terça-feira, 30 de abril de 2019

Diversão Off-Line 2019 - O que rolou no evento de RPG/BoardGame em São Paulo


Olá pessoal,

Estamos de volta do Diversão off Line 2019 (Doff-SP 2019), o super, ubber, megazord evento de Jogos que aconteceu em São Paulo esse fim de semana.

Não tenho nem palavras para começar a descrever a satisfação, prazer e alegria em participar de um encontro desse tamanho, congregando em um único espaço os entusiastas de RPG e Boardgames. Cada ano que passa, a impressão que temos é que o Doff cresce mais e amadurece, abrindo cada vez mais espaço para um público que a cada edição é maior e mais empolgado.

Esse ano, o Diversão, que está em sua quinta edição (contando as edições no Rio), bateu recordes.




Foi de longe a mais cheia, com lotação esgotada nos dois dias. Uma verdadeira multidão de pessoas, vindas de todos os cantos do país, convergiram para o local. Havia mais editoras do que qualquer outro ano, com novidades sendo promovidas e apresentadas. Também foi o ano com a participação do maior número de empresas dedicadas ao universo dos Boardgames, com dezenas de lançamentos e anúncios feitos. 

O espaço de protótipos de jogos de tabuleiros, a Área Orgutal, como sempre, foi uma grande atração. Ele atraiu criadores e idealizadores de novos jogos que tiveram a oportunidade de ouro de trocar ideias a respeito de seus projetos e apresentá-los ao público presente. Dezenas de jogos passaram pelo crivo do público que pode conhece-los em primeira mão. É maravilhoso encontrar os projetos de alguns anos anteriores já em suas versões finais, produzidas e oferecidas aos jogadores.





O espaço de palestras reuniu alguns dos expoentes do mercado nacional de jogos e personalidades consagradas para animadas conversas e debates. O ciclo de palestras contou com temas voltados a iniciativa de criação de jogos, trabalho criativo, o que um designer deve esperar do mercado internacional, os rumos do mercado nos próximos anos e ainda o papel social dos jogos. Muitos nomes de peso estiveram no palco, trocando suas experiências e vivências com o público.

No mesmo palco tivemos as premiações do Prêmio Ludopedia e do Goblin de Ouro que agraciaram os melhores do ano, entre Boardgames e RPG respectivamente. O Mundo Tentacular concorreu em três categorias, mas não foi nesse ano que saímos com o prêmio, entretanto, apenas competir entre tantos nomes de peso já é uma honra. De toda forma, agradecemos demais aos amigos que participaram e votaram em nós nas categorias de Melhor Canal, Melhor Stream e Melhor Tradutor com o Thiago Queiroz. Quem sabe ano que vem, esse prêmio não vem?




O espaço de jogos na minha opinião continua sendo uma atração à parte!

Jogar, conhecer as últimas novidades, compartilhar das mesas com outros fãs é uma experiência sempre empolgante. É ótimo poder sentar em uma mesa com jogadores diferentes para passar algumas horas agradáveis rolando dados, contando histórias e bolando estratégias. Tanto para os jogadores de RPG quanto para os aficionados dos jogos de tabuleiro, havia espaço de sobra. Além do espaço disponibilizado pelas editoras, havia algumas áreas livres para quem quisesse narrar seus jogos favoritos.

No que diz respeito a Boardgames vale destacar a mesa especial de A Song of Ice & Fire com Micheal Shinall e Fábio Cury, no stand da Conclave. Que jogo incrível! Também na Conclave, Jack, o explicador, apresentou mesas especiais de Vampiro: A Máscara – Herança e Cleopatra. Essas ficaram cheias o tempo todo! Na Galápagos tivemos uma versão gigante de King of New York. Na Red Box tive a chance de jogar Bunny Kingdon no qual diferentes clãs de coelhos se enfrentam. Jogo muito doido e divertido! 





Para quem gosta de RPG, havia muitas mesas à disposição!

O Mundo Tentacular esteve na companhia do pessoal da NPCs, no stand de nossos colegas da New Order. Bom demais compartilhar o espaço de jogos para fazer aquilo que a gente mais gosta: jogar!

Além de Chamado de Cthulhu, tivemos mesas de Strange, Belregard, 7o Mar, DCC e Shadowrun. Posso falar da minha experiência narrando uma mesa com jogadores que ainda não conheciam Chamado e que perderam seus primeiros pontos de sanidade. pena que acabei sem voz! 

Outras editoras também disponibilizaram espaço para apresentar os seus jogos e divulgar futuros lançamentos.


A Red Box divulgou que o RPG espanhol Cultos Inomináveis desembarca no Brasil em breve. Mais um jogo no universo lovecraftiano. Cultos, subverte a noção de jogar com investigadores e permite aos jogadores encarnar o "outro lado", assumindo o papel de cultistas dementes e feiticeiros ambiciosos que pretendem venerar os Mythos de Cthulhu ou obter deles favores e extrair vantagens. O livro sai em breve, ao que parece, em lançamento direto, sem Financiamento Coletivo.


Mas a grande notícia foi a confirmação de que a quinta edição de Dungeon and Dragons chega em breve sob a responsabilidade da Galapagos Jogos. A empresa que já se consolidou no país como um dos maiores e mais importantes nomes dedicados aos boardgames, entra com força no mercado de RPG trazendo a encarnação mais recente e bem sucedida do mais famoso RPG do mundo para o Brasil.




Para comemorar e promover o jogo, a Galápagos organizou uma mesa especial no estilo Arena - a Masmorra Dungeons and Dragons. Sob o comando de Rafael Amon e de Carlos Ximu, que enfrentaram Didi Braguinha e Affonso Solano, em um animado Desafio de Combate. O local do jogo contou com decoração e cenografia especial baseada numa taverna medieval e o jogo foi extremamente divertido. Eu assisti duas mesas e dei boas gargalhadas com os narradores!



É preciso elogiar a organização e o pessoal que ajudou a realizar essa edição do Doff, uma das melhores, possivelmente a melhor de todas até aqui! Tudo funcionou perfeitamente bem! Desde a escolha do local, passando pela organização dos stands, o espaço livre de deslocamento e outros pormenores de conforto e acessibilidade. A gente tem que aplaudir a iniciativa de firmar convênios com hotéis, restaurantes e estacionamentos das redondezas. A estrutura foi ótima e contar com todos esses serviços, faz uma bruta diferença.

Já ouvi boatos de que a próxima edição paulista pretende aumentar o espaço e dobrar o público! Há boatos de que a edição de 2020 será muito maior, contando com ainda mais espaço para os stands e acesso ao público. O fato dos dois dias terem lotado comprova que o Doff não para de crescer a cada edição.

É ótimo constatar que os eventos dedicados a jogos estão mais vivos do que nunca e que uma nova geração inteira de jogadores está surgindo. Depois de algum tempo de estagnação, estamos vendo eventos repletos de crianças e adolescentes, não apenas "dinossauros" do hobby. Esse sangue novo, renova o nosso meio e precisa saber que é extremamente bem vindo. Cabe a nós darmos essas boas vindas e convidá-los a conhecer cada aspecto que desejarem.

Eventos como o Doff-SP e sua contraparte carioca, ao meu ver, são essenciais para manter o nosso hobby vivo. Participar deles é gratificante demais e para aqueles que não puderam estar presentes a esta edição - seja por que motivo for, convido a tentar ano que vem. Venham ao Doff, vale demais a pena! Reencontrar amigos, abraçar e conhecer colegas de internet, trocar ideias e jogar na companhia de novos e antigos jogadores, simplesmente não tem preço. Encontrei tantas pessoas fantásticas nesses dois dias em São Paulo, que nem ouso tentar colocar os nomes de todos aqui, sob o risco de esquecer alguém.

E ainda teremos em 2019 a edição carioca, no segundo semestre. Estaremos presentes novamente e podem sempre contar conosco para o que der e vier!

Longa vida ao Diversão Off-Line!

quarta-feira, 24 de abril de 2019

A Espada Perdida - Descoberta de uma arma que revela uma sangrenta história


Parecia um final de semana como qualquer outro, mas nele se revelou um incrível achado arqueológico.

O Comerciante Weverton Martson, estava tomando banho no Rio Cricaré, na localidade de Meleiras, no estado do Espírito Santo quando sentiu ter pisado em algo que ficou enroscado em seus pés. Ele imediatamente mergulhou para ver de que se tratava, acreditando ser um galho ou raiz, mas era outra coisa. O objeto estava enterrado na areia e era pesado, ao apanhá-lo demorou para soltar do leito. Quando voltou à superfície foi impossível conter a surpresa: era uma espada!

A arma tinha a lâmina envergada, mas parecia óbvio para qualquer observador que se tratava de uma peça autêntica, não uma mera imitação. Apesar da longa exposição a água e elementos, a arma se encontrava em condições satisfatórias, considerando sua idade. Tudo indicava se tratar de uma peça pertencente a algum nobre, o único que poderia possuir uma arma de acabamento superior. Ademais, ela tinha detalhes na empunhadura na forma de uma águia de duas cabeças (bicéfala), um indicativo que pode remeter a uma família importante.

O local onde a espada foi recuperada, o Rio Cricaré, foi o palco de um dos capítulos mais sangrentos do período histórico colonial do Espírito Santo. Como boa parte de nossa história colonial, está envolto por uma cortina de desconhecimento. Foi ali, naquele mesmo local que ocorreu a célebre Batalha de Cricaré, um dos primeiros enfrentamentos em larga escala ocorridos entre portugueses e índios que resultou em uma mortandade até então jamais vista entre os dois povos.

Especialistas há anos tentam precisar a exata localização do enfrentamento. Sempre existiu a suposição de que a batalha tivesse ocorrido no Rio São Mateus, mas não havia certeza a respeito. A descoberta da espada pode provar de uma vez por todas que a Batalha teve lugar naquelas margens no distante ano de 1558. Faz algumas décadas, uma machadinha também havia sido encontrada nas proximidades, contudo uma análise demonstrou que ela era mais recente do que a Batalha e que provavelmente era uma peça do século XIX. A espada, por outro lado, parece remeter a um estilo de metalurgia empregado tipicamente na Europa do século XVI. A forja de tais armas de qualidade era realizada na Península Ibérica, em especial na Cidade de Toledo, na Espanha, centro exportador de armas de qualidade, muito apreciadas por famílias nobres. 

Ainda é cedo para dizer se a espada em questão pertenceu a algum nobre do período, mas os detalhes na empunhadura e algumas decorações no cabo podem fornecer pistas a respeito de quem foi seu dono.

A Batalha de Cricaré foi travada em 1558 e ficou conhecida como uma das mais sangrentas do período. Segundo observadores do período e historiadores que se debruçam sobre o acontecimento, mais de 5 mil nativos podem ter morrido nessa batalha, um número extremamente elevado e que teria marcado o primeiro conflito em larga escala colônia recém descoberta. Historiadores acreditavam que a Batalha tivesse ocorrido na confluência do Rio Cricaré e Mariricu, atualmente município de São Mateus, mas nunca houve comprovação.

A região já havia sido parcialmente explorada, mas a colonização se iniciou a partir de 1555, comandada pelo Donatário de Terra, Vasco Fernades Coutinho que se estabeleceu na Capitania do Espírito Santo acompanhado no início por cerca de 60 homens. A pequena Vila de São Mateus se fixou no litoral, mas seus habitantes planejavam adentrar a porção interior das terras. Desde o início, eles encontraram forte resistência das tribos que já habitavam a região. Os Aimorés eram conhecidos como uma tribo agressiva, composta de bravos guerreiros que dominavam o uso mortal do arco e flecha e da zarabatana, embebendo suas setas com veneno de sapo e outras toxinas extraídas da natureza. Além disso, conheciam bem o território e manejavam com habilidade lanças e bordunas. Mais de uma expedição ao interior havia terminado em morte, com os colonos atacados, escapando por pouco, isso quando não caíam diante dos atacantes em maior número. Um dos grandes temores dos colonos era justamente a fama de que os aimorés eram antropófagos e que os cadáveres de seus companheiros quando não eram recuperados, acabavam servindo de refeição para os nativos. A colônia apenas não havia sido conquistada pelos nativos por conta de canhões que faziam a proteção do pequeno assentamento, que contava ainda com uma paliçada. Contudo, os nativos estavam chegando cada vez mais perto e seria questão de tempo até perderem seu receio diante da artilharia portuguesa.


Com as terras capixabas sendo sabidamente férteis e a fixação de engenhos se mostrando uma perspectiva rentável para a Coroa, Vasco Fernandes Coutinho escreveu ao Governador Geral Mem de Sá em Salvador, pedindo ajuda. A produção de Cana de Açúcar estava ameaçada já que os nativos haviam arruinado vários engenhos construídos com enorme dificuldade. É claro, o donatário deixava de citar que os ataques eram uma reação à captura de índios que serviam de escravos, roubos, ataques a aldeias, estupro e rapto de índias que passaram a servir de companheiras para os colonos.

Mem de Sá, que havia acabado de ser empossado, desejava mostrar força e despachou para a Capitania do Espírito Santo uma guarnição de homens liderados pelo seu filho Fernão de Sá. A tropa viajou à bordo da Galé São Simão, um dos melhores barcos da frota colonial, munido com canhões de calibre 3 (chamados falcões). A expedição aportou primeiro em Porto Seguro onde recebeu reforço de capitães veteranos no enfrentamento de indígenas. Juntaram-se seis outros navios que levavam um contingente de 200 homens, além de armas de fogo, pólvora, espadas, lanças e armaduras.

Os portugueses suspeitavam que os nativos tivessem aldeias no interior (as mereriques que eram defendidas mutuamente) e que as tribos estavam se unindo para enfrenar os colonos, uma suspeita que se mostrou verdadeira. Expedições anteriores haviam mapeado vias fluviais que podiam ser usadas para desembarcar as embarcações, diminuindo o tempo do deslocamento terrestre. O grupo avançou pela Barra de São Mateus, seguindo por quatro dias contra a correnteza impulsionada pela força dos remos. No quarto dia rio acima, uma fortificação indígena foi avistada pelos observadores à bordo. Decidiram aguardar o amanhecer em uma posição privilegiada para então promover o ataque.

Quando o sol despontou, quatro galeras avançaram transportando a primeira força de ataque, contudo, os nativos perceberam sua presença e se organizaram para esperá-los. Assim que os primeiros homens pisaram na praia enlameada foram saudados por uma chuva de flechas que os atingiu com precisão letal. Nenhum conseguiu avançar mais do que alguns metros e os feridos acabaram crivados de flechas. O desembarque não foi uma perda total apenas porque de dentro dos navios a artilharia começou a disparar com canhões dando cobertura aos homens que desesperados se refugiavam atrás de troncos. Reagrupando para o segundo desembarque, os portugueses trouxeram escudos e grandes pedaços de madeira para se proteger da chuva mortal. Na praia, os corpos de seus companheiros já se encontravam inchados pelo veneno das setas e muitos agonizavam.


Quando um número suficiente de homens se concentrou na praia, receberam ordens de avançar e convergiram para a aldeia que se encontrava logo adiante. Com disparos de arcabuzes e cobertura de canhões, os nativos retrocederam, mas ainda assim receberam os invasores com nova saraivada de setas. Contudo, os tiros afastaram os guerreiros e estes não conseguiram conter o avanço que era reforçado por novas levas de homens desembarcando na praia. O combate se tornou corpo-a-corpo, com os soldados levando vantagem graças às armaduras e ao uso de machados e espadas de excelente qualidade.

Os nativos percebendo que não conseguiriam conter a invasão, trataram de fugir levando mulheres e crianças para uma aldeia não muito distante. Lá planejavam recompor a defesa para conter os atacantes. Contudo, os portugueses foram rápidos em seguir os rastros deixados na floresta e empreenderam perseguição imediatamente. Os nativos não tiveram tempo de se reagrupar, e acabaram pegos de surpresa. Essa segunda aldeia era grande e próspera, com várias habitações e uma população maior, contudo, surpreendidos, os guerreiros tiveram pouco tempo de montar uma defesa.

Os padres que faziam o registro da ação militar não pouparam elogios à "presteza" e "galhardia" com que os soldados lutaram. Os tiros provocaram pânico entre os nativos e muitos com famílias ali vivendo se colocaram em fuga. Os que resistiram não conseguiram fazer frente a investida. Para piorar as coisas, várias ocas de palha foram incendiadas causando uma debandada em massa. Aos invasores cabia apenas ceifar o maior número de vidas com suas armas superiores, derrubando tantos inimigos quanto era possível. De uma distância segura, onde se estabeleceram, os portugueses se contentavam em disparar nos nativos em fuga, sem se importar que fizessem alvo contra mulheres, velhos e crianças. A aldeia enquanto isso já queimava e os últimos homens escapavam para a mata carregando o que podiam, atrás deles, apenas o rumor dos moribundos.

Entretanto, a facilidade com que encontraram a vitória nesse primeiro momento, custaria caro aos portugueses. Os homens, inebriados pelo sangue e pelo calor da batalha continuaram ali atirando e matando. Alguns se aproximaram da aldeia para capturar prisioneiros, recolher tesouros ou estuprar mulheres que tiveram o azar de ficar para trás. O número de mortos é difícil de ser estimado, mas é provável que tenha chegado à casa dos milhares. Os invasores não se aperceberam de que haviam entrado muito no território inimigo e que poderiam haver outras aldeias próximas, os homens se entregaram a sanha assassina e desejo de vingança sem pensar no que poderia acontecer.


Enquanto a maioria do contingente se satisfazia com pilhagem e destruição desenfreada, Fernão de Sá e mais alguns homens, continuaram seguindo a trilha, atrás dos fugitivos. Avistaram poucas léguas adiante uma terceira aldeia não tão grande e nem tão protegida quanto a anterior. Essa poderia ser facilmente conquistada pela guarnição, mas com número reduzido de homens, Fernão não podia fazer muito. Ele ordenou que disparassem contra a aldeia e então bateu em retirada para se reagrupar.

Contudo, sem que os invasores soubesse, havia ainda uma quarta aldeia, onde os guerreiros já haviam sido alertados do ataque pelo som dos canhões. Lá eles se preparavam para o contra-ataque. Ao mesmo tempo, as naus que aguardavam no local de desembarque perceberam que a maré estava baixando rapidamente. Se permanecessem ali acabariam encalhando no leito lamacento. Com o temor de ficarem presos naquela posição, os comandantes decidiram se afastar em busca de águas mais profundas.

Quando Fernão enfim retornou a segunda aldeia encontrou uma paisagem infernal. Havia corpos para todos os lados, as habitações de palha ardiam e o fedor de corpos queimados, fumaça e pólvora empesteava o ar. O massacre já estava consumado! Apesar da vitória esmagadora e da comemoração dos homens, o comandante da campanha imediatamente ficou preocupado - e com razão! Os soldados haviam reduzido perigosamente seu estoque de munição e pólvora, portanto era preciso retornar o quanto antes para a praia.

Mas antes que pudessem iniciar o recuo, flechas voaram da floresta atingindo em cheio os soldados. Eram os Aimorés que haviam se organizado e vinham em grande número!


A fuga pela mata foi desesperada e atrapalhada pela densa fumaça que se formou. Alguns homens se perderam e acabaram indo na direção errada, que os levou justamente para seus perseguidores. Sem a vantagem de armas de fogo para manter os inimigos à distância, os portugueses foram presas fáceis para os guerreiros em número muito maior. Os nativos caíram sobre a tropa com uma fúria avassaladora, armados com porretes e bordunas seguiram o percurso inteiro apanhando e massacrando aqueles em quem conseguiam por as mãos.

Mas o pior esperava os portugueses na praia. Ao chegar na foz do Rio Cricaré, não encontraram as embarcações que deveriam estar lá. As naus haviam se retirado cerca de 400 metros mar adentro. Desesperados, os sobreviventes se puseram a gritar e pedir socorro, mas os índios estavam bem mais próximos. Ali, na areia lamacenta se deu o final da batalha, que estava mais para um massacre de vingança! Os portugueses foram chacinados por incontáveis flechas e os poucos que ainda se arrastavam na areia foram degolados e massacrados. Os gritos podiam ser ouvidos à distância, pelos marinheiros nas embarcações, mas estes nada podiam fazer visto que não havia alcance para os canhões.

Fernão de Sá e seus capitães foram mortos nessa batalha e os rumores davam conta de que ele teria sido o último a tombar, defendendo-se com espada em riste apesar de flechas estarem fincadas em seu corpo. Provavelmente uma liberdade poética dos cronistas. Os únicos sobreviventes foram três homens que se despiram das armaduras, jogaram armas de lado e nadaram até as embarcações. E ao chegar caíram extenuados no tombadilho, agradecendo a sorte que tiveram.

Os capitães da frota comandada por Diogo Amorim discutiram se deveriam voltar para a Praia em busca de sobreviventes que ainda pudessem estar lá. Concluíram que as fogueiras vistas no horizonte deveriam pertencer aos nativos saciando seus apetites canibais e se resignaram. Melhor seria voltar para Vitória com as notícias do enfrentamento. 


Em Vitória a notícia do revés foi levada para os demais assentamentos da colônia. Na Europa a notícia foi recebida com consternação - que "terra impiedosa era aquela onde cristãos eram massacrados e devorados por selvagens?" 

Mem de Sá, o Governador Geral lamentou não apenas a derrota da maior armada reunida até então na colônia e que para muitos era imbatível, seu pesar incluía a morte do filho, Fernão. Nos anos que se seguiram, os portugueses planejaram cuidadosamente novas expedições que promoveram ataques na região e por fim terminaram por vencer a resistência dos Aimorés. Um dos planos de Mem de Sá era fundar uma cidade de proteção e defesa no litoral, e salvaguardar o território conquistado à duras penas. Entretanto a fundação da Cidade do Rio de Janeiro drenou os recursos da colônia e impediu que a Capitania do Espírito Santo ganhasse uma cidade maior.


É provável que a espada encontrada no fundo do Rio Cricaré tenha pertencido a um dos portugueses, talvez até mesmo a um dos comandantes da expedição. Talvez seu aço tenha sido usado para cortar e estocar guerreiros Aimorés ou então para matar inocentes. É possível que ela estivesse nas mãos de um soldado que pereceu com bravura, ou ainda que ela tenha sido simplesmente descartada no rio, quando seu dono correu para o mar fugindo em desespero. Bravura e covardia, honra e abuso são faces de uma mesma moeda sangrenta trocada nos campos de batalha. Não há como saber quem foi que brandiu essa arma e o que produziu com ela - se sangue ou glória, se triunfo ou vergonha.

A história pode determinar se a espada realmente esteve ou não na Batalha de Cricaré, mas a verdade sobre quem a manejava, esta se perdeu em meio ao caos e horror de um campo de batalha e nas páginas da história.

terça-feira, 23 de abril de 2019

Salve São Jorge - Padroeiro dos Jogadores de RPG

Hoje é dia de São Jorge, o Santo Matador de Dragões.


Não sei se é oficial, mas já ouvi mais de uma pessoa comentando que ele é considerado o Santo protetor dos jogadores de RPG, mestres, narradores e de todos os que se sentam ao redor da mesa de jogo e lançam dados.


Francamente, acredito que se todo mundo precisa de um padroeiro, nenhum é mais adequado ao nosso hobby do que um santo que veste armadura, empunha uma espada, monta cavalo, mata monstros e atende pelo nome de "Santo Guerreiro". O sujeito é praticamente um Guerreiro de nível épico!

Então, SALVE JORGE e bons jogos para todos!


Que o Santo padroeiro do RPG proteja e defenda com seu escudo, intercedendo no momento dos rolamentos desesperados, dos testes críticos e dos danos sofridos.


São Jorge é famoso pela oração devoada a ele, que pede proteção força, altivez e intercessão diante das provações. Mais uma vez, se encaixa perfeitamente em tudo aquilo que nós jogadores precisamos durante nossas aventuras, sessões e campanhas.

Portanto, eis aqui minha adaptação, com todo respeito, a essa tradicional oração devotada a São Jorge. Para ser usada nas mesas de jogo, nos momentos de maior desespero. Se a coisa ficar feia para seu personagem, não custa nada pedir por um "milagre" ou pela proteção de um amigo.

Assim sendo, lá vai:
Eu andarei vestido e portarei as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, voando não se aproximem, tendo um ou vários olhos não me vejam, sendo invisíveis sejam detectados, e nem com psionicismo seus pensamentos possam me fazer mal. Que eu seja imune aos feitiços necromânticos, que rituais malignos sejam desviados e que as magias de ataque enviadas para me ferir, errem o alvo.  
Armas de fogo, flechas e setas, o meu corpo não alcançarão, espadas e lanças se quebrarão sem o meu corpo tocar, insanidade ou terror não me afetará, nem petrificação, desintegração ou o temido Fogo do Dragão. Que cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar, que a paralisia, se chegar, dure pouco e que eu perceba as emboscadas no meu caminho. Que as rodadas transcorram sem eventos danosos. 
Que o Destino, me favoreça, pela intercessão dos Rolamentos Críticos. São Jorge proporcione Itens mágicos e Artefatos divinos, protegendo-me em todas batalhas da perda de pontos de vida. Que o Mestre, com seu grande poder, seja justo diante das maldades e perseguições de suas criaturas, permitindo fluir os Pontos de Experiência e os Tesouros necessários para a Progressão de Nível. E que se a morte advir, que seja heroica! 
São Jorge, proteja-me com seu escudo e suas poderosas armas, defendendo-me com a sua força, e que sob as patas de sua fiel montaria, mesmo os inimigos mais poderosos sejam vencidos em combates épicos. 
São Jorge, Rogai por Nós, jogadores de RPG, que recorremos a Vós.
Antes que alguém diga algo a respeito, não considero de modo algum essa adaptação desrespeitosa ou uma contradição. Escrevi isso com o maior respeito e admiração pelo Santo Guerreiro e seria ótimo que nosso amado Hobby tivesse um padroeiro.

Portanto, vamos rolar dados!



sábado, 20 de abril de 2019

"Você viu o meu irmão"? - a Lenda do Espectro da Freira de Negro


Quando eu era criança, estudei em um colégio de freiras e nada podia ser mais assustador do que topar com uma freira vestindo aquele hábito negro.

Não me entendam mal... as freiras jamais levantaram uma mão para mim ou qualquer pessoa que eu saiba. Sempre foram gentis e simpáticas, algumas eram bem modernas a ponto de jogar vôlei e andar de moto. Mas as mais tradicionais, em geral, as mais velhas insistiam em usar o hábito preto e pesado que criava uma indiscutível aura de autoridade. Além disso, havia a lenda de um fantasma vestindo hábito que assombrava a antiga clausura do colégio onde eu estudei (um dia conto a respeito disso). E nenhuma criança duvidava da existência de tal entidade vagando pelos corredores desertos à noite. 

Talvez seja por isso que filmes que apresentam freiras diabólicas me afetam de maneira particular recorrendo à uma memória trancafiada em algum lugar da minha mente. Mas o que dizer de histórias reais a respeito de assombrações vestidas como freiras e que pertenceriam a espectros de religiosas mortas? 

Uma narrativa especialmente apavorante, vem da Inglaterra e envolve uma aparição que ficou conhecida como "A Freira de Negro". A lenda é a seguinte:

No ano de 1811, uma das maiores e mais prestigiosas instituições financeiras do mundo era o Banco da Inglaterra. A Sede ficava na vizinhança de Threadneedle Street, e entre os seus muitos funcionários havia um homem chamado Philip Whitehead, algumas vezes também chamado de Paul Whitehead, que trabalhava como caixa. Embora ele fosse considerado um empregado gentil e correto, Phillip tinha um lado obscuro, e mesmo que ele estivesse sempre sorridente e fosse agradável com os clientes e colegas, ele praticava fraudes e desfalques. Ele provavelmente imaginou que pudesse se livrar para sempre, mas um dia sua sorte terminou, o banco descobriu seus esquemas e ele foi preso.  


Naquela época, eram tempos diferentes, com punições severas para quem fosse apanhado cometendo um crime dessa natureza. Hoje pode parecer absurdo, mas a natureza dos desfalques cometidos pelo funcionário foram considerados tão graves que ele acabou sendo condenado à morte. No início de 1812, Phillip foi escoltado ao patíbulo da Prisão de St. Agnes e enforcado. 

Phillip tinha uma única parente viva, uma irmã muito próxima chamada Sarah Whitehead que não foi informada da prisão e menos ainda da execução. Sem ouvir qualquer notícia de seu irmão por várias semanas, Sarah visitou o Banco onde ele trabalhava. Os funcionários sabiam o que havia ocorrido e tinham ciência da execução, mas ao invés de contar à Sarah, preferiram ocultar o fato. Disseram que ele havia sido enviado para um trabalho fora da cidade. Essa visita foi apenas a primeira e ela acabou retornando outras vezes, preocupada, desejando saber o paradeiro de seu querido irmão. Ela sempre questionava "Você viu o meu irmão"? 

