terça-feira, 28 de novembro de 2023

A Procissão Celestial de 1913 - O dia em que um inexplicável fenômeno astral foi visto nos céus


Os céus guardam muitos segredos.

Todos os tipos de coisas estranhas e inexplicáveis já foram observadas nos céus, fenômenos que nos deixam embasbacados sem reação, surpresos e até mesmo assombrados. Alguns mistérios são tão surpreendentes que resistem a passagem do tempo, entrando para a história como enigmas inescrutáveis que jamais foram convenientemente explicados. Um destes mistérios ocorreu no ano de 1913, envolvendo um show de luzes brilhantes que até hoje permanece sem explicação. 

Tudo começou no dia 9 de fevereiro de 1913, um pouco antes das nove da manhã. Algo muito esquisito foi visto à princípio sobre os céus do Canadá, Estados Unidos e o norte do Oceano Atlântico. Muitas pessoas acreditavam se tratar de um fenômeno meteórico de algum tipo, consistindo no avistamentos de uma verdadeira procissão de algo entre 40 e 60 globos de luz brilhante, movendo-se lentamente em uma trajetória perfeitamente organizada. Testemunhas afirmaram ainda que os objetos voadores ao passar velozmente provocaram um ruído de trovão e deixaram um risco no céu. Muitos relatos mencionavam que o movimento dos globos envolvia aceleração e desaceleração e evoluções atípicas. A estranha procissão demorou quase 29 minutos para cruzar os céus noturnos e pode ser observada em regiões remotas do Canadá em face do céu limpo. Na mesma data, testemunhas em outras partes do Continente americano também relataram o avistamento de globos similares, supostamente os mesmos objetos se deslocando em velocidades vertiginosas. 

Testemunhas nos Estados Unidos, Bermudas e Brasil também se apresentaram nos dias que se seguiram para relatar o que haviam visto. A área coberta pela misteriosa esquadrilha em seu voo, era de aproximadamente 11 mil quilômetros, talvez até mais (!!!)  Na época, muitas pessoas pensaram se tratar de um fenômeno celestial incomum e nada mais. A população das grandes cidades já estava familiarizada com eventos como chuvas de meteoros, mas a quantidade e duração dela foi surpreendente. O espetáculo de luzes foi, na ausência de outra palavra, singular. 

O evento acabou atraindo a atenção de um astrônomo que começou a buscar informações e realizar cálculos, tornando a coisa muito mais bizarra do que se poderia imaginar. 


A Procissão Celestial de 1913 poderia ter sido quase esquecida não fosse o Astrônomo canadense da Universidade de Toronto, o Professor Clarence A. Chant. Curiosamente ele não chegou a ver o fenômeno com seus próprios olhos, mas se dispôs a reunir e analisar centenas de relatos feitos por testemunhas que tiveram essa sorte. Chant concluiu que o incidente foi "algo sem paralelo na historia da observação dos céus". 

Uma das testemunhas, um certo Walter L. Haight, residente de Toronto, no Canadá, escreveu sobre o acontecimento:

"Na noite em questão, eu estava voltando de uma caminhada quando meu colega que ia junto, gritou: “Olhe! Olhe aquilo!" e imediatamente levantei a cabeça para avistar um grande globo luminoso no céu que parecia estar viajando muito devagar - tão lentamente que seu movimento despertou minha mais viva surpresa e admiração... não sabia o que podia ser aquilo. Enquanto meu olhar estava fixo no grande corpo, e justamente quando ele estava prestes a desaparecer de vista, meu companheiro gritou novamente: “Olha! Ali e ali! Tem mais deles!” e eu olhei para cima e vi um grupo inteiro de itens semelhantes cruzando os céus. Antes que eu pudesse me recuperar do espanto, um novo grupo de corpos menores surgiu... eu comparei na época, aquele desfile astral a uma formação de embarcações da marinha de guerra, onde um grande cruzador avança guarnecido por esquadrões de torpedeiros e fragatas menores."

Mas o relato de Haight, um experiente marinheiro, não seria o único sobre o incidente. Haveriam muitos, muitos outros. Alguns fizeram menção a faíscas e bolas de fogo espetaculares sendo disparadas pelos objetos, bem como um rastro deixado pela passagem dos objetos à medida que eles rasgavam a abóboda celeste. Um observador em Appin, Ontário, escreveu:

"Parecia um enorme meteoro viajando de noroeste a oeste, que, ao se aproximar, se dividiu em duas partes. A forma como se deslocava era incomum. Pareciam duas barras de material em chamas, uma seguindo a outra. Eles lançavam um fluxo constante de faíscas e, depois de passarem uma pela outra, dispararam bolas de fogo para a frente, que viajavam mais rapidamente que os corpos principais. Eles pareciam passar lentamente e ficaram à vista por cerca de cinco minutos. Imediatamente após seu desaparecimento, uma bola de fogo, que parecia uma grande estrela, passou pelo céu atrás deles. Esta bola deixou um risco que demorou quase 10 minutos para desaparecer".

A procissão também foi vista por navios em alto mar. Um desses relatos vem de W. W. Waddell, primeiro imediato do SS Newlands, que na época estava na costa de Recife, no Brasil. Ele escreveu em seu registro oficial sobre o fenômeno:

"Oito sinos, meia-noite. – Tinha acabado de passar pela ponte e estava prestes a me retirar do convés para ir para meu aposento quando meu olhar foi atraído por uma estrela cadente brilhante no céu ocidental. Esta viajava pelos céus a uma altura de cerca de vinte graus acima do horizonte. À medida que avançava, parecia lançar faíscas para todo lado como um foguete de fogos de artifício quando explode... Tive tempo de gritar para o segundo imediato, que havia me substituído na ponte, perguntando se ele tinha visto aquilo. De repente, uma chuva de estrelas do mesmo tipo apareceu na esteira da primeira, cada uma delas oscilando na mesma velocidade e mantendo distâncias regulares umas das outras, todas deixando um rastro de estrelas menores após sua passagem. O imediato e dois marinheiros também viram o estranho incidente, mas nenhum de nós conseguiu entender do que se tratava".


Relato após relatos como estes, vindos de inúmeras fontes, fizeram com que Clarence Chant buscasse informações sobre o estranho fenômeno visto sobre os céus do continente americano, de norte à sul. Um elemento comum em praticamente todos os testemunhos era de que a procissão descrevia um movimento em linha reta "em um trajeto perfeitamente horizontal com uma deliberação peculiar, como se fossem conduzidos de forma racional". Os objetos na maioria dos relatos também se moviam muito mais lentamente no céu do que os meteoros típicos, não tinham nenhum radiante ou ponto de origem claro, não mostravam sinais de descida em direção à Terra, além de manter uma formação perfeita. Para completar a estranheza, a Procissão durou um período de tempo incomumente longo e cobriu uma distância muito maior do que qualquer outra chuva de meteoros normal. 

Chant descreveria o evento em seu artigo para uma edição do Journal of the Royal Astronomical Society, com o título "Um Extraordinário Evento Meteórico". Ele escreveu na introdução de seu ensaio:

"Como todos sabemos, a maioria das estrelas cadentes são visíveis durante pouco tempo, e as mais brilhantes geralmente descem em direção à Terra, aparentemente (como observou um dos meus correspondentes) “com muita pressa para chegar ao seu destino”; entretanto no incidente em questão viu-se corpos movendo-se vagarosamente. Alguns relatam que pouco antes de desaparecer estes corpos explodiam, deixando para trás um rastro de estrelas e faíscas, marcadas em alguns casos por grandes estrondos. Outros corpos astrais menores também eram vistos, cruzando o céu em uma formação peculiar que atendia requisitos de distanciamento e velocidade incomuns para qualquer meteoro já observado. Avançavam no mesmo ritmo, em dois, três ou quatro pares, com rastros fluindo atrás de si. Todos percorriam o mesmo curso e se dirigiram ao mesmo ponto no céu sudeste. Gradualmente, os corpos foram ficando menores, até que os últimos não passavam de faíscas vermelhas, algumas das quais foram apagadas antes de chegarem ao seu destino. Vários relatam que no centro da grande procissão havia uma estrela maior em forma de globo brilhando mais que todas as outras, até que ela também desapareceu".

