sábado, 28 de maio de 2022

A Noite dos Desmortos - Quando Mortos-Vivos caminhavam na Inglaterra do século XII


Ao longo da história sempre existiram lendas e relatos sobre mortos-vivos. Estes assumem muitas formas, incluindo carniçais, vampiros, fantasmas e outras criaturas que não estão nem vivas e nem mortas e que habitam a parte mais escura do reino sobrenatural. Tais contos remontam ao início da história registrada, abrangendo todos os tipos de fenômenos estranhos e inexplicáveis, com relatos obscuros e esquecidos cuja autenticidade é impossível corroborar. 

No século XII, o cronista britânico William de Newburgh escreveu um extenso registro ao longo de vários volumes chamado Historia Rerum Anglicarum, que cobre meticulosamente a história da Inglaterra de cerca de 1066 até 1198. Este texto é um dos mais antigos conhecidos sobre a história do país e um dos registros mais confiáveis sobre sua origem, tanto que ele é tratado com enorme interesse por pesquisadores. Ao longo dos volumes, o autor compila textos e relatos históricos mais antigos que foram transmitidos a ele verbalmente permitindo tecer uma rica tapeçaria sobre os primórdios da história inglesa. Em sua maior parte, tudo parece se basear em relatos e textos fundamentados que foram considerados pelo autor suficientemente confiáveis. 

No entanto, entre as páginas que descrevem batalhas marcantes, intrigas palacianas e uniões forjadas por interesses políticos, existem relatos que realmente se destacam pela sua natureza bizarra. São trechos extensos e incrivelmente detalhados que mencionam criaturas mortas-vivas como algo que faz parte do cotidiano. No quinto volume de seu tratado, ele se dedica a descrever relatos misteriosos sobre mortos-vivos que ele considerou convincentes o bastante para integrar sua obra. 

O primeiro desses relatos conta a história de um estranho misterioso que por volta de 1196 veio da província de York buscando se estabelecer num povoado aos pés do Castelo de Anantis. De acordo com o relato, esse estranho era um homem rico, mas de má índole, e de quem ninguém gostava. O sujeito se estabeleceu em uma rica propriedade e se tornou odiado por todos que precisavam tratar com ele. Ainda assim, conseguiu encontrar uma jovem esposa que controlava com mão de ferro e frequentemente agredia fisicamente. O ciúme doentio que sentia era tamanho que ela sequer podia olhar para outros homens.


Esse tirano passou a suspeitar que a esposa o estava traindo, e então decidiu pegá-la em flagrante. Ele avisou que teria de viajar, mas na verdade se pôs a vigiá-la. Não foi preciso esperar muito, pois logo encontrou a esposa na companhia de outro homem. Furioso, saiu de seu esconderijo com uma faca na mão, tencionando matá-los, mas o amante que acompanhava a mulher foi mais rápido e deu com um porrete na cabeça do vilão. Enquanto o amante fugia, a esposa ajudou o marido a deitar na cama e tratou seu ferimento. Ele ficou acamado por semanas e como os ferimentos eram graves, um monge veio oferecer a extrema unção. O religioso implorou que ele se arrependesse de seus pecados, o que foi prontamente recusado. Disse que preferia morrer consumido pelo ódio que lhe queimava a alma a perdoar o crime da esposa. De fato, ele acabou morrendo naquela mesma noite.

No dia seguinte, foi enterrado e a população local parecia aliviada. A esposa não chegou a ser punida, pois sua devoção em cuidar do marido enfermo foi considerada prova de constrição. Ademais, ninguém estava disposto a recriminá-la por trair um marido tão vil. Contudo, não seria tão fácil se livrar dele. A partir daquela noite, os aldeões começaram a falar sobre uma presença sinistra vista perambulando nas imediações, muitas vezes seguido por um bando de cães ferozes. 

Aqueles que viram aquela figura soturna reconheceram nela as feições cadavéricas do homem recém enterrado. Ele se esgueirava procurando qualquer um que estivesse sozinho; as atacava e as espancava até a morte antes de desaparecer na escuridão que parecia envolvê-lo. Em pouco tempo, a população local foi forçada a se esconder em suas casas à noite, mas nem isso adiantava, pois o morto-vivo usava seu hálito venenoso para encher as casas com uma pestilência que obrigava seus habitantes a abrir as portas em busca de ar puro. As pessoas começaram a abandonar o povoado a ponto dele se tornar uma cidade fantasma. Diz a lenda que, certa noite, o monstro voltou à mansão onde residiu em vida para tomar posse do que era seu. Ele encontrou a esposa e a trancou no porão onde a torturava noite após noite.  


Alguns poucos corajosos decidiram que algo precisava ser feito. Uma dupla de irmãos cujo pai havia morrido vítima do hálito maligno do morto-vivo planejaram sua vingança. Protegidos pela luz do dia, eles invadiram a morada do desmorto com objetivo de achar seu lugar de descanso. Num dos aposentos protegidos com tábuas e grossas cortinas acharam o monstro repousando num caixão. A visão da criatura era ainda mais horrível do que imaginavam: o cadáver emaciado tinha uma face transfigurada pelo ódio e estava coberto de sangue. 

Eles atravessaram uma estaca de madeira em seu coração fazendo jorrar uma quantidade copiosa de sangue, muito mais do que o normal. Isso os convenceu de que ele se alimentava do sangue dos vivos. O arrastaram então para fora e arrancaram sua cabeça antes de incendiá-lo. A essa altura, um grupo de curiosos já havia se reunido para assistir o morto-vivo ser destruído de uma vez por todas. Diz-se que quando ele foi reduzido a cinzas todos aqueles que haviam adoecido pelos olores tóxicos da criatura milagrosamente recuperaram sua saúde. 

