medo dominava os boletins jornalísticos e era possível sentir o pavor que crescia em cada casa.

Enquanto isso, a apenas cerca de meia hora do centro da cidade, seis pessoas que conheciam todos os detalhes a respeito do horrível crime comemoravam sua façanha. Aos seus olhos, eles haviam logrado sucesso em seu intento: colocar a cidade de joelhos e instalar um clima de medo e apreensão em cada habitante de uma das maiores metrópoles do país.

A fazenda modesta chamada Spahn´s Movie Ranch, parecia abandonada. O grupo vivia de maneira comunal, assistiam filmes de faroeste, comiam frutas carameladas e riam sem parar de suas próprias piadas. O líder do bando era um sujeito de cabelo e barba comprida, roupas chamativas, violão sempre às mãos e olhos penetrantes. Tinha uma fala mansa e tranquila, que agradava aos que ouviam. Ele era um tipo de conselheiro espiritual, um guru que simbolizava um porto seguro para os que se concentravam ao seu redor, cerca de 40 jovens, na maioria garotas. A comunidade era formada basicamente por hippies. Como muitos outros jovens da Baixa Califórnia, eles acreditavam desafiar o sistema e as convenções em busca de uma vida mais simples e pacífica. Passavam seus dias ouvindo música, brincando e usando drogas, tinham uma pequena plantação no quintal da propriedade, mas complementavam suas refeições com o que conseguiam obter de doações ou de material que era jogado fora por mercados e vendas. Não havia luz elétrica, nem instalações de água ou gás. Tudo era compartilhado pelo bando e as decisões eram tomadas mediante votação. Ou ao menos, era o que diziam...       

"Charlie" pouco antes de ser preso.
Na verdade, o líder do bando, um homem de 35 anos chamado de Charlie agia como um prefeito da comunidade. Ele decidia o que deveria ser feito, como o pouco dinheiro do grupo seria gasto e quais seriam os seus planos. Charlie tinha enorme talento para trazer novos membros para o grupo, na maioria adolescentes com problemas de relacionamento com suas famílias e que temiam entrar na vida adulta e por isso fugiam. Charlie oferecia mais do que um lar temporário e companheirismo, ele sinalizava com a chance de fazerem parte de uma "família". E a "Família Manson" crescia muito naqueles dias.

Entretanto, a despeito da imagem que tentava passar, o amável Charlie não era um homem preocupado com a "Família", na verdade, ele não tinha nenhum escrúpulo em manipular e obrigar seus seguidores a fazer o que ele desejava. Um controlador nato, Charlie, ou melhor Charles Manson fazia o que bem entendia e impunha real poder sobre a vontade de todos à sua volta. Com um físico franzino e uma postura amigável, transbordando carisma, ele suscitava uma imagem de ternura; escrevia poesias com suas experiências de vida, tocava violão com suas composições, se colocava ao lado dos jovens contra figuras de autoridade que as afligiam (na maioria das vezes pais). Defendia ainda o uso de drogas, álcool e a prática de sexo livre que usava para atrair os jovens. Ele tinha uma conversa fácil e convincente que servia para ganhar a devoção da sua platéia. 

Com o tempo, aprendeu que a maneira mais eficiente de controlar sua "família" era fazendo com que eles acreditassem ser ele uma espécie de Guia Espiritual. Apesar de Charlie defender o "amor" e a "fraternidade" como metas para um mundo melhor, ele não tolerava qualquer questionamento das suas ordens. Seu tratamento era severo para com os que desafiavam a sua autoridade. As meninas que se juntavam ao grupo precisavam ceder aos seus avanços e ele as obrigava a fazer sexo com rapazes do grupo para assim manter o controle sobre eles. Também era ele quem controlava o acesso a drogas que eram distribuídas em rituais elaborados. Manson lentamente criava uma espécie de dependência extrema, na qual ele próprio era a figura central na vida dos seus jovens seguidores. A lavagem cerebral era tão profunda que o discernimento desaparecia por completo, tudo o que importava era promover a satisfação de Charlie. Se ele não estivesse feliz, eles não poderiam ficar felizes.

A Família Manson reunida
Adicionando componentes místicos - convenientemente extraídos de livros religiosos, Manson começou a galgar os passos que o transformariam em um auto-proclamado Messias. Os rapazes e moças viam nele um tipo de Profeta Hippie cujos ensinamentos seriam divulgados para o mundo na forma de música e poesia.  

