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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Da treva à treva - O dia em que Zé do Caixão morreu


Num dia como outro qualquer, uma quarta feira de fevereiro, morreu Zé do Caixão.

Se tinha alguém que eu achava que ia viver para sempre, esse alguém, era o senhor José Mojica Marins, que se tornou alter ego de seu personagem mais famoso.  

Acabei de saber do falecimento dele, e como tenho um Blog de Horror pensei em escrever um resumo sobre a sua carreira. Mas acho que seria mais do mesmo... imagino que muitos já vão fazer isso e soaria repetitivo. Ao invés de ir por esse caminho, prefiro contar uma história do Zé do Caixão e do que ele representou para mim, enquanto fã do gênero terror.

A primeira coisa que tenho que deixar claro é que quando era criança, eu tinha um medo profundo  do Zé do Caixão. Não sei exatamente o que causava esse sentimento; se era a imagem do sujeito, com sua indumentária de coveiro com direito a cartola, capa e roupa preta. Se era a barba muito escura, a expressão de fúria com olhos injetados ou ainda, o sorriso maquiavélico. Mas é bem provável que fosse por conta das unhas! Ah, as unhas compridas e amareladas, retorcidas dando voltas. Aquilo era assustador! Ao menos parecia extremamente assustador, quando eu tinha 8 ou 9 anos de idade.

Eu lembro de ter visto Zé do Caixão em algum programa de TV e o cara positivamente me aterrorizou. Lembro que não consegui dormir, tamanha a impressão que o sujeito causou. Fiquei acordado temendo que Zé do Caixão se materializasse nas sombras do meu quarto, disposto a me retalhar com aquelas unhas torcidas que eu imaginava seriam afiadas como navalhas. 

Meus pais que falavam de Zé do Caixão com indisfarçável desprezo, contextualizaram a coisa. Disseram que ele fazia filmes horríveis e que eu era bobo de ter medo dele. Eram tempos em que o medo infantil de monstro era curado na base da frase "deixa de besteira, moleque". 


Quando fui entrando na adolescência a mística do Zé do Caixão continuava. 

Como fã de terror, conheci coisas que eram muito mais assustadoras do que aquele sujeito pitoresco de cartola e capa. Os filmes dele, entretanto, ainda eram um mistério já que não se achava em lugar nenhum para assistir. Na minha mente se criou o mito de que os filmes do personagem eram aterrorizantes demais e por isso não tinham permissão de serem exibidos em lugar nenhum. Nem em fitas, menos ainda na televisão.

Certo dia, visitando uma locadora famosa aqui no Rio, a Cavídeo de Botafogo, me deparei com uma descoberta notável. Eles dispunham em seu acervo de todos os filmes do Zé do Caixão. Aluguei quatro ou cinco deles de uma vez só. Carreguei os VHS para casa, escondidos numa mochila como se fosse um tesouro profano arrancado de um templo maldito. Um artefato maligno que precisava ficar oculto de olhos curiosos. Não queria que meus pais, meus amigos ou qualquer um visse que eu tinha alugado aquilo, queria assistir sozinho durante a madrugada e ter a minha impressão particular. 

Mais do que qualquer outra coisa, eu queria encarar o sujeito, olho no olho e saber se ainda sentiria medo daquele personagem que um dia me tirou o sono.

Numa espécie de ritual macabro, esperei que todos fossem dormir e coloquei para rodar o primeiro filme, o lendário "À Meia Noite Levarei sua Alma". Assisti ao filme cheio de expectativa. Mas na metade já estava incomodado. É difícil explicar o que senti na ocasião: Zé do Caixão talvez tenha sido meu primeiro choque entre expectativa e realidade.


Os filmes que eu, do alto de minha certeza de adolescente, chamei de lixo, me irritaram muito. Me perguntei porque ainda falavam daquele cara, se os filmes dele eram aquele arremedo de cinema. O negócio aos meus olhos era tão mal produzido, tão mal encenado, tão horrivelmente engendrado que cheguei a ficar com raiva. Era disso que eu tinha medo? Era aquilo ali a razão para ter perdido o sono? Eu devolvi os filmes, pondo em cima do balcão da locadora, como quem coloca o lixo pra fora de casa. Não queria ver mais nada desse cara.

Passou um tempo e eu esqueci do Zé do Caixão. Quando ele aparecia em algum programa, eu grunhia algum adjetivo: "tosco", "medonho", "ridículo"... 

Levou um tempinho até Zé do Caixão ressurgir apresentando sessões de filmes de terror meia-boca na televisão, numa sessão adequadamente chamada de Cine Trash. O cara encarava a câmera e entoava: "Você que está olhando, eu te amaldiçoo!" e disparava um monte de bobagens repletas de erros de português embaladas num sotaque indecifrável. Zé do Caixão pra mim estava morto, só faltava alguém o jogar num buraco e enterrar.

Mas como todos que amam terror sabem, nem tudo que está morto, descansa para sempre.

Minha redescoberta de Zé do Caixão veio quando eu estava com uns 25 anos.

Certa noite, voltando de um boteco, cheguei em casa tarde da noite e liguei a televisão. Estava passando justamente um filme do sujeito - "O Despertar da Besta". Não sei por qual motivo, contive o primeiro impulso de trocar de canal. Ao invés disso, olhei com mais cuidado, dedicando atenção ao esforço daquele sujeito de parecer assustador. Talvez ali eu tenha finalmente entendido... os filmes podiam ser toscos, mal feitos e em certos momentos constrangedores, mas eles tinham algo que os credenciava. Algo que demorei a identificar, mas que hoje compreendo como sendo legítima paixão pelo cinema e coragem de dar a cara à tapa.


Os filmes do Mojica sempre foram criticados, tratados como sub-arte, universalmente desprezados pelos críticos. Mas o público ainda assim lotava as salas de cinema para assistir aquelas produções baratas. O motivo talvez fosse o gosto pelo proibido, pelo estranho, pelo bizarro... mas eu tenho minha própria teoria.

O personagem Zé do Caixão conjurava uma aura de terror barroco típica de cidade do interior. Ele era a encarnação de tudo que a gente quando criança tem medo e é aconselhado a evitar pelos nossos pais. Ele era o vizinho de má fama que vivia no final da rua, o sujeito que morava perto do cemitério , de quem contavam histórias escabrosas, o velho com fama de feiticeiro que todos olhavam torto... seu personagem conseguia reunir tudo de que a gente, quando criança, aprendia a temer. Sua presença tocava uma corda esquecida de nossa memória afetiva.  

Lembro que pouco tempo depois, assisti os três primeiros e mais emblemáticos filmes do Zé do Caixão: "À Meia Noite Levarei sua Alma", "Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver" e "O Estranho Mundo do Zé do Caixão". Justo os que eu tinha visto e detestado uns 10 anos antes. Resolvi dar uma nova chance, e surpreendentemente vendo os filmes novamente, descobri que a tosqueira contida neles poderia vir a se transformar em seu maior atrativo.

Não vou forçar a barra dizendo que me tornei um fã da noite para o dia, mas com certeza fui aprendendo a apreciar sua arte de forma lenta, porém gradual. Zé do Caixão tinha algo de folclórico, um personagem proibido. Como mais tarde definiram com maestria, ele era "Maldito" por natureza.

Em 2008 por ocasião do lançamento do filme "A Encarnação do Demônio", Zé do Caixão voltou a ser relevante, sob o status de diretor cult. Os filmes dele foram remasterizados e  lançados em uma coleção de DVD (que eu comprei) e uma excelente biografia ("Maldito" editado pela Darkside) escrita por André Barcinski e Ivan Finotti, que tratou de dissecar em detalhes sua carreira.


A estréia de "Encarnação" aqui no Rio foi no lendário Cinema Odeon. Tive a sorte de conseguir um ingresso para assistir na pré-estréia, ocasião em que o próprio Mojica esteve presente ao lançamento. Lembro bem dele entrando na sala e sendo ovacionado pela multidão. Simpático e claramente tocado pelo carinho dos fãs, tirou a cartola e fez uma reverência, depois colocou de volta na cabeça e começou a amaldiçoar a todos apontando o dedo e dizendo: "Voceiz vão todos pros infernos, por ver esse filme... aqueles entre voceiz que tem juízo, saiam agora, pois depois, será tarde demais".

O velho Mojica beirando os 70 anos ainda tinha energia de sobra para encarar o personagem que o tornou famoso no Brasil e objeto de culto lá fora.

[Só um adendo: Confesso que sempre achei essa história dele ser famoso no exterior papo furado, ao menos até trocar palavras com algumas pessoas que realmente reverenciavam a obra do sujeito. Coffin Joe era bem conhecido entre os fãs de terror, principalmente americanos que venciam o obstáculo da legenda para assistir suas produções].

Terminada a sessão, tive a chance de encontrar o sujeito cara a cara.

Mojica, ou melhor Zé do Caixão, estava sentado numa mesa no lobby do cinema, distribuindo autógrafos para os fãs: usava a cartola, a capa e declamava alguma coisa para os que se aproximavam. Quando chegou minha vez, apertei a mão dele, sem desgrudar os olhos da unha do polegar, comprida, amarela e retorcida. Enquanto ele assinava um pedaço de papel (nunca vou me perdoar por não ter levado um DVD ou meu exemplar do livro para ele autografar), comentei meio sem graça.

"Quando era criança eu morria de medo do senhor". 


O velho terminou de assinar e me encarou, subitamente encarnando o personagem: "E eu não te assusto mais?"

Fiquei meio sem jeito, sorrindo amarelo e ele continuou:

"Eu te amaldiçoo, com todas as forças, mil vezes por ousar dizer que não sente medo de mim".