Para a maioria dos observadores, a característica mais marcante do fenômeno era justamente o movimento lento e majestoso dos corpos; complementado pela igualmente notável formação que mantinham. Muitos obviamente os compararam a uma esquadrilha de aviões, contudo não havia nada nem remotamente semelhante entre os veículos aéreos de 1913. Os aviadores e seus aparelhos rudimentares teriam de se modernizar muito, antes de serem capazes de voar de maneira tão ordeira. Outros, compararam a formação a grandes navios de guerra, acompanhados por navios menores de apoio. Alguns ainda pensaram que se assemelhavam a um trem de passageiros brilhantemente iluminado, viajando em seções e visto a uma distância de vários quilômetros. O vôo dos meteoros também foi comparado ao de um bando de gansos selvagens, a vários homens ou cavalos em corrida e a um cardume de peixes, assustados e disparando em uma única direção. Esses e muitos outros detalhes interessantes seriam transcritos em relatos feitos em diferentes partes.


Quanto ao número de objetos há grande controvérsia. A estimativa habitual é de 15 a 20, mas alguns dizem 60 ou 100, enquanto outros afirmaram ter visto centenas deles. Várias razões podem ser atribuídas à discrepância entre esses números. Aqueles que dão números pequenos provavelmente referem-se apenas aos corpos principais, e como algumas pessoas têm melhor visão do que outras, onde alguém veria um único corpo, outros viam vários deles. Aqueles que relatam os grandes números incluíam, sem dúvida, fragmentos dos corpos maiores.

Curiosamente, houve descrições de uma segunda chuva de meteoros apenas 5 horas após a inicial, embora a rotação natural da Terra não devesse permitir tal ocorrência. No dia seguinte também haveria um avistamento estranho em plena luz do dia, sobre o qual o Toronto Daily Star noticiou:

"Por volta das 14 horas, algumas testemunhas oculares avistaram objetos estranhos movendo-se sobre o lado leste e passando rumo ao sul. Eles não foram vistos com clareza suficiente para determinar sua natureza, mas não pareciam ser nuvens, nem pássaros, nem fumaça, e foi sugerido que, talvez, fossem aeronaves cruzando o céu sobre a cidade. Contudo estavam tão altas e se moviam de forma tão incomum que a suposição foi abandonada. Posteriormente, presumiu-se que eles poderiam ter sido meteoros movendo-se na mesma direção daqueles vistos na noite anterior."

Os objetos teriam sido vistos movendo-se primeiro de leste para o sul, depois retornando na outra direção antes de desaparecerem de vista, o que significa que seria impossível serem meteoros normais. Não se sabe se este incidente teve relação com o evento da noite anterior. 

Quando o artigo de Chant foi publicado, gerou um enorme interesse entre outros astrônomos e cientistas, muitos dos quais analisaram o assunto por conta própria e criaram várias teorias para explicar a ocorrência, incluindo que tinha sido apenas uma chuva de meteoros normal ou composta de múltiplos aglomerados de meteoritos. Ou ainda, que foi um evento natural causado por um corpo ou grupo de corpos que ficou temporariamente preso na órbita da Terra e depois se desintegrou. O próprio Chant finalmente chegou a essa conclusão: que havia sido um aglomerado de rocha espacial errante que orbitou o planeta até cair na atmosfera e se desintegrar em várias partes. Ele no entanto reservou a hipótese de que poderia ser "qualquer outra coisa" tamanha a estranheza do movimento e incomum disposição dos objetos que constituíam o incidente. 


Entretanto, alguns não estavam tão certos da explicação natural para o incidente. O famoso pesquisador do sobrenatural, o escritor Charles Fort, sugeriria em seu livro de 1923, Novas Terras, que o incidente ocorrido dez anos antes não era natural, mas possivelmente um avistamento em larga escala de veículos alienígenas desconhecidos. Alguns outros pesquisadores do fenômeno OVNI também sugeriram isso.

Fort acreditava que naves alienígenas haviam sido vistas ao longo dos séculos e que incontáveis relatos sobre a presença de tais veículos, guiados por mentes conscientes, faziam parte da história. Ele escreveu: "Luzes, objetos e formas incomuns são descritas por testemunhas ao longo de toda história humana. Desde a Estrela de Belém até os mais recentes incidentes avistados quase que diariamente, os céus parecem fervilhar com atividade incomum e que carece de uma explicação razoável além do mero convencimento de que são meteoros ou meteoritos. Há algo muito mais estranho nos céus, e até o momento, ninguém foi capaz de explicar sua natureza verdadeira".

Ele definiu o incidente de 1913 como um dos maiores, senão o maior e mais impressionantes evento do início do século - uma Procissão de Objetos voadores não identificados, avistados por milhares de testemunhas ao mesmo tempo.

No fim das contas, até os dias atuais, cientistas e ufólogos, pesquisadores e céticos se dividem sobre o que aconteceu naquele dia em especial. O incidente permanece como um grande mistério astronômico cuja explicação nos escapa. O que torna ainda mais difícil solucionar o incidente é que não foram tiradas fotografias e apenas alguns esboços do ocorrido foram feitos por testemunhas. Com isso, ficamos com nada além dos relatos de testemunhas coletados por Chant e pesquisadores subsequentes sobre o assunto deixando tudo no reino do debate e da especulação.

O que foi visto, talvez nunca saibamos ao certo... mas em todo caso, é importante continuar observando os céus em busca de respostas. 

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Cinema Tentacular - Quando Chega a Escuridão (When Evil Lurks) - Joia do Cinema Argentino de Terror


É inegável que o Cinema de Terror se beneficiou enormemente do diabo e da possessão demoníaca. Nas últimas décadas, um gênero a parte se formou ao redor do tema, influenciado enormemente pelo sucesso pioneiro do filme O Exorcista. A produção de 1973 não foi apenas um divisor de águas dos filmes de terror, recebendo um reconhecimento inédito para um filme do gênero, mas abriu espaço para dezenas - quem sabe até centenas de outros filmes com assunto similar. O inocente possuído por forças malignas, a personalidade subitamente alterada, pervertida por uma entidade invasora, tudo isso já foi explorado ad-nauseum.

A última tentativa de revisitar o tema é mais uma sequência da saga de Exorcista, com o subtítulo o Devoto. Para surpresa de absolutamente zero pessoas, foi um fracasso ao bater na mesma tecla de sempre.

Entretanto, quase que ao mesmo tempo, outro filme de possessão demoníaca roubou o foco e a atenção de críticos e público e é desse que eu prefiro falar.

Dirigido pelo argentino Demien Rugna, Quando Chega a Escuridão (no original "Cuando achega la Maldad" ou ainda When Evil Lurks em inglês) escapa da fórmula dos espíritos malignos se insinuando sobre crianças, e oferece uma noção bem distinta, apresentando uma força sobrenatural que se espalha como uma doença, contaminando com perversidade tudo o que toca. O conceito é uma mudança muitíssimo bem vinda.



Lançado pela pequena IFC Films a produção chegou a apenas algumas salas fora de seu país, mas o boca a boca começou a circular entre os fãs, atraindo um público considerável para um filme estrangeiro de pequeno orçamento. Rugna fez sua estreia no circuito internacional alguns anos atrás com o excelente Aterrorizados, que também criou burburinho entre os entusiastas do gênero. Guillermo del Toro inclusive esta produzindo uma versão americana do filme e sua sequência pelas mãos do diretor também já foi anunciada. Mas é o novo filme que está chamando a atenção, criando o que os críticos norte-americanos estão chamando de "Satanic Hispanic". E toda essa repercussão é mais do que merecida, o filme é ótimo! Tanto que muita gente está elegendo esta pequena joia do cinema argentino como o melhor filme de Terror do ano.

É para tanto? Vejamos...