É provável que a ingenuidade do período tenha ajudado muito a seduzir os jovens incautos, mas Manson era tudo menos inocente. Nascido em 12 de novembro de 1934, em uma região pobre dos arredores de Cincinatti (Estado de Ohio), Charles nunca teve uma vida fácil. Sua mãe, Kathleen Maddox, tinha quinze anos quando fugiu de casa, tentando escapar da vigilância constante de pais extremamente religiosos. Apenas um ano mais tarde, ela engravidou de uma relação com um amante ocasional. O menino recebeu o nome Charles Manson que pertencia a um outro sujeito com quem Kathleen estava saindo depois de engravidar. O relacionamento também não durou muito, e ela foi abandonada. Por conta própria e com um bebê para sustentar, ela passou a se prostituir.


Em 1940, Kathleen foi condenada após tentar roubar um posto de gasolina e Charlie, que acabara de completar seis anos foi enviado para viver com parentes até que ela saísse da prisão. Durante esse período o menino entrou em contato com pessoas religiosas que lhe ensinaram os princípios da crença que mais tarde lhe seriam muito úteis. Após a mãe deixar a cadeia, decidiram se mudar de cidade e não demorou até ela conhecer um novo companheiro. O homem, no entanto, não queria se tornar pai de um rapaz de doze anos, por isso, Kathlen decidiu abandonar o próprio filho. Ele foi deixado aos cuidados de um assistente social que após uma entrevista julgou o rapaz problemático e decidiu interná-lo em um hospício. Lá ele passava os seus dias, em suas proprias palavras "rezando e chorando". Alguns anos depois, Charlie conseguiu escapar da instituição e foi em busca da mãe que, ele esperava, o receberia de braços abertos. Katherine ao invés disso o devolveu ao hospício, deixando no filho nada além de um profundo sentimento de amargura e ódio.  

Charlie eventualmente conseguiu ser aceito em um albergue num regime especial de onde poderia trabalhar, desde que se apresentasse para dormir. Em sua nova casa ele era frequentemente surrado pelos guardas e pelos meninos mais velhos que roubavam o seu dinheiro. Há indícios de que ele tenha sido violentado pelos outros internos, o que fez com que aprendesse desde cedo que não poderia confiar em ninguém. Durante sua adolescência, Charlie foi transferido para outros quatro centros educacionais públicos, até completar 19 anos e ganhar liberdade condicional. Era o ano de 1954 e ele havia se tornado um rapaz muito articulado e atraente.

Ele conseguiu seu primeiro trabalho no hipódromo onde era ajudante de cocheira. Depois de numerosas experiências sexuais, muitas delas com homens, começou a se prostituir para ganhar dinheiro. Em certa ocasião comprou uma câmera e a usava para fotografar seus parceiros para depois chantageá-los. Charles chegou a casar, mas a situação econômica dele e seu controle extremo fez com que se separassem alguns meses mais tarde. Charles foi preso por roubar carros, indo parar na prisão mais uma vez. Libertado em 1958 voltou a vagar sem destino, prostituindo-se ou coagindo mulheres a lhe dar dinheiro. Nesse meio tempo ele foi preso várias vezes, entrando e saindo de centros correcionais. Em 1960 foi condenado por falsificar um cheque no valor de 37 dólares. Tinha 26 anos e já era um hóspede frequente do Departamento Correcional, no qual ingressava e saía.   

Durante sua estadia no Presídio de Terminal Islands, ele recebeu instrução, aprendendo a compor e tocar guitarra. Também teve acesso a livros que devorava diariamente. Os temas que mais lhe interessavam eram ciência, religiões, psicologia e folclore. Charles se gabava de ter aprendido noções sobre hipnotismo e maneiras de influenciar as pessoas. Também se tornou um frequentador assíduo do serviço religioso que era oferecido aos prisioneiros. Foi ajudante de missa e começou a decorar passagens inteiras da Bíblia que citava com grande devoção. Outros presos passaram a tê-lo como um bom companheiro, revelavam seus segredos e ele oferecia um "ombro amigo" sempre que eles precisavam, o que ajudou muito a conhecer a natureza humana.

Manson adquiria aos poucos os requisitos que o ajudariam a criar a imagem de uma pessoa agradável e simpática em quem todos confiavam. Quando terminou de cumprir sua pena de sete anos ele foi posto em liberdade. A essa altura ele já havia se convertido em um perfeito manipulador, alguém capaz de usar os outros em causa própria.

Quando Manson deixou a cadeia perguntaram a ele para onde iria e ele não teve dúvidas em responder: "Los Angeles. Vou conquistar aquela cidade!"   