As palavras foram tão enfáticas que espocaram flashes de câmera de quem estava por perto e alguns chegaram a aplaudir o desempenho repentino. Sorri de novo, apertei a mão mais uma vez e me despedi agradecendo por ter sido alvo de sua temida maldição. Ganhei até um tapinha nas costas e um "até a próxima, querido".

Mojica era uma figura, o Zé uma figuraça... onde terminava um e começava o outro é difícil dizer.

Foi esse Ser que nos deixou nessa quarta.

Cansado e disposto a embarcar em uma derradeira viagem trevosa rumo a alguma outra realidade, dimensão ou plano de existência, decidiu partir. Imagino o espírito desencarnado do Zé do Caixão, vestido com indumentária completa contemplando os portões do Céu e os abismos do Inferno, tentando decidir o que faria primeiro: Cuspir na cara do Diabo ou gargalhar diante da Obra de Deus.

Tinhoso como era, provável que consiga entrar onde bem entender.

Descanse em paz e aproveite o que vem pela frente.


domingo, 2 de setembro de 2018

Luto pelo Museu Nacional - História que virou pó


Diante dessa tragédia sem precedente, o MUNDO TENTACULAR só pode lamentar o que aconteceu com o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro.

Um lugar que por muito tempo foi um Centro de Conhecimento, Estudo, Saber e Preservação de nossa História e Identidade, acabou.

Seu acervo inestimável que contava a História, não apenas dessa cidade e do país, mas do mundo e da raça humana, se foi. 

Literalmente virou pó...

É uma tristeza que não tem tamanho.

Lembro de visitas de colégio e eventos guiados. Era um lugar de descobertas e exploração, onde crianças adquiriam interesse pela Ciência, pela História, pelo Mundo à sua volta... descobriam o quanto nosso Mundo é grande, surpreendente, rico e vasto. Mais ainda, o quanto ele tinha a oferecer se você realmente quisesse se aventurar nele para descobrir.

Da sala dos Dinossauros, onde haviam fósseis com milhões de anos, a vasta coleção de animais empalhados coletados ao longo de séculos, o glorioso acervo de Arqueologia, com suas múmias inestimáveis, a Ala de Antropologia onde repousavam os restos de nossa ancestral mais antiga, as descobertas de Geologia e Astronomia. Móveis, peças de artesanato, itens históricos inestimáveis.

Tenho lembranças disso tudo... e temo que agora, tudo que restou seja isso: Lembranças.

Ainda não há como saber a extensão dos danos, mas do acervo de 20 milhões de itens, um que falte já constitui uma perda irreparável, quem dirá... tudo?

É uma catástrofe, uma desgraça infelizmente anunciada por administrações marcadas pelo descaso e constantes cortes orçamentários que obrigavam o Museu a operar com imensas dificuldades. Aqueles que conheceram o Museu de décadas atrás, em seu auge, guardavam a memória dessa Casa de Saber. Os que o visitaram nos últimos anos percebiam o seu estado de abandono: salões esquálidos, alas nuas e a sensação de que ele estava definhando.

Mas isso? 

Isso é triste demais!

Desculpem o desabafo, mas esse blog fala de História e tem uma relação muito íntima com o passado. Não há como deixar passar algo desse tamanho, algo que nem em nossas visões mais pessimistas poderíamos imaginar sem profundo choque e inquestionável horror.

E em se tratando de Horror, talvez seja esse o artigo que mais me deixou aterrorizado e entristecido.


Nesse momento a única coisa que posso pensar é que um País que não zela pelo seu Passado e age com descaso para com a sua história, não pode mesmo almejar nada para seu futuro.







terça-feira, 12 de setembro de 2017

IT - Resenha e Memórias de um Livro clássico de Stephen King


Já aviso de antemão, o título desse artigo talvez esteja errado.

Ele não se propõe a ser uma resenha, ao menos não no sentido convencional no qual o autor fala dos pontos positivos, dos negativos e equaciona uma conclusão a respeito da obra que pode servir para estimular ou então afastar o leitor da mesma. Esse artigo é muito mais um exercício de nostalgia a respeito de minha experiência lendo (ou ao menos tentando ler) "A Coisa"/"IT" ao longo de diferentes momentos da minha vida. Em certos momentos eu consegui, em certos momentos não.

Claro, ele contém comentários a respeito do livro e menciona em linhas gerais elementos da narrativa. Spoilers? Provavelmente há alguns e suponho que aqueles que pretendem ver o filme possam se incomodar. Entretanto, quero lembrá-los que esse é um livro editado há 31 anos e que nesse período, ele foi muito comentado e analisado. Portanto, se você é um fã do horror provavelmente a história não lhe será totalmente estranha. Ademais, IT ficou associado a uma mini-série (que aqui no Brasil foi condensada na forma de filme) bastante popular. Quem não lembra da atuação épica de Tim Curry como o Palhaço mais assustador de todos os tempos? Ora, se a essa altura, você, caro leitor, não souber do que estou falando, então eu duvidaria de suas credenciais como entusiasta do horror. O texto a seguir, no meu entender, não visa estragar a diversão alheia, pois me controlei para tocar apenas de leve nos principais temas da história.

Outro fator a se considerar é que essa "resenha" (olha a palavra aí novamente) se refere ao livro e não ao filme. Eu mesmo, ainda não assisti ao filme, de modo que SPOILERS a respeito dele são uma impossibilidade cronológica. Ainda assim, para evitar queixas, advirto aqueles que estão lendo e que querem chegar ao cinema sem qualquer noção (verdadeira tábula rasa) do que vão encontrar, que parem por aqui. (mas que voltem posteriormente para ler as baboseiras que escrevi).

Dados os avisos, vamos lá.  

A primeira vez que ouvi falar de IT de Stephen King foi quando eu era criança no colégio.

Naquela época, IT havia sido traduzido com o título "A Coisa". Tinha algo naquele livro, dividido em dois enormes volumes, na capa com uma aranha medonha e naquela edição em particular que me atraia quase como uma lâmpada atrai uma mariposa. Algo de perigoso e proibido, algo de hipnótico e desagradável repousava em seu interior. Era impossível desviar os olhos.


IT, ou melhor "A Coisa" (como chamarei no início desse artigo) ficava guardado num armário em frente a entrada da biblioteca do colégio onde eu estudava, atrás de um vidro transparente. Eu passava por ele e olhava de soslaio. Depois de alguns dias, tomei coragem e perguntei a senhora da biblioteca se podia alugar aquele livro e levar pra casa. Aos 11-12 anos, eu já era um bookworm e costumava alugar os livros da biblioteca do colégio para ler nos finais de semana - várias das fichas de retirada, se estas ainda existem, devem ter minha assinatura.

A bibliotecária, com uma expressão típica de condescendência e superioridade adulta, me olhou de cima a baixo e em seguida olhou para o livro como se estivesse nos medindo e comparando:

"Esse livro não é pra criança!" ela decretou e virou de costas. Insisti uma segunda vez.

"Você viu o tamanho desse livro? Além disso, ele não é para sua idade, você não vai gostar dele". Disse já se afastando.

"Me dá esse livro sua maldita! Quem você pensa que é para dizer o que eu posso ou não ler!"

É claro que eu não disse isso. Engoli a raiva como as crianças daquela idade são obrigadas a engolir de tempos em tempos. O gosto era de doer.

Meses passaram, eu vi "A Coisa" em livrarias, mas ele era muito caro para eu comprar juntando o dinheiro do lanche ou com minha mesada. Pelas minhas contas seriam meses e meses juntando o dinheiro da cantina ou abrir mão de inúmeras edições de gibis. Eu lembro de ter lido em alguma revista da época uma resenha sobre "A Coisa" que me deixou ainda mais curioso. Era um livro de Horror, isso eu havia entendido, mas havia algo mais... havia polêmica a respeito de coisas que eu não estava pronto para compreender.

De tempos em tempos "A Coisa" desaparecia do armário de vidro. Era alugado por algum aluno mais velho, da oitava série ou do segundo grau. Retornava amassado, com a capa cheia de vincos e orelhas, a lateral partida, mau tratado por algum adolescente desleixado. Cara, eu detestava aquilo!


Lembro que foi no final do ano, perto das provas finais que "A Coisa" finalmente chegou às minhas mãos ansiosas. Foi em uma semana na qual a "Senhora da Biblioteca" estava sendo substituída por uma outra moça bem mais jovem e sem tanto interesse pelo que os alunos desejavam ler. Como quem não queria nada, pedi pelo livro "A Coisa", que a essa altura já não era mais uma novidade, e portanto não era mantido em destaque no armário. Ela perguntou que livro era esse e eu apontei na prateleira atrás dela. A lateral do livro era enorme e eu podia ver de longe a lombada retangular despontando.

Ela franziu a testa, mas foi apanhá-lo. Eu pedi que apanhasse os dois volumes e ela voltou para pegar o segundo "tomo" segurando um em cada mão e examinando o conteúdo com uma curiosidade branda.

"É esse mesmo?" ela perguntou e senti que estava sendo medido novamente em relação ao livro.

"Esse mesmo! Posso alugar para o fim de semana?", ela olhou uma segunda vez para o livro e tenho certeza, pensou em dizer que não. Mas então acenou com a cabeça.

"Vamos fazer o seguinte, você leva o primeiro e depois aluga a segunda parte. Você não vai ler tudo isso num fim de semana, vai?"

E assim foi. Eu levei "A Coisa" pra casa. Ele queimava dentro da minha mochila escolar da Company como um artefato proibido que eu havia removido de uma biblioteca blasfema. Me sentia o próprio William de Baskerville de O Nome da Rosa (que eu tinha assistido naquele mesmo ano) contrabandeando um tomo proibido e prestes a virar suas páginas venenosas.