Curiosamente, após relatar essa história bizarra envolvendo uma criatura sobrenatural morta-viva, William de Newburgh volta a falar da história normal e mundana da Inglaterra, como se ela não fosse nada de estranho. Mas esse não era o único trecho bizarro na extensa obra de William de Newburgh. Ele voltava a abordar o tema dos mortos-vivos várias vezes ao longo de seu compêndio histórico. 

Em outro trecho, aproximadamente por volta de 1190, é descrita a morte de um homem de posses que foi enterrado em Berwick, na Escócia. Da mesma forma que o morto-vivo da história anterior, este, também se ergue de seu túmulo, vagando acompanhado por uma matilha de cães ferozes rosnando e latindo. A criatura morta-viva de Berwick começou a espreitar pela cidade atacando as pessoas, mordendo-as e drenando seu sangue. O monstro exigia um tributo de sangue toda semana na forma de uma pessoa saudável a ser entregue na porta do cemitério onde havia estabelecido seu covil. Quando as pessoas se negaram a ceder às suas demandas, muitos começaram a adoecer e morrer de algum tipo de pestilência misteriosa. 


Segundo William de Newburgh, uma multidão de aldeões furiosos decidiu fazer justiça. Eles localizaram a tumba do morto vivo e o desenterraram. Em seguida, o empalaram com uma estaca de madeira, o desmembraram e queimaram os restos até se tornarem cinzas, encerrando seu reinado de terror. Mais uma vez, William de Newburgh após narrar esse episódio mórbido volta a abordar a história real. 

No entanto, ele simplesmente não consegue se conter, e algumas páginas mais tarde outras histórias desse tipo invariavelmente surgem.

Uma delas vem do Condado de Buckinham, onde um homem morreu e foi enterrado, apenas para retornar dias mais tarde possuído por uma força nefasta. O morto começa a perambular pelos vilarejos próximos, matando crianças e delas se alimentando para horror de todos. Diferente dos outros mortos vivos, este é descrito como um tipo de assombração ou fantasma incorpóreo, identificado como um miasma de vapor cinzento de fedor nauseante - uma assombração (ou Wraith). O demônio é visto por várias pessoas que testemunham sua aparência degradante. Em dado momento, um sacerdote local escreve uma carta pedindo que alguém seja enviado de Londres para lidar com o problema. 

Um clérigo chamado Chalmers é enviado e este tem a ideia de encontrar o local onde o cadáver foi enterrado. Ele visita o local e encontra a cova cavada de dentro para fora e um caixão arrebentado onde repousa "um cadáver medonho, inchado além da proporção, apodrecido e devorado por larvas de moscas". O religioso ordenou para que lhe trouxessem óleo que ele utiliza para atear fogo nos restos, colocando um fim ao pesadelo.


Finalmente, temos um conto impressionante de um lugar chamado Mosteiro de Melrose, onde um capelão supostamente morreu e foi enterrado. Este capelão em particular parece não ter sido nenhum santo em vida. Segundo rumores ele era um homem perverso que havia assassinado aldeões para roubar suas posses e tomar suas esposas. Ao morrer ele não havia encontrado descanso: Levantava todas as noites para andar em torno de sua propriedade, sussurrando e gemendo. 

A população local estava compreensivelmente angustiada com tudo isso. Tratavam o morto-vivo como um Ghoul (carniçal), um ser que se baqueteava dos restos mortais de inocentes sepultados no cemitério. Um grupo de aldeões pediu ajuda aos monges locais, implorou-lhes que os ajudassem a livrar-se desse flagelo antinatural. Dois frades e dois serviçais que lá trabalhavam concordaram em prestar socorro. Os quatro homens foram ao cemitério do mosteiro e esperaram que a coisa se mostrasse, o que parece ter sido um trabalho tedioso pois três deles se afastaram, deixando um jovem frade sozinho na vigília.

Assim que ele estava sozinho, o capelão morto-vivo surgiu e começou a escavar um túmulo recente em busca de uma refeição cadavérica. O frade assistiu horrorizado a criatura desenterrar um defunto recente e dele se alimentar vorazmente. Enquanto o morto-vivo chupava os ossos em busca de tutano, o frade se esgueirou por trás dele com um machado que havia trazido. Com um golpe bem dado ele enterrou a lâmina no crânio da abominação. O capelão morto-vivo cambaleou para trás e tentou escapar, mas o frade o perseguiu até uma cripta onde ele se enfiou. Felizmente, os companheiros do frade voltaram e, depois de ouvir o que havia acontecido, esperaram até o amanhecer para terminar o trabalho que ele havia começado. Quando a porta da cripta foi aberta, o cadáver estava ali inerte, com o machado e uma “grande quantidade de sangue que havia coberto o piso do sepulcro”. Os quatro arrastaram o carniçal de seu local de descanso, levaram-no para fora do cemitério e o reduziram a cinzas. 


A narrativa é mencionada casualmente em meio a relatos de história legítima, e realmente nos faz pensar por que o autor sentiu a necessidade de incluir tal coisa em sua obra. De acordo com William de Newburgh, esses casos vieram de fontes respeitáveis e eram críveis ao ponto que valia a pena mencioná-los. Embora a palavra "vampiro" nunca seja mencionada em nenhum deles, não é difícil ver como eles podem se encaixar na mitologia dos mortos-vivos.