(cont...) 

domingo, 19 de novembro de 2017

Dança com os Cadáveres - Costume no Madagascar pode causar o retorno da Peste



Dança com os Cadáveres.

Parece o nome de uma banda ou de uma brincadeira de Halloween, mas se alguém nessa festa típica do Madagascar convidar você para participar, talvez seja melhor arranjar uma desculpa qualquer ou entender bem do que se trata.

No Madagascar, essa ilha pitoresca na Costa Oriental da África, existe um festival religioso conhecido como "Famadihana". O nome pode ser traduzido como "revirar os ossos" e envolve abrir os mausoléus e tumbas, apanhar os ossos de entes queridos, amarrá-los montando uma estrutura corporal, vestir o cadáver resultante e honrá-lo com um tipo de Dança Ritual.

Por mais estranho que possa parecer, a tradição incomum não é antiga, mas um costume surgido há poucos anos e que tem causado desconforto e polêmica. Existem várias culturas mundo a fora que honram os cadáveres dessa maneira, mas na maioria dos casos, tratam-se de costumes tribais muito antigos, praticados na África, por tribos na India, Sudeste Asiático e Indonésia. Até então, tal coisa não existia em Madagascar.

Um dos princípios centrais dessa tradição é que o cadáver precisa ter a oportunidade de ser honrado pelos seus amigos e parentes em uma espécie de "bota fora" no qual os mortos são os convidados principais. Certos povos acreditam que o espírito não é capaz de entrar no outro mundo enquanto seus restos não tiverem se decomposto por inteiro. 


Em Madagascar, o costume parece ter surgido com o pedido incomum de uma pessoa desenganada, que implorou aos amigos e parentes que na iminência de sua morte, seu cadáver fosse recuperado e levado em uma festividade que aconteceria no ano seguinte. O pedido foi cumprido e aparentemente, a cada ano, mais e mais pessoas se unem ao festival, desenterrando seus mortos e levando a macabra celebração. O Famadihana está se tornando rapidamente um acontecimento no país.

Durante a véspera do Famadihana, não é estranho ver cemitérios sendo escavados e cadáveres sendo exumados. As pessoas envolvidas usam cordas tecidas com cabelos humano para juntar os restos mortais fazendo com que eles ganhem certa integridade. A seguir, os cadáveres são vestidos com trajes festivos coloridos e montados em estruturas para que pareçam estar de pé. Cadáveres reduzidos a pouco mais do que ossos podem ser colocados em caixões ou montados em cadeiras, concedendo à procissão um caráter ainda mais mórbido.

A comitiva então desce as ruas próximas dos cemitérios em completo silêncio. As pessoas vestem trajes bonitos e sóbrios e muitas carregam velas. Entretanto, ao se afastar dos portões e muros que marcam a morada dos mortos, bandas de música típica dão o tom da festa e as celebrações se iniciam com danças, risadas e muitos festejos. As músicas são marcadas por um ritmo típico do Madagascar e um dos costumes é fazer com que os Cadáveres participem ativamente de cada momento da festa, afinal eles são os "convidados de honra" e são tratados como tal.


A "Dança com Cadáveres", um dos momentos mais esperados do festejo ocorre quando um espaço é aberto e pessoas carregando os corpos evoluem ao som da música fazendo com que os restos pareçam estar dançando. Em alguns lugares, outros costumes macabros são observados, entre os quais o de "alimentar" os cadáveres com comida e bebida que é colocada na boca escancarada das caveiras. Em alguns lugares, mulheres são convidadas a beijar as caveiras e até simular situações de sexo com elas (!!!)

Quando começa a escurecer, é chegado o momento de terminar as celebrações. Os cadáveres são cuidadosamente desmontados das estruturas em que foram amarrados e levados silenciosamente de volta ao cemitério para serem enterrados. O féretro é realizado em total silêncio, com grupos de carpideiras simulando o pranto e lamentando-se. A ideia é que a simulação de que se trata de um enterro afasta os fantasmas que podem querer se vingar dos espíritos festeiros.

Por mais estranho e bizarro que pareça o costume da Famadihana continua sendo realizado nos últimos doze anos. Mas existe uma Grave Ameaça em sua realização.


Segundo alguns jornais de Madagascar e Organizações Internacionais de Saúde, tem havido um dramático aumento no que já vem sendo chamado de Epidemia de Praga (nesse caso, trata-se de Praga Pneumológica - uma severa infecção dos pulmões causada pela bactéria Yersinia pestis que alguns especialistas acreditam seja uma variação da Peste Bubônica). Há alguns anos uma epidemia dessa doença causou mais de 500 mortes em Madagascar e se tornou uma preocupação para váriso observadores de doenças. 