Naquela mesma noite comecei a ler "A Coisa". Eu tinha uma daquelas luminárias de prender na guarda da cama que iluminava uma área pequena do quarto. Todo resto era treva. Apaguei as luzes e comecei a ler a história sendo apresentado a um grupo de garotos chamados Perdedores, a uma cidade medonha chamada Derry e a um Horror Imortal chamado Parcimonioso (esse era o nome de Pennywise, o Palhaço Dançarino na tradução).

Eu li e li e li...


Mas não posso mentir, é claro que não consegui ler tudo. IT na época estava muito além de minha capacidade de leitor: Era como um menino tentar correr uma maratona de adultos.

Contudo, o que li me deixou chocado. A história envolvia adultos que aos poucos tentavam lembrar de acontecimentos em suas infâncias, eventos traumáticos que envolviam uma luta desesperada contra uma força aterrorizante e imortal. Como leitor (e criança) eu imediatamente me identifiquei com os protagonistas juvenis. todos eles na minha faixa etária. Mas o que realmente me deixou chocado foi que "A Coisa" saltava no tempo, apresentando os personagens em dois períodos distintos de suas vidas. E mais chocante do que esse vai e vem temporal era o fato de que os horrores experimentados pelos Perdedores reverberavam nas suas vidas adultas.

Pode parecer bobagem, mas eu não tinha noção de que coisas que acontecem na infância podem ser carregadas para a idade adulta. "O que acontece quando você é criança, acaba superado quando você cresce e se torna adulto". Não é? Bem, assim eu acreditava...

Ler que um choque traumático podia levar um menino a sofrer na idade adulta de gagueira crônica ou que um adulto podia ter sua vida devastada por algo ocorrido na infância me deixava mais apavorado do que as diabruras de Pennywise. Quando você é criança imagina que vai ser imbatível quando adulto. A Coisa serviu como alerta de não era bem assim.

Eu li sobre palhaços dançarinos, sobre lobisomens, sobre garotos malvados (o termo Bully não existia na época) e sobre coisas que crianças não estão preparadas para enfrentar, mas que precisam enfrentar no final das contas. Até então, eu adorava me colocar no papel dos jovens heróis descritos nas páginas dos romances que eu lia. Mas em "A Coisa" isso não aconteceu, eu ficava apavorado só de pensar em ser uma daquelas crianças.

Eu gostei muito dele, mas na semana seguinte, devolvi o livro à biblioteca, tendo lido, talvez umas 300 páginas. O que deveria ser um recorde para mim na época, mas que na multitude do livro não simbolizava nem 1/4 de sua extensão.


Deixei "A Coisa" de lado e o livro voltou ao seu lugar na prateleira, sendo retirado dali de quando em quando. Sua capa deteriorando nas mãos suadas de adolescentes bombando hormônios.

A segunda vez que "A Coisa" caiu em minhas mãos foi anos mais tarde, quando eu já estava deixando de ser um destes mesmos adolescentes.

Eu lembrava bem do "tomo proibido" que tinha lido e por algum acaso do destino o encontrei em uma feira itinerante de livros usados. Eu não tive dúvida! O livro continuava me chamando e eu queria muito ler aquela história até o fim. Infelizmente, a segunda parte estava em estado lastimável, a capa havia caído, as páginas estavam amareladas, desbotadas e a espinha do livro estava pra lá de danificada. Mesmo assim, levei ele pra casa.

Comecei a ler pela segunda vez, impressionado a cada parágrafo com o fato de lembrar perfeitamente de trechos inteiros. A mente grava o que a mente deseja gravar: "Eles flutuam aqui..." disso eu lembrava bem, mas lembrava em especial de Bill Denbrough que eu considerava anos antes meu alter ego na história. Agora, entretanto, eu olhava a personagem Beverly com outros olhos, eu a idealizava como a garota ideal e queria muito salvá-la do pai e do marido abusivo (aqueles filhos da puta que faziam a vida dela um inferno!).

Tenho certeza de que passei das 300 páginas, mas novamente, "A Coisa" parecia uma maratona longa demais para um adolescente que precisa estudar matemática para não levar bomba e que era distraído frequentemente pelas garotas de short curto ao seu redor. Além disso, a perspectiva de terminar um tomo e iniciar outro que estava em estado deplorável me desagradava. Talvez isso tenha impedido que eu lesse por inteiro, isso ou o que eu enxergava nas entrelinhas.

O livro me dava calafrios! A essa altura eu não tinha ilusões a respeito daquilo que carregamos da infância para a vida adulta, mas outra coisa me incomodava dessa vez. A maldade dos adultos em Derby, a cidade fictícia em que se passava a história, me causava arrepios. O pai abusivo de Bev, a mãe carola de Eddie, os pais que não ligavam para Bill. Todas crianças que sofriam nas mãos de adultos perversos ou crianças maldosas. Eu não achava que podia existir gente tão maligna no mundo, o que fazia "A Coisa" soar exagerado: "coisa de livro".

Minha edição de "A Coisa" ficou na estante por alguns anos, até que um belo dia, minha mãe viu aquele livro decrépito na prateleira e decidiu jogá-lo fora. "Você não ia ler aquilo, estava nojento", ela disse.


O tempo passou novamente e meu terceiro encontro com A Coisa aconteceria uns 12 anos mais tarde. Dessa vez, seu nome era IT (e assim o chamarei daqui em diante) e seu formato era de Pocket book, escrito em inglês. Eu já havia assistido a série feita para a televisão e Tim Curry no papel do Vilão ficara marcado na minha memória solidificando um desconforto sadia para com palhaços - sobretudo aqueles com dentes afiados. Eu sabia como a história terminava, mas ainda faltava algo.

É engraçado como as coisas são, eu procurava algo para ler e por acaso dei de cara com IT em uma prateleira de descontos. O livro, com a face de Pennywise na capa parecia sussurrar: "Eles flutuam aqui.. você quer flutuar também?"  Ele continuava sendo um desafio de resistência, o mesmo desafio imposto por best sellers como Shogun ou Pilares da Terra. Comprei o desafio e levei IT para minha casa, não a casa dos meus pais, a minha casa de adulto. Para lê-lo como adulto, não como criança.

Minha surpresa é que IT ainda era um livro extremamente perverso, um livro sobre crianças tendo de ser adultos e adultos devastados pelo fato de terem sido obrigadas a deixar de serem crianças. Eu sempre achei IT uma versão de horror de Peter Pan, e ler o livro, finalmente por inteiro, aumentou essa percepção.

A despeito de ser um dos melhores livros de horror que já tive nas minhas mãos, IT tinha seus problemas. Eu não aceitei bem a parte mais polêmica de suas 1100 páginas, o tão comentado episódio em que as crianças para firmar seu pacto de responsabilidade a respeito do retorno de Pennywise abandonam a vida infantil, abraçando seu amadurecimento por intermédio da iniciação sexual. Em retrospectiva, hoje entendo o que Stephen King quis dizer, que aquilo sedimentaria seu compromisso e tornaria a lembrança de seu juramento eterna, mas de alguma forma parecia errado.

IT pra mim era mais do que um livro de horror e fantasia, era um tratado de como as pessoas mudam quando são confrontadas com fatores inesperados. O horror estava bem claro, mas era uma alegoria ao mal que temos de enfrentar, do contrário por ele seremos engolidos. Os Perdedores, venciam seu primeiro embate contra Pennywise, mas o round 2, viria 28 anos mais tarde e seu resultado era incerto. Nesse contexto IT é um livro sobre coragem e comprometimento, os garotos prometem algo que uma vez adultos, desejam esquecer. Derby ainda era um horror, por fora parecia idílica e pacífica, mas por dentro era podre, com um passado sórdido e acontecimentos que manchavam sua existência. Henry Bowers, o Bully que chefiava a gangue de valentões que perseguia os Loosers e Patrick Hockstetter, eram a personificação de tudo que eu odiava no colégio, tanto que ao ler IT, o rosto que eu colocava em Bowers era de um bully que aterrorizava a criançada nos meus tempos de aluno. Já Hockstetter, eu só fui conhecer alguém semelhante, anos depois, quando estava na faculdade escrevendo minha monografia sobre Psiquiatria Forense. Até ali eu achava que tais pessoas não existiam, novamente "soava forçado" um psicótico daquele naipe. Com o tempo entendi que não era apenas "coisa de livro".


Mas espere... muitos devem estar se perguntando que tipo de resenha e essa na qual o autor fala apenas sobe sua experiência de leitura do livro resenhado. Pois bem, já que é assim, voltemos aos trilhos para falar a respeito do livro em si de uma maneira mais direta.

IT é escrito por ninguém menos que Stephen King, que dispensa maiores apresentações pois é "apenas" um dos autores mais lidos de todo século XX. Famoso nos quatro cantos do planeta e com obras traduzidas em incontáveis idiomas você provavelmente já leu algo dele. Dentro de sua extensa bibliografia figuram clássicos do horror e suspense que alçaram o nome de King a um status lendário, como um dos maiores novelistas de nosso tempo: O Iluminado, Cemitério Maldito, Carrie, A Espera de um Milagre, A Hora da Zona Morta, a Saga Torre Negra são apenas alguns de seus romances de sucesso, títulos que encontram o caminho para o cinema, televisão e outras mídias com grande aceitação de público e crítica.

Em uma carreira consagrada, repleta de sucessos, IT, editado originalmente no ano de 1986 desponta como um dos principais trabalhos do autor. Para muitos fãs, IT é simplesmente a obra mais complexa e significativa de Stephen King. Apontado frequentemente em páginas dedicadas a ele como seu livro mais importante e aquele que na ausência de todos os outros deveria ser lido.