Diante de todos esses relatos é impossível não nos perguntar o que diabos estava acontecendo na Inglaterra desse período e por que tais registros constam em meio a textos históricos? Isso tudo seria simples folclore ou haveria algo mais? Seja lá qual for a resposta, tais relatos são uma fonte impressionante de informações sobre uma época em que as pessoas viviam com medo, sufocadas pelas suas crenças e superstições.

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Então você quer narrar em um Evento? - Dicas para Mestres em Encontros e Convenções



O pior dessa maldita Pandemia passou e as coisas gradualmente estão voltando ao normal.

Finalmente, depois de um longo hiato, os encontros de RPG também estão de volta. Junto com eles, a chance de reencontrar os amigos, bater papo, conversar sobre nosso hobby, trocar ideias e é claro, rolar dados novamente.

A medida que os encontros de RPG começam a retornar e os grandes eventos vão sendo planejados, surge a ansiedade em voltar com as mesas presenciais.

Após uma conversa com alguns colegas que também tem o costume de narrar RPG em eventos, surgiu a ideia para esse artigo. O objetivo dele é dar algumas dicas e sugestões para os narradores que pretendem levar suas aventuras para esses eventos e formar novas mesas. Em geral, nós sabemos o que nossos amigos gostam e procuram em RPG, mas quando se trata de uma mesa com colegas de evento, pessoas que estamos conhecendo ali, certamente temos de nos adaptar.  

Cada Narrador (seja ele DM, Mestre, Guardião, Storyteller) tem uma abordagem diferente para planejar seu cenário de convenção. Alguns criam cenários do nada, construindo uma ótima história, personagens interessantes e jogabilidade suave. Outros optam por usar um início rápido ou um cenário previamente utilizado para ter controle da duração estabelecida. Ainda outros preferem pegar cenários populares, clássicos esquecidos ou fragmentos de grandes aventuras e inserir tudo em uma versão mais rápida para dar aos jogadores um passeio fantástico e memorável.

Aqui estão algumas dicas que acumulei ao longo de vários encontros e eventos de RPG que participei. De modo algum esse artigo esgota o tema, mesmo porque ideias para aprimorar nosso jogo e torná-lo cada vez mais interessante são sempre bem vindas. Comentários, dúvidas e sugestões são portanto mais do que bem vindas.

Vamos começar? 

Dica #1 - Quem antecipa vai mais longe


É interessante antecipar as coisas.

Uma boa aventura carece de preparativos e de certo grau de dedicação para se transformar em algo memorável. Uma das coisas mais interessantes em jogar num evento de RPG é que os jogadores podem escolher aquilo que querem jogar. Eles não ficam restritos ao que seus mestres regulares costumam oferecer e tem a chance de participar de uma mesa daquele sistema obscuro do qual ouviram falar uma vez ou ainda, que jogaram uma única vez e depois nunca mais.

Eu penso no Mestre de Evento como uma espécie de representante de determinado sistema e explicador de uma ambientação. Ele está ali para mostrar esse jogo, passar qual a ideia por trás dele e apresentar a novos e potenciais jogadores um jogo.

Para "vender seu peixe" e causar uma boa impressão, o ideal é ter as coisas prontas com antecedência. Em eventos, jogadores adoram coisas como recursos narrativos, props e auxílio narrativo. Nem todos os jogadores de primeira viagem tiveram a chance de ter em suas mãos esse tipo de material e pode ter certeza, eles vão causar uma bela impressão. 

Mas é claro que isso não é tudo: estudar a aventura, repassar os principais pontos, deixar tudo preparado é algo vital para uma aventura rolar suave. Eu gosto muito de contar com um resumo da aventura que vou narrar sempre à mão, ter uma lista dos NPCs importantes e suas características marcantes, um apanhado das cenas essenciais e das pistas que não podem ser esquecidas. 

Uma outra sugestão válida é dar preferência a aventuras que você já narrou, que está familiarizado ou que conhece mais detalhadamente. Isso não significa que você não possa rolar uma aventura que nunca narrou antes num evento, mas é inegável que prévia experiência ajudará bastante na sua confiança!

Dica #2 - Bons Personagens fazem boas mesas


Essa dica poderia estar contida no primeiro item, mas ela é tão importante que vale a pena salientar individualmente. 

LEVE OS PERSONAGENS PRONTOS!

Prefira levar as fichas já preparadas, com as estatísticas, habilidades e detalhes previamente definidos. Montar a ficha dos personagens na hora do jogo por vezes é chato, cansativo e exige que os jogadores conheçam detalhes da ambientação e do sistema. Se eles estiverem jogando pela primeira vez, as chances de ficarem perdidos ou sem ideia do que fazer são enormes e mesmo que eles sejam veteranos, por vezes, mestres e jogadores possuem regras da casa ou interpretações diferentes. Para evitar desgaste, forneça os personagens prontos numa ficha oficial do sistema escolhido, com alguma imagem referencial e de preferência preenchida com letra legível.

Alguns podem argumentar que em certas ambientações, os jogadores ajudam a criar o ambiente em que se passa a aventura e participam ativamente da construção do elenco de personagens. Certo, isso até acontece, mas é algo bem mais raro. A maioria dos jogos funciona melhor se os personagens já estiverem previamente construídos. Criar os personagens vai consumir um bom tempo de seu jogo, e pode resultar em personagens bizarros que não se encaixam na sua aventura. Evite isso, deixe tudo pronto!