"Se uma pessoa morre em decorrência de Praga Pneumológica e é enterrada numa tumba que subsequentemente é aberta para a famadihana, existe uma boa chance da bactéria ainda estar ativa. Ela pode então ser transmitida e contaminar todos que se aproximarem ou manipularem o cadáver", explicou um membro da Organização Médicos sem Fronteiras.

O Ministro da Saúde de Madagascar Willy Randriamarotia disse que o país registrou mais de 1,100 casos da praga desde Agosto de 2017, resultando em pelo menos 124 óbitos. A doença até alguns anos atrás havia sido debelada e se encontrava sob controle. Em uma tentativa de combater a praga, a famadihana vem sendo proibida, mas isso não impede que ela aconteça de maneira clandestina em várias partes do país. Onde a polícia tentou conter os participantes houve inclusive violência e para evitar impopularidade, alguns prefeitos são coniventes com a realização da celebração.


Muitas pessoas que participam da Famadihana afirmam que essa é uma maneira legítima de honrar os seus entes queridos e lembrar deles como indivíduos importantes:

"Os mortos estão sempre ao nosso redor, eles não são meros objetos. Eles não devem ser esquecidos, precisam ser celebrados! Eu sempre irei participar da celebração e quando eu morrer, também espero que meus parentes façam isso por mim!" contou uma participante das celebrações esse ano.

Provando que teorias conspiratórias são um fenômeno mundial, Josephine Ralisiarisoa participante de ativa da festa, culpa o governo de Madagascar pela epidemia:

"O Governo é corrupto! Ele inventa coisas como essa epidemia de Peste. Não existe nenhuma peste! Eu participei de mais de quinze famadihana e estou em perfeita saúde. Eu nunca peguei a praga".

Seja como for, a discussão parece estar longe de uma solução. No ano que vem, Madagascar terá uma Eleição Presidencial e um dos assuntos que tem movimentado a corrida eleitoral no país é justamente a marginalização da Famadihana. Dos quatro pré-candidatos, dois são contrários a celebração, mas dois afirmaram categoricamente que são favoráveis a um estudo profundo que possa liberar o festival da Dança dos Cadáveres. De fato, ele parece estar cada vez mais popular, chegando a outras nações vizinhas que também estão imitando o perigoso costume.


Um dos grandes perigos é que a Praga Pneumológica é bastante propensa a sofrer mutação. No caso de uma epidemia em larga escala, a moléstia pode adquirir maior resistência e se disseminar ainda mais rapidamente, criando condições ideais para epidemias que varreriam cidades inteiras.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) tem cobrado do Governo de Madagascar medidas enérgicas para conter a Famadihana, tratando-a como um problema de saúde que vai além das fronteiras. Seria esse o início de uma nova e devastadora epidemia de Peste Bubônica? É preciso recordar que a ignorância e a superstição foram um dos catalizadores da Grande Peste que varreu a Europa no século XIII e decretou a morte de quase 60% da população urbana. 

A Famadihana é uma celebração que visa honrar os mortos e fazer com que eles sejam eternamente lembrados, a maior ironia, entretanto, é que as pessoas que dela participam podem muito bem ser aqueles cujos cadáveres serão carregados em breve. 

E o ciclo tende a se repetir..

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Monstros de Ferro - Os projetos de Super-Tanques da Grande Guerra


Em uma época em que a Guerra Total parecia não ter fim e o horror das trincheiras rasgava a Europa de um extremo ao outro, quanto mais potentes e maiores as armas, melhor.

A Grande Guerra (1914-1918) foi um conflito extremamente sangrento, apenas o primeiro de um século marcado por violência, brutalidade e destruição em nível industrial. Armas letais, máquinas bizarras e dispositivos até então impensáveis, jamais testados em campo de batalha, surgiam de ambos os lados e eram imediatamente colocados em uso na ânsia de provocar mais danos no lado inimigo.

Foi nessa época que um termo não oficial surgiu para descrever uma categoria que ia além dos veículos militares que haviam surgido poucos anos antes. Máquinas ferozes, verdadeiros monstros de ferro, com blindagem de aço e aspecto aterrorizante. Mas do que tanques de guerra pesados, esses eram Super-Tanques.