IT, obviamente é uma obra de horror, mas um horror diferente do que muitos estão acostumados. Os protagonistas não são indivíduos que se metem em um problema e investigam-no até conseguir triunfar sobre ele. O verdadeiro horror contido em IT diz respeito a viver com a certeza de que o mal que um dia você enfrentou, e que lhe deixou um trauma profundo, o acompanhará para sempre. E pior, ele um dia retornará para um ajuste de contas do qual não adianta tentar se esquivar.

O roteiro de IT não é linear, através da narrativa, vamos encaixando as peças do quebra cabeça que remonta a duas épocas distintas, os anos de 1957 e de 1985. A história tem lugar em Derry, uma pequena e sufocante cidadezinha da Nova Inglaterra, o quintal da maioria das histórias de King. As crianças de Derry sofrem com a presença de uma força ancestral que desperta a cada 28 anos para lançar uma sombra de pavor sobre os inocentes. Mortes e desaparecimentos se sucedem e na ausência de uma explicação razoável, as pessoas tendem apenas a aceitar esse destino.

Muitos acham que o palhaço Pennywise é o grande vilão de IT, mas de fato, o horror utiliza a máscara do Palhaço Dançarino apenas como uma de suas muitas faces. Ao longo do livro descobrimos que a Coisa (IT) pode ser um lobisomem, um pássaro gigante, uma múmia decrépita, um leproso imundo, um pai abusivo e qualquer outra coisa medonha capaz de aterrorizar crianças. Ela veste máscaras para cada ocasião, escolhendo aquela que aterroriza mais profundamente a sua vítima pretendida.


Na primeira parte da novela, que tem lugar em 1957, um grupo de crianças que chamam a si mesmas de "O Clube dos Perdedores" (Loosers Club) descobrem a existência da Coisa. Acompanhamos os laços de afeição e companheirismo entre elas se formando, amizades fortalecidas pela dependência mútua diante do perigo que enfrentam. Nenhum adulto pode ou irá ajudá-las e elas precisam fazer tudo por conta própria. Cada personagem tem a sua própria história que é contada de uma maneira tão engenhosa quanto convincente, fazendo com que o leitor passe a conhecê-los intimamente. Se existe algo que Stephen King sabe fazer com maestria é trabalhar a história de seus personagens e em IT ele teve tempo para sublinhar cada pequeno detalhe e fazer seus jovens protagonistas ganharem vida. Lá pela metade do livro, o leitor sente como se os Perdedores fossem de carne e osso e não meros nomes no papel.

Em algum momento da trama, as crianças conseguem derrotar Pennywise, mas os detalhes de como se deu essa vitória são nublados. Anos mais tarde, em meados dos anos 1980, a maioria deles não sabe exatamente o que aconteceu e os eventos parecem ter sumido de sua memória, restando apenas uma sensação de que as coisas não foram concluídas.

Na segunda parte do livro, as crianças, agora como adultos precisam retornar a Derry para enfrentar IT novamente. Aos poucos a lembrança dos eventos vão retornando e eles começam a compreender o grande preço que pagaram e aquele que está sendo cobrado uma vez mais. Em uma série de flashbacks vamos descobrindo junto com os próprios personagens, aquilo que eles haviam apagado de suas mentes. Toda descoberta no livro, é uma espécie de redescoberta que remexe um lodaçal estagnado, repleto de segredos densos e negros, enterrados na infância.

IT provavelmente é o meu livro favorito de Stephen King. Ele tem todos os elementos que fazem de King um escritor muito acima da média. Conheço muitas pessoas que tem reticências quanto aos livros de King, consideram-no comercial e raso em alguns trabalhos, mas é inegável que ele é um talentoso Contador de Histórias. Ao longo das 1100 páginas desse tremendo calhamaço, o leitor é desafiado a registrar os nomes de cada personagem, os detalhe da trama, a data de cada acontecimento e os indícios da presença de IT. Mas a despeito da tarefa a princípio hercúlea, a prosa de King é tão fluida e coloquial que a leitura transcorre fácil. Página depois de página, o leitor avança na trama querendo saber mais e mais, torcendo pelos seus personagens favoritos e esperando um final épico capaz de redimir todo sofrimento imposto.  

Algumas coisas em IT são de uma genialidade notável, a começar por Derry e sua aura de maldade latente. A história da cidade, contada brevemente entre os capítulos, serve para mostrar como a semente maligna de Pennywise encontrou um terreno fértil para se desenvolver. O livro também cava fundo em terrores mais mundanos, tratando de temas que vão muito além do horror sobrenatural, usando-o como alegoria para a maldade humana que assume a forma de hipocrisia, racismo, homofobia, puritanismo e sadismo. Por vezes, os coadjuvantes humanos são tão, ou até mais abomináveis que a "Coisa", e embora seja ela que fomente a maioria das tragédias, muitos dos personagens precisam apenas de um leve empurrão para se tornarem tão ruins quanto.


IT, a despeito de seu incrível tamanho, é uma história muitíssimo bem contada, que não tenta ser irritante ou moralista, e que aceita de bom grado a identidade de entretenimento. O próprio Stephen King disse inúmeras vezes que uma das coisas que realmente o irrita nos críticos é a busca incessante destes por significados ocultos nas entrelinhas de suas novelas, críticas a isso ou aquilo. A resposta dele é extremamente honesta: "essa é uma história de entretenimento, buscar significados ocultos provavelmente vai estragar a sua diversão". Talvez em parte, a culpa seja do próprio King que introduziu na história uma (ao meu ver) desnecessária polêmica, ao tocar na delicada tecla da sexualidade infantil. Muitos leitores jamais perdoaram King pela ousadia, ele próprio diz que não se arrepende da cena que no seu entender enseja numa espécie de Ritual de Passagem, contudo, talvez alterasse o contexto e mudasse algumas coisas. Para muitos leitores, o trecho estraga o livro, não me parece o caso, mas que é um "soco no estômago", é.

A razão para escrever uma resenha de um livro escrito há 31 anos é bastante óbvia. IT está chegando aos cinemas em uma versão que promete ser bastante fiel ao roteiro original. Assim como muitos fãs do livro, compartilho daquela incômoda expectativa de que seja um grande filme, equilibrando minha desconfiança de que pode vir a ser um fracasso.


A essa altura, resta torcer para que o filme faça jus ao livro e que a transposição seja respeitosa com os fãs. A se considerar os trailers e burburinho inicial, IT parece finalmente ter encontrado seu caminho para aterrorizar um público ainda maior.

Em breve teremos a resenha de IT, o Filme aqui nas páginas do Mundo Tentacular, então fiquem conosco.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

"Tem alguém aí"? - O dia que brinquei com Ouija


A respeito de Tabuleiro Ouija, vou contar um caso que eu testemunhei muitos anos atrás, quando eu era moleque e que pode ser considerado como minha primeira exploração do oculto - ou nem tanto.


Não estou pedindo para que acreditem, para falar a verdade, nem eu lembro de todos os detalhes  e alguns vou suprir com algumas invenções, mas no geral, foi como aconteceu e enquanto escrevia fui lembrando de mais algumas coisas. Na época o acontecimento me deixou uma grande impressão, que é uma forma educada de dizer, "quase me borrei todo".



Eu devia ter uns 12-13 anos, e nessa época foram lançados os livros da Coleção Ciências Proibidas.



Não sei se os mais novos vão saber do que se trata, mas quem está na casa dos 35-40 anos deve se recordar que essa coleção em fascículos quinzenais marcou época. Ela se propunha a ser uma Coleção sobre Ocultismo, uma verdadeira Enciclopédia do Sobrenatural que cobria em cada volume um tema diferente com assuntos espinhosos tais como Bruxaria e Satanismo, misturado a outros mais inofensivos como Interpretação de Sonhos, Civilizações Antigas e até O Fenômeno OVNI. Muito do que estava ali não passava de papo furado, mas, não obstante, esses livros ficaram famosos.



Ter esses volumes de capa dura, encadernados em preto, era o mesmo que ter algo proibido, assustador, quase profano na estante... ou assim parecia aos olhos de um moleque curioso como eu. Francamente, eu nem cogitava a possibilidade de comprar e menos ainda guardar isso em casa. Sério, minha mãe simplesmente iria me matar se descobrisse uma coisa dessas em meu poder.




Contudo, um amigo do colégio era mais "corajoso" que eu, ou ao menos, seus pais não se importavam com onde ele decidia gastar sua mesada. Vou chamar ele de Guilherme. 


Guilherme era o tipo do garoto que a gente sabia, não deveria andar junto: pra começar, ele parecia entender bem demais as piadas sujas que contava, tinha má fama entre os pais ("Não quero você andando com ele"), já tinha sido suspenso duas vezes uma delas por xingar uma professora e epetiu de ano. E agora, suprema transgressão, tinha em seu poder um volume de Ciências Proibidas. 

O primeiro volume da Coleção, tinha o sugestivo título "Iniciação ao Espiritismo" e trazia uma capa absurdamente sinistra na qual despontava a face de um ser demoníaco de olhos brancos, pele amarelada e chifres. Nunca vou saber porque escolheram uma capa dessas, mas provavelmente tinha a ver com chocar e assim atrair público. Como acontece hoje em dia, a primeira edição trazia um chamariz, um brinde para motivar a compra dele e das edições futuras, no caso, o brinde era tentador demais: um Tabuleiro Ouija.

Até aquela época eu acho que nunca tinha ouvido falar dessas coisas. Sem dúvida já conhecia a tal brincadeira do copo, aquela história de colocar um copo sobre a mesa, os dedos pousados sobre ele e espalhar um monte de pedaços de papel com as letras do alfabeto. Movido pela força de vontade dos espíritos - ou por algum engraçadinho que queria manipular a coisa, o copo deveria avançar por conta própria e soletrar palavras que respondessem as perguntas feitas. É claro, jamais funcionou, para frustração e alívio de todos.

Mas o Ouija era diferente!


Primeiro por que ele parecia algo autêntico e não uma brincadeira de algum fulano que queria contar vantagem e que "conhecia um primo que tinha feito a tal brincadeira e o copo havia se mexido de verdade". E segundo, por que ele vinha em um livro como Ciências Proibidas. 

"Ciência" soava como verdade.

Enfim, num belo dia, o Guilherme levou seu tabuleiro Ouija no Colégio e propôs fazer uma experiência (ele chamou de "experiência" e não brincadeira, o que já soava diferente), após a aula. A ideia era reunir uns cinco ou seis moleques, seguir as instruções contidas no livro e assim tentar (insira aqui o som de trovões) falar com os espíritos!

Tan-tan-tan!!!!!!

Não sei o que pensei a respeito, mas tenho certeza de que me digladiei sobre o dilema moral de participar ou não, sobretudo porque naquela época eu tinha medo de toda e qualquer coisa desse tipo. Sobrenatural pra mim era assistir filmes de Jason e Freddy Kruger. Mas na mesma proporção que me apavorava, sentia aquela vontade de participar e ver o que ia acontecer, sem falar que não queria ser chamado de covarde pelos outros, um sentimento que provavelmente era compartilhado pelos demais, e convenientemente mantido em segredo.

Seja como for, lá pelas tantas, topei aparecer na casa desse colega transgressor que morava surpreendentemente pertinho dos meus pais. 

A primeira surpresa é que dos seis que tinham sido convidados para a "experiência" (Tan-tan-tan!) aparecemos só eu e mais um. Por um momento pensei que na ausência de outros, a coisa ia ser cancelada, afinal reconhecer cagaço diante de outros dois não era tão ruim, além do que, sempre era possível fingir que tínhamos feito a brincadeira e acusar os demais de amarelar. 

[Um dia alguém deveria escrever um longo tratado sobre os protocolos de coragem e covardia do que era ser criança nos anos 80. É quase um "Four Feathers" de conduta social].

Para meu desalento, Guilherme simplesmente disse que podíamos seguir adiante, de fato, segundo ele explicou com ares de autoridade, com menos gente podia funcionar melhor. "Que bom", devo ter murmurado, como quem é informado que vão servir brócolis no almoço e você terá de comer um prato cheio.

Enfim, é preciso tirar o chapéu para Guilherme que a essa altura eu já considerava o próprio ocultista. O Aleister Crowley imberbe (se eu soubesse quem era Crowley na época), o próprio mago do primeiro ano do Colégio de Freiras onde estudávamos... o sujeito tinha preparado uma mesa na sala de jantar, toalha branca, com velas, cortina fechada, luz difusa e uma aura que me pareceu incrivelmente sinistra. Complementando o cenário havia uma carranca daquelas que se compra quando se viaja para a Bahia num canto. Era uma daquelas carrancas enormes talhada na madeira, disposta na sala como se fosse um cão de guarda, ao lado de um bufet. Olhei aquele troço e lembro ter pensado com meus botões: "Quem diabos tem um negócio desses em casa?".

Era oficial, a coisa ia acontecer ali, já que os pais do Guiga (ele pediu para chamar ele desse jeito) não estavam em casa. Repousando sobre a mesa, estava o Ciências Proibidas, como se fosse um tomo de magia, o equivalente ao Necronomicon dos pobres - embora a honra de ser chamado assim fosse reservada para o Livro de São Cipriano, outro "proibidaço da época", que eu descobriria anos mais tarde (mas isso é uma outra história).


"Quer dar uma olhada?" ele perguntou quando eu disfarçadamente estiquei os olhos na direção do livro.

Claro que não queria! Aquela capa era sinistra além da conta! Eu não queria tocar naquela coisa, não queria ver de perto, achava que poderia congelar meus dedos meramente tocar nele, o que dizer de folhear as suas malditas páginas e ver o que estava ali dentro. Tudo me dizia para não fazer, toda minha educação católica de missa finais de semana e aula de catecismo me mandava dizer 'Não".

"Claro que quero!" respondi tentando esconder o receio.

Abri o livro, e sabe quando você olha mas tenta não ver? Quem tinha medo de Trem fantasma sabe do que estou falando. Folheei uma ou outra página e me dei por satisfeito, fechei o livro e pousei sobre a mesa.

"Foda!" disse saboreando o teor proibido do palavrão recém descoberto, tinha gosto de bala de menta na boca. Deixava um gosto bom quando terminava.

Demos início então aos preparativos, Guiga pediu que eu e o outro amigo, de quem não lembro o nome, mas vou chamar de Fabiano, tirássemos as cadeiras e deixasse-mos quatro ao redor da mesa. Lembro dele ter comentado: "Uma delas é para o espírito sentar".

Foda! 

Gosto de bala de menta.

Arrumamos tudo conforme sugerido no livro. Para me assegurar do que íamos fazer, achei que valia a pena ler as instruções que explicavam o que era uma Experiência com Tabuleiro Ouija. Elas eram descritas em uma folha que vinha dobrada dentro do tabuleiro. Era simples, talvez simples demais, tinha inclusive alguns desenhos descrevendo como era o procedimento e como a gente deveria fazer. Na falta de uma ponteira - o livro trazia apenas o tabuleiro, podíamos usar um copo de cristal. Guiga produziu de dentro do bufet uma taça de cristal daquelas de servir licor que os pais dele provavelmente tinham surrupiado durante um voo da Varig. No papel dizia que a taça tinha que ser quebrada depois de usar, mas duvidei que ele faria isso - EU não faria!

Sentamos ao redor da mesa, Guiga acendeu as velas, Fabiano respirou fundo, claramente incomodado e eu sentei entre os dois, ainda mais incomodado. Antes de começar, Guiga, o nosso "realizador" disse num tom solene que traia a voz que já começava a se tornar mais grossa, culpa da pré-adolescência: 

"Isso não é brincadeira, pessoal. Vamos ficar sérios! Sem piadas e sem bobagem, a gente vai chamar um espírito".

"Foda-se, vamos logo!" disse Fabiano, com um sorriso de quem se achava fodão.

Guiga disse que era melhor a gente dar as mãos para se concentrar. Na mentalidade de moleque dos anos 80 aquilo parecia "viadagem" (ou viadaji, como a gente gostava de enfatizar), mas ele devia saber o que fazia. Estendi as mãos e instintivamente pensei em rezar uma Ave Maria, dar as mãos a estranhos quando muito lembrava esse tipo de coisa. Fiquei satisfeito que Fabiano estava com as mãos tão geladas quanto as minhas.


Nisso, tocou a campainha!

"Puta que Pariu"! Guiga levantou abriu a porta e voltou uns segundos depois acompanhado por outro o colega que havia chegado atrasado. Junto dele vinha de arrasto a da irmã que tinha uns 11 anos e que queria "brincar" também.

"Porra, Bruno, tu tá de sacanagem, trouxe sua irmã? Não disse que ia ser uma coisa séria?" reclamou o ocultista mirim e nós fizemos coro de indignação.

Bruno se defendeu dizendo que se a irmã não viesse ia contar pra mãe dele e que ia melar a coisa toda. A menina, Giulia - lembro que era com "G", fez uma cara de "tô nem aí" e foi sentando na cadeira vaga:

"Essa aí não sua burra, essa é pro espírito sentar!" disse Fabiano e eu não consegui segurar a risada.

"Puxa outras cadeiras ali, senta e cala a boca se quiser participar. Mas eu não me responsabilizo pelo que venha a acontecer". 

Todos se entreolharam, Guiga mandou que déssemos as mãos de novo e que a gente se concentrasse.  Aí abriu os olhos e comentou:

"Uma coisa importante! A gente não deve perguntar quem vai morrer primeiro ou quando alguém aqui vai morrer!"

Bruno acenou com a cabeça como se concordasse e eu lembrei que quando tinha participado de uma brincadeira do copo com meus primos mais velhos, eles disseram a mesma coisa. Parecia ser um consenso que fazer esse tipo de pergunta atraía as piores coisas, a própria desgraça. Todos de acordo.


Ficamos de olhos fechados nos concentrando, tentando "limpar a mente" (seja lá o que isso significa para quem tem 13 anos). Finalmente, Guiga falou com um tom mais estridente do que desejava:

"Nós estamos tentando entrar em contato com um espírito amigo que queira falar conosco". A frase não era dele, estava nas instruções dizer isso e ele deve ter decorado.


Silêncio.

"Luciano, você, eu e o Fabiano colocamos o dedo em cima do copo, mas de leve! Não pode forçar, não é para empurrar". 

Fizemos conforme ele disse. Pousei o dedo no corpo e senti aquela sensação ao mesmo tempo desagradável e indescritível de prazer proibido.

"Muito bem, quem vai perguntar?" disse Guiga, respirando fundo e olhando para os outros com uma expressão que dizia "eu vim até aqui, agora é a vez de vocês. Façam alguma coisa".

Ninguém disse nada, ficou um silêncio constrangedor, como se ninguém tivesse certeza de que queria perguntar alguma coisa, pois... vai que tivesse resposta, né.

Quem quebrou o silêncio foi a pessoa menos provável ali na sala. Giulia perguntou: "Qual o seu nome"?

Nada! O copo não se moveu.

Eu repeti a pergunta e acrescentei um "tem alguém aqui". Não vou levar os louros pela pergunta, ela também estava entre as perguntas que se poderia fazer para iniciar a comunicação, conforme tinha acabado de ler nas instruções. 