Outra sugestão é fornecer opções de personagens, levando dois ou três adicionais. Se a mesa foi planejada para quatro jogadores, tenha à disposição seis ou sete opções de personagens prontos. Isso permite que o grupo possa escolher aqueles que mais lhes agradam. Também é interessante contar com alguns personagens extras para o caso de um grupo de jogadores um pouco maior, querer jogar na sua mesa. Já tive casos de não ter vaga para todos e o grupo inteiro desistir para não deixar um colega de fora. Também já aconteceu de um jogador se inscrever e desistir por conta de não ter vaga para um amigo ou a namorada que está com ele. Se não for atrapalhar a dinâmica de sua mesa, às vezes não faz mal incluir um ou dois jogadores de última hora.

No que diz respeito aos personagens, minha sugestão é torná-los o mais atraente possível. Ainda que os jogadores usem esses personagens uma única vez, ninguém gosta de jogar com personagens genéricos, sem graça ou descartáveis. As pessoas se sentem mais atraídas quando tem em suas mãos algo diferente, colorido e tridimensional. Esses são personagens que oferecem melhores opções narrativas e que geralmente são mais interessantes de interpretar. Tente equilibrar as estatísticas, não deixe os personagens ficarem desbalanceados, pois com certeza os jogadores irão comparar suas habilidades uns com os outros e reclamar caso haja personagens claramente mais fracos.

Uma dica muito útil é escrever uma breve descrição de quem é o personagem, quais os seus objetivos e uma sugestão para interpretação. Alternativamente qual a ligação dos personagens também é algo que vem muito à calhar. Lembre-se, os personagens literalmente vão cair de paraquedas no colo dos jogadores, eles não sabem o que vão interpretar ou o que esperar deles. Quanto mais informações forem transmitidas para o jogador, melhor. Entretanto, evite aqueles backgrounds enormes e incrivelmente detalhados ou que envolvam muitos pormenores da ambientação. Algumas poucas linhas já são o suficiente para situar o jogador e permitir que ele assuma a partir daquele ponto.   

Dica #3 - O bom e velho, Bom Senso


Ah, o bom senso... tão desejado, muitas vezes esquecido.

Bom senso deveria ser a regra dourada em qualquer mesa de RPG, ainda mais quando você vai narrar para um grupo de desconhecidos que conheceu poucos minutos antes.

Nos últimos tempos tem havido um grande debate nas redes sociais à respeito de como fazer os jogadores se sentirem "seguros" na mesa de jogo. Eu já ouvi alguns colegas defendendo a adoção de formulários a serem preenchidos antes de iniciar o jogo para alertar o mestre de possíveis "gatilhos" que podem se provar um incômodo para alguns jogadores. Francamente, eu sou da opinião que esse tipo de burocracia não é necessária se o mínimo de bom senso prevalecer na mesa. 

Aqui vão algumas sugestões que podem ser úteis:

a) Antes de começar a aventura, se for o caso, explique aos jogadores que se trata de uma aventura para público adulto e maduro. Eu adoro Horror, e em geral, minhas aventuras possuem cenas sangrentas, medonhas e (se eu estiver num bom dia) assustadoras. Sem entregar o enredo ou o tema, é possível explicar antecipadamente que o cenário irá abordar um teor mais pesado. O melhor referencial é explicar que se a aventura fosse um filme, ele teria indicação para público acima de 18 anos.

b) Se possível evite temas controversos, polêmicos ou potencialmente incômodos. Me parece ser de bom tom evitar abordar em mesa (ainda amis com desconhecidos) assuntos que possam causar incômodo ou constrangimento nos jogadores. Me refiro especificamente a cenas envolvendo intimidade física, sexo ou agressão sexual.

c) Algumas pessoas podem se sentir incomodadas por algum elemento presente numa aventura. Nesse caso, a melhor opção é o jogador sair da mesa para não se incomodar e deixar o personagem como NPC enquanto durar a cena. Com isso a diversão dos demais é preservada e o jogo não fica cortado. Se o jogador em questão quiser retornar depois (e se isso for viável), o mestre pode explicar rapidamente o que se passou e editar as partes problemáticas.

d) Tenha em mente que a aventura é uma espécie de Contrato Social firmado entre o Mestre e os Jogadores. O primeiro se oferece para contar uma história divertida e os demais se dispõem a participar dela e contribuir para a diversão geral. Qualquer coisa que fuja desse princípio não cabe na mesa de jogo. 

Dica #4 - Mantendo os Jogadores nos Trilhos


Eu já posso ouvir alguns de vocês jogadores, fãs de sandbox resmungando ao ler esse tópico: "o cara está sugerindo que as aventuras tem que ser railroad".

De fato, não me refiro a isso especificamente, embora eu defenda que para um evento/encontro de RPG, aventuras railroad (com encadeamento de cenas mais previsíveis) são mais indicadas.

Contudo, quando digo para manter as coisas no trilho, estou me referindo a seguir com o que é importante para o cenário e ser breve com o que não é. Sejamos francos: a maioria das pessoas não quer ir a um evento e ficar jogando uma aventura por oito horas sem parar. Muitos querem aproveitar para conhecer o lugar, passear, visitar stands e encontrar amigos... Mesmo o jogador mais "seco" por participar de uma mesa, não quer ficar horas e horas sentado ali quando há mais o que fazer numa convenção.