É curioso, mas praticamente todas as grandes potências europeias envolvidas no conflito realizaram testes para desenvolver Super-Tanques. A Alemanha, o Reino Unido, a França e a Rússia, chegaram a criar projetos em segredo para a construção dessas terríveis máquinas de destruição. Contudo, nenhum desses projetos chegou a ser utilizado ativamente antes do final da guerra, em parte pelo custo, mas principalmente pelas dificuldades técnicas na construção de tais armas. Ainda assim, parecia haver uma espécie de corrida armamentista para desenvolvimento dessas máquinas.


De fato, muitas nações consideravam que era questão de honra triunfar sobre seus oponentes no campo das inovações tecnológicas com novos implementos bélicos. A Guerra que começou com armas de fogo simples, cavalos e canhões havia progredido em uma velocidade incrível, permitindo o surgimento de metralhadoras, aviões, submarinos e tanques blindados. Os Comandantes esperavam ansiosos pela próxima criação que viria a reforçar seus exércitos, mudando o panorama da guerra.   

O Char 2C, idealizado pelo Exército francês talvez tenha sido o único Super-Tanque construído no período, mas haviam planos para muitos outros. Os franceses o incorporaram às Forças Armadas, contudo ele jamais foi testado em combate. Os Super-Tanques britânicos e russos, por sua vez, permanecem no reino da fantasia, em desenhos de seus idealizadores, jamais indo além da fase conceitual. Os alemães desenvolveram o conceito de Super-Tanques realmente monstruosos. Dentre todos, possivelmente foram eles que chegaram mais perto da criação de tanques de guerra que mereciam a alcunha de "Super-Tanques". O Alto Comando Alemão chegou a considerar que a grande virada no curso da guerra poderia ser alcançada com o uso dessas máquinas. Mas dada a falta de recursos nos dias finais da Grande Guerra, o custo se tornou alto demais. Sem os recursos necessários, os alemães jamais levaram adiante seus planos que pararam na fase de protótipos. 


O que mais impressiona a respeito dos Super-Tanques é a ambição de seus engenheiros e criadores.  No papel, eram armas imensas, capazes de causar destruição em larga escala e levar a ruína a cidades inteiras com seu alto poder de fogo e as barragens contínuas que despejariam sobre elas. Eles seriam resistentes a bombardeios, granadas e às armas mais potentes; virtualmente nada conseguiria romper sua blindagem reforçada por camadas de ferro. Eles se moveriam lentamente, mas seriam perfeitamente móveis, atrelados a trens e composições para que pudesse atingir os alvos desejados. 

Talvez uma das maiores bençãos para a humanidade tenha sido o fato desses monstros não terem sido construídos, mas suas marcas permanecem, como uma peça peculiar da história militar.

Vejamos alguns Super-Tanques:

1. K-Wagen, Alemanha



Os alemães são conhecidos pela sua capacidade técnica e pelas proezas de engenharia. Durante a Segunda Guerra, os blindados nazistas eram considerados tão superiores perante os tanques aliados que todo o programa americano e soviético foi refeito após a guerra para adotar os princípios alemães. Tanques como o Tiger II e o Leopard eram tão avançados que serviram de base para a criação de todos os tanques modernos.

O início da indústria militar de tanques na Alemanha, contudo, foi pouco impressionante. Apenas em 1917, no final da guerra, o Império alemão deu início a construção de Tanques de Guerra através do A7V, o primeiro veículo de combate blindado da história alemã. 

O A7V tinha muitos defeitos, entre os quais o motor de baixo rendimento. Contudo, seu potencial era evidente, como ficou claro logo no início de sua utilização em territórios irregulares cheios de trincheiras. O A7V conseguia percorrer o caminho da Terra de Ninguém, repleto de crateras e detritos. Era preciso um obstáculo realmente desafiador para segurar seu progresso, tanto que ele ganhou o apelido desagradável de "esmagador de ossos" pela sua capacidade de atropelar quem ficasse na frente. 

Os alemães não ficaram parados e continuaram a melhorar seu tanque esperando que ele pudesse mudar o curso da guerra. Muitos Generais achavam que a solução para terminar com o impasse nas trincheiras era produzir tanques que simplesmente avançariam pela terra de ninguém e sobre quem quer que ousasse se manter diante dele.

Por volta de meados de 1917, a K-Wagen, uma empresa que investia em motores de tratores recebeu o sinal verde para sua produção. O pioneiro da engenharia de tanques na Alemanha Joseph Vollmer, foi instruído a criar um tanque que deveria aprimorar ainda mais as características do A7V. Ele deveria ser capaz de irromper através de qualquer terreno, sob quaisquer situação. E nada poderia pará-lo!