A trama se inicia com sons noturnos alertando os protagonistas sobre algo muito errado acontecendo perto de casa. Tiros são ouvidos à distância e estes despertam os taciturnos irmãos Yazurlo, Pedro (Ezequiel Rodriguez) e Jimi (Demian Salomon) que vivem em uma propriedade rural lá nos cafundós da Argentina. Esperando até o amanhecer para investigar, eles fazem uma descoberta tétrica em uma floresta próxima – a parte  inferior de um cadáver, dividido ao meio. Ao redor do corpo mutilado descobrem evidências indicando que o sujeito era uma espécie de Exorcista contratado para expulsar alguma entidade hostil. Os dois ficam assustados, e começam a buscar notícias sobre possuídos na região onde vivem. Eventualmente isso os leva até um barraco habitado por Maria Elena (Isabel Quinteros) e seus dois filhos, um dos quais se encontra tomado pela entidade maligna. Uriel (interpretado por diferentes atores sob uma grande quantidade de maquiagem medonha) está confinado em seu quarto, inchado, coberto de pústulas, vazando fluidos nojentos. Ele está vivo, o suficiente para implorar: "Mate-me".


Aparentemente, a coisa já se arrasta há um ano e embora as autoridades locais tenham sido notificadas, ninguém fez nada para sanar a situação. O exorcista demorou demais para responder e quando veio não conseguiu cuidar do problema. E que problema! Os Yazurlos insistem com a polícia para agir, mas os policiais os ignoram sumariamente. Percebendo que de alguma forma terão que lidar com o problema sozinhos, os irmãos recrutam um fazendeiro vizinho, Ruiz (Luis Ziembrowski), cuja principal preocupação é com a queda no valor de sua propriedade. A ideia dele para lidar com a questão é simples: mover o possesso quase morto e desovar o "podre" (termo repetidamente usado para os possuídos) em algum lugar. À contra gosto, os irmãos topam arrastar o pobre diabo até a caminhonete e dirigir até uma área deserta e inóspita onde podem descartar a criatura. 

No início é difícil entender como funcionam as superstições locais sobre entidades diabólicas e o que elas representam, mas esse estranhamento ajuda a criar uma sensação esquisita que permeia o filme inteiro. Não se sabe se aquilo é mera superstição, folclore ou se os personagens acreditam nessas coisas. De uma forma ou de outra, há várias crenças e regras sobre como se deve lidar com um possesso, sendo que uma delas deixa claro que ele sob hipótese alguma ele deve ser morto, pois isso acaba espalhando a praga.     

Aparentemente, mover o "podre" também acaba sendo uma péssima ideia. O objetivo deles é simplesmente transferir o problema adiante. De qualquer forma, depois de terem dirigido o suficiente, os homens descobrem que sua carga desagradável se perdeu no caminho e que o problema continua. Coisas cada vez mais terríveis começam a acontecer ao seu redor e os irmãos decidem fugir o mais rápido possível para tentar escapar da mácula que liberaram na terra. Durante a fuga, os dois tentam avisar a ex-mulher de Pedro (Virginia Garofalo) e os filhos. A continuação da fuga eventualmente leva à contratação de outro exorcista, mas a essa altura, a força demoníaca pode estar em qualquer lugar habitando qualquer um, pois é capaz de reanimar cadáveres, controlar animais e manipular os vivos através de ilusões. 


As situações grotescas vão se acumulando umas sobre as outras em uma sucessão de cenas viscerais e extremamente sangrentas. E é aí que o filme se sobressai! O roteiro costura as cenas de horror de forma a encadear os sustos e tirar o espectador de sua zona de conforto. A coisa vai piorando, mais e mais até o gorefest final quando o paradeiro do possesso - e seu plano diabólico - são descobertos. 

"Quando chega a Escuridão" tem um desenvolvimento muito bem feito e em termos de escala, é bem mais ambicioso do que Aterrorizados, transferindo a ação para uma fronteira maior. Enquanto o primeiro se limitava a uma casa e bairro assombrados, aqui temos um território muito mais amplo. Outro mérito da história é que os objetivos da entidade permanecem obscuros, praticamente insondáveis aos mortais. Ele é o mal em estado puro, uma força de caos implacável que existe apenas para atormentar os vivos e fazer com que eles sejam pervertidos. Curiosamente, não se trata de algo que pode ser combatido por crenças ou rituais religiosos, mesmo o trabalho dos "exorcistas" se desprende de inclinação teológica. O engajamento se dá através de crendices e rumores - por exemplo, a regra de não usar luz elétrica pois o espírito surge nas sombras criadas por lâmpadas.

Acompanhar os personagens em sua fuga desesperada, tentando se distanciar da área de influência da entidade, é uma agonia. Onde quer que eles vão, a presença dessa sombra maldita já parece ter chegado, não poupando ninguém - nem estranhos, nem amigos, sequer parentes. Uma das virtudes do filme é ser imprevisível e se recusar a dar trégua aos protagonistas (e por tabela ao público). Apesar de se recusar a amarrar as pontas soltas ou mesmo explicar o que se passa, o roteiro não frustra as expectativas, abrindo o apetite para episódios futuros, onde essas preocupações provavelmente serão abordadas. Nesse ponto, "Quando espreita a escuridão" pode ser o ponta-pé inicial de uma nova franquia.


O elenco é afiado e sua a camisa com personagens frequentemente espinhosos e irritantes, sempre retratados de modo convincente, permitindo-nos engolir a insistência do roteiro de que quase todos ali aceitam a realidade de uma invasão demoníaca com pouco ceticismo ou protesto. A atmosfera ajuda a imprimir um ritmo que altera momentos de contemplação com outros de ação vertiginosa. Já os efeitos visuais, todos eles práticos, estão ali para auxiliar a violência e fazer com que ela pareça sempre chocante. Em termos de impacto, o filme possui duas ou três cenas de cair o queixo. Sério mesmo, uma delas me pegou de surpresa de tal forma que eu dei um pulo do sofá.

"Quando chega a escuridão" pode ser confuso e quase arbitrário em alguns momentos, mas inegavelmente é um conceito inovador. Ele introduz um elemento diferente aos filmes de possessão concedendo novidade e frescor onde antes reinava a mesmice estéril. É uma façanha que ninguém havia ousado tentar. Se vai ser o bastante para renovar o tema, é cedo para dizer, mas com certeza é uma viagem estimulante de pavor. 

Trailer:


Poster Oficial:

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Portal para o Inferno - As lendas romanas sobre passagens levando ao Mundo das Profundezas


Desde o surgimento das religiões, muitas apresentam alguma forma de Inferno ou submundo, tipicamente retratado como um lugar de castigo eterno, tormento, sofrimento e desespero. Dependendo da cultura e da religião, o Inferno também pode ser um período intermediário entre as encarnações ou simplesmente uma terra sombria habitada pelos mortos. As várias versões do Inferno podem constituir uma outra dimensão, quem sabe, um plano de existência, ou ainda um lugar real em nossa própria realidade física, localizado nas profundezas da terra. 

Embora exista muito debate à respeito da natureza do Inferno, uma constante à respeito dele são as histórias persistentes de que ele não apenas existe, mas que pode ser acessado a partir da terra dos vivos. Este acesso se dá através de túneis, portais ou portas. Na Roma Antiga, estes caminhos que levavam ao Inferno eram uma crença persistente e muitos estudiosos se debruçavam seriamente sobre o tema.

Um destes lugares relacionado ao Inferno fica na costa norte da Baía de Nápoles. Há muito tempo, ele atrai a atenção das pessoas, estando repleto de história e mistério, mito e magia. Conhecido como Campo Flégero, é um recanto desolado; um terreno árido, coberto de destroços, ravinas e cortado por profundas aberturas subterrâneas que expelem fumaça e fogo. Lendas e fenômenos estranhos se apegam a esta paisagem estranha, sempre envolta num denso nevoeiro cinzento. Não é de admirar que esses campos sejam um local que desde tempos antigos se acredita existir um túnel que conduzia ao próprio Inferno. 

O Campo Flégero é um planalto que faz parte de uma antiga caldeira vulcânica não muito longe do Monte Vesúvio, o vulcão conhecido por devastar a orgulhosa cidade de Pompéia. A área fortemente vulcânica é pontilhada por aberturas fumegantes, fendas que expelem enxofre e até buracos de onde brotam chamas direto do solo. Ela era conhecida nos mitos gregos e romanos e estava fortemente associada a histórias de magia e profecia.