Assim sendo, anote aí essa dica: Vá direto ao ponto.

Em muitos cenários, sobretudo os investigativos, há espaço para pistas falsas que aprofundam o mistério, interrogatórios complicados a serem conduzidos, entrevistas com testemunhas reticentes e pistas não muito óbvias a serem colhidas, que carecem de certo grau de roleplay. Isso tudo é muito legal, mas em um evento, tal coisa pode consumir um tempo valioso da sessão.

O truque é não abrir mão inteiramente dessas coisas, mas não insistir tanto quanto você normalmente faria em um jogo na sua casa. Deixe o grupo ciente das opções, deixe-os persegui-las um pouco, mas mantenha-os na trilha correta. Você pode dar indiretas de que uma linha de raciocínio esta equivocada ou que um determinado caminho não parece ser promissor. 

Mantenha as coisas sempre em movimento, mas seja ágil em dispensar aquilo que não vai acrescentar muito ao jogo. Em cenários que tem um determinado prazo para terminar, você pode dar uma ajudinha para o grupo encontrar o caminho certo, mas o segredo é fazer isso de uma forma discreta, sem parecer que está sinalizando. Se tudo mais falhar, testes de Inteligência ou raciocínio, podem auxiliar o grupo a adotar o melhor curso de ação. 

Dica #5 - Juntos chegaremos lá


Algumas vezes é uma boa ideia fazer uma cena solo para introduzir cada um dos personagens ou criar uma cena em que os personagens se conhecem e formam o grupo. Da mesma maneira, por vezes é razoável que o grupo se divida para investigar diferentes lugares ou entrevistar diferentes NPCs. Também é perfeitamente razoável que um grupo explorando uma masmorra decida se dividir em grupos, cada um indo para um lado para cobrir uma área maior em menos tempo - à despeito dos riscos disso!

Eu já vi isso acontecer em várias mesas, tanto que até tínhamos um nome para isso: "síndrome do ladino curioso". O jogador, geralmente aquele que controla um ladino ou outro personagem com alguma habilidade para se manter oculto (como a magia invisibilidade ou Ofuscação, por exemplo) sai sozinho para investigar um lugar, confiando que não será detectado. E sozinho cobre uma área que idealmente deveria ser explorada pelo grupo inteiro.   

A explicação pode ser razoável e até compreensível, sobretudo se o personagem for capaz de tal coisa, mas há apenas um pequeno detalhe: Poucas coisas são mais chatas do que dividir o grupo em uma mesa de convenção.

Pondere o seguinte: Em geral, a mesa num evento será formada por pessoas que não se conhecem e que não tem muito sobre o que conversar enquanto o mestre estiver ocupado resolvendo uma cena com outros jogadores. Por longos minutos, o restante do grupo ficará ali parado, sem ter nada para fazer a não ser olhar em volta ou para seus celulares enquanto esperam. Além do que, isso faz parecer que certos jogadores ou personagens são mais importantes que outros o que tende a desconcentrar e desestimular os demais.

Vai por mim, é frustrante para quem fica ali esperando.

Minha sugestão? Eu sei que em alguns momentos é esquisito, pode ser incomum ou até estranho, mas apele aos jogadores para que mantenham o grupo unido e evitem se separar. Dividir para conquistar não é um bom plano em mesas de encontros e se o custo para não perder o foco na aventura for uns pontos de verossimilhança, esse é um preço que estou disposto a pagar.

Dica #6 - Pegue leve nas regras e mantenha a fluidez


Outra coisa que incomoda os jogadores em encontros, eventos e convenções e que se possível deve ser vigiado de perto diz respeito a regras.

Eu sei, tem jogadores que amam regras e que adoram discutir pormenores do sistema e detalhes que tornam os combates intrincados e os rolamentos precisos. Há muitos jogadores que não dispensam a parte mecânica e que poderiam discutir por horas esses detalhes, mas não são todos.

De fato, quando você está narrando uma mesa para iniciantes, discutir regras ou pormenores do sistema tende a ser um tiro no pé, porque: a) Nem todos na mesa conhecem o sistema, b) Alguns só querem conhecer superficialmente o sistema nesse primeiro contato ou ainda, c) Tem jogadores que não dão a mínima para o sistema, só quer rolar os dados e fazer roleplay.

Nada contra os fãs de Crunch, mas na maioria das vezes, um jogo de evento precisa ser mais leve, uma vez que isso garante a fluidez da sessão. Lembre-se o tempo é escasso e você pode perder valiosos minutos de diversão se tiver que interromper o jogo repetidas vezes para consultar uma nota de rodapé no Livro do Mestre, página 172, apêndice B, subseção 21.

Minha primeira sugestão é dar preferência a jogos em que as regras sejam mais simples ou com uma assimilação intuitiva. Alguns jogos tem regras bem leves, sem comprometer a diversão e realismo. É impressionante como alguns jogadores conseguem entender os princípios rapidamente e assumir o controle de suas fichas em poucos instantes.

A segunda dica é tentar fazer o jogo fluir o mais rápido possível. Se aparecer uma dúvida e ela não for essencial para a continuidade do jogo, tome a via mais fácil de interpretar a ação, adaptar de acordo com a situação e julgar com o senso comum o desfecho. Se em algum momento, você precisar consultar alguma coisa, seja rápido e use como referencial a reação dos jogadores. Se algum deles pegar o celular ou parecer entediado, corte a pesquisa e tome uma decisão como mediador da coisa. Isso tende a ser satisfatório! 