Apenas um dos protótipos do K-Wagen foi concluído pouco antes do término da guerra. Entretanto, ele foi destruído após os acordos do Tratado de Versalhes, que proibia a Alemanha de produzir e possuir tanques em seu arsenal militar. Dizem que os britânicos tentaram alistar Vollmer no Corpo Real de Engenharia Militar, mas ele se negou a fazê-lo, sendo então preso. Vollmer temia que sua arma mais letal pudesse ser usada contra seu próprio povo em uma futura guerra. E ele tinha muitas razões para temer essa tecnologia nas mãos de qualquer inimigo em potencial.

O K-Wagen seria um verdadeiro monstro em seu tempo. Ele era armado com quatro canhões fixos de 77 mm, dois na dianteira e dois na parte traseira. Ao redor da torre de comando, ele possuía nada menos do que sete Metralhadoras Maxim rotativas, sendo que essas armas podiam ser movidas para atingir alvos em qualquer posição. Com poder de fogo pleno, as sete metralhadoras poderiam produzir uma barragem com mais de 10 mil disparos por minuto, o bastante para devastar uma posição inimiga. Os planos do K-Wagen supunham que ele transportasse uma tripulação de 27 homens, entre pilotos, artilheiros e municiadores. 

O Super-Tanque pesava incríveis 120 toneladas e tinha uma espécie de pá de trator na parte da frente que era usada para atropelar e destruir bunkers inimigos. Uma corda de aço podia ser presa em dois tanques simultâneamente e usada para destruir árvores, cortando-as ao meio, essa corda também podia ser empregada na destruição de prédios e edificações.

A despeito de seu armamento pesado e poder de destruição, a proteção do K-Wagen era "fina" com apenas 30 mm. Comparado com tanques da Segunda Guerra ele estava na categoria de blindagem média. É provável que os engenheiros pretendessem conceder ao Super-Tanque uma blindagem superior, mas a falta de recursos nos dias finais da Guerra os levaram a assumir um projeto mais realista. Em parte, a blindagem pouco eficaz foi um dos motivos para que o tanque jamais fosse uma prioridade para as Forças Armadas que consideravam o veículo pouco resistente.

2. Mendeleev Rybinsk Tank, Império da Rússia



O Mendeleev Rybinsk recebeu o nome de seu criador, Vasily Mendeleev, e pela cidade em que os primeiros desenhos do veículo foram apresentados para os oficiais do Exército Imperial Russo

Os russos tinham interesse em tanques de guerra, em parte por que as suas forças armadas eram consideradas incrivelmente atrasadas em questões de tecnologia e desenvolvimento bélico. Além disso, tinham um parque industrial consideravelmente menos desenvolvido que as demais potências e viam nos complexos militares uma forma de desenvolver mais tarde sua industria pesada. Seria uma maneira de modernizar o país e fazer com que ele entrasse, mesmo que atrasado na Revolução Industrial.

Os Tanques Russos, no entanto, eram bem pouco eficazes. A tecnologia de motores era rudimentar e seus veículos lentos e pesados não tinham muito uso nos campos de batalha cobertos de neve e gelo. Alguns dos tanques usados pelos russos, cedidos pelos britânicos, haviam sido um verdadeiro fiasco quando empregados no front e os próprios generais, arraigados a tradições de cavalaria, acreditavam que o Tanque jamais teria uso prático como apoio da infantaria. Preferiam recorrer aos destacamentos montados pela sua velocidade e agilidade.


Ainda assim, Mendeleev recebeu ordens para trabalhar na criação de um Super-Tanque que poderia ser utilizado com o objetivo de levar artilharia e disparar atrás das posições inimigas ou em cidades. O veículo idealizado por Mendeleev e que jamais avançou além de um conceito teria dois imensos canhões de 127 mm, instalados sobre um grande corpo semelhante a um vagão de trem pesando 173 toneladas. Ele seria operado por 13 homens e poderia disparar, em condições ideais até 2 vezes a cada cinco minutos, criando assim uma barragem contínua de fogo. O plano é que o Mendeleev Rybinsk pudesse ser posicionado até 8 quilômetros de um alvo e de lá disparasse continuamente até reduzi-lo a ruínas. Muito mais blindado que o Super-Tanque alemão, ele teria placas de aço reforçado com 70 mm de espessura. Ele contava ainda com um sistema revolucionário de suspensão à gás e um motor de alta performance que rodaria com combustível especial.

Um dispositivo único, inventado por Mendeleev permitiria que o Super-Tanque pudesse ser atrelado a trilhos ferroviários, funcionando como um tipo de Trem. O objetivo era aproveitar a grande malha ferroviária do país e assim garantir um deslocamento muito mais eficiente. O projeto recebeu pouco apoio e Mendeleev tentou construir o veículo por conta própria. A falta de interesse pelo governo evitou que ele pudesse dar vida ao projeto e fazendo isso, impediu que o mundo conhecesse seu monstro de ferro. Após a guerra, os soviéticos até chegaram a contemplar a possibilidade de recriar o Mendeleev e usá-lo para bombardear cidades ainda controladas pelos contra-revolucionários, mas o alto custo do projeto freou qualquer avanço nesse sentido.

3. O Elefante Voador, Grã-Bretanha



William Tritton, um especialista na construção de tratores e máquinas agrícolas, tornou-se o pioneiro britânico na criação de tanques e veículos blindados durante a guerra. Tritton foi chamado para consertar as falhas no Mark I, o primeiro tanque britânico a ver os campos de batalha lamacentos da França. O grande problema do Mark I era justamente o terreno irregular onde ele deveria operar.

Para lidar com os problemas impostos pelo terreno irregular, os veículos na concepção de Tritton deveriam ser leves e ágeis. Os tanques deveriam permitir uma progressão do veículo até o alvo pretendido. Esse então era fulminado com metralhadoras pesadas Vickers instaladas em bases rotativas. As plataformas móveis dos veículos de Tritton foram um enorme avanço e permitiam aos artilheiros desferir rajadas sobre a posição inimiga em diferentes ângulos. Infelizmente, esses tanques leves não forneciam muita defesa contra artilharia. Tanques leves conseguiam se deslocar com grande mobilidade, mas quando apanhados em fogo cruzado ficavam muito vulneráveis.

Quando vários tanques idealizados por Tritton, entre os quais o AFV se mostraram pouco efetivos no front, o Alto Comando quase terminou com a Divisão de Veículos Motorizados. A Grande Guerra era travada com armas e explosivos muito potentes e um veículo leve, embora conseguisse atingir seus alvos, raramente retornava inteiro das suas missões. A tripulação desses veículos era frequentemente eliminada pelo fogo inimigo. Os veículos se tornavam uma armadilha mortal já que a blindagem dos carros era ineficaz e não era nada fácil escapar de seu interior quando enfrentando fogo pesado.

Pensando em uma solução viável para a questão, Tritton partiu em uma busca por um tanque que pudesse combinar velocidade e blindagem. O projeto concebido em 1916 foi batizado Flying Elephant (Elefante Voador) e contemplava um veículo pesado de aproximadamente 100 toneladas com blindagem de chapas de aço de 3 polegadas na frente e 2 pelegadas nas laterais. Apesar de seu peso exagerado e blindagem pesada, o Elefante era rápido com um motor extremamente potente e esteiras que giravam com enorme velocidade.


O Super-Tanque contava com um canhão de 57 mm, mas algumas fontes afirmam que essa arma poderia ser trocada por um canhão mais eficiente de 75 mm. Nas laterais, o Super-Tanque possuía 2 metralhadoras giratórias Vickers de cada lado. Na parte posterior havia uma plataforma de artilharia giratória com quatro outras metralhadoras móveis que podiam disparar simultâneamente. O poder de fogo do Elefante Voador era considerável e podia acabar com qualquer resistência pulverizando-a em poucos minutos com uma barragem de disparos. Para torná-lo ainda mais letal, essa plataforma giratória elevada poderia receber dois lança-chamas que disparavam ao mesmo tempo a uma distância de até 15 metros. O objetivo era empregar esse lança-chamas para atingir posições subterrâneas e transformar túneis e passagens em um verdadeiro inferno. Tritton usava uma analogia interessante, afirmando que os soldados presos nas trincheiras teriam de fugir como ratos para não serem assados vivos. E que mesmo estes não iriam longe, pois seriam alvejados pelas potentes metralhadoras laterais.

O Elefante Voador além disso tinha outra característica aterrorizante, ele podia ser usado para derrubar instalações e bunkers. Para tanto, o canhão podia ser modificado para disparar um aríete com ponta de ferro para penetrar em paredes. Este aríete era conectado a correntes de ferro que seriam então puxadas até que a edificação cedesse.

No final de 1916, o Super-Tanque recebeu o aval para entrar na fase de protótipos, mas a Grande Guerra terminou antes. O conceito foi abandonado posteriormente quando as forças armadas consideraram que o custo do projeto seria exorbitante e que ele poderia ser detido por condições adversas de terreno. Por muitos anos, a Grã-Bretanha continuou produzindo tanques leves e velozes, até que estes se mostraram completamente ineficientes na Segunda Guerra Mundial. 

4. Char 2C, França



O único Super-Tanque operacional nessa lista foi o Char 2C.

Em dimensões físicas ele foi o maior tanque da história militar a entrar em serviço em tempos de guerra. Seu desenvolvimento se iniciou em 1916, pouco depois da introdução do Modelo Mark I pelos britânicos e os desenhos para a construção de outros veículos blindados no ano seguinte.

Os franceses tinham grande apresso pela ideia de tanques de guerra como uma forma de proteger seus soldados e atingir os inimigos, resguardando os atacantes atrás de uma proteção eficiente. Muitos engenheiros militares acreditavam que no futuro, guerras seriam travadas e vencidas por gigantes de aço que se deslocariam lentamente, deixando uma trilha de escombros após a sua passagem. Com um conceito que parecia ter saído das Novelas fictícias de Jules Verne, os Generais franceses estavam convencidos de que a Guerra seria vencida pela nação que conseguisse construir as armas mais potentes e mobilizá-las com maior velocidade.

Os franceses, aliados dos britânicos, receberam planos para a construção de seus próprios tanques de guerra com base no Mark I e se saíram muito bem. Contudo, eles contemplavam a construção de algo muito mais ambicioso. Um enorme esforço foi feito pelas Forças Armadas para reunir engenheiros e inventores com o propósito de construir um tanque que cumprisse as metas estabelecidas. O primeiro protótipo do Char 2C foi terminado em 1917, mas ele não ficou pronto à tempo de ser usado no conflito. Um modelo chegou a ser enviado para o fronte, mas problemas nas linhas férreas atrasaram que ele chegasse à tempo de ser utilizado. A Guerra terminou uma semana antes dele chegar ao seu destino para frustração dos generais que esperavam testar seu desempenho.

O Char 2C tinha notáveis 10,27 metros de comprimento e pesava pouco mais de 70 toneladas, consideravelmente menos do que os Super-Tanques das demais nações. Contudo, ele tinha uma vantagem sobre todos os outros: o projeto foi completado! 


Apelidado de "Encouraçado de Terra" (em analogia aos navios mais resistentes do período) ele possuía uma blindagem de aço reforçado com 60 mm de espessura na frente e 30 mm nas laterais, o bastante para suportar disparos diretos, granadas e até peças de artilharia. O Super-Tanque era lento e tinha um desempenho ruim no terreno coberto de sulcos e lama. As esteiras acabavam deslizando e era um verdadeiro desafio mantê-lo em movimento em linha reta sem que ele rateasse para fora do curso. Ainda assim, seu motor suportava bem o esforço.

As armas do Char 2C eram potentes: ele contava com um canhão de 75 mm, modelo Canon modèle 1897, a peça de artilharia mais usada pelo exército francês. Em adição a isso, possuía quatro metralhadoras de 8 mm Hotchkiss Mle 1914. Duas eram instaladas numa plataforma móvel no topo, permitindo disparos para frente e para trás, e uma em cada lateral. Em testes, o Super-Tanque teve um desempenho satisfatório, chegando a disparar todas as armas simultâneamente em uma demonstração de seu poder de destruição.

Um dos planos para uso do Char 2C era utilizá-lo no front do sul da França, para empurrar o exército alemão para o norte onde o maior contingente francês aguardava. Para isso, uma coluna de pelo menos 50 tanques deveria ser construída.

Quando a Grande Guerra terminou, os franceses continuaram trabalhando nele, produzindo 10 unidade até 1921. Os Char 2C, porém se tornaram obsoletos à medida que novas armas mais potentes e móveis foram sendo incorporadas a infantaria. Bazucas e lança granadas se mostravam perfeitamente capazes de romper a blindagem dos tanques. Em 1930, os Char 2C eram considerados alvos fáceis para bombardeiros táticos e divisões equipadas com armas anti-tanque.

No início da Segunda Guerra Mundial os poucos tanques Char 2C que ainda faziam parte das Forças Armadas foram mantidos na retaguarda, onde eram usados como peças de propaganda. O público via esses tanques como máquinas invencíveis que desempenhariam um papel central na iminente invasão nazista. Quando a França foi derrotada rapidamente em 1940, eles se tornaram um símbolo da tecnologia ultrapassada do Exército francês diante dos alemães.