Uma das lendas mais populares aqui é a da Sibila Cumæan, uma profetisa, que é citada no épico de Virgílio, a Eneida, que conta a jornada do herói Enéias pela Terra dos Mortos. Esta profetisa recebeu o nome da cidade vizinha de Cumas, tendo ela mesma a lendária distinção de ser um dos locais de desembarque de Dédalo, o pai de Ícaro. A Sibila foi retratada como uma mulher agraciada com a imortalidade pelo deus do sol Apolo e dotada de poderes de profecia. Supostamente ela residia em uma caverna em Campo Flégero, um acesso para o submundo - o Hades. Seus poderes eram descritos como vastos, e Virgílio gostava de retratá-la sentada em sua caverna, rabiscando febrilmente o futuro nas folhas ou nas paredes de sua residência. 

A lendária Sibila

Uma história interessante sobre a Cumaean é que ela escreveu nove pergaminhos mágicos que supostamente delineavam todo o futuro de Roma. Ela teria oferecido esse saber ao Rei Tarquinius Superbus, também conhecido como Tarquin, o Orgulhoso, por uma quantia exorbitante. Quando o rei recusou a proposta inicial, a Sibila começou a destruir metodicamente os pergaminhos até que o rei finalmente desembolsou a grande quantia por ela havia exigida. Infelizmente, ele só conseguiu os últimos três documentos. 

Diz a lenda que o conteúdo dos pergaminhos era tão chocante que o Rei se desesperou após o ler pela primeira vez. Ele não quis compartilhar as informações com mais ninguém e decidiu guardar os manuscritos com todo cuidado, instituindo que eles só poderia ser lidos pelos futuros monarcas romanos. A ideia é que eles, e apenas eles, podiam conhecer estas Profecias. 

Embora tudo isso possa parecer fantasia, a história é significativa porque realmente existiu um rei chamado Tarquínio e sabemos que havia de fato três pergaminhos que vieram a ser conhecidos como Livros Sibilinos, que se acreditava serem os textos adquiridos por Tarquin. Esses pergaminhos eram trancafiados em um caixa de pedra nas profundezas do Templo de Júpiter cuja chave era passada de Rei para Rei. Embora não se saiba se eles tinham algum poder profético real, os romanos certamente pensavam que sim, já que se dizia que os pergaminhos tinham poderes mágicos. Em tempos de crise ou desastre iminente, era possível consultá-los para tentar evitar maiores tragédias ou se preparar para elas. Os pergaminhos eram considerados de extrema importância na época e eram protegidos a todo custo. 

Embora os guardiões protegessem esses pergaminhos com todo zelo, eventualmente o Templo de Júpiter foi destruído em um grande incêndio no ano 83 a.C. O mito afirma que em desespero por sua falha, todos os guardiões cometeram suicídio atirando-se em fissuras vulcânicas ardentes. O Governante ordenou então que agentes seus fossem enviados aos cantos mais distantes da terra em busca da Sibila, para que ela pudesse repor o conhecimento original. Eles jamais a encontraram e os segredos dos pergaminhos parecem ter se perdido nas chamas.  

Nem todas as passagens provavelmente fossem tão bem identificadas.

São esses intrigantes fragmentos históricos inerentes a esta lenda que atraíram almas aventureiras durante séculos que tentaram provar a verdade sobre o mito. Muitos acreditavam que poderia haver uma caverna real que servia de morada para a Sibila e que ela realmente conduzia às profundezas do Inferno. As características historicamente precisas do conto também fizeram com que historiadores, arqueólogos, folcloristas e estudiosos se perguntassem se realmente existiria tal lugar. E ainda que ele não conduzisse literalmente ao inferno, acreditavam que ela pudesse ser uma caverna ou sistema de túneis que teria dado origem à lenda. 

Várias pesquisas e expedições ao Campo Flégero foram realizadas ao longo dos anos para descobrir a localização desta caverna mítica, mas elas não encontraram sinal do local. Diante da falta de qualquer evidência física que apontasse para uma caverna ou túnel real na raiz da lenda, a possibilidade de sua existência parecia cada vez mais duvidosa e o Lar da Sibila desvaneceu-se mais uma vez em mero mito.

A lenda da Caverna de Cumæan poderia muito bem ter permanecido envolta em mitos e lendas para sempre, se não fosse por uma curiosa descoberta feita na década de 1950. Tudo aconteceu na antiga e luxuosa cidade de Baiae, localizada na porção ocidental do Campo e que foi, num passado longínquo um balneário bastante conhecido. Aqui, entre as ruínas de 2.000 anos, um arqueólogo italiano chamado Amedeo Maiuri tropeçou na entrada de um complexo de túneis até então desconhecidos. Cuidadosamente esculpido na rocha vulcânica ele levava a um colina abaixo da cidade. A entrada em si era um acesso simples, indefinido e estreito, escondido sob 4,5 metros de entulho e vinhas atrás de um vinhedo perto das ruínas de um antigo templo. Esta abertura era desconhecida e obviamente escavada por mãos humanas. Depois de mergulhar apenas alguns metros na escuridão da passagem estreita, rapidamente ficou claro que o local estava tomado por fumaça potencialmente perigosa. Além disso, o calor que emanava da escuridão logo se tornou insuportável. Os arqueólogos abandonaram a exploração do túnel e nos anos seguintes a entrada tornou-se uma espécie de curiosidade local.

Alguns anos depois, no início da década de 1960, um arqueólogo britânico chamado Robert Paget se deparou com a história dessa enigmática entrada do túnel e ficou imediatamente fascinado por ela. Paget era uma das poucas pessoas que realmente acreditava que a lendária Caverna da Sibila era um lugar real, e não uma simples lenda. Ele teorizou que talvez fosse esse túnel de calor infernal envolto em fumaça em Baiae que tivesse dado origem às lendas. Paget ficou obcecado com a ideia e decidiu penetrar nas profundezas misteriosas do túnel a qualquer custo. Reunindo um pequeno contingente de voluntários, Paget preparou-se para enfrentar as duras condições do túnel, a fim de desvendar seus mistérios e descobrir aonde ele levava. Seria um feito assustador que acabaria por levantar mais perguntas do que respostas.

A porta para o submundo.

Desde o início ficou evidente que não seria algo simples. O grupo foi imediatamente saudado por vapores vulcânicos expelidos da escuridão do túnel e eles descobriram que era difícil passar pela abertura, que, embora medisse 2,5 metros de altura, tinha apenas 54 centímetros de largura. Uma vez lá dentro, a temperatura revelou-se desconfortavelmente quente mesmo com os trajes de amianto que usavam. Entretanto, atraída pela promessa de descobertas surpreendentes, a expedição prosseguiu obstinadamente. Embora a passagem tenha se tornado mais larga à medida que avançavam, a equipe conseguiu penetrar apenas 120 metros no túnel até chegar a uma área inacessível devido a uma pilha de escombros. Além de se maravilhar com o esforço e engenhosidade que os povos antigos empregaram para escavar o túnel, Paget chegou à conclusão de que provavelmente ele foi usado para algum tipo de propósito ritualístico devido à sua posição em relação à entrada e à sua orientação. com a linha do nascer do sol e, portanto, o solstício. O mais provável é que em algum momento, um tremor de terras desviou um fluxo de vapor que dominou o complexo inteiro transformando-o em um inferno de calor, fumaça tóxica e chamas.

O muro de escombros impedia qualquer progresso adicional, mas para Paget a promessa de encontrar mais pistas era irresistível. Impulsionado pela sua obsessão em descobrir os segredos do local, o arqueólogo embarcou num ambicioso projeto para limpar o túnel e descobrir o que haveria mais adiante. Com recursos obtidos através de investidores estrangeiros, ele contratou indivíduos especializados em combater incêndios em estações petrolíferas e que lidavam com calor extremo. O grupo conseguiu avançar diante do obstáculo e ficou evidente para Paget que o túnel era apenas uma pequena parte de um complexo maior e muito mais intrincado que viria a ser conhecido como Antrum da Iniciação, ou o Grande Antro, meticulosamente construído e projetado para algum propósito desconhecido. 

Tudo o que Paget conseguiu discernir foi que o sistema provavelmente tinha uma natureza ritualística, uma ideia reforçada por pistas ao longo do caminho, como numerosos nichos para velas demasiado próximos uns dos outros para serem explicados por uma mera necessidade de iluminação. Havia também outras características de design exclusivo, como evidências de portas duplas que levam a passagens secretas, corredores para evitar que os visitantes vissem a seção adiante, portas pivotantes para lacrar passagens e sistemas de ventilação complicados. Tudo isso serviu apenas para aumentar o mistério sobre os túneis. Era óbvio que, quem quer que o tenha construído, sem dúvida dedicou a ele grande esforço e propósito ao projetá-lo.

Talvez o maior mistério dos túneis tenha sido encontrado nos níveis mais baixos, onde as temperaturas atingiam 55 graus e o ar era tão denso com vapores nocivos que era praticamente irrespirável. Foi em tais condições infernais, que Paget e companhia encontraram uma curva acentuada no final de uma passagem particularmente íngreme que parecia de alguma forma projetada para impedir que qualquer pessoa que se aproximasse visse o que havia no final até dobrar a esquina. Quando Paget e Jones fizeram aquela curva acentuada, foram confrontados com um riacho subterrâneo de água fervente que mais tarde chamariam de Rio Styx. Projetando-se neste fluxo superaquecido havia uma ilhota cujo propósito não pôde ser discernido. Do outro lado do riacho, outra passagem subia até uma antecâmara que Paget chamou de "O Santuário Oculto", que continuava até uma escada que levava à superfície e saía nas ruínas de grandes depósitos de água que outrora alimentaram termas romanas.

E no escuro, repousam os segredos e mistérios

No final, Paget e a sua equipe passariam quase uma década explorando este vasto sistema de túneis. Durante esse tempo, eles estudaram os mistérios e se convenceram de que o sistema de túneis e seu rio fervente deveriam ser uma representação da entrada para o submundo, o próprio Hades. Depois de anos de busca e obsessão, Paget finalmente encontrou sua lendária caverna da Sibila, ou pelo menos a caverna na qual ele acreditava que a lenda se baseava.

Para apoiar sua teoria, Paget apontou para a Eneida e argumentou que a viagem de Enéias e da Sibila ao submundo tinha uma semelhança impressionante com o layout do subterrâneo. Paget acreditava que os túneis seguiam de perto a jornada de Enéias e, de fato, imitavam fielmente viagens semelhantes ao Hades ao longo das lendas antigas. A data estimada da criação do complexo, por volta de 550 a.C., também era consistente com a época em que se diz que a Sibila viveu. Paget e Jones presumiram que os intrincados túneis do complexo pretendiam recriar uma viagem semelhante através do submundo e que o rio fervente representava o rio Styx, no qual o lendário barqueiro, Caronte, levava os visitantes para o outro lado. Foi teorizado que esta representação impressionantemente realista do Inferno seria suficiente para os sacerdotes do templo convencerem qualquer pessoa imprudente o suficiente para se aventurar através dos seus túneis de que o submundo era muito real. Este templo subterrâneo pode até ter apresentado uma pessoa desempenhando o papel da Sibila de Cumæan. Paget chegou ao ponto de sugerir que o próprio Virgílio pode ter sido um iniciado no templo.

As teorias de Paget foram recebidas com bastante ceticismo por parte da comunidade científica, que fez esforços para se distanciar de suas ideias polêmicas, em parte porque ele não era um arqueólogo profissional e também porque suas afirmações exageradas de que ele havia mais ou menos encontrado a entrada no submundo não agradava aos acadêmicos mais convencionais. Como resultado, as descobertas de Paget resultantes da sua exploração só foram publicadas em forma de livro muito mais tarde, e mesmo assim com uma clara ressalva de que as conclusões não eram consenso. Independentemente dos detratores e do acalorado debate, o trabalho de Paget continua a ser a tentativa mais completa de descobrir e explorar os mistérios do complexo até à data.

Muito pouco se sabe sobre o Grande Antrum, e não estamos mais perto de realmente entendê-lo do que estávamos quando sua entrada foi descoberta na década de 50. Há inúmeras questões desconcertantes à respeito dele. Quem o construiu e por quê? Quais são os propósitos de seus vários aposentos? Por que é que os visitantes não foram autorizados a ver a secção seguinte antes de fazerem a curva? Por que cessaram as atividades do complexo e por que as passagens foram bloqueadas com escombros? Os romanos sabiam que estava lá? Ele enterrado intencionalmente por eles e, em caso afirmativo, por qual motivo? Ninguém realmente sabe as respostas para essas questões. O único mistério que parece ter sido resolvido foi a origem da água quente do rio subterrâneo. Associados de Paget usaram equipamento de mergulho para explorá-lo e descobriram que ele era alimentado por duas aberturas que expeliam água superaquecida dos vulcões de Campo Flégero. Até que o local seja estudado mais profundamente, parece que o misterioso e há muito escondido Grande Antrum de Baiae e o seu ameaçador túnel para o Inferno continuarão a ser um dos enigmas mais desconcertantes da Roma antiga.

O calor e fumaça da entrada do Portão para o Hades

Mas essa não é a única entrada para o Inferno conhecida na época do Império Romano. 

Outra suposta porta está localizada na parte sudoeste da Turquia, na antiga cidade de Hierápolis, que foi fundada pelos Reis de Pérgamo no final do século II a.C. antes de ser tomada pelos Romanos em 133 DC e se transformou em uma movimentada cidade termal. Aqui há um lugar chamado Ploutonion, dedicado ao deus Plutão, também conhecido como o Deus do submundo, e que por muito tempo fez jus à sua reputação de suposto portão para o próprio inferno.

O santuário foi erguido a partir das lendas de que nas profundezas haviam cavernas habitadas pelo Cão Infernal de três cabeças Cérbero. Os gases tóxicos que emanavam do solo eram, segundo os habitantes o hálito da fera confinada. Há menções de animais que caíam mortos na entrada do túnel, e até pássaros que se precipitavam do céu atingidos por uma lufada desses gases tóxicos. Convencidos de que isso era uma evidência de um portal para o submundo, o Ploutonion foi erguido no local e os peregrinos começaram a trazer animais para serem sacrificados. Os sacerdotes do templo conduziam esses animais para dentro do templo, onde eles cairiam milagrosamente de repente no chão, mortos pelo que parecia ser a vontade divina, enquanto seus guias permaneciam saudáveis. O efeito surpreendeu tanto plebeus quanto estudiosos durante séculos, sendo visto como uma verdadeira evidência dos poderes do portal, com o geógrafo grego Estrabão escreveu certa vez:

"Este espaço está cheio de um vapor tão nebuloso e denso que mal se consegue ver o chão. Qualquer animal que passe por dentro terá morte instantânea. Eu joguei pardais e eles imediatamente deram seu último suspiro e caíram."

Uma representação clássica do Cérbero, o Cão do Inferno

O local permaneceu como um mistério por séculos, e só recentemente ele foi resolvido. Em 2013, Hardy Pfanz, biólogo vulcânico da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha, viajou até o Ploutonion para obter algumas respostas e conseguiu chegar à conclusão de que as mortes de animais poderiam ser atribuídas a gases geogénicos, ou seja, gases emitidos. durante processos geológicos. Sua equipe descobriu que o mesmo sistema de ventilação vulcânica que alimentava as fontes termais da área emitia níveis elevados de dióxido de carbono nas proximidades do santuário. Pfanz diria sobre isso:

"Quando li as descrições dos escritores antigos, comecei a me perguntar se poderia haver uma explicação científica. Eu me perguntei: esse Portão para o Inferno poderia ser uma abertura vulcânica? O santuário de Plutão foi construído no local do que se pensava ser um “Portão para o Inferno”. Não tínhamos certeza do que encontraríamos. Poderia ter sido inventado, poderia não ter sido nada. Certamente não esperávamos obter uma resposta tão rapidamente. Vimos dezenas de restos de animais ao redor da entrada: ratos, pardais , melros, muitos besouros, vespas e outros insetos. Pudemos ver as propriedades letais da caverna durante a escavação. Vários pássaros morreram ao tentarem se aproximar da abertura, mortos instantaneamente pelos vapores de dióxido de carbono. Então, soubemos imediatamente que as histórias eram verdadeiras. Apenas alguns minutos de exposição a 10% de dióxido de carbono podem matar, então os níveis aqui são realmente mortais. Quase certamente a escolha da localização do Ploutonion estava diretamente relacionada às aberturas de gás sísmico que existem aqui. Dado que o submundo e as divindades e mitos associados a ele eram uma parte significativa do suas crenças religiosas, fazia sentido que eles construíssem templos e santuários em lugares que evocassem o mundo que eles acreditavam estar sob seus pés. o lendário sopro de Cérbero é na verdade dióxido de carbono vindo das profundezas da terra. Naquele momento, percebi que havíamos resolvido esse antigo mistério; foi uma sensação realmente fantástica."