Dois, três minutos se passaram... e aí o copo deslizou lentamente. Eu tenho quase certeza que o Fabiano (que era meio palhaço e cheio de ansiedade) começou a forçar o copo só porque queria que alguma coisa acontecesse de uma vez. A taça deslizou bem devagar até o "J". Guilherme balançou a cabeça e olhou feio para meu colega:

"Para com isso, cara! Você tá empurrando o copo!" Mandou ele tirar o dedo e sinalizou para o Bruno assumir o lugar dele. Bruno fez uma careta, pensou um instante e lembrou que não colocasse o dedo em cima, seria acusado de covardia. Acho que até ali ele achava que ia só observar: "Tá bom!", concordou resignado.


Passou mais uns instantes e repetimos as mesmas perguntas.

E novamente, o copo se moveu lentamente na direção do "J". Dessa vez eu não tinha certeza de quem estava conduzindo o copo, mas com certeza alguém deveria estar empurrando, pois do contrário só podia haver uma explicação e ela não me agradava em absoluto. Apesar de tudo, eu não acreditava que iria acontecer alguma coisa e esperava de coração que não acontecesse. Era o sentimento que corrobora o ditado "chegar pouco importa, o bacana é a viagem", pois bem, o legal era participar, ter resultado era algo completamente diferente, totalmente desnecessário.

Seja como for, o copo parou no "J", e então estacou. Passaram alguns minutos e a gente ficou em dúvida sobre o que fazer. Fabiano rompeu o silêncio e perguntou o que deveríamos fazer, Guiga ficou meio perdido e pensei que ele fosse abrir o livro e procurar alguma explicação, mas aí o copo se moveu mais alguns centímetros e parou ao lado do P.

Não parecia ter ninguém empurrando e a seriedade tomou conta de todos. 

"Vai ver são as iniciais de alguém" sugeri depois de pensar um pouco e me vi revisando na mente quem eu conhecia com as iniciais J.P, excluindo quem estava vivo. Felizmente quando temos 13 anos, não conhecemos tanta gente que tenha morrido e portanto não me veio ninguém à cabeça. Os outros também não conseguiram sugerir nada.

Nisso, o copo andou mais um pouco. 

E percebam, não peço para acreditarem nessa narrativa, mas estou sendo o mais fidedigno possível, com base no que me recordo. O copo deslizou milímetro por milímetro até a base do tabuleiro, passou pelas letras, parou no "6" por alguns instantes, e dali se dirigiu para o "até logo" que ficava na borda inferior.

Eu tinha lido que quando isso acontecia, o espírito simplesmente tinha desistido do contato, ou que ele não queria mais se comunicar. Nesse caso, era preciso parar e esperar um pouco.

Tirar o dedo do copo foi um alívio e todos estavam igualmente nervosos, se acusando de ter ou não empurrado o copo embora nós três tenhamos jurado que não o fizemos - eu sei que não o fiz, mas reconheço que o próprio Guilherme possa ter inconscientemente feito isso, quem sabe para chamar a atenção, quem sabe para justificar a experiência.

Verdade é que nunca vou saber.

Tentamos depois de novo, até a Giulia colocou o dedo no copo e nos revezamos em perguntas e tentativas, mas o copo não andou mais. Não importava quantas vezes tentássemos, nada aconteceu e nos demos por satisfeitos compartilhando do sentimento de alivio diante daquela imobilidade reconfortante.

Antes de nos despedirmos, comentei com o Bruno que a gente não devia comentar nada daquilo com os outros no colégio. Eu tinha a certeza de que se as Freiras do Colégio ficassem sabendo sem dúvida iriam nos expulsar ou pior, contariam aos meus pais o que a gente tinha feito. Os outros concordaram, mas é claro, na hora do recreio no dia seguinte, todo mundo já estava sabendo de nossa experiência sobrenatural.

Não sei quem foi, mas é claro que alguém tinha dado com a língua nos dentes e a história já se tornara uma saga de medo e horror envolvendo espíritos sentados em cadeiras vagas e copos que deslizavam sem parar. Não vou mentir, claro que gostei da fama repentina e dos olhares de admiração, até mesmo quando os outros nos acusavam incrédulos de mentir descaradamente.

Combinamos de fazer de novo, sobretudo por que alguns outros queriam participar da experiência e que seria bom contar com a presença de quem já havia feito. Guiga concordou, disse que segunda seus pais não estariam em casa e que  a gente poderia usar o apartamento dele de novo. Eu não estava especialmente feliz de reprisar aquilo, mas acabei topando torcendo para que até a semana seguinte esquecessem do combinado, coisa que não raramente acontece quando tem essa idade.

O fim de semana passou. 

Na segunda, Guilherme chegou no Colégio e estava com uma cara meio séria. Só consegui falar com ele no recreio e percebi que ele parecia evitar os demais que haviam planejado fazer a experiência naquela tarde. Finalmente quando estava com ele perguntei o que era e ele pareceu meio preocupado como se não quisesse contar uma coisa por temer que eu gozasse da sua cara ou contasse aos demais que ele estava sendo bundão. Tive que esperar até o final da aula para que ele muito sem jeito dissesse que não ia ter experiência na tarde. Ele pediu que eu avisasse os outros. Não disse nada, apenas aceitei aquilo com certa satisfação por não ter de passar pela coisa novamente.

Levou uns dias para que eu conseguisse falar com o Guilherme de novo e ele enfim topasse contar o que o estava incomodando. Na época a gente não era exatamente amigo, estávamos muito mais para colegas de classe que se veem obrigatoriamente cinco dias por semana e que nem mesmo conheciam a casa um do outro - o dia da experiência tinha sido a primeira vez que eu fui na casa dele e até então ele nem sabia onde eu morava.

Mas enfim, quando o Guiga resolveu me contar o que tinha acontecido eu acreditei de imediato não porque eu era um moleque crédulo e impressionável, mas porque algo no jeito que ele contou pareceu real. Era o tipo da coisa que não se inventava e o tipo da coisa que a gente não mente a respeito. Seja o que for, eu acreditei naquele momento, e ainda hoje, passados tantos anos, ainda acredito.

O Guilherme contou que no dia seguinte a experiência a mãe dele o chamou na sala e perguntou se ele havia chamado gente de fora e se haviam feito bagunça na sala. Até aí, nada de mais, mães tem um sexto sentido para pequenas coisas, a minha sabia exatamente quando entravamos na sala e mexíamos nos vasos de cristal e cinzeiros proibidos. O Guilherme é claro, com o mecanismo de defesa no máximo, mentiu e disse que ninguém tinha ido lá. Aí a mãe dele perguntou algo que o deixou pasmo:

"Se ninguém veio aqui, quem foi então que rachou a carranca da sala?"

Na hora eu não entendi o que tinha a ver. Eu não sabia, mas o Guilherme fez o favor de explicar que a carranca era um tipo de objeto de proteção, para quem acreditava nessas coisas, que servia para afugentar os maus espíritos e proteger uma casa da presença de coisas que pudessem fazer mal aos seus donos. Era por isso que marinheiros pintavam carrancas na proa de seus barcos, pois no entender deles não havia nada mais perigoso do que singrar mares desconhecidos que podiam estar repletos de espíritos malignos. A carranca representava um tipo de proteção, afugentando aquilo que não se queria ter em casa.


Eu fiquei sem palavras e a única coisa que consegui dizer, recorrendo ao manto protetor do ceticismo foi repetir: "Vai se foder! Que mentira!". 

Nada de bala de menta dessa vez. Gosto de cinza e zimbro.

Eu não queria acreditar! O problema é que a cara do Guilherme e a maneira como ele contou a história pareciam perfeitamente verdadeiras, como quando você é criança e conta como um parente morreu em um acidente rodoviário. É algo sobre, nessa idade, não se mente por achar absurdo inventar sobre algo tão sério. Guilherme tinha a cara de alguém que perdeu metade da família numa colisão frontal!

Ele pediu para que eu não contasse a ninguém, e até onde lembro mantive minha promessa por muitos anos. Só fui comentar isso muito depois com colegas do Ginásio, quando já tinha perdido o contato com todos.  

Eu gosto de pensar que sei guardar segredos e que levo a sério quando alguém pede sigilo sobre alguma coisa. Mas acho que nesse caso, meu silêncio se devia a outra coisa...

Ainda desconfiado, ou desejosamente cético da história, aceitei o convite do Guilherme de ir até sua casa e ver a carranca que estava na mesma sala onde tínhamos feito a Experiência com o Ouija naquela tarde. 

Gostaria de dizer que era brincadeira dele ou exagero, mas não.

A carranca de madeira estava rachada de lado a lado, bem na face medonha pintada de branco e vermelho. Era como se ela tivesse caído ou recebido um belo de um golpe com uma lâmina, um machado ou uma faca quem sabe. A rachadura não era funda, outrossim, longa, tinha talvez uns 25-30 centímetros e se estendia verticalmente de forma que era impossível não perceber só de olhar para ela. Começava no topo e ia deslizando até a abertura da bocarra cheia de dentes.

Guilherme disse que a mãe tinha ficado chateada, mas que não se importou muito no fim das contas. A coisa pertencia ao pai dele que a comprou numa viagem a Ilhéus ou algo assim, a mãe achava que era de mau gosto, mas acabou aceitando a presença dela ali dando de ombros quando o pai insistiu. Alguns compram berimbaus, outros compram carrancas quando visitam a Bahia. Ainda bem que a família do Guiga era fã de carrancas.

O que eu posso dizer dessa história que se estendeu por mais linhas do que eu planejava?

Que as vezes, coisas estranhas acontecem e que nem sempre a gente sabe explicar ou mesmo, precisa explicar. As vezes é melhor deixar pra lá e somente contar de vez em quando, apenas para não esquecer. Eu sei no entanto, e lembro bem que quando olhei para aquela carranca feiosa na sala ("quem tem um negócio desses") a coisa não estava rachada.

Dizer que ela nos protegeu de um "espirito maligno" é meio demais, mesmo porque eu não acredito nessas coisas faz tempo, mas naquela ocasião parecia perfeitamente aceitável. E tenho certeza o Guilherme também acreditava. 

Se a carranca não estivesse na sala, alguma coisa diferente aconteceria? Se sim, quem seria o tal J.P. se é que não passava de alguém empurrando o copinho de vidro forçando seu deslize pelo tabuleiro?
Eu me perguntei essas coisas por algum tempo até perderem importância e não me incomodarem mais.

Da minha parte continuei interessado em histórias desse tipo, não por acreditar nelas, mas por me considerar um Cético com um forte Senso de Curiosidade. Em algum momento, até cheguei a comprar volumes do Ciências Proibidas em sebos pela cidade. Descobri depois de ler que os livros não eram nem de longe tão macabros quanto imaginava naquela época. Tenho inclusive a primeira edição, aquela com a capa demoníaca que a despeito de minhas descrenças continua, aos meus olhos, extremamente assustadora. Entretanto, nunca achei uma edição que viesse com o Tabuleiro Ouija, acho que quem tem não vende. Talvez, ninguém mais tenha hoje em dia.

Eu me pergunto se achasse uma edição completa, tabuleiro e tudo, se faria uso dele. Talvez em nome dos velhos tempos. Quem sabe J.P. decidisse dizer um olá e até logo...

É com esse espírito (trocadilho intencional) que estou abrindo uma janela de busca no site Estante Virtual aqui na aba do computador. 

Quem sabe o que encontro aqui.

Desejem-me boa sorte.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Como ser um Narrador melhor - Dicas Valiosas para Mestres de RPG


Fazia algum tempo que eu não escrevia um artigo a respeito de mestrar RPG.

Eu tenho sido Narrador de RPG (Mestre, GM, DM, Keeper, Storyteller, Marshal e mais uma série de coisas) faz um bom tempo. Se bem me recordo, acredito ter começado a mestrar, na semana seguinte a ter jogado pela primeira vez. Desde os áureos tempos do D&D pai de todos com seus Dungeon crawls e hack & slash, passando pela febre do Storyteller, seguindo pelos novos jogos independentes e pelas transformações do D&D, foram inúmeros jogos e muitos sistemas que passaram pelas minhas mãos, incontáveis rolamentos de dados, centenas de personagens e muita diversão na companhia de amigos.

Nesse período eu aprendi muita coisa, mas estou sempre disposto a incorporar algo novo nas minhas mesas. 

Dicas são sempre bem vindas, principalmente quando elas não são impostas como verdade fundamental e aqui, esse não é o caso. Estas 15 dicas partem do seguinte princípio, elas funcionam na minha mesa e talvez funcionem na mesa de vocês, use o que lhe agrada, aproveite o que desejar, o resto descarte.

Vamos lá?

1. NOMES SÃO IMPORTANTES

Dar aos seus NPC (Personagens não jogadores) nomes memoráveis os torna imediatamente mais interessantes e críveis para os jogadores. Cada NPC, não importa o quão pequeno ou coadjuvante, oferece a oportunidade de enriquecer seu mundo e sua estória. Cidades, regiões, rios, montanhas, tudo isso merece um nome à altura. Chamar um Pântano apenas de "Pântano" é muito sem graça, que tal chamar de "Charneca da Água Negra" ou de "Pântano do Velho Sangueiro". O "Deserto de Areia" imediatamente se torna mais ameaçador se for chamado de "Deserto da Agonia" ou algo misterioso como "Terras Estéreis de Pthah". Da mesma forma, o taverneiro chamado Axel ou o Vendedor de Armas chamado Franz se tornam imediatamente mais bacanas do que seus correlatos sem nome que figuram na maioria das aventuras. Tenha à mão uma lista de cinco ou seis nomes para NPCs e lugares que você pode precisar de improviso. Anote esses nomes e use-os para futuras referências.

2. NADA DE NOMES RIDÍCULOS

Evite com todas as forças nomes que poderão ser usados como piadas prontas. Poucas coisas destroem de maneira mais eficiente uma narrativa do que um nome de NPC que se torna piada na boca dos jogadores, sobretudo se o NPC for essencial para sua aventura. Jogadores tem por hábito adaptar piadinhas a nomes: Feodor vira "Fedor", "Giles vira "Gilete" e "Peyton" vira algo gastricamente sem graça. Evite nomes com duplo sentido, que lembre outros personagens, que sejam demasiadamente clichê ou que sejam muito complicados para guardar. Um bom nome de NPC é aquele que os jogadores lembrarão naturalmente. 

3. JOGADORES ADORAM NOSTALGIA

Reutilize os lugares onde seu grupo já esteve anteriormente. Que tal revisitar o velho forte que o grupo ajudou a libertar da presença de goblins lá no primeiro nível? Que tal pousar sua nave na estação caindo aos pedaços e visitar a espelunca onde a tripulação se conheceu? O que dizem de explorar por uma segunda vez a casa assombrada onde um aliado desapareceu sem deixar rastro? Da mesma maneira, será memorável encontrar aquela atendente de taverna que no primeiro nível esnobou seu personagem. Será que a opinião dela será outra agora que você chegou ao sétimo nível e se tornou um herói local? Em nossas vidas, sempre temos a chance de encontrar rostos do passado, de colocar a conversa em dia e relembrar de acontecimentos. Jogadores adoram encontrar aquele sujeito que foi salvo na primeira sessão e descobrir que ele se tornou alguém importante. O que teria acontecido com seu rival dos tempos de faculdade? Será que ele progrediu como você? Saber que o heroísmo foi recompensado através de alguém que eles próprios ajudaram não tem preço. Não repita essa fórmula indefinidamente, para não diminuir a importância dos acontecimentos. Espalhe momentos assim de tempos em tempos e veja como seus jogadores vão reagir quando envolvidos pela nostalgia.


4. ROLAR DADOS É CHATO SEM DESCRIÇÕES

Na superfície, rolar dados é essencial numa sessão de RPG. Sucesso e fracasso dependem dos números obtidos nesses pequenos poliedros multifacetados. Eles representam a Mão do Destino (THE HAND OF DOOM) agindo sobre a vida de seu personagem. Quando um jogador rola o dado, há um momento de suspense no qual qualquer coisa pode acontecer e todos aguardam com ansiedade a resolução. Mas para que esse suspense seja justificado, a resolução do rolamento precisa ser detalhada. Do contrário, só temos um número ajustado por modificadores positivos e negativos. Um ataque, uma análise, um teste de percepção, uma tentativa de enganar, seduzir, encantar... tudo depende do número rolado no dado, mas a descrição do Narrador é essencial para que o resultado seja mais do que um número frio e sem graça. Dizer "você encontra um espaço na armadura e desfere uma estocada com a lâmina no ponto exato entre as placas de metal" é muito melhor do que narrar "você rolou um ataque crítico!". Explicar que "a lâmina produz um ferimento profundo e doloroso, que quebra costelas e atravessa o pulmão matando o oponente que solta um gorgolejar" é muito (mais muito!) melhor do que dizer "você dobra seu dano e mata o inimigo". Concentre-se no que significa cada resultado e como ele pode ser apresentado em detalhes de jogo. Narre a situação, evite se limitar a declarar "acertou"/"errou". RPG não é batalha naval! Esconda os números o máximo possível e torne cada rolamento algo inesperado.

5. DEIXE OS JOGADORES ESCOLHEREM SEU CAMINHO

O mundo é preenchido com incontáveis possibilidades cada uma levando a um caminho diferente. Os jogadores devem ter autonomia para escolher qual caminho preferem trilhar. A você, o Narrador, cabe guiá-los e se preciso colocá-los no caminho correto. Mas é importante ter a mão leve para não empurrá-los de um canto para o outro. No final, mesmo que o caminho não tenha sido definido por eles - e sim pelas circunstâncias, deve ao menos parecer que eles escolheram o caminho tomado de forma consciente. Poucas coisas frustram mais os jogadores do que um Narrador que obriga o grupo a a agir de uma maneira que eles não querem.

6. RECOMPENSE BOAS IDEIAS, NÃO AS PUNA

Infelizmente existem GMs que não compreendem que seu papel é contar uma história e não disputar contra os jogadores. Os obstáculos que ele, como narrador cria, ou os inimigos que lança contra os jogadores, visa tornar o jogo mais interessante, estimulante e excitante. Eles não devem ser empregados com o objetivo de derrotar, eliminar ou (valei-me Deus) humilhar os personagens dos jogadores. O mestre não está enfrentando o grupo como inimigos em uma disputa na qual apenas um pode ser vitorioso. Um bom GM sabe dificultar a vida dos personagens, mas tem a nobreza de reconhecer quando eles superam suas armadilhas com inteligência, habilidade ou sorte. Se os jogadores descobrirem uma falha em sua estratégia, não tente consertá-la apenas para negar o triunfo do grupo. Reconheça que eles conseguiram superar seus obstáculos e recompense-os de acordo.


7. SEJA CONSISTENTE 

Aleatoriedade em dados é algo esperado. Aleatoriedade em regras de sistema ou interpretações matam um jogo. Quando você adota uma "Regra da Casa", tenha certeza de que todos entenderam e explique suas razões para adotá-la. E se a situação assim mandar, mantenha essa regra até o fim. Poucas coisas frustram mais o grupo do que regras que na prática estimulam "dois pesos e duas medidas", que validam ações de inimigos ou NPCs, mas que não valem para seus personagens. E isso se aplica a qualquer situação. Se um NPC conseguir lançar uma magia usando um velho manuscrito meramente lendo o que está escrito, um jogador pode ser perfeitamente capaz de fazê-lo se estiver em uma circunstância semelhante. Um mestre deve ser firme, mas justo. Fazer justiça é aplicar a mesma Lei a todos na mesa.