Por vezes, alguns sistemas trazem uma regrinha que é mais complicada ou que toma tempo explicar. Cabe ao narrador decidir se a explicação é realmente necessária ou se os jogadores ficarão satisfeitos em simplesmente rolar os dados conforme suas instruções. Mas, obviamente, isso não deve ser usado como uma licença para decidir arbitrariamente sob risco de tornar a aventura um amontoado de decisões por parte do Mestre. Equilíbrio, como sempre é o desejado.

Como regra geral, pondere que o sistema tem que estar lá para guiar o jogo, mas que ele não precisa ser onipresente na sua mesa, sobretudo na mesa de um evento.

Dica #7 - Prioridade Número Um: Diversão!


Agora, o mais importante! Jogue todo resto fora e se concentre nessa dica em especial.

Aqui vai o segredo dos grandes mestres e narradores que são lembrados por seus jogadores por muito, muito, muito tempo...

Esses mestres tem algo em comum: Eles se divertem tanto quanto os jogadores.

As mesas de jogo são uma parte central das convenções. Sem os mestres que se envolvem na potencial presepada de narrar em eventos, todos estariam perdendo um aspecto chave do nosso hobby - jogar! Conhecemos a pressão para "levar" a mesa para os frequentadores de convenções e apresentar o jogo para uma nova geração de jogadores iniciantes. Mas se você não conseguir se divertir tanto quanto eles, então você está perdendo alguma coisa.

Faça adereços malucos que as pessoas vão lembrar depois dos jogos, crie vozes engraçadas para seus NPCs, gesticule loucamente ao descrever locais, seja prolixo se achar que precisa, exiba sua melhor interpretação teatral e não tenha receio de passar um pouco de vergonha! Vai por mim, por mais estranho que você se comporte, sempre haverá alguém mais bizarro - estamos numa Convenção de RPG, pelo amor de Deus!

Lembre-se da máxima: BONS mestres são aqueles que conduzem a aventura do começo ao fim sem percalços, ÓTIMOS mestres são aqueles que entretém o grupo por horas e os deixam de joelhos pedindo por mais.

Evite ser aquela pessoa que apenas lê o texto e pede rolagens de dados. Não assuma a posição do mestre locutor que se limita a relatar "acertou" ou "errou" num combate, faça tudo ser caótico, sangrento, louco e imprevisível. Deixe o grupo empolgado, sobressaltado, assustado ou intrigado. Se um pouco de cada uma dessas sensações forem passadas para o grupo em um intervalo de 4 horas de jogo, parabéns... 

Missão cumprida!

*     *     *

Bom pessoal, é isso...

Lembrando a todos que o Maior Evento de RPG, Boardgames e afins do Brasil está de volta ao nosso Calendário oficial. O DIVERSÃO OFFLINE vai acontecer nos dias 18 e 19 de junho em São Paulo e o Mundo Tentacular estará presente com mestres oferecendo aventuras para quem quiser jogar.

Não deixem de comparecer! O retorno do DoffL é uma ótima notícia e vale a pena prestigiar esse evento tão importante.

Para quem quiser saber mais, é só entrar na página do DIVERSÃO OFFLINE e ver os detalhes.


segunda-feira, 23 de maio de 2022

Os Fungos de Yuggoth - A Poesia de H.P. Lovecraft pela primeira vez em nosso idioma


Eu sempre fui um fã ardoroso de H.P. Lovecraft e de sua obra. Desde que tive o primeiro contato com suas histórias, novelas e contos, lá por volta de 1990. Viciado nas histórias tratei de comprar e devorar tudo aquilo que ele produziu. Explorei cada pequena criação, por vezes adquirindo livros que traziam vários contos repetidos, em busca de um conto em especial que eu não conhecia ou que tivesse um trecho diferente.

A genialidade de Lovecraft como contista já foi amplamente reconhecida, sua capacidade de invocar sensações e medos profundos, sua verborragia nervosa, sua criatividade, tanto como autor de terror, quanto visionário da moderna Ficção-Científica, são celebrados por estudiosos e pesquisadores. Se o seu posto como um dos Grandes Mestres do Gênero Horror já está assegurado, outra de suas facetas permanece até hoje oculta: O Lovecraft poeta é quase desconhecido do grande público.

É surpreendente já que no início de sua carreira, Lovecraft considerasse a si mesmo mais um poeta do que um contista. Por um bom tempo, ele dedicou sua atenção, muito mais aos versos do que qualquer outro estilo literário. Talvez ele imaginasse que a poesia era uma arte mais nobre, que lhe traria reconhecimento, contudo, isso jamais aconteceu. A bem da verdade, Lovecraft jamais experimentou o sucesso em vida e sua obra só foi descoberta muito depois dele ter falecido precoce em 1937, antes de completar 50 anos. 

Vou confessar uma coisa. Eu nunca fui muito fã da poesia de H.P. Lovecraft. Sempre considerei rebuscada demais, complicada e derivativa. Eu nunca quis me dar ao trabalho de explorar essa vertente e de tentar contextualizar seus sonetos no universo do Mythos de Cthulhu. Ademais, ler em inglês e entender o contexto das palavras em um poema é tarefa bem mais complexa do que fazer o mesmo em um conto.



Apenas agora, através de "Os Fungos de Yuggoth", edição lançada pela Clepsidra após um bem sucedido Financiamento Coletivo é que estou conhecendo e realmente entendendo a poesia de Lovecraft. E vou lhes dizer, é incrível mergulhar nesse estilo que até então, eu ignorava.