Quanto ao motivo pelo qual os sacerdotes permaneciam ilesos quando os animais morriam, presume-se que a concentração de dióxido de carbono mudava em diferentes momentos do dia e acumulava-se perto do chão durante os rituais, onde os animais recebiam uma dose letal. 

Ainda outro antigo portal romano para o Inferno fica bem no centro de Roma, no Forum Romanum. Aqui encontra-se o que era conhecido como Lacus Curtius, ou "Lago de Curtius", um poço misterioso que se acreditava ter aberto na terra para servir de túnel para o submundo. Embora a história do Lacus Curtius seja obscura, uma lenda popular foi relatada pelo historiador romano Tito Lívio e diz respeito a um oráculo que apareceu durante um período de conflito e previu a Queda de Roma. O misterioso oráculo disse que se o povo de Roma não sacrificasse aquilo que eles consideravam mais querido ao submundo, a cidade murcharia e se desintegraria em pouco tempo, após o que um abismo apareceu de repente na terra, suas entranhas famintas pela oferta. O oráculo avisou que se a oferenda não fosse feita na boca da cova, ela continuaria se abrindo até devorar a cidade completamente.

O Fogo do Inferno arde sem parar

As pessoas da cidade se reuniram em torno deste estranho poço, e todos os tipos de objetos de valor e tesouros foram jogados nele. O Lacus Curtius reuniu em torno de si uma atmosfera de medo e densa superstição, e todas as oferendas foram em vão até que um jovem guerreiro chamado Marcus Curtius, membro de uma família romana muito antiga chegou à conclusão de que o que o Poço do Inferno demandava um sacrifício humano. Ele deduziu que era a juventude, a coragem e o poderio militar que os romanos mais prezavam, e então vestiu uma armadura de batalha completa e se lançou no fosso, após o que a terra se fechou e Roma foi salva. 

Diz a lenda que o poço ainda retém poderes mágicos, supostamente permitindo a comunicação com os mortos. O Lacus Curtius foi pavimentado há muito tempo e, nos tempos modernos, não passa de uma laje circular bastante discreta de pedra antiga colocada no meio do Fórum Romano, selando o suposto fosso. Contudo histórias continuam sendo contadas a respeito dele, transformando-o em uma atração turística popular. O Portal do Submundo, como ele é conhecido possibilitaria aos interessados conversar com os mortos e condenados ao Hades, se eles simplesmente estiverem dispostos a isso. Aquele que toca a laje com as mãos e faz uma pergunta, pode em seguida colar o ouvido na laje à espera de uma resposta vinda do outro lado. 

Portais, passagens e túneis para o submundo fazem parte de lendas muito antigas, a maioria delas fantásticas, contudo, não repousa no mundo real a base para a maioria das lendas? Embora tudo isso pareça simples mito quem pode saber ao certo se um (ou todos) esses lugares não conduzem ao coração do Inferno?

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

RPG do Mês: Blade Runner - O Mundo retro futurista de um clássico Sci-Fi


Blade Runner – The Roleplaying Game oferece um vislumbre incrivelmente pessimista de um mundo escuro, claustrofóbico e simplesmente aterrorizante. Nessa ambientação retro futurista os jogadores são confrontados com um cenário de incertezas onde até mesmo aquilo que os define como "humanos" é colocado em dúvida.

Bem vindos ao futuro, em uma Los Angeles devastada pela guerra, poluição e degradação ecológica, onde a escuridão é quebrada por anúncios de neon, promessas de um mundo melhor (para uns poucos) e a certeza de uma vida sem sentido. A existência nesse ambiente é pontilhada pela luta diária por sobrevivência na selva urbana. É nessa metrópole gigantesca que membros da força policial tentam impor a lei e a ordem em meio ao caos reinante. A maior ameaça pode assumir a forma de qualquer pessoa, pois misturados na multidão escondem-se perfeitas réplicas de seres humanos. Eles se mantem ocultos entre aqueles que foram criados para servir. Eles atendem pelo nome de Replicantes, androides mais fortes e mais rápidos que nós, que farão qualquer coisa para sobreviver. Os jogadores assumem o papel de Blade Runners, implacáveis Caçadores de Androides. 

O ano nominal do jogo é 2037. A Wallace Corporation se tornou a empresa mais rica e poderosa do mundo, usando os avanços e patentes da devastada Tyrell Corporation. Num mundo de Mega Corporações interessadas em controlar cada aspecto da sociedade, ela é o jogador mais poderoso. Na cronologia do jogo, a Wallace acaba de introduzir o Nexus-9, um modelo de replicante mais avançado do que tudo criado até então. As Nações Unidas classificaram os Nexus-9 como replicantes “seguros” e concedem-lhes o estatuto de cidadãos de segunda classe com direitos limitados. Mas até que ponto eles são confiáveis e até que ponto a humanidade irá aceitá-los? 

As Unidades Rep-Detect (Blade Runners) da policia são responsáveis por investigar crimes relacionados a replicantes e algumas até empregam unidades Nexus-9 em suas fileiras. Cada cenário de Blade Runner RPG apresenta uma investigação – ou Case File, no qual um pouco desse vasto submundo de intriga e sordidez vem à tona. E cabe aos personagens chafurdar nesse mar de lama e decidir expor ou não as suas entranhas.


Essa é a premissa básica de Blade Runner RPG, publicado pela Free League Press, uma das editoras mais bem sucedidas dos últimos anos, responsável por material de alta qualidade como Alien, Tales from the Loop, Forbidden Lands e vários outros títulos que tem conquistado cada vez mais destaque. Blade Runner é baseado no romance "Do the androids dream with eletrical sheep?" de Phillip K Dick, um dos marcos da literatura sci-fi, embora a inspiração maior seja a clássica versão cinematográfica de 1982 e a mais recente de 2019. Bebendo dessas fontes, Blade Runner RPG surgiu como uma ambientação cercada de enorme expectativa.

Mas o que esperar desse jogo?

O material básico de Blade Runner foi publicado em dois formatos. O primeiro mais tradicional é o Livro Básico, contendo as regras completas e os detalhes da ambientação. Ele oferece todo o pano de fundo para construir aventuras nesse universo sufocante e criar suas próprias investigações. O segundo lançamento é o Starter Set, uma caixa com material mais sucinto contendo as regras que possibilitam o jogo (sem aprofundar em detalhes), uma longa aventura introdutória e uma série de agrados como mapas, cartas, fichas, recursos do narrador, dados e tudo mais necessário para jogar.


Do ponto de vista da Editora é uma bela jogada de marketing. O Starter Set é incrível, o material é de altíssima qualidade, mas para conhecer todos os detalhes e segredos da ambientação, o ideal é ter também o Livro Básico. Ou seja, no fim das contas, quem se interessar pelo jogo vai acabar precisando ter ambos já que eles se complementam.

O Livro Básico apresenta o panorama completo desse universo, explicando como o mundo se transformou naquele inferno de alta tecnologia, estéril e impessoal. Ele oferece uma cronologia dos eventos principais e de como o surgimento dos Replicantes alterou o curso da história humana. De como nossa espécie se lançou em uma corrida rumo ao espaço onde nem todos são bem vindos e onde corporações megalomaníacas decidem o rumo da sociedade. Explica também os detalhes de um evento chamado Black-out que devastou o mundo digital e tornou tudo ainda mais difícil e confuso. Entender como o mundo de Blade Runner se degradou é essencial para mergulhar na proposta da ambientação e entender como pensam os personagens inseridos nele. 

O tema central do jogo envolve investigações policiais numa pegada noir. Embora os personagens sejam essencialmente Caçadores de Replicantes, há uma vasto leque de histórias que podem ser contadas. Não são apenas aventuras envolvendo androides em fuga, há espaço para terrorismo, contrabando de armas, corrupção, espionagem industrial, combate a sindicatos de crime organizado e o que mais o mestre quiser trazer. O ambiente de Blade Runner é rico em possibilidades narrativas e na minha opinião é um dos melhores para simular procedimento policial e investigativo.


As investigações transcorrem em turnos (shifts) - um dia, é dividido em quatro turnos cada um de seis horas. Os policiais precisam realizar diligências, colher testemunhos e efetuar apreensões, e ainda encontrar tempo para descansar e escrever relatórios para seus superiores. Os jogadores são aconselhados a se dividir e seguir caminhos diferentes para maximizar a descoberta de pistas. Haverá momentos em que o grupo terá de se separar e assim cobrir uma área maior já que LA é uma metrópole gigantesca.

Um investigador sofre Stress - seja por tentar forçar o sucesso em testes que falhou, por trabalhar sem o devido descanso ou por ser confrontado com situações limítrofes. Caso eles sofram mais stress do que podem suportar, os personagens são "quebrados" e tem que lidar com limitações, medo e apreensão. Ao simular a dureza do dia a dia e as terríveis escolhas que os personagens tem que fazer durante uma investigação, o sistema se mostra bastante inovador. Um personagem "quebrado" fica comprometido mentalmente, não consegue responder ou agir, se ele for um Replicante, a coisa é ainda pior! Os androides, mesmo os avançados Nexus-9, não conseguem lidar bem com o stress mental e acabam surtando. Para ajustar essas questões, precisam passar por um teste que restaura sua condição, mas que mina seus progressos para se ajustar e se comportar como humanos.

Um investigador em Blade Runner RPG é criado de forma bem simples. Os personagens tem quatro Atributos - Força, Agilidade, Inteligência e Empatia, e treze Habilidades, três governadas por cada atributo. A décima terceira habilidade é Conduzir Automóvel, cujo atributo está ligado ao Veículo sendo dirigido. Tanto os Atributos quanto as Habilidades possuem uma letra que específica o quão capaz seu personagem é naquele pormenor. "A" significa que ele é extremamente capaz em um atributo e muito competente numa habilidade, enquanto "D" denota uma capacidade reduzida e habilidade ínfima. "B" e "C", constituem valores medianos. As letras correspondem a um tipo específico de dado que formará a parada de dados a ser usada para os testes. Um "A" se traduz em um d12, o "B" é igual a um d10, o "C" um d8 e o "D" equivale a um d6. Quanto mais alto o dado melhor.


Para realizar um teste, o jogador rola um dado equivalente a letra de seu atributo e um para a letra da Habilidade a ser testada. Por exemplo, se ele testar Armas de Fogo onde tem um "B", a Habilidade é derivada de Agilidade onde ele tem um "A". Nesse caso, ele irá rolar dois dados, um D12 e 1d10. O número alvo em qualquer rolagem de dados é 6 que simboliza um sucesso. Rolamentos de "10" ou mais se traduzem em dois sucessos. Geralmente um sucesso basta para a tarefa ser realizada, contudo, múltiplos sucessos resultam em maior competência, presteza ou resultados mais expressivos. Nos combates quanto mais sucessos obtidos, maiores os danos infligidos e maior a chance de produzir um dano crítico (e danos críticos aqui são devastadores). 

Uma tarefa simples garante uma Vantagem. Nesse caso, o jogador recebe um dado adicional para o teste no valor do menor dado rolado. Por outro lado, uma tarefa especialmente difícil impõe uma desvantagem que remove o dado mais baixo. Se os dados não ajudarem, o personagem pode Forçar o teste e tentar novamente, sabendo que receberá um ponto de Stress e um adicional por qualquer resultado "1" que obtiver na segunda tentativa. Um humano pode Forçar o teste uma única vez, já um Replicante pode fazer isso duas vezes.

Além disso, os investigadores possuem Especialidades que são façanhas específicas que os personagens realizam e que estão associadas aos Arquétipos escolhidos no momento de sua criação. Esses Arquétipos - que funcionam grosso modo como classes, definem quem é seu investigador e qual função ele desempenha na Força Policial de Los Angeles. Entre os Arquétipos disponíveis temos o Inspetor, que é o Detetive por excelência, o Analista Pericial que processa as pistas, o Porta Voz versado em lidar com o público, o Enforcer que é basicamente um matador de androides, o Fixer especializado em agir no submundo e conseguir itens clandestinos e o Skimmer, um tira corrupto que opera à margem da lei. Além disso, temos o Doxie, um arquétipo usado apenas por Replicantes treinados como policiais.   


O sistema de Blade Runner RPG é um derivado direto dos engines da Free League. Quem já jogou qualquer um dos títulos da editora, vai reconhecer elementos comuns nesse sistema com outros, especialmente Alien e Tales from the Loop. A principal diferença é que em Blade Runner há o uso de outros dados além do d6. Em essência, o sistema é bem similar e fácil de compreender, assim como todas variantes do Year Zero original.

A ficha de personagem é complementada por outros dois elementos importantes. O primeiro deles é uma Memória Chave que pode ser usada uma vez por sessão de jogo para auxiliar em um teste importante. Além disso, os personagens possuem Relações Chave, pessoas importantes que os ajudam a superar o Stress sofrido e se recompor mais rápido. Usar esses recursos em jogo também se traduz em ganhar pontos de Humanidade no final da sessão que podem ser gastos para melhorar suas habilidades. Por fim há Pontos de Promoção, que ajudam seu personagem a progredir dentro da Força Policial de Los Angeles, mas que podem ser queimados para obter favores, contatos e equipamento no decorrer de um caso. No final de uma Investigação os jogadores ganham pontos de Promoção dependendo do seu sucesso. Eles também podem ser trocados por avanços na sua ficha como um tipo de Experiência (XP).

Mecanicamente, Blade Runner RPG é bastante simples e intuitivo. Não vou tentar dissecar cada aspecto e pormenor das regras nessa resenha, mas posso dizer que os jogadores e o mestre não encontrarão muita dificuldade em fazer com que o jogo role sem grandes imprevistos no que diz respeito a mecânica do sistema. Aliás, esse é um grande ponto a favor do jogo, manter as regras leves para permitir uma melhor descrição e interpretação.

Vou fazer só um adendo a dois elementos específicos presentes nas regras que precisam ser salientados.


O primeiro é o sistema de Perseguições (Chases) que oferece uma mecânica para simular esse tipo de situação muito corriqueira em cenários policiais. Blade Runner tem uma forma de emular as perseguições policiais, seja a pé ou usando veículos, de uma forma bastante simples. Através de rolamentos de dados e comparações de resultado em tabelas as perseguições pelas ruas apinhadas de civis ou pelos céus da cidade à bordo de Spinners (os carros voadores). Estas perseguições podem ser bem empolgantes e trazer resultados imprevisíveis. Geralmente não sou muito fã desse tipo de regra. Em Chamado de Cthulhu, por exemplo, eu sequer utilizo, mas aqui achei bem interessante e proveitoso.

O segundo elemento que merece destaque nas regras é a forma como se dá a resolução dos combates. Acredite em mim que você não vai querer lutar nesse jogo. Isso porque, em Blade Runner, o combate é rápido e potencialmente letal para todos envolvidos. A Iniciativa é decidida através de cartas e as ações se traduzem em movimentos, golpes desferidos ou tiros disparados. Até aí nada demais, certo? 