8. ADMITA ERROS ASSIM QUE OS IDENTIFICAR

Narradores tem que fazer muita coisa ao mesmo tempo. Por vezes, um narrador pode esquecer de um detalhe importante, ocultar uma pista sem querer ou ignorar algo importante que pode atrapalhar o curso da história. Se você de alguma forma atrapalhar o grupo ou forçá-lo a um caminho improdutivo, reconheça que não era sua intenção. Se você esqueceu aquela pista central, contorne de alguma forma e se for extremamente necessário volte uma cena para acrescentar o detalhe perdido. É melhor fazer isso o quanto antes do que deixar o grupo perdido e sem saber o que fazer. Em alguns momentos, quando os jogadores ficam perdidos, eles acabam perdendo o interesse na história. Um beco sem saída chateia o grupo como um todo, bem como aquela sensação de que uma lacuna foi deixada aberta. Seja direto nos reparos necessários, é melhor do que dar voltas e tentar explicar ou arranjar desculpas.

9. PLANEJE MOMENTOS CHAVE NA SUA AVENTURA

Os jogadores participam da campanha que você está narrando com o objetivo de serem entretidos e recompensados. Recompensas são a forma como os personagens avançam em em suas metas e conquistam aquilo que almejam. São as tais milestones, um conceito que muitos jogos incorporam às suas regras. São momentos chave da vivência dos personagens que constituem aquelas situações em que eles avançam em seu desenvolvimento como indivíduos. Se vingar do sujeito que matou seus pais, conquistar um tesouro, caçar aquele maldito troll que destruiu seu vilarejo... Se um personagem não avança e fica estagnado com os mesmos planos pendentes, pode ter certeza que o jogador logo irá se frustrar. Ninguém quer continuar salvando camponeses para sempre, ninguém quer ficar matando goblins e pilhando masmorras, por mais divertido que seja. Os jogadores precisam progredir em suas vidas e se tornar algo que eles almejavam ser no início. Se o plano de um deles é entrar para uma ordem ou sociedade, planeje isso com antecedência. Se um deles deseja enfrentar um oponente odiado, planeje esse encontro em detalhes. Uma campanha em que nenhum plano se concretiza é frustrante. Os jogadores precisam conquistar algo e obter sucesso ao menos de vez em quando. Isso não quer dizer que a aventura tem que ser uma sucessão de sucessos, mas se estes nunca vierem, as coisas se tornam enfadonhas.


10. FAÇA OS PERSONAGENS SE TORNAREM HERÓIS DE VEZ EM QUANDO

Dê aos personagens a chance de brilhar de tempos em tempos. Eles obviamente não precisam salvar o mundo toda sessão, mas é bom eles sentirem que seus esforços foram reconhecidos e que seus atos foram importantes e conquistaram reconhecimento. Cabe aos personagens perseguir seus objetivos, mas cabe ao mestre tornar as realizações algo grande e não um mero acontecimento. O grupo matou um Dragão? Faça com que a fama deles corra pelas cidades. Venceram um Senhor da Guerra? Que os bardos cantem suas realizações em prosa e verso. Salvaram uma cidade de Drows? Que os aldeões os admirem e depositem neles suas esperanças. Personagens são capazes de fazer coisas notáveis e todos querem ser heróis, nem que seja de uma aldeia nos cafundós do mundo. Faça o momento em que eles são reconhecidos como heróis algo significativo, faça com que reconheçam sua importância e seu sacrifício. Esses momentos serão lembrados e pranteados por muito tempo: "Lembra quando salvamos a princesa?", "Lembra quando liquidamos aquela criatura dimensional?", "Lembra quando matamos aquele Dragão lendário e fomos declarados heróis de Cormyr?". Incentive o grupo a colecionar títulos e o reconhecimento geral. Mais do que dinheiro, mais do que tesouros, mais do que qualquer coisa transitória, a Glória vive para sempre! E mesmo que eles falhem, faça com que eles sejam lembrados como aqueles que ousaram se erguer contra um inimigo superior.

11. REMOVA OS MOMENTOS CHATOS DO ROLEPLAY

Avance as coisas! A menos que exista alguma relevância para a história e para acontecimentos vindouros, prefira avançar momentos chatos ou que parem demasiadamente a sessão. É como se você tivesse à sua disposição um controle remoto com uma tecla de avanço. Não tenha medo de usá-la de vez em quando. Por exemplo, em praticamente todas as aventuras de RPG chega o momento em que o grupo precisa comprar equipamento e negociar mercadorias. Se você exigir que eles negociem objeto por objeto, item a item, regateando e barganhando, pode ter certeza que seu jogo não vai progredir. Você pode até fazer isso uma ou duas vezes, mas na terceira as coisas começam a ficar chatas. Da mesma maneira, há todo tipo de momento em que o mestre pode avançar as coisas.  Em caso de uma viagem muito longa, experimente fazer um resumo do que o grupo viu e testemunhou ao longo de vários dias de estrada. Um resumo é melhor do que um relato completo encenado, a não ser que este seja vital para o curso da história. A exploração de uma cidade também pode ser feita dessa maneira, descrevendo o que o grupo viu nos distritos menos importantes e seguindo direto para aquele que realmente é essencial para o desenrolar da trama.

12. LEVE O JOGO À SÉRIO, MAS NÃO EXCESSIVAMENTE

Essa é uma Regra de Ouro. Se o GM brincar durante o jogo, os jogadores sentirão que também podem brincar. Se ele agir de maneira séria, pode ter certeza que eles vão levar o jogo bem mais à sério. Mas lembre-se, a primeira regra de qualquer RPG é se divertir. Um jogo em que há seriedade o tempo todo, caras fechadas e nenhum momento de descontração pode até ser dramático e com grandes interpretações, mas também pode ser muito chato. O desejado é que a mesa alterne momentos de seriedade (quando a situação assim exigir) com momentos de descontração (quando as coisas estiverem calmas).


13. DE A ELES INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS

Nem todos sabem como sobreviver numa floresta à noite. Não espere que seus jogadores apresentem conhecimentos que eles não tem. Se você como mestre já leu a respeito de como é o aprendizado de magia, sobre os mistérios dos Mitos de Cthulhu ou os detalhes de uma ambientação, não presuma que os jogadores tem o mesmo conhecimento. Muitas vezes é irritante para o jogador quando o GM cobra dele um conhecimento sobre a ambientação que ele não possui. Pior ainda quando diz "mas você precisa saber disso"! Converse com o grupo antes da sessão. Alimente os jogadores com informações necessárias para compreender o básico da ambientação, dos NPC e dos lugares que serão cobertos na campanha. Uma sugestão? Faça uma reunião antes da campanha começar. Explique a eles os aspectos básicos do mundo: geografia, política, quais os reinos e pessoas importantes. O ideal é que isso seja escrito e compartilhado como recursos de jogo para todos. Se uma sessão vai introduzir novos elementos use o recurso dos handouts com um resumo de "O que vocês sabem a respeito de..." Isso ajuda muito a aprofundar o jogo!  

14. MANTENHA UMA CÓPIA DA FICHA DOS JOGADORES

Esse é um conselho procedimental. SEMPRE tenha uma cópia das fichas dos jogadores com você. Existe dois tipos de jogadores: Aqueles que copiam os dados, mantém tudo organizado em pastas e que capricham nos detalhes. E aqueles que acabam com a ficha, rabiscando, amassando, fazendo anotações nos cantos e tudo mais. Inevitavelmente o segundo tipo de jogador irá perder a ficha ou esquecer de trazer em uma sessão. Muito possivelmente isso irá atrapalhar muito a sequência planejada, pois ninguém é capaz de lembrar todos os detalhes de uma ficha. Para essas eventualidades, tenha uma cópia atualizada à mão, mantenha ela guardada. Uma boa dica é oferecer pontos de experiência para os jogadores que mantiverem suas fichas em ordem e atualizadas ou menos pontos para os que forem relaxados com seu material. Lembre-os que você como GM tem muito mais trabalho em organizar os eventos de um mundo inteiro, o mínimo que eles podem fazer é cuidar de uma pequena parte desse mundo - seus próprios personagens!  

15. SE VOCÊ NÃO ESTÁ SE DIVERTINDO, NINGUÉM VAI SE DIVERTIR

E chegamos a regra mais importante de todas! Por algum motivo, muitos jogadores e mestres acham que o papel do Narrador é conduzir o jogo, decidir os rumos da campanha, traçar o destino e rolar dados. Tudo isso sem se divertir. NÃO! O GM deve se divertir tanto quanto os jogadores. Ser Mestre deve ser um prazer e jamais uma imposição de um grupo sobre um pobre infeliz que odeia esse posto. Vai por mim, se jogar RPG sem vontade é péssimo, narrar uma aventura contrariado, é muito pior. Se você não gosta de ser mestre, converse com os jogadores, explique a eles sua posição. Talvez você consiga explicar e todos entrem em um acordo que facilite as coisas para você continuar. Do contrário, passe o cargo adiante. Da mesma maneira, se você chegar a um determinado momento em que a campanha não está satisfatória ou o resultado está aquém do que você imaginou, seja franco com seus jogadores. Explique o que não está funcionando e encerre ali se não existir uma forma de reparar as coisas. Se for o caso, transfira a campanha para as mãos de outra pessoa, talvez como jogador você desfrute muito mais. Jogos em que o mestre não se diverte, e que ele sustenta por uma ridícula "obrigação para com o grupo", tendem a desmoronar por conta própria.

Bom é isso!

Espero ter ajudado e se alguém quiser sugerir mais alguma coisa aproveite o espaço de comentários.