Os Fungos de Yuggoth são compostos por 36 sonetos inteiramente dedicados ao Horror Cósmico, traduzidos pela primeira vez para o idioma português. Escritos entre 1929 e 1930, eles fazem parte da segunda fase de produção de Lovecraft, quando ele se dedicava ao Ciclo de Cthulhu e ao Ciclo dos Sonhos, etapa que rendeu alguns de seus melhores trabalhos.

Muito se engana quem imagina que os poemas tem pouco ou nada à ver com o Horror inenarrável do Mythos. Cada um dos sonetos está intimamente conectado a tudo que ele escreveu dentro dessa mitologia apocalíptica - as forças nefastas que comandam o universo, Azathoth e Nyarlathotep, os horrores que vagam na noite, os Nightgaunts (noiteseguios) e os recônditos medonhos da terra lovecraftiana (como Innsmouth) são citados. Lovecraft usa os versos para ressaltar os aspectos mais medonhos contidos em sua prosa e se mostra um exímio poeta capaz de verter em palavras trechos gélidos de terror cósmico.

Ao longo dos poemas, encontramos as reminiscências de um narrador sem nome, relatando suas experiências surreais e experiências perturbadoras, após a leitura de um livro misterioso. Em cada trecho ele se dedica a um pormenor e vai costurando uma trama intrincada de terror e loucura. O resultado é uma obra de grande apelo que intercala o que podem ser considerados momentos de lucidez com alucinação, insanidade e revelação, sem falar de uma esmagadora impotência diante das forças que regem um cosmos indiferente. Em resumo? Lovecraft em seu ápice.


Realmente, ler e absorver tudo isso seria tarefa muito complicada não fosse o prefácio assinado por David E. Schultz que abre o livro e prepara o leitor para o que está por vir. Com a ajuda dele, conseguimos decifrar detalhes escondidos nos sonetos e ter uma visão mais ampla do que o autor quis dizer. As citações e notas de rodapé são riquíssimas e concedem maior dimensão à obra. Sem falar que fornece uma visão do processo de criação e concepção dos sonetos.

A edição bilíngue (em português-inglês) é um primor, com tradução perfeita de Douglas Cordare e Felipe Vale da Silva que se dedicaram aos versos e extras, respectivamente. Caio Bezarias, autor de "Mitologia Lovecraftiana: A Totalidade pelo Terror", oferece um Posfácio no qual analisa a contribuição de Lovecraft  e a qualidade de sua poesia. Por fim, temos uma exposição da biografia de Lovecraft maravilhosamente redigida por Felipe Vale da Silva na qual encaramos pormenores da vida de Lovecraft que vão muito além dos conceitos (e preconceitos) que estamos habituados a ler sobre ele.

Por tudo isso, "Os Fungos de Yuggoth" se mostra uma obra quase obrigatória para os fãs de H.P. Lovecraft que desejam conhecer uma face pouco conhecida do dileto "Cavalheiro de Providence".

É importante falar do visual desse livro; por si só, uma verdadeira obra de arte. As publicações da Editora Clepsidra, são conhecidas pelo seu capricho e requinte, mas aqui, ouso dizer, eles foram mais longe na concepção de seu projeto gráfico. Da capa, belíssima em um efeito de arabesco preto e branco ressaltado pelo percaluz preto, às páginas com bordas escuras e diagramação profissional, tudo é muito bem feito, realçando o prazer da leitura. Um livro incrível para se ter na estante e admirar.

Para quem não conhece o trabalho do Sebo Clepsidra, recomendo visitar a página (o link está abaixo). O material é de primeira qualidade e o catálogo possui títulos que sem dúvida abrilhantariam a estante do mais exigente colecionador.

Se ficou interessado, aqui você encontra esse e outros títulos:


sábado, 21 de maio de 2022

Ritual na Floresta - Cultos, Seres Elementais e um bizarro caso de Desaparecimento


No início de 2008, Christine Lindsey Walters, de 23 anos, tinha toda a vida em ordem e um futuro brilhante pela frente. Uma estudante de Botânica na Universidade de Wisconsin, ela era conhecida como uma jovem inteligente e amigável, além de ser uma estudante aplicada que amava a natureza e se devotava a várias atividades sociais. 

Em meados de junho daquele mesmo ano, ela decidiu fazer uma viagem para o oeste; da casa de seus pais onde residia, para visitar Portland, Oregon. Seu objetivo era encontrar um amigo com quem vinha se correspondendo pela internet. O plano em seguida era voltar para casa e concluir as aulas regulares antes do fim do outono.

Não parecia ser nada de mais: uma simples viagem para outro estado, para encontrar um amigo e depois retomar o curso de sua vida. Entretanto, essa simples viagem de verão se transformaria em uma odisseia bizarra para Walters e um mistério jamais resolvido para sua família.

Tudo começou perfeitamente bem. Christine foi para o Oregon e lá se apaixonou pela natureza e estilo de vida das pessoas no estado. Ela decidiu ficar um pouco mais. Nesse período, manteve contato regular com os pais, ligando com frequência e sempre parecendo animada e alegre. Ela acabou fazendo amizade com m um grupo de estudantes e foi convidada por eles a acompanhá-los até a cidade de Eureka, no Estado da Califórnia. Pouco depois, comunicou aos pais que estaria se mudando para esse endereço. Apesar de ser uma decisão intempestiva, Christine garantiu que estava certa do que pretendia fazer e que, assim que fosse possível, realizaria a transferência de seu curso para uma faculdade local.


Apesar dos pais acharem aquilo um tanto estranho, não quiseram se meter na decisão da filha, afinal, ela era maior de idade e tinha o direito de escolher que caminho seguir. Acreditaram que a decisão se devia simplesmente ao espírito aventureiro dela e seu primeiro contato com a independência. Após a mudança, ela telefonou várias vezes, enviou cartas e postais, demostrando que estava muito animada em explorar sua nova casa. Combinou que os pais a visitarem para as festas de ações de graças, quando ela apresentaria o lugar onde escolheu viver. 

No entanto, as coisas começaram a tomar um rumo estranho logo depois disso.

Christine começou a se interessar cada vez mais por espiritualidade e crença Nova Era. Ela começou a se relacionar com um grupo de amigos que a introduziram em uma série de rituais e encontros xamânicos. Sabe-se que ela participou de mais de uma "cerimônia de limpeza", na qual consumia uma mistura alucinógena produzida a partir de uma videira sul-americana, chamada ayahuasca. Em teoria esse ritual visava purificar seu corpo de impurezas e preparar seu espírito para um tipo de transcendência.  

Mais ou menos nessa época, ela também se envolveu fortemente com um grupo ambientalista chamado Green Life Evolutions. Os membros compartilharam uma visão particular que contemplava uma "Revolução Harmônica com a Natureza". Através de ioga, meditação e de certos rituais secretos, os membros acreditavam serem capazes de contatar ou ainda, despertar espíritos da natureza e assim operar uma "Cura no Planeta". Alguns dos rituais do grupo eram bem pouco ortodoxos, envolvendo a utilização de substâncias alucinógenas e cerimônias de comunhão com a natureza em lugares isolados.  


A despeito dos ideais do grupo, o Green Life Evolutions logo demonstrou ser mais do que um bando de ativistas ecológicos engajados; sua estrutura, funcionamento e a devoção exigida pelos líderes o fazia parecer um Culto. Com sede em Burbank, na Califórnia, o grupo possuía uma rede de filiais que se ocupava em espalhar sua mensagem, recrutar novos membros e realizar encontros. Christine mergulhou de cabeça na agenda do grupo e se tornou uma ávida participante do programa.  

Os pais de Christine perceberam que a filha estava agindo de maneira cada vez mais incomum. Ela também começou a pedir dinheiro emprestado com frequência. Foi nessa época que suas ligações para a família começaram a diminuir, até que cessaram por completo. Preocupados, eles buscaram amigos e conhecidos da filha que viviam na Califórnia, e souberam que ela havia se envolvido com um grupo de pessoas estranhas que adotavam um estilo de vida alternativo. Ficaram sabendo também que ela havia trancado a matrícula na Universidade e zerado suas contas bancárias, supostamente transferindo todos os seus fundos para a Green Life Evolutions.

O pior, no entanto, é que Christine havia desaparecido do apartamento que alugava em Eureka. Semanas se passaram sem que ninguém tivesse notícias da jovem. A polícia foi contatada, mas na ausência de qualquer indício de crime, as autoridades não podiam fazer muito, além de emitir um alerta de procura.


Finalmente, na manhã de 12 de novembro de 2008, Walters reapareceu na cidade de Arcata, no sul da Califórnia. Ela bateu a porta de uma casa aleatória numa área de subúrbio, estava completamente nua e com os pés ensanguentados, tinha ainda pequenos cortes por todo o corpo. A jovem balbuciava palavras sem sentido e parecia sob o efeito de drogas, o que fez com que a família, que não a conhecia, chamasse a polícia.

Walters foi então encaminhada ao hospital mais próximo onde acabou identificada graças ao alerta emitido algumas semanas antes. É nesse ponto que sua história fica ainda mais estranha e adentra o reino do bizarro.

Christine contou à equipe do hospital que havia participado de um Ritual numa floresta e que esse aparentemente havia trazido maus resultados. Segundo a moça, um Elemental da Terra teria sido invocado, mas este, ao invés de aceitar a presença do grupo em seus domínios, reagiu de forma extremamente agressiva atacando-os. O conceito das forças elementais está presente em várias tradições xamânicas e que seguem o ideal de uma natureza consciente. Há formalmente quatro categorias de elementais (terra, ar, fogo e água) que são responsáveis pelo equilíbrio do mundo. Eles são seres vivos formados pelo elemento que representam e segundo algumas culturas podem ser invocados através de cerimônias específicas. Um Ser Elemental segundo as crenças esotéricas, é uma força primaz e uma entidade de grande poder transformador. 

Christine não tinha memória do que havia acontecido à seguir, mas se recordava de correr pela floresta com alguma coisa perseguindo ela e os demais indivíduos que participaram da cerimônia. Ela não conseguia precisar onde ou quando o ritual teria acontecido, nem mesmo o nome dos colegas que haviam tomado parte dele. Suas informações eram tão caóticas que a polícia considerou que ela poderia ter algum problema psiquiátrico.

O personagem "Monstro do Pântano" é um Elemental da Terra

Os testes de drogas e álcool deram negativo, então não estava claro sobre o que exatamente ela estava falando ou o que havia transcorrido com ela. Um profissional foi designado para entrevistá-la e ele concluiu que moça havia sofrido um forte choque, uma espécie de episódio pós-traumático. A polícia de Arcata examinou as matas próