
quarta-feira, 9 de julho de 2025
Cinema Tentacular: "Faça Ela Voltar" um filme angustiante sobre perda e tragédia

terça-feira, 1 de abril de 2025
Últimas notícias sobre a produção do filme vindouro baseado em Chamado de Cthulhu
Acompanhamos recentemente o anúncio oficial da produção do filme "O Chamado de Cthulhu" obra baseada no conto de mesmo nome escrita pelo pioneiro do Horror Cósmico H.P. Lovecraft.
As notícias até então davam conta de que James Wan, o criador da franquia Invocação do Mal e de produções de sucesso como Aquaman seria o diretor. Wan sempre se mostrou um entusiasta do gênero e em entrevistas recentes deixou claro ser também um fã ardoroso dos Mythos de Cthulhu.
Entretanto, como em Hollywood nada é certo, temos atualizações surpreendentes sobre a pré-produção e elementos que colocam a proverbial pulga atrás da orelha dos entusiastas do gênero. São notícias polêmicas que causaram um misto de apreensão e dúvida entre os fãs do cultuado autor, gerando debates acalorados sobre como o filme será tratado e em que bases a história será contada.
Um dos pontos mais preocupantes é justamente a saída de James Wan do projeto. Ele que seria o Produtor e Diretor da produção acabou se afastando alegando dificuldades irreconciliáveis com o roteiro e escolha de elenco ainda em fase de escolha. Wan era visto por alguns como uma boa opção para capitanear o projeto, mas outros o enxergavam com reservas, alegando que outros diretores como Guilhermo del Toro poderiam assumir a direção e tratar a obra com o respeito merecido.
A reportagem abaixo é da Revista Variety que estampou essa reportagem em sua edição deste mês:
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Adaptação de Filme de Horror ganha sinal verde
por Les Dan Hill
Nessa segunda -feira, Hollywood anunciou oficialmente a adaptação cinematográfica de O Chamado de Cthulhu. O projeto será desenvolvido pela Sony Pictures, conhecida por suas tentativas controversas de revitalizar franquias clássicas nos últimos anos. A produção está sendo descrita como "um filme de terror e aventura", com uma abordagem com mais ação que o aproxima de produções como "A Múmia".
O escolhido para dirigir o longa é Zack Snyder, nome conhecido na indústria do entretenimento com a adaptação competente de blockbusters como Madrugada dos Mortos, 300 e Watchmen. Snyder fez seu nome à frente das produções do Universo de Heróis da DC Comics pela Warner Bros. Um nome que divide opiniões, Snyder possui defensores fiéis que o veem como um visionário na mesma medida que outros o criticam por excessos cometidos em suas produções. Ele é conhecido por filmes como O Homem de Aço, Batman versus Superman e Liga da Justiça, que tiveram obviamente grande repercussão, mas que não lograram o êxito financeiro esperado.
Os filmes de Snyder possuem os requisitos necessários para criar um horror intimista e questionamentos morais sobre a história relatada. Isso e longas sequências em câmera lenta que tornaram sua marca registrada. Na reunião de anúncio da produção em Los Angeles, o diretor disse:
"Meu objetivo é trazer algo novo para Lovecraft, algo com terror e perguntas existenciais. É claro haverá espaço para os elementos essenciais típicos da obra, mas planejo aprofundar as discussões existencialistas que estão entranhadas nas palavras de Lovecraft. Por isso o filme deve ter algo em torno de 3 horas e meia de duração", declarou Snyder.
No elenco, as escolhas foram bastante surpreendentes senão inesperadas.
A estrela Jason Strathan interpretará o protagonista, um detetive cético que investiga uma série de assassinatos em Nova Orleans. Kevin Hart foi escalado como seu parceiro, vivendo um personagem que não está na trama original. No papel de vilão, a produção optou por Jared Leto, que já sinaliza com uma atuação "imersiva e perturbadora nos moldes de seu Coringa". Ele fará o papel de um cultista excêntrico com uma pesada maquiagem facial.
Completam o elenco Ezra Miller e Ray Fisher que trabalharam com Snyder em Liga da Justiça nos papéis de Barry Allen (Flash) e Vic Stone (Cyborg). Fecham o grupo principal Amber Heard (Aquaman) e Amandla Stemberg (Star Wars: O Acólito) cujos papéis ainda não foram definidos na trama, mas que provavelmente serão escrito especialmente para ela a fim de corrigir a ausência de protagonistas femininas fortes na obra escrita em 1928.
Também foram feitos anúncios quanto a equipe responsável pela parte técnica da produção.
Em vez de efeitos práticos e CGI sutil, a produção deve optar por um Cthulhu completamente digital. Algumas artes conceituais vazadas mostram a criatura com traços mais estilizados e olhos expressivos, o que gerou certo burburinho nas redes sociais. Um dos elementos narrativos mais importantes para o personagem é Morgan Freeman escalado para ser a voz da entidade.
As locações para as filmagens também foram divulgadas, além de cenas gravadas na Islândia, Azerbaijão e Kiribati, a Sony escolheu sets digitais e gravações as erem realizadas em Los Angeles.
Uma das principais mudanças é a modernização da trama que será adaptada para os dias atuais, se passando quase inteiramente em Nova Orleans, mas com parte da ação transferida do Pacífico Sul para a região do Havaí que deve ser o novo lar da cidade submersa de R'Lyeh.
Um dos objetivos da trama envolve repaginar a história e dar uma imagem mais contemporânea a ela, focando também em questões ecológicas que são uma tendência atual. Assim a história passará a transcorrer em 2025, seguindo a descoberta de uma grande conspiração envolvendo cultos ao redor do mundo que planejam trazer de volta uma entidade ancestral adormecida.
Entre as principais preocupações do roteiro, escrito por S.J Clarkson (de Madame Teia), está suavizar as polêmicas à cerca da relação de H.P. Lovecraft com minorias e estrangeiros que são motivo de grande controvérsia. O filme irá se concentrar em fazer uma reparação histórica mais do que necessária nesse sentido.
A estreia do filme está prevista para junho de 2027, com um lançamento no verão americano, acompanhado por uma linha de brinquedos colecionáveis, incluindo um "Mini Cthulhu Falante", que dirá frases icônicas como "Ia Ia, parceiro!".
Será que a produção será um sucesso?
A Sony acredita que sim!
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As reações dos fãs foram majoritariamente negativas, com muitas reclamações sobre a direção do filme. "Isso não tem nada a ver com Lovecraft!", comentou um usuário indignado. No entanto, os produtores garantem que o filme agradará ao grande público. "Queremos que O Chamado de Cthulhu seja para os filmes de horror aquilo que Velozes e Furiosos foi para os filmes de corrida", declarou um executivo da Sony.
O tempo dirá se essa abordagem ousada será um sucesso ou um desastre cósmico.
quinta-feira, 23 de janeiro de 2025
Nosferatu - Resenha do grande filme de terror do ano
Vou começar essa resenha com uma constatação. Quando se trata de filmes de terror, eu não me assusto facilmente. Não estou me gabando sobre minha suposta bravura; mas é fato que ao longo dos anos e de inúmeros filmes assistidos, sinto que ganhei certo grau de resistência. Eu cresci cercado por filmes de terror, e sou tão devoto ao gênero que me sinto imune ao seu poder bruto. Eu amo terror — é um dos meus gêneros favoritos — mas raramente fico assustado quando assisto a um filme de terror. Então, quando um filme realmente me causa arrepios, eu considero isso algo digno de nota.
Entra em cena "Nosferatu" do diretor Robert Eggers, um filme que me arrepiou e fez meu coração bater mais rápido. Eu senti que isso poderia acontecer e tomei a decisão acertada de assistir esse filme no cinema: no escuro, com som potente e mergulhando na trama, absorvendo cada detalhe. Esse não é um simples filme de terror, é um acontecimento.
O diretor fez algo especial aqui: produziu um filme fantasmagórico, gótico e macabro como há muito não era realizado. A obra é ainda mais impressionante devido ao fato de que Eggers não está exatamente pisando em terreno novo aqui — ele está refazendo o clássico filme mudo de F. W. Murnau, que foi, é claro, fortemente (e ilegalmente) influenciado pelo maior clássico de vampiros de todos os tempos, "Drácula". A abordagem de Eggers se mantém bastante próxima aos eventos do filme de Murnau e do romance de Bram Stoker, e ainda assim, o cineasta cria algo que nunca parece uma repetição ou uma regurgitação dos elementos. O resultado é impressionante, com cenas belíssimas e doentias, imagens perturbadoras e uma aura sufocante de medo.
Eggers, que dirigiu "A Bruxa", "O Farol" e "O Homem do Norte", é um cineasta aparentemente obcecado pelo passado. Todos seus filmes, incluindo "Nosferatu", estão firmemente enraizados em eras passadas, em uma busca pela visão de uma determinada época da forma mais fiel possível. Soma-se a isso um talento especial para criar uma sensação de autenticidade. Não sou historiador, então não posso comentar sobre o quão "precisos" os filmes de Eggers são, mas tudo ali parece incrivelmente correto, pesquisado, transbordando autenticidade.
O diretor é habilidoso em contar histórias que têm um senso tangível de realidade. "Nosferatu", como todos os filmes anteriores de Eggers, não parece uma recriação — realmente parece que estamos de alguma forma observando o passado. É o equivalente a abrir uma janela para outra época. A trama se passa em 1838, com figurinos, cenários e ambiente nada menos do que deslumbrantes gerando um mundo frio e estéril. Aliás, o filme é impecável em cada quesito técnico.
Mas e quanto à história?
Bem, se você viu o "Nosferatu" original, ou o remake de Werner Herzog de 1979, ou ainda, qualquer adaptação de "Drácula", estará familiarizado com a trama: um vampiro antigo e estrangeiro tem como alvo um grupo de personagens jovens, trazendo morte e destruição para todos que cruzam seu caminho. Mas Eggers encontra maneiras eficientes de contar essa história e usar a familiaridade como arma; esperamos que a história se desenrole de uma certa maneira, e ficamos surpresos quando as coisas seguem um caminho um tanto diferente. São pequenas mudanças, mas todas elas muito bem executadas. A trama segue sob uma atmosfera genuinamente sombria, com inúmeras cenas que se desenrolam sob a lógica de um sonho febril ou de um pesadelo surreal.
Quando "Nosferatu" começa, o ambicioso advogado Thomas Hutter (Nicholas Hoult) recebe a proposta de seu chefe, o obscuro Sr. Knock para viajar a trabalho e receber uma promoção. Ele deixa sua casa em Wiesburg na Alemanha com o objetivo de chegar até uma terra remota nos recessos da Transilvânia. Lá deverá fechar um acordo imobiliário com o misterioso Conde Orlok (Bill Skarsgård). A viagem é uma jornada através de um Leste Europeu imerso em superstição, costumes bizarros e folclore estranho. Quanto mais se afasta da familiaridade de sua casa idílica, mais Hutter sente estar avançando num ambiente perigoso e nefasto. A cena em que ele encontra um grupo de ciganos é carregada de estranheza e desconfiança esmagadoras.
Mas o pior ainda está por vir! Ao chegar ao Castelo decrépito do Conde, nas Montanhas dos Cárpatos, o advogado se vê diante de um pavor indescritível. Orlok não é um mero homem — ele é um vampiro antigo com sede de sangue... e mais. Seus planos são aterrorizantes e envolvem não apenas a perdição de Hutter, mas de tudo que ele ama e preza. Não é apenas sua vida que está em perigo, mas tudo que está ao seu redor.
Skarsgård tinha um desafio e tanto quando aceitou esse papel. Orlok é um dos monstros mais icônicos do cinema, interpretado de forma memorável por Max Schreck, Klaus Kinski e outros ao longo dos anos. É o tipo do papel que consagra ou desgraça uma carreira. Em vez de recriar o personagem seguindo a fórmula de seus antecessores, o filme ousou reinventar o protagonista.
A clássica aparência do monstro, com feições de roedor, que Schreck e Murnau empregaram tão efetivamente foi profundamente alterada para esse filme. Não vou estragar a surpresa, já que o marketing fez de tudo para mantê-lo em segredo, mas efetivamente a maquiagem transforma Skarsgård em algo sobrenatural e apropriadamente desumano. Empregando um sotaque profundo, imponente e gutural, Skarsgård desaparece completamente no papel e se transforma no personagem. Seu Orlok parece antigo; podemos praticamente sentir o cheiro dos séculos de podridão, mofo e corrupção sepulcral cobrindo sua carne macilenta.
Mais do que alterar a imagem icônica, o roteiro vai mais além ao estabelecer indícios de que o Conde sempre foi algo perverso, mesmo quando estava vivo. Praticante de artes negras e ciências proibidas, o personagem é o próprio mal encarnado, uma entidade que invoca uma aura de inenarrável força sobrenatural. Essa noção de tornar Orlock um ocultista calejado é um aceno às origens traçadas por Albin Grau que na obra original despejou sob o Conde uma série de elementos arcanos. Diferente do Drácula de Bran Stoker, o vampiro de Nosferatu é um feiticeiro de maldade irrefreável. Não há nada nobre nele. Nada de romântico. Ele não deseja a redenção, pois mesmo que ela estivesse ao seu alcance, não é esse seu objetivo. Orlock existe apenas para espalhar a morte, a doença e a destruição.
A câmera e a fotografia mantêm Orlok imerso nas sombras — nunca temos uma visão clara dele, o que torna o personagem ainda mais misterioso. Ele é como um vulto que surge no canto dos olhos, uma sombra que desliza e que se mescla com a escuridão premente.
Orlok tem mais em mente do que simplesmente adquirir uma nova propriedade. Ele é atraído pela noiva de Hutter, a problemática e melancólica Ellen, interpretada de forma hipnotizante por Lily-Rose Depp. A protagonista feminina desempenha um papel muito mais importante nessa trama do que nas versões anteriores. Ela não é uma mocinha desamparada que aguarda ser salva pelos demais personagens, ao invés disso, ela tem maior compreensão do que está acontecendo a sua volta. Ela também tem um vislumbre do que precisa ser feito para derrotar a criatura monstruosa e qual o preço que deverá ser pago.
A atuação de Depp é notável alternando fragilidade e força arrebatadora. Nas cenas em que o Vampiro tenta possuir seu corpo (e alma) ela se entrega a uma interpretação visceral que traduz o tormento pelo qual está passando, lutando não só contra Orlok, mas com seus próprios demônios internos. Depp se joga no papel literalmente, abraçando um componente físico perturbador. Quando ela é arrebatada pelo Conde, seu corpo reage violentamente, tentando expulsá-lo em espasmos frenéticos. A cena resultante é nada menos do que apavorante.
Ellen e Orlok têm um tipo de vínculo que influencia todos os aspectos do filme. Um prólogo de abertura (novamente tétrico) mostra que Ellen aparentemente convocou essa criatura da noite por meio de suas próprias paixões inflamadas; um misto de luxúria e depressão simplesmente irresistível para o monstro. Ele literalmente a alcança através dos golfos do tempo e espaço para cumprir uma espécie de contrato firmado nos sonhos febris da jovem.
A jornada do navio que carrega o Conde e seu caixão através de mares escuros é memorável. As cenas de horror dos tripulantes expostos a um monstro morto-vivo que os caça são medonhas. Quando Orlok finalmente chega à Alemanha, traz consigo hordas de ratos e a peste. Ele é a morte personificada; um cadáver ambulante que se alimenta dos vivos. Aliás, Eggers faz o vampiro se alimentar de uma maneira diferente da tradicional mordida na jugular.
Logo, todos ao redor de Ellen são colhidos no tormento e no horror, incluindo sua querida amiga Anna (Emma Corrin) e seu confuso marido, Friedrich (Aaron Taylor-Johnson) os dois ótimos. Todo filme de vampiro que se preze precisa de caçadores, o que traz o Dr. Sievers (Ralph Innerson, com seu vozeirão) à trama. Percebendo que o problema está muito além de seus talentos médicos, ele procura seu antigo professor, o alquimista Albin Eberhart Von Franz, interpretado com a pitada certa de insanidade pelo grande Willem Dafoe. Ele tem as melhores falas do filme, incluindo um trecho em que proclama: "Eu vi coisas que fariam Isaac Newton rastejar de volta para o ventre de sua mãe!"
Assim como o Conde, inclinado para o estudo do oculto, Von Franz, o equivalente a Van Helsing, é um estudioso das artes místicas, detentor de um conhecimento que quase destruiu sua carreira e o condenou a loucura e esquecimento. É ele quem irá buscar uma solução para a situação dramática dos protagonistas e também da cidade, arremessada para um caos de morte e doença desde a chegada do monstro.
O roteiro trabalha muito bem a função de cada um desses personagens, simples mortais, que se chocam com o mal indizível representado pelo Nosferatu. Ninguém sairá desse confronto intocado e cada um deles sofrerá com o embate até o confronto final.
Auxiliado por uma fotografia deslumbrante à luz de velas e por uma trilha sonora arrebatadora e trágica, Nosferatu causa uma espécie de overdose sensorial. O som é incrível tornando quase uma necessidade assistir em uma sala com som de alta qualidade - para ter a sensação de ouvir a voz do Conde como se ele estivesse sussurrando em seu ouvido. A trama oferece alguns sustos concebidos com a eficiência de efeitos práticos - pouco ou nada, foi criado digitalmente. O verdadeiro pavor, entretanto surge em meio ao caos em que tudo está imerso. Como a própria morte, Orlok parece inevitável e quando ele está na tela sua presença se mostra implacável.
Eu já vi muitas adaptações de "Drácula", filmes e livros, conheço a história de cabo a rabo, mas "Nosferatu" conseguiu me pegar de surpresa e me desarmou totalmente. Ele é tão marcante que mesmo quando o filme acaba, mesmo quando acendem as luzes, as imagens ficam gravadas na sua mente. Não é exagero nenhum considerar "Nosferatu" não apenas um ótimo filme de terror, talvez o melhor da década, mas também, desde já, um dos melhores filmes do ano.
Trailer:
Poster:
sexta-feira, 10 de janeiro de 2025
Perseguindo Sombras - Os 100 anos e o legado imortal de Nosferatu

Sem dúvida, há muito em jogo e esse é um legado difícil de seguir dada a importância das obras que o antecederam, mas se o burburinho pré-lançamento servir como indicativo, o filme deve exceder as expectativas monumentais ao seu redor.
A história de Nosferatu remonta a mais de cem anos e é um dos maiores e mais consistentes legados de terror no cinema. Ostensivamente ele reconta a trama clássica de Drácula, mas com fundamentos muito mais sinistros do que a maioria das histórias "oficiais" do vampiro mais famoso de todos os tempos. Nosferatu em todas as suas formas se inclina para as ideias de peste, desespero e ocultismo com imagens que estão entre as mais perturbadoras de todo gênero Terror.
Vamos falar um pouco de cada uma dessas encarnações do terrível Conde Orlock nas telas:
Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror (1922)

Embora o filme original tenha sido atribuído ao brilhante diretor alemão F.W. Murnau, a verdadeira força motriz por trás de Nosferatu: Eine Symphonie des Gauens foi seu produtor/diretor de arte Albin Grau. A grande historiadora do cinema expressionista alemão Lotte H. Eisner descreveu Grau como um "espiritualista ardente", mas hoje podemos muito bem chamá-lo de ocultista devoto. Ele viu imediatamente o potencial cinematográfico de Drácula de Bram Stoker, mas não tinha, nem ele e nem sua pequena produtora, a Prana-Film recursos suficientes para adquirir os direitos sobre o romance. Sendo assim, ele, junto com o roteirista Henrik Galeen, elaborou um roteiro que eles acreditaram poderia escapar despercebido do olhar atento da viúva de Stoker, Florance.
O roteiro alterou os nomes e os locais do romance, mantendo sua estrutura básica. Jonathan Harker se tornou Hutter, Mina se tornou Ellen, Van Helsing se tornou Professor Bulwer, Renfield se tornou Knock e Drácula se tornou Conde Orlok. A ação principal foi traduzida da Inglaterra para a cidade de Wisborg, Alemanha. Na verdade, todo o romance complicado é simplificado para três cenários principais: o Castelo na Transilvânia onde Orlok vivia, o navio que o leva até Wisborg e a pequena cidade alemã em si. São três ambientes distintos que reúnem o início, meio e fim da trama.
O que dá a Nosferatu seu caráter singular são os muitos desvios do material de origem. Embora as raízes da história original ainda sejam identificáveis, ela ganha um caráter diverso pelas referências visuais únicas. Isso é percebido mais claramente no visual macabro do Conde Orlok, uma aparência única e diferente do idealizado por Bran Stoker em seu romance. É bem provável que a forma tétrica do conde tenha sido projetada por Grau, como implícito em seus desenhos de pré-produção. Seu vampiro não tem nada de charmoso, belo ou atraente - pelo cntrário, ele é monstruoso até a última fibra de seu ser. Grau muito acertadamente escolheu destacar as características físicas do ator Max Schreck usando maquiagem e próteses, dando destaque a sua cabeça calva e concedendo a ele dentes afiados localizados centralmente em sua boca. O resultado final é assustador, o vampiro ganhou uma aparência única de morcego ou rato que ressaltou os temas de peste do filme.
Assim como no remake de Egger, o Nosferatu de Murnau estava a apenas quatro anos do auge de uma pandemia global que ceifou milhões em todo o mundo. As pessoas ainda se recuperavam de suas perdas e filme ganhava dimensão ao acessar esse drama recente. Justa ou injustamente, o rato serviu como símbolo da peste por séculos, graças ao seu papel na disseminação da peste bubônica por toda a Europa medieval. Em retrospectiva, a praga de ratos também pode ser interpretada como uma indicação do clima político e social da Alemanha sob a República de Weimar, que governou a nação do fim da Primeira Guerra Mundial até 1933, como sendo solo fértil para ideias pestilentas se consolidarem. Isso, é claro, se concretizou na ascensão de Hitler e do partido nazista, apenas onze anos após o lançamento de Nosferatu.
Nosferatu: O Vampiro da Noite (1979)

No final dos anos 1970, o diretor Werner Herzog produziu e dirigiu dois filmes consecutivos que eram tentativas de se conectar com o melhor da herança cinematográfica alemã. O primeiro deles foi Nosferatu, o segundo, Woyzeck que começaria a ser filmado apenas cinco dias após Nosferatu ser concluído. Herzog descreveu a experiência como uma forma de se conectar com seus avôs cinematográficos. Ele frequentemente descreveu sua geração de cineastas alemães, que inclui principalmente Rainer Werner Fassbinder, Wim Wenders e ele mesmo, como uma geração sem pais porque eles tinham comprado a cultura nazista ou fugido do país por causa dela. "Como a primeira geração real do pós-guerra, éramos órfãos sem pais com quem aprender"; Herzog contou aos seus biógrafos: "Não tínhamos professores ou mentores ativos, pessoas cujos passos seguir. Isso significava que eram os avôs — Lang, Murnau, Pabst e outros — que se tornaram nossos pontos de referência."
Herzog foi atraído por Nosferatu por várias razões, não menos importante entre elas, seu sentimento de que o filme de Murnau era "o melhor filme alemão de todos os tempos". Ele buscou conexão com seus antepassados criando sua própria versão dele, que ele nunca pensou como um remake. "Ele segue seu próprio caminho com seu próprio espírito e se mantém em seus próprios pés como uma nova versão", disse mais tarde à respeito do filme.
E, de fato, o filme é genuinamente único em comparação ao seu antecessor. Embora ainda incorpore alguns de seus aspectos marcantes, ele consegue certo grau de independência. Quando Herzog decidiu fazer sua versão de Nosferatu, Drácula já havia caído em domínio público há muito tempo. Ele dispensou as armadilhas do filme original que tinha a intenção de velar, ainda que superficialmente, as origens de Nosferatu no romance de Bram Stoker e escolheu chamá-lo de Conde Drácula em vez de Orlok, Hutter mais uma vez se tornou Jonathan Harker (Bruno Ganz), agora casado com Lucy (Isabella Adjani), e Roland Topor interpretou Renfield (e um dos Renfields mais bizarros e hilários da história) em vez de Knock. Os locais, no entanto, mantiveram a semelhança com o filme de Murnau, assim como o visual do vampiro, a ênfase na praga simbolizada por hordas de ratos e a centralidade de Lucy como aquela que detém o poder de destruir o mal que invadiu sua cidade natal.
Os elementos singulares que tornam esse filme algo mais do que mera repetição do original são muitos, mas os mais notáveis têm a ver com o vampiro, a protagonista e a maneira como os locais são capturados no filme. O filme marcou a segunda de cinco colaborações de Herzog com o lendariamente volátil e imprevisível protagonista Klaus Kinski. Herzog o descreveu essa como a sua experiência de trabalho mais agradável. "Durante quase toda a filmagem, Klaus estava feliz e à vontade consigo mesmo e com o mundo, embora ele fizesse birra talvez a cada dois dias."
Esta foi uma melhoria marcante em relação ao relacionamento deles em Aguirre: a Cólera de Deus (1972), que acabou sendo um mero prenúncio do furacão que estava reservado para eles em Fitzcarraldo (1982). Em Nosferatu, Herzog e Kinski buscaram "humanizar" o vampiro, dando a ele "uma angústia existencial real" que o sugador de sangue sem alma de Schreck não tinha. “Eu queria dotá-lo de sofrimento humano, com um verdadeiro anseio por amor e, mais importante, a única capacidade essencial dos seres humanos: a mortalidade”, disse Herzog, “Ele estava profundamente amargurado com a solidão e incapacidade de se juntar ao resto da humanidade.”
De muitas maneiras, o Nosferatu de Herzog deu origem aos vampiros com crises existenciais e questionamentos sobre o que eles haviam se tornado e como enxergavam um mundo que não era mais o deles. Essa linha dramática foi posteriormente explorada por inúmeros autores e diretores e serviu para oxigenar o mito dos vampiros concedendo a eles nuances que iam muito além do monstro morto-vivo.
A Lucy, de Adjani, também tem mais o que fazer do que a Ellen, de Schröder, e tem muita diligência no filme. Numa das cenas mais marcantes ela se encontra no meio da praça da cidade enquanto dezenas de caixões passam por ela nos ombros de homens que os carregam para fora da cidade. Perto dali, homens e mulheres atordoados dançam ao redor de fogueiras alimentadas pelos móveis de casas que ardem. As pessoas não precisam mais de nenhuma dessas meras posses, pois os ocupantes estão todos mortos e os ratos invadem as ruas. É uma imagem surpreendente que evoca o tema da peste, a praga disseminada e a mortalidade humana.
Outra sequência marcante acontece no início do filme, quando Harker viaja para o Castelo Drácula a pé por paisagens impressionantes e por lugares ermos que ninguém parece ter visto em muito tempo. A sensação de isolamento é sufocante. Este é um dos maiores dons de Herzog como cineasta — ir a lugares que ninguém mais iria para nos mostrar paisagens que nunca foram vistas e posicionar sua câmera de modo que essas paisagens pareçam sobrenaturais. O filme é uma obra de beleza poética infundida com uma sensação constante e implacável de pavor.
A Sombra do Vampiro (2001)

Por mais que eu ame as versões "oficiais" de Nosferatu, e embora esta esteja fora desse reino, Sombra do Vampiro é um dos meus filmes prediletos de vampiros. A premissa do filme é bastante simples: E se o misterioso ator Max Schreck fosse realmente um vampiro?
A trama oferece uma visão do processo da produção cinematográfica, do método usado para a produção e da natureza da própria arte em si, tudo reunido em rápidos noventa e cinco minutos. É tudo muito "rápido" e "direto ao ponto", mas não soa corrido ou apressado de forma nenhuma. Na verdade, o filme captura muito da estranheza do filme de Murnau, ao mesmo tempo em que é um drama envolvente e um filme muito, muito divertido.
Produzido pelo astro Nicolas Cage, um entusiasta e fã assumido de vampiros, e dirigido por E. Elias Merhige, que chamou a atenção do produtor com seu filme sombrio e surreal Begotten (1989), Sombra é um casamento perfeito de cineastas e uma obra específica. Assim como Albin Grau, Merhige é fascinado pelo ocultismo e tinha um relacionamento próximo com Werner Herzog na época em que ele fez o filme. Diz a lenda que ele teria oferecido a Herzog o papel de Murnau, mas que este não aceitou apesar da insistência. Dá para imaginar como ele teria atuado, literalmente calçando os sapatos de seu ídolo, mas por outro lado não teríamos uma das grandes atuações de John Malkovich que assumiu o personagem.
Sombra do Vampiro apresenta um dos elencos mais brilhantes já reunidos para um filme desse tipo, incluindo John Malkovich como Murnau, Udo Kier como Grau, Cary Elwes como Wagner, Catherine McCormack como Greta Schröder e Eddie Izzard como Gustav von Wangenhein, que interpretou Hutter em Nosferatu. Todos têm atuações excelentes, mas Willem Dafoe como Max Schreck é nada menos que sensacional. Ele recebeu uma merecida indicação ao Oscar pela sua construção do Conde.
O cerne do filme se concentra nos esforços que um artista (no caso o diretor) está disposto a fazer para ter sua visão concretizada, não importando os custos para si ou para qualquer outra pessoa. Os cineastas são retratados como cientistas loucos vestindo jalecos e óculos de proteção, uma necessidade na época devido aos resíduos criados pela iluminação. Murnau é regularmente chamado de "Herr Doktor" e esse tipo de Dr. Frankenstein declara repetidamente que fazer filmes é um ato de guerra. "Nossa batalha, nossa luta é criar arte. Nossa arma é o filme", ele diz enquanto a equipe embarca em um trem para seu primeiro local de filmagem. Ao longo do filme a câmera é comparada a uma metralhadora.
No final, essa versão fictícia da produção de Murnau se torna tão avassaladora que o mundo se torna o artifício e o que é filmado, a única coisa real. Sombra do Vampiro é um filme genial sobre loucura e criatividade.
É também o mais difícil de todos esses filmes de se encontrar. Apesar do elenco de estrelas, d eter sido produzido por um ícone de Hollywood e ser propriedade da Lionsgate e Universal, o filme não está disponível para streaming e permanece preso em um DVD fora de catálogo. Agora, com todo burburinho em torno de Nosferatu, nenhum filme é mais merecedor de um streaming de alta definição e lançamento físico do que esse. Para quem não assistiu, fica a dica, se conseguir colocar as mãos nele, assista.
Sombras e Influência

Vários outros filmes se apropriaram do nome de Nosferatu e o usaram para vários propósitos.
Klaus Kinski assumiu a responsabilidade de retornar ao seu personagem vampírico, com resultados muito diferentes do filme de Herzog, em "Nosferatu em Veneza", de 1988, dirigido por Augusto Caminito e sobre o qual, quanto menos se falar, melhor.
Mimesis: Nosferatu (2018) vê um professor do ensino médio, Professor Kinski (Joseph Scott Anthony), montando uma produção teatral de Drácula fortemente influenciada pelo filme de Murnau e estrelando um aluno obcecado por vampiros chamado Michael Morbius (Connor Alexander) no papel principal. O filme contém uma série de easter eggs relacionados a vampiros, incluindo vários nomes inspirados em Fright Night, Salem’s Lot e até mesmo Twilight. Ele também apresenta várias aparições breves de Lance Henriksen como um mentor enigmático criando um culto de vampiros no molde do Conde Orlok de Max Shreck.
Também lançado nesse mesmo ano, após um longo período de gestação, temos "Nosferatu: Uma Sinfonia de Horror" estrelando Doug Jones no papel do vampiro. O filme, financiado por uma campanha do Kickstarter, é mais ou menos um remake cena por cena do filme de Murnau com atores modernos inseridos em recriações geradas por computador dos locais e cenários usados no original. Curioso sem dúvida, embora talvez desnecessário.
Talvez ainda mais prevalentes tenham sido os muitos filmes que prestam homenagem ou refletem a influência de Nosferatu para criar vários efeitos — do assustador ao cômico. Em 1979, o mesmo ano do filme de Herzog, a produção televisiva de Tobe Hooper, "Salem's Lot" baseado na obra de Stephen King apresentou Kurt Barlow, uma criatura claramente modelada a partir do Orlok de Max Schreck. Curiosamente o personagem tem muito pouca semelhança com o personagem descrito no livro de King.
Outras homenagens incluem Ben Fransham como Petyr no filme de mesmo nome lançado em 2014 e uma vez mais Doug Jones como o Barão Afanas na versão televisiva de "O Que Fazemos nas Sombras" (2019). No ano passado, Javier Botet interpretou o vampiro cinza, careca e com orelhas de morcego com grande efeito em "A Última Viagem do Deméter", pelo qual o personagem é creditado como Drácula/Nosferatu.
O alcance de Nosferatu pode ser encontrado ao longo da história do cinema em personagens tão diversos quanto as formas animalescas dos vampiros em A Hora do Espanto (1985) e The Lost Boys (1987) a várias encarnações do Conde de Gary Oldman em Drácula de Bram Stoker (1992) a Marlow de Danny Huston em 30 Dias de Noite.
Parece provável que a nova versão do filme de Eggers fique ombro a ombro com o longo e imponente legado de Nosferatu. Parece que os fãs de terror estão famintos por uma releitura da versão clássica do mito do vampiro que seja genuinamente perturbadora, até mesmo, ouso dizer, assustadora. Provavelmente, e digo por mim mesmo, talvez seja o momento do vampiro clássico reclamar o status de MONSTRO uma vez mais, e se libertar da figura de criatura amargurada que o acompanha nas últimas décadas. O vampiro surgiu como um horror incompreensível, uma força nefasta de morte e esquecimento, que existe (não vive) para tornara vida dos mortais um tormento. É para isso que ele foi criado, é para isso que precisa voltar.
Com as inúmeras variações do personagem ao longo dos anos, é revigorante retornar ao básico do porquê essas criaturas invadem nossos sonhos e nossos medos em primeiro lugar. De porque são tão fascinantes e por que o asco que deviam causar se converte em fascínio?
Há uma qualidade primitiva em Nosferatu que é encontrada além das virtudes de Drácula, ele é a fera inumana que não tem romance ou remorso, simplesmente ataca nossos medos mais profundos, sombrios e potentes em busca de sangue.
E é esse o vampiro de que sentimos saudade!
sexta-feira, 6 de setembro de 2024
Cinema Tentacular: Long Legs - Resenha do bizarro filme com Nicholas Cage
Uma jovem e brilhante agente do FBI é recrutada por seu mentor, um agente sênior para auxiliar a investigar uma série de brutais assassinatos não resolvidos. Assombrada por traumas familiares do passado, a agente mergulha em um horror que se desenrola em cantos cinzentos no interior dos Estados Unidos, aproximando-se cada vez mais de um assassino ao mesmo tempo horrível e fascinante.
Se isso soa familiar e parece a premissa de O Silêncio dos Inocentes, saiba que esta resenha vale também para outro filme lançado recentemente. No caso LONGLEGS, que segue mais ou menos a mesma premissa até que no ato final a história deixa o suspense criminal e se torna horror sobrenatural. LONGLEGS também encontra inspiração em Se7en, Hereditário, Colecionador de Ossos e outros filmes de terror e suspense que por sua vez devem muito a Hannibal Lecter e Clarice Starling. O filme é uma colcha de retalhos lindamente costurada de referências, bizarrice e estranheza.
Mas antes de começar a resenha, cabe aqui um conselho. Se você pretende assistir esse filme, talvez deva parar de ler nesse momento. Embora eu não pretenda incidir em Spoilers nessa resenha, LONGLEGS é um filme que se beneficia enormemente do desconhecimento do espectador à respeito do que vai assistir.
Em bom português QUANTO MENOS SOUBER A RESPEITO DELE MELHOR.
A essa altura provavelmente já é difícil esconder fatos como a atuação de Nicholas Cage, as já mencionadas similaridades com Silêncio dos Inocentes e as muitas esquisitices do roteiro. Mas há muito mais sobre LONGLEGS do que isso.
Dirigido por Osgood Perkins, o filme se desenrola no início dos anos 1990, representado em gloriosa monotonia por imagens, cenários e figurino que deixam claro a época em que ele se passa. Num ambiente frio e estéril, da Costa Oeste dos Estados Unidos, sempre coberto de neve, o filme progride alternando momentos de lentidão glacial com outros de velocidade terminal, lançando a heroína, a Agente do FBI Lee Harker em um pesadelo macabro.
LONGLEGS já se inicia com uma sequência incrivelmente perturbadora com apenas um ou dois minutos de duração que prepara a plateia para o que está por vir uma mistura de elementos dissonantes que incluem crimes sanguinolentos, indícios de satanismo, humor negro, glam rock e um Nicholas Cage muito, muito, muitíssimo surtado.
De início o filme sugere ser um drama criminal no estilo procedimental em que a jovem mas promissora agente especial é escalada para capturar um assassino em série à solta. A agente, vivida por Maika Monroe demonstra possuir uma estranha sensibilidade que lhe permite compreender as motivações de criminosos violentos. Harker não é uma pessoa sociável, ainda que seja altamente intuitiva e perspicaz. Ela é recrutada pela Agente Especial Carter (Blair Underwood) precisamente por essas qualidades e se junta à investigação dos crimes envolvendo a chacina de famílias inteiras. O suspeito é alguém que se identifica apenas como Longlegs. Ele deixa na cena do crime cartas com estranhos símbolos codificados. Mais estranho ainda; as mortes ocorrem próximas do aniversário das crianças mortas causadas sempre pelo pai que é convencido a exterminar esposa e filhos em um frenesi homicida. Longlegs seria responsável por provocar a tragédia, convencendo o pai a fazer o trabalho sanguinolento, o que deixa o FBI perplexo.
Harker se envolve no caso e a medida que se aprofunda na investigação descobre possuir uma espécie de ligação direta com o assassino (o tal "vínculo mortal" sugerido no título brasileiro). Seria um elo psíquico, clarividência ou uma ligação mais íntima baseada em memórias reprimidas?
A primeira parte do filme sugere que vamos assistir um drama procedimental clássico no qual o espectador é convidado a participar da investigação e tentar determinar ele próprio quem é o assassino, qual a sua motivação e como ele age. Contudo, a medida que a coisa vai se desenrolando, a história vai ganhando nuances de sobrenatural e de ocultismo sugerindo um envolvimento diabólico na trama.
Valendo-se de um tom absurdamente sinistro e ameaçador, o filme prossegue cada vez mais sombrio acrescentando detalhes intrincados e revelando o modus operandi do maníaco. Em dado momento, o assassino parece tomar para si elementos de ocultismo, cifras misteriosas, religião e manipulação psicológica referindo a famosos homicidas que vão de Charles Manson, passando pelo Zodíaco e o Night Stalker. Mas quem seria o Longlegs e o que ele estaria tentando construir com seu rastro de mortes aparentemente sem sentido?
Maika Monroe se dedica de corpo e alma à sua personagem, deslocada e problemática caminhando na corda bamba da genialidade e desconforto. Ela fornece a Lee Harker credibilidade, sobretudo quando a história trás a tona sua conflituosa relação com a mãe que é tão (ou até mais) problemática que ela. A figura materna interpretada por Alicia Witt também acerta no tom contribuindo para o aprofundamento da história. Outra coadjuvante que também chama a atenção é Kiernan Shipka, que interpreta a única sobrevivente de um dos massacres de Longlegs e que está ali para transmitir pistas que podem revelar detalhes sobre o assassino.
É inegável entretanto que quem rouba a cena é Nicholas Cage no papel do maníaco do título. Normalmente Cage se sente a vontade interpretando personagens esquisitos, mas aqui ele parece ligado no 220 o tempo todo, criando um maníaco absolutamente doentio. Para quem achou o Búfalo Bill de Silêncio dos Inocentes dançando Good Bye Horses vestindo uma roupa costurada com pele de mulheres a coisa mais doentia de todas, prepare-se para algo no mesmo nível. Sob maquiagem pesada que lhe concede uma aparência andrógina, o maníaco parece o resultado de dezenas de cirurgias plásticas mal executadas que tornaram sua face uma paródia de alguém que desejava ser único. E acabou se tornando único da pior maneira possível. Se por fora ele parece um retalho de ser humano, por dentro a ruína mental é ainda maior. Longlegs é total e inteiramente perturbado como fica claro em praticamente todas as cenas em que ele surge. Cage usa vozes esganiçadas e abusa de trejeitos desconexos para construir a imagem de um sujeito esquisito que fala através de metáfora e letras de músicas glam. Suas roupas e estilo também sinalizam que ele seria afeito dessa estética, bem como as fotos e pôsteres de astros do estilo como Lou Reed e T Rex nas paredes de seu esconderijo. Em retrospecto é difícil traçar quais foram as inspirações usadas pelo ator para dar vida a essa criatura, mas ele parece ter recebido total liberdade para criar essa imagem grotesca.
O diretor foi esperto em manter a aparência de Nicholas Cage em segredo, conservando a mística do monstro oculto. É inegável entretanto que quando Longlegs aparece, domina a cena e faz com que a plateia queira entender qual o problema daquele cara e o que o transformou naquilo. O fascínio pelo bizarro fica bem evidente aqui.
A explicação mais fácil para a origem de Longlegs é que ele é um desgraçado que se meteu com coisas muito perigosas e acabou consumido por elas. Ele é como um boneco nas mãos de forças demoníacas que o utilizam para espalhar o mal pelo mundo. Um mal que não precisa fazer sentido, ele é só isso: maligno. Nas mãos de qualquer outro ator, Longlegs soaria exagerado, até beirando o ridículo, mas ele caiu como uma luva para Nicholas Cage.
Mas se é ao focar no personagem que a trama fica mais atraente é justamente quando se aproxima a conclusão que ela degringola. Ao se afastar da investigação criminal em que havia se estabelecido de maneira coerente e adentrar no terror sobrenatural a história perde um pouco seu foco. Ela puxa o tapete de baixo dos pés do espectador e a sensação é meio dúbia. A medida que fica claro que a agente está enfrentando algo obviamente sobrenatural o roteiro que vinha bem conduzido derrapa, exigindo certo grau de suspensão de crença sobre as explicações concedidas. E se estas, soam absurdas, a trama tenta corrigir simplesmente dizendo que é por conta de ser algo "sobrenatural" e portanto inexplicável.
E se você busca uma explicação razoável, isso é algo que você não vai ter aqui. Nesse quesito eu até entendo as pessoas que reclamaram do final e que enxergaram algo forçado ou até mesmo sem sentido. Talvez o fato do filme ter sido promovido como uma história mais convencional sobre a caçada a um serial killer, tenha minado a proposta original que é explorar a escuridão e a manipulação de pessoas por forças diabólicas.
A meu ver Longlegs é muito bem conduzido e acerta ao ser desconfortável em vários momentos, recorrendo mais a manipulação psicológica do que ao gore para incomodar o espectador. Amparado por uma direção eficiente e elenco afiado, em especial Nicholas Cage o filme funciona e nunca deixa de ser interessante.
Uma questão interessante é como encarar a hype sobre esse filme. Ao mesmo tempo que ajuda a vender um produto, a hype contribui para estragar a experiência quando ela termina. Nem sempre é aquilo que a gente espera,. Minha sugestão: não vá esperando "o filme mais assustadores da década" como alardeia exageradamente o cartaz. Ao invés disso espere um filme bem dirigido que entrega o que promete, uma experiência desconcertante de suspense que pode te incomodar mais ou menos dependendo da forma como você o encarar.
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