Finalmente, talvez por piedade, um funcionário a chamou em um canto e contou a respeito dos desfalques, da prisão e da execução. Ela não aceitou bem a notícia.  Segundo consta, a chocante informação sobre a morte de Phillip a deixou primeiro confusa, e aos poucos se mostrou demais para sua mente frágil: Sarah perdeu a noção da realidade e aos poucos a razão. Ela continuou indo ao Banco, como se esperasse encontrar o irmão ali. Perguntava aos funcionários "Quando Phillip irá voltar"? e "Qual  horário de saída dos empregados"?

A dor e desespero fizeram Sarah buscar refúgio em um convento. Ela se apresentou como candidata a se tornar irmã na ordem, mas dado seu estado psicológico, o pedido foi negado. Era claro que a mulher sofria de instabilidade mental e portanto não podia ser aceita. Ainda assim, de alguma maneira ela conseguiu obter um traje de freira e passou dali em diante a se vestir de preto dos pés a cabeça, com um hábito negro e um véu que cobria sua face. Ela passou a ser chamada de a "Freira de Negro" e sua presença se tornou um incômodo para todos que trabalhavam ou requentavam o prédio do Banco. Sarah fazia visitas regulares à instituição e parava na entrada perguntando a quem entrava e saia "Você viu o meu irmão"? 

Essas aparições se tornaram regulares, com Sarah visitando o banco dia após dia. No início ela parecia apenas confusa, mas inofensiva, contudo isso começou a mudar e ela foi se tornando agressiva. A situação chegou ao ponto dela gritar e agarrar o braço de pessoas para que dissessem onde estava seu querido irmão.


Isso durou vários anos até que em 1818, o gerente do Banco decidiu pagar a mulher um valor para que ela parasse de importunar os clientes. O dinheiro seria uma compensação pela sua angústia e uma forma de afastá-la de uma vez por todas. De certa forma funcionou, mas não como esperado. Sarah nunca mais pôs os pés no Banco de Londres, ao menos não viva.   

Sarah Whitehead morreu poucos dias depois de receber o valor pago pelo gerente. Houve boatos que especulavam que ela tivesse cometido suicídio. Para alguns, ela teria sido atropelada por uma carruagem que não a viu durante a noite. Outros sugerem que ela saltou diante dos cavalos, sendo esmagada pelas possantes patas dos animais e pelas pesadas rodas. Ninguém nunca soube ao certo se a morte dela foi resultado de acidente ou vontade própria. O que se sabe é que seu corpo foi enterrado em St. Christopher-le-Stocks, um cemitério atarracado que ironicamente ficava próximo da Sede do Banco da Inglaterra.

Pouco depois da última pá de terra ser lançada sobre seu túmulo, coisas estranhas começaram a acontecer dentro e fora do Banco. Funcionários mencionavam uma sombra escura que parecia vagar pelos corredores e arredores do prédio e que se escondia nos cantos, fora do arco de visão, mas era perceptível aos sentidos. Ela era descrita como uma silhueta de mulher vestida de negro, com a face oculta por um véu. A figura parecia flutuar no ar, sem os pés tocarem o chão. Esse fantasma assombrava o mesmo local em que "A Freira de Negro" se colocava para cobrar informações a respeito de seu falecido irmão.


A princípio as testemunhas a descreviam como uma forma inerte no ar, observando e seguindo funcionários e clientes, contudo ela se tornaria mais e mais insistente. A entidade passaria a assediar as pessoas, perguntando com uma voz soturna "Vocês viram o meu irmão"? enquanto as tocava com dedos tão gelados que queimavam a pele. Aqueles que ficaram frente a frente com a assombração percebiam olhos que transbordavam loucura e uma face distorcida pela dor e ressentimento. Lágrimas escorriam pela sua face e quando caíam no chão cristalizavam em gelo. Ao redor dela tudo era frio como se uma aura de inverno a acompanhasse. Os que conheceram Sarah Whitehead em vida não tinham dúvidas de que se tratava de seu fantasma.

Nos anos que se seguiram, pessoas andando pelas ruas próximas relatavam encontros inacreditáveis com o fantasma. Aqueles que tiveram a experiência falavam de uma sensação esmagadora de solidão que chegava a afetá-las fisicamente. Mais de um que cruzou o caminho da "Freira de Negro" afirmava ter sentido posteriormente uma profunda depressão e uma sensação arrebatadora de tristeza.

O cemitério em que o corpo de Sarah foi enterrado também era assolado ela sua incômoda presença. A forma era vista flutuando sobre as lápides, com os pés jamais tocando o solo e as vestes negras agitando-se. Ela costumava deixar em paz aqueles que respondiam não ter visto seu irmão, mas quando a resposta não vinha, ela tentava segurar seus interlocutores, como fazia quando estava no reino dos vivos. E quando tal coisa acontecia, era impossível conter o terror.    


O Fantasma da Freira de Negro continuou sendo visto por muitas décadas e continua sendo uma das aparições mais famosas de Londres, sendo que o prédio do Banco da Inglaterra é tido como um dos lugares mais assombrados da cidade. Testemunhas afirmam ter avistado o espectro também em estações próximas de metrô e em prédios vizinhos. Apesar do cemitério ter sido mudado de lugar e os corpos exumados, ela continuou sendo vista no mesmo local. Funcionários do Banco relatam várias histórias a respeito de avistamentos, bem como transeuntes e turistas que passam pela Threadneedle Street sem suspeitar de sua macabra história.

A Freira de Negro do Banco da Inglaterra se converteu em uma lenda popular e muitas pessoas afirmam até hoje encontrar o espectro naquele mesmo lugar. Seria ela apenas uma estranha lenda urbana ou há algum resquício de verdade nessas narrativas? Seria uma assombração residual ou uma visão permanente criada pela dor e desespero? Será ela um fantasma gerado pela loucura e pela mágoa de uma mulher? 

Seja lá o que for, esteja avisado quando visitar a capital da Inglaterra e circular próximo da Threadneedle Street. Algo lá pode se aproximar e com uma voz soturna perguntar: "Você viu meu irmão"?

quinta-feira, 18 de abril de 2019

O Presidente Doppelganger - Suspeitas de que o governante da Nigéria foi trocado por uma criatura


Política é algo complicado. 

Por vezes, reviravoltas muito estranhas tendem a acontecer na arena das deliberações, debates e disputas políticas. Mas na nação africana da Nigeria, por vezes, as coisas podem ficar... bizarras.

Desde o final de 2018 há rumores circulando entre a população e os salões do poder em Abuja, capital do país. Estes levantam suspeita a respeito do Presidente Muhammadu Buhari, que segundo os boatos seria um impostor. De acordo com os defensores dessas teorias que se tornaram muito populares, o verdadeiro Buhari, alvo de um atentado coordenado por inimigos políticos em 2017, não escapou do ataque. Na versão oficial, agentes de segurança conseguiram impedir que o presidente fosse ferido após uma explosão, mas alguns não estão tão certos disso. 

Uma parcela significativa da população acredita que o presidente de fato morreu e que ele foi substituído. Mas não por um simples sósia, e sim por uma criatura do folclore africano, o Jubril, basicamente o equivalente ao doppelgänger. A criatura mítica teria a capacidade de assumir a aparência de qualquer pessoa, bastando para isso tocá-la ou consumir umas gotas de seu sangue.


A suspeita começou depois que Buhari, de 76 anos se recuperou rapidamente do atentado - no qual, segundo o porta voz da presidência ele sofreu apenas ferimentos leves. A saúde do presidente se tornou um assunto contestado, já que algumas testemunhas logo após o atentado relataram ter visto o presidente gravemente ferido. Por algumas horas, circulou inclusive a informação de que ele teria morrido. Buhari ficou hospitalizado por apenas 48 horas e foi liberado logo a seguir, apresentando o que foi descrito como uma melhora rápida.

Após o seu retorno ao cargo, as teorias da conspiração tiveram início.

Pessoas próximas ao presidente começaram a reparar que sua personalidade parece ter sofrido uma mudança profunda. Normalmente calmo e gentil, Buhari começou a demonstrar explosões de destempero. Ele teria brigado com três ministros até então muito próximos de sua base aliada, e todos foram afastados. Também se separou da esposa e parentes que desempenhavam cargos de confiança. Algumas de suas políticas mudaram inteiramente de sentido e ele passou a evitar discursos e aparições públicas.

Mais do que isso, observadores alegam ter percebido alguns pequenos detalhes no comportamento do líder nigeriano. Para começar ele estaria usando a mão esquerda, sendo que até então era destro. Em uma rara aparição pública, Buhari não teria cantado o hino do país, algo que ele sempre fazia. Finalmente, algumas pessoas próximas ao presidente manifestaram preocupação pelo fato dele ter perdido muito peso e parecer extremamente frágil.


É claro, todos esses estranhos comportamentos podem ser explicados facilmente, o fato dele estar usando mais a mão esquerda se deve a um ferimento sofrido na mão direita. Ainda assim, isso não serviu para convencer muitos compatriotas de Buhari.

Uma das teorias mais frequentes (e estranhas) afirma que o impostor colocado no lugar do presidente para assumir o seu lugar foi plantado lá por agentes sudaneses. O Sudão e a Nigéria vem experimentando uma crescente disputa e problemas diplomáticos nos últimos anos. A substituição teria acontecido para que acordos vantajosos para o Sudão fossem assinados. De fato, o discurso de Buhari para com seus vizinhos assumiu um tom mais conciliador após o atentado, o que, segundo os defensores só reforça a suspeita de uma conspiração.

O Jubril é uma criatura do folclore africano, presente no norte da África, muito conhecido na Nigéria e também no Sudão. Segundo o folclore local, ele é um ser capaz de copiar a aparência física de outras pessoas com as quais estabelece contato íntimo. Em algumas lendas ele precisa dormir ao lado da pessoa que deseja copiar, fazer sexo ou então beber algumas gotas de seu sangue. A aparência é copiada nos mínimos detalhes, inclusive a voz e maneirismos, contudo, o Jubril não é capaz de ler a mente da pessoa e de saber o que o original sabia. Ele precisa então ser esperto para não despertar a suspeita dos parentes e amigos mais próximos que podem perceber algum comportamento estranho. O Jubril não é necessariamente perverso, mas algumas lendas se referem a eles como diabretes e demônios com interesse em pegar peças e fazer pequenas maldades. 


A teoria do Doppelgänger ganhou muita força e Buhari se viu obrigado a responder questões a respeito dela. Seus opositores passaram a exigir que ele realizasse um exame completo com médicos indicados por eles.

Recentemente ele compareceu a Assembléia em Abuja para uma conferência onde se defendeu: "Eu asseguro que sou realmente eu. Completei 76 anos de idade e ainda sou o mesmo, forte e saudável". Buhari afirmou que as pessoas espalhando tais rumores não passam de indivíduos "ignorantes e crédulos, que não tem respeito pela religião". Ele também se dirigiu aos seus oponentes dizendo que eles estão tentando tumultuar o processo eleitoral com ideias absurdas.

Apesar do discurso ter tranquilizado boa parte do povo, pesquisas realizadas ainda mostravam que perto de 45% da população tinha dúvidas a respeito da identidade do presidente. Nas áreas rurais, longe da capital, esse número aumenta consideravelmente. Alguns acreditam que seria necessário obrigar o presidente a realizar os exames que atestariam a verdade sobre a sua forma. 

O mais provável é que se trata tão somente de uma tentativa de descreditar um político antes das eleições ou anular seus esforços para concluir o mandato tranquilamente. Mas poderia haver algo mais estranho nessa história bizarra? Mesmo que pareça altamente improvável que Muhammadu Buhari tenha sido substituído por um doppelgänger, este incidente mostra como rumores e boatos - não importa o quão infundados, podem ser transmitidos e contagiar uma população, criando uma verdade bizarra. 

Esse mundo em que vivemos é realmente muito, muito estranho...

terça-feira, 16 de abril de 2019

A Verdade sobre Valak - Lendas e histórias medievais sobre forças diabólicas


Dentre os filmes recentes de horror, um se destaca ao apresentar uma criatura especialmente assustadora e sinistra. A entidade conhecida como Valak aparece em Conjuração do Mal 2, Annabelle e mais recentemente A Freira, filmes de sucesso, com bilheterias consideráveis mundo à fora.  

Com sua aparência ameaçadora e aura absurdamente macabra, escondendo sua face atrás do hábito de freira, Valak imediatamente se tornou popular entre os fãs do gênero. É uma presença demoníaca a ser lembrada (e temida). Parece bem provável que ele apareça em outras produções, consolidando sua presença como um dos novos monstros do terror.

Mas, será que existe alguma base de verdade nesse personagem? Será que Valak é citado em algum tomo de conhecimento místico ou não passa de uma construção inteiramente Hollywoodiana? A resposta para essa pergunta, pode surpreender os leitores.

Por estranho que possa parecer, a força maligna dos filmes conhecida como "Valak" é de fato baseado na mitologia demoníaca, embora os produtores tenham tomado uma série de liberdades com a fonte que decidiram adaptar. O ser demoníaco Valak, chamado em algumas versões de Valac, Ualac, Valu, Volac, Volach, e Coolor ou ainda Doolas, foi descrito em vários Grimórios de Magia através dos séculos.

Pesquisadores acreditam que ele foi mencionado pela primeira vez em um famoso manuscrito de magia chamado "The Clavicule of Solomon" ou A Chave Menor de Salomão. Esse texto se dedica quase que inteiramente a arte de invocar e controlar espíritos, tanto os benignos quanto os maldosos. Dentre as páginas desse grimório estão listados os nomes de 72 entidades malignas, ou demônios, que foram derrotados pelo lendário Rei Salomão do Antigo Testamento, bem como os rituais e feitiços que descrevem como conjurá-los e bani-los. Na lista, o demônio de número 62 é nenhum outro senão, Valak. 


Ele é descrito como um dos grandes governantes do Inferno, líder de legiões e comandante de forças nefastas. Possuidor de enorme poder, astúcia e a capacidade de localizar tesouros ocultos. Em alguns textos mais contemporâneos, Valak possui a capacidade de controlar serpentes e animais peçonhentos de toda ordem, e segundo certos documentos, estende esse mesmo poder àqueles que invocam seu nome, fornecendo a eles imunidade a venenos mortais. A aparência física de Valak não é a de uma freira velha e aterrorizante, mas de um tipo de querubim - um anjo em forma de menino, com asinhas pequenas nas costas e uma aparência delicada, que é totalmente enganadora. Valak controla uma serpente ou dragão de duas cabeças que sempre surge ao seu lado, ou com ele a cavalgá-lo. Curiosamente, em nenhum livro ou manuscrito do mundo real, ele é descrito como uma freira vingativa. 

A Chave Menor de Salomão diz a respeito de Valak:

"O sexagésimo segundo espírito é Volac, ou Valak, ou Valu. Ele é o poderoso governante de uma parte do inferno e possui a aparência de uma criança com asas de anjo, cavalgando um dragão de duas cabeças. Ele concede respostas verdadeiras sobre tesouros ocultos e avisa da presença de serpentes que se submetem à sua vontade. Ele governa a 38a Legião de Espíritos profanos".

O sinistro e diabólico Valak também é mencionado em vários outros tratados de magia medievais tais como o Pseudomonarchia Daemonum de Johann Weyer, o Liber Officium Spirituum, o Manual de Magia Demoníaca de Munich e o Fasciculus Rerum Geomanticarum. Cada livro apresneta maneiras de negociar e barganhar com Valak, algo que francamente não parece uma boa ideia.

O já citado Chave de Salomão, contudo, sempre foi a fonte mais importante a respeito dele. O livro era considerado tão ofensivo e herético pela Igreja Medieval que até hoje figura no Índice dos títulos proibidos, desde 1599. 


Um elemento curioso é que o livro apesar de proibido, tornou-se extremamente popular justamente entre sacerdotes no período medieval. Várias bibliotecas no mundo cristão medieval mantinham cópias de livros proibidos, à despeito das ordens do Vaticano de destruir os volumes que constavam no Índice. Para burlar os agentes da Inquisição, responsáveis por incinerar os livros perigosos, os bibliotecários geralmente encadernavam os tomos com uma capa falsa. Também inseriam páginas no meio de outro trabalho ou simplesmente disfarçavam as páginas com iluminuras inofensivas. Assim, uma consulta casual não revelaria o teor diabólico dos textos e eles poderiam sobreviver. Na melhor tradição de segredos e mistérios monásticos, alguns livros traziam códigos secretos e legendas para localizar os livros proibidos convenientemente escondidos.

Estima-se que mais de uma dúzia de monastérios medievais franceses possuíssem em seus acervos uma cópia desse livro profano, o que é suficiente para apontá-lo como um livro muito popular em termos medievais. Estar de posse de um livro como esse podia ser perigoso, não apenas para o bibliotecário mas para a ordem inteira. Em 1546, agentes da inquisição descobriram em um Monastério nos arredores de Turim uma vasta coleção de livros proibidos, entre os quais a Chave Menor de Salomão. O bibliotecário e três de seus assistentes foram presos e julgados por heresia, os livros recolhidos e enviados para Roma.

Mas voltemos a Valak.

Na vida real, Ed e Lorraine Warren, o celebrado casal de os investigadores do paranormal retratados nos filmes da franquia Conjuração do Mal, jamais mencionaram o nome de Valak. Em momento algum de suas investigações transcorridas em Amityville e Enfield, eles apontam Valak como causador dos incidentes paranormais. Tudo isso é uma criação dos roteiristas.


Outro detalhe curioso abordado no filme "A Freira" diz respeito a sinistra abadia localizada na Romênia. Na produção, ela é assombrada por uma presença demoníaca que elimina os monges um a um e pretende escapar de seu confinamento. Por bizarro que possa parecer, essa história parece inspirada em um incidente real, embora Valak não seja citado em momento algum.  

A Abadia em questão chamava-se Cârța ou Monastério de Cârța, e se localiza no Sul da Romênia, na região mundialmente conhecida como Transylvania. O lugar era tão isolado, sombrio e assustador quanto o prédio em estilo gótico que aparece no filme. O monastério pertencia a Ordem Beneditina, mas ele foi originalmente construído por monges cistercienses por volta de 1200 como uma igreja. Em algum momento do século XIII, o prédio se incendiou misteriosamente, várias pessoas ficaram presas no seu interior e morreram queimadas. Isso é claro, contribuiu para que alguns passassem a considerar o lugar assombrado.

Os monges decidiram transferir o que havia restado e que foi reduzido a ruínas para os beneditinos. Estes reconstruíram a estrutura e erigiram ali o seu Monastério. Dizia-se que os monges viviam em total isolamento e jejuavam ao longo de todo ano. O abade era um homem severo que obrigava a todos seguirem suas ordens sob pena de serem duramente disciplinados. Havia rumores que os irmãos dormiam sobre palha seca, eram proibidos de falar e que tinham permissão de trocar seus hábitos apenas uma vez a cada 3 meses. Os dias transcorriam em orações e trabalho pesado, o único alimento vinha de uma pequena horta e não era suficiente para todos. A vida deles era de extrema austeridade, em completa observância às regras de São Benedito que previa uma existência frugal, trabalho constante e humildade. 

Segundo as lendas, em algum momento os monges se rebelaram contra a tirania do abade. O sujeito teria sido assassinado e seu corpo colocado nas fundações do prédio principal, escondido atrás de uma parede erguida rapidamente para sepultá-lo. Acontece que o abade era parente do Rei da Hungria Matthias Corvinus que não ficou nada satisfeito com o acontecido. Em 1474 Corvinus mandou prender e torturar os monges até que revelassem quem havia participado da conspiração. Doze monges foram julgados, oito acabaram condenados e executados. O complexo foi então abandonado, ainda mais depois que muitos acreditavam que o lugar era assombrado pelo espectro do abade. Apenas no século XVII, o lugar foi renovado e transformado em uma igreja pela paróquia local.     


Os monges enterravam seus mortos em um pátio na frente do monastério que recebeu o nome de Jardim dos Sepulcros, onde supostamente a vegetação não crescia uma vez que a única coisa plantada ali eram cadáveres. Posteriormente o lugar recebeu os cadáveres de soldados mortos na Grande Guerra. Estranhamente uma escavação realizada em 1920 para remover os restos de militares e transferi-los para Bucareste, revelou duas ossadas de homens medindo dois metros de altura, uma estatura incomum tanto para a época quanto para os habitantes da região. Alguns passaram a acreditar que os dois eram vampiros ou homens vindos de terras distantes, ninguém jamais soube.

O estilo gótico da construção e as muitas histórias contadas ajudaram a construir uma reputação sinistra do local. O que não faltava eram incidentes inexplicáveis reportados pelos religiosos que habitavam as instalações. Tremores misteriosos, sombras espectrais que atravessam paredes e vozes gritando eram os fenômenos mais frequentes. Contudo havia ainda lamentos, cheiro de queimado e uma estranha presença fantasmagórica; um homem de aspecto maligno que teria sufocado mais de um sacerdote que se aventurava sozinho pelos corredores à noite. O rumor mais persistente é que esse seria o fantasma do abade, mas ninguém sabe ao certo.

Em meados de 2000, parte do monastério foi desativado e acabou se deteriorando rapidamente. Já em 2008 um campanário ruiu e o sino colocado ali em 1495 veio ao chão. Posteriormente a igreja foi restaurada e se tornou um destino procurado por turistas. É claro, o demônio Valak não parece ter qualquer relação com a história local, mas isso não impediu os roteiristas de criar uma conexão para escrever um filme.


Embora filmes assumam uma espécie de licença poética e criativa para mudar certos elementos da história e mitologia, alguns deles ainda possuem raízes no mundo real, com lugares que de fato existem e que são tão assustadores no mundo real, quanto no mundo de faz de contas. É curioso como alguns elementos aterrorizantes acabam se tornado material para entretenimento, como é o caso de Valak e do monastério romeno.

Na próxima vez que você assistir um filme de horror, talvez caiba se perguntar o quanto de sua história é baseada em lendas e quanto é focado no mundo real.

sábado, 13 de abril de 2019

Resenha de "Imperiais de Gran Abuelo" de M.R. Terci - O Inferno na Maldita Guerra


Não é de hoje, o Mundo Tentacular fala da obra de M.R. Terci. No quesito horror gótico brasileiro, esse autor e poeta paulista se destaca como expoente máximo, criando um terror extraído e destilado, diretamente da nossa história.

Ok, eu sei o que alguns vão pensar... para muitos a história do Brasil soa um tanto monótona. Não tem o mesmo frescor e empolgação da história de outras nações, forjadas a ferro e fogo e com personagens famosos. Ledo engano! Talvez, a nossa insatisfação com a história nacional se deva a aulas sem graça e ao decoreba de datas e acontecimentos. Sem um contexto e sem emoção, história acaba sendo tão interessante quanto leitura de bula de remédio. Por isso, talvez as histórias narradas nos livros de Terci conseguem nos atingir em cheio! Ele pega aquilo que é monótono e imprime emoção, sentimento e angústia como poucos. Apelando para palavras rebuscadas e incomuns, termos do vernáculo dos séculos passados e descrições das mais elaboradas, temos um panorama empolgante e visceral da nossa história. 

Eu já havia acompanhado os trabalhos anteriores dele, a trilogia do Bairro da Cripta, na qual ele nos apresentou a cidadezinha de Tebraria, o mais assombrado dos lugarejos brasileiros, local onde, segundo dizem, sempre é treva. Seu livro seguinte, Caídos, transporta a ação para o período colonial, acompanhando as peregrinações de um jovem aprendiz de feitiçaria português, que faz uma jornada infernal até dar em nosso quintal sinistro.


Mas é o quinto livro do Terci, "Imperiais de Gran Abuelo" (lançado pela Pandorga) que mais despertou minha atenção. Sou um fã do tema abordado, e estava muito curioso para saber como o autor lidaria com um dos capítulos mais sangrentos e obscuros da nossa história, a Guerra do Paraguai.

É curioso (e ao mesmo tempo lamentável) que o mais dramático dos conflitos do qual o Brasil tomou parte, seja sumariamente ignorado pelo seu povo. A Guerra do Paraguai, no entender da maioria, parece ter acontecido há tanto tempo que não faz sentido saber quando, e tão longe, que não interessa saber onde. Chocaria a muitos saber que não faz tanto tempo assim, e que a Guerra, embora tenha sido travada majoritariamente além de nossas fronteiras, esteve mais próxima do que se pode imaginar. Mais importante que tudo isso: brasileiros comuns foram para a luta, pegaram em armas, derramaram seu sangue, mataram e morreram. É triste que esse conflito seja uma mera nota de rodapé na maioria dos livros de história.

A despeito da imagem que se tem, a Guerra do Paraguai, chamada assim por ter ocorrido dentro e nos arredores dessa nação, foi monumental. Foi o maior conflito do continente, com envolvimento de participantes e baixas. Também transformou a história dos envolvidos: teve alto custo, acarretou perdas monumentais e reduziu ao menos um dos países à ruínas fumegantes. Não por acaso, ela é chamada pelos demais participantes de "Guerra Grande" ou ainda, "Maldita Guerra".

Ao se debruçar sobre a Guerra do Paraguai, o autor, mergulha nas entranhas do confronto. Relata com a costumeira competência acontecimentos fictícios, costurando sua trama ao tecido histórico. Como não poderia deixar de ser, mantém os dois pés fincados no horror, contando as idas e vindas de uma tropa, os Imperiais; veteranos de combates, familiarizados com massacres e atrocidades da guerra encarniçada. Os Imperiais não são apenas um bando de soldados, são verdadeiros guerreiros que respiram fumaça, tomam banho de sangue e pedem mais. 

Na história, cuja cronologia salta de trás pra frente e de frente pra trás, vamos sendo apresentados aos integrantes dessa Legião de Malditos. O personagem do título, o Gran Abuelo (ou vovôzão) é ninguém menos que Manuel Luis Osório, patrono do Exército brasileiro, comandante responsável por treinar os homens e levá-los à vitória. Uma vez morto e (à muito custo) sepultado, assume o comando o narrador da história, apelidado de Papá. É ele quem faz a ligação do comando com a soldadesca, e vai contando as experiências macabras vividas durante o desenrolar do conflito. 

Além desses dois personagens centrais, aos quais vamos conhecendo mais a fundo através dos flashbacks, temos vários coadjuvantes interessantes, identificados através de apelidos - doido, medroso, covarde, cicatriz, maluco... Cada qual com suas particularidades e um colorido que os tornam bastante reais. Cabe contudo, um alerta, não se apegue em demasia a nenhum deles...  

Acreditem em mim, eu adoraria descrever as aventuras medonhas e os percalços sinistros pelos quais a tropa passa em maiores detalhes, mas receio estragar a diversão alheia. Entrar de olhos vendados nessa trama é essencial para desfrutar de suas muitas surpresas e de seu panorama devastador. Posso adiantar entretanto, que embora seja um livro curto, com pouco mais de 200 páginas, o conteúdo é explosivo. Não falta ação, tiroteios, descrições de batalha sendo travadas entre homens e coisas piores, bruxaria, superstição, sangue e pólvora. O terror está em todo canto e espreita os Imperiais em sua descida por um Hades Negro além da fronteira Guarani. Mas há espaço para acidez e humor. Em mais de um momento, me surpreendi rindo com alguma peripécia inusitada. A leitura corre fácil e virar as páginas é ato contínuo, coisa que sempre considerei virtude de bons romances. 

Para os conhecedores do Bairro da Cripta, existem menções diretas e indiretas a velhos conhecidos, e o leitor atento pescará referências a personagens e lugares. Mas aqueles que ainda não exploraram os mistérios de Tebraria (o que esperam?), não precisam se preocupar, trata-se de uma história à parte, a primeira de uma trilogia já planejada. 

Pouco antes do lançamento, o autor me convidou para escrever o Prefácio e ler em primeira mão o livro. Confesso que fiquei preocupado com a tarefa, sobre o que iria escrever e se estava à altura. Mas depois de concluir a última página, as palavras fluíram facilmente. Espero ter conseguido transmitir em alguns parágrafos a sensação que tive ao ler o livro, e seguindo a cartilha do que é escrever um Prefácio, ter convidado à contento o leitor a avançar nas páginas seguintes.

Com tudo isso, recomendo a leitura de "Imperiais de Gran Abuelo" a todos os amantes de horror e aos órfãos da nossa história nacional. Aqui temos a rara chance de, através de entretenimento de altíssimo nível, vislumbrar um momento delicado de nosso passado. 

Aproveitem a viagem, sintam o aroma da pólvora seca, pois ele tem cheiro de história.

Adendo:
E fiquei sabendo que O Bairro da Cripta em breve ganhará uma nova edição com alguns novos contos e roupagem. Para quem não conhece, prepare-se...