O grande diferencial é que sucessos em um teste para acertar o oponente resultam em dano crítico com incrível facilidade. Para que um ataque se torne crítico, só é necessário acumular dois ou mais sucessos o que não é tão difícil dependendo dos dados usados. Os acertos críticos por sua vez, são devastadores não apenas causando mais dano, mas abrindo um leque de possibilidades que englobam ferimentos debilitantes e letais. Um acerto crítico em um tiro pode ser mortal se acertar na cabeça ou perfurar um órgão interno. Mesmo áreas não vitais atingidas em um rolamento crítico podem gerar graves desvantagens e minar a capacidade de continuar lutando. Como resultado, ouso dizer que Blade Runner talvez tenha o sistema de combate mais mortal dentro os jogos da Free League. Aqueles que entrarem em um combate de forma displicente arriscam perder o personagem muito rápido. Isso sem dúvida incentiva os jogadores a tomar cuidado e buscar maneiras criativas de lidar com as situações, sem descambar para a troca de sopapos ou tiros. A violência dos combates é um fator bastante significativo no sistema e que torna qualquer resolução imprevisível ao extremo.


O Livro Básico traz mais detalhes sobre o funcionamento do Departamento de Polícia de Los Angeles onde os investigadores estão baseados. Ele lista alguns dos recursos disponíveis e como funcionam as instalações que auxiliam os investigadores enquanto estes tentam elucidar o Caso. A "Torre", a sede do Departamento, fornece uma estrutura auxiliar para alavancar a análise de pistas e a proteção de suas fontes. Esse capítulo é bem útil para o Narrador pois discute o funcionamento do sistema e como coordenar a dinâmica dos Casos. 

O equipamento tecnológico disponível é abordado no Capítulo "Ferramentas do Negócio" que inclui a utilização de itens como a Máquina Voight-Kampff e o Teste Base Pós-Traumático, empregados em interrogatório para descobrir replicantes ocultos. As traquitanas tecnológicas também merecem destaque com uma fartura de itens que podem ser requisitados para ajudar na investigação. Além disso, temos uma lista de armas e veículos, incluindo a famosa Pistola PK-D Blaster, além do clássico LAPD Spinner – Modelo de Detetive, o Carro voador visto nos filmes. O trabalho de adaptação dos itens presentes no filme é excelente e denota que os autores pesquisaram o material original e extraíram dele tudo o que podiam.

Infelizmente, o Livro Básico não inclui uma aventura pronta para mostrar ao Narrador o caminho das pedras. O Starter Set, por outro lado, possui uma aventura longa e bem intrincada. O Arquivo do Caso tem como título Electric Dreams. Na verdade, ele é a primeira parte de um arco de campanha chamado ‘The Immortal Game’, que a Free League pretende lançar em seus próximos suplementos. Electric Dreams se inicia com uma cena clássica quase exatamente como a da introdução de Deckard em Blade Runner. É um toque genial, que conecta os jogadores a fonte de inspiração do RPG - por sinal, aconselho a narradores e jogadores assistir os filmes para se familiarizar com termos e elementos. 


A investigação envolve um Replicante desaparecido, que trabalha para a Unidade Rep-Detect. Os investigadores são designados para descobrir seu paradeiro. A investigação é apoiada por uma série de recursos de alta qualidade para os jogadores manipularem, uma contagem regressiva de eventos para o narrador desencadear, eventos de tempo por inatividade para tornar a vida do Investigador mais interessante e descrições de pistas, locais e NPCs. Há conselhos sobre como conduzir a história com um, dois ou três investigadores e sobre como substituir personagens perdidos ou afastados. O cenário é bastante complexo e provavelmente levará várias sessões para um grupo chegar ao fim dele, já que os Investigadores precisam se dividir para cobrir múltiplas trilhas de pistas. A conclusão potencialmente levará a escolhas questionáveis à medida que mais e mais mistério são revelados e os Investigadores têm de escolher qual o melhor curso a seguir. Os fãs de Blade Runner irão certamente gostar, pois a trama visita diversos locais familiares e introduz personagens vistos nos filmes.

Fisicamente, Blade Runner – Roleplaying Game é muito bem produzido e realizado. Tanto o Starter Set quanto o Livro Básico contém material de primeira qualidade, o texto é distribuído em caixas ao longo das páginas em fundos predominantemente escuros. A arte é excelente, lembrando muito o estilo visto em Alien RPG, com cenas evocando a aura sufocante de uma cidade escura e assustadora - super povoada, suja e repleta de sombras e luzes de neon. Eu gostei muito dessa arte e de como ela contribui para construir a atmosfera geral da ambientação. O projeto de cartografia é ótimo, sobretudo no imenso mapa que acompanha o Starter Set e que mostra os detalhes da conturbada geografia urbana da Los Angeles de 2037. O material que acompanha o Starter Set é incrível, incluindo as cartas que agilizam iniciativa e as cenas de perseguição, passando por Recursos do Narrador incríveis com folhas de jornais e capas de revistas, além de um conjunto de dados personalizados. É um prazer abrir uma caixa contendo material de tamanha qualidade e esmero.

Blade Runner – The Roleplaying Game é um excelente acréscimo a linha de produtos da Free League e uma demonstração de como essa empresa sueca está rapidamente se transformando em uma das principais criadoras de jogos na atualidade, Com material muito bem produzido e temáticas excitantes a Free League se coloca como um dos nomes mais quentes do mercado, capaz de atrair mais e mais jogadores a cada anúncio feito.

O material irá atrair agradar os fãs dos filmes Blade Runner, bem como os entusiastas de ficção científica, do gênero cyberpunk e de neo-noir, mas também irá agradar aqueles que gostam de investigação e procedimento policial. Ainda não há previsão de uma editora trazer esse jogo para o Brasil, mas não duvido que isso aconteça dentro em breve. Quem conseguir colocar as mãos nele terá um belo material.





terça-feira, 7 de novembro de 2023

Procissão das Criaturas - Monstros ganham as ruas no Halloween

Semana passada tivemos o Halloween, uma data festiva que rende uma das festas mais divertidas de nosso calendário.

Pela primeira vez aproveitei da festividade na minha cidade natal, Santa Cruz do Sul, RS, e descobri como essa festa é grande por essas bandas.

Batizado pelos organizadores de Procissão das Criaturas, o evento que ocorre desde 2015 surgiu espontaneamente com um grupo de pessoas que foi se juntando para simplesmente vestir fantasias assustadoras e desfilar pelas ruas do centro da cidade. De lá para cá, em menos de 10 anos, a Procissão passou de um grupinho de 200 indivíduos para uma multidão que na semana passada atingiu mais de 60 mil pessoas. Considerando que se trata de uma cidade de 150 mil habitantes não é pouca coisa. E veio gente de toda região para participar, adultos, crianças, casais, idosos e famílias inteiras.

Nem o tempo frio e nem a chuva que caiu afastou as "criaturas" que se reuniram na Praça Central para o início da caminhada que cobre 5 quadras. Entre Jasons, Freddy Kruggers, Leatherfaces, Michael Myers, Wandinhas e outros personagens, havia espaço para todo tipo de figura popular proveniente de filmes, séries, literatura, quadrinhos ou da cultura pop. É impressionante a dedicação e comprometimento do pessoal que cria as fantasias e investe na superprodução, ainda que nem precise de tudo isso já que qualquer fantasia está valendo para se juntar ao desfile.

Essa foi minha primeira participação, então escolhi encarnar um personagem que realmente gosto - ninguém menos do que o Dr. Herbert West, o protagonista do conto Herbert West: Reanimator de H.P. Lovecraft. Famoso pela atuação antológica de Jeffrey Combs no filme Reanimator de 1986, esse é um clássico do cinema trash e um dos filmes icônicos da minha infância/adolescência. Fico feliz de que várias pessoas reconheceram o personagem. 

Não foi tão difícil montar a fantasia de Herbert West: um jaleco, gravata e calça preta, óculos e uma seringa com um líquido verde fosforescente e pronto! Ah sim, sangue, muito sangue! O suficiente para simular alguém que realizou ao menos meia dúzia de autópsias em pacientes que ainda se moviam. Fantasia pronta!

E assim participei da minha primeira Procissão das Criaturas em Santa Cruz. Primeira de muitas!

Bom ver que o Halloween está vivo e forte e ainda existem lugares onde as pessoas estão dispostas a se reunir com o intuito único de se divertir personificando os monstros que tanto amam.

À seguir, algumas das fotos que eu tirei no evento, nelas é possível perceber o quanto o pessoal leva a sério a brincadeira!































Bom é isso aí. Feliz Dia das Bruxas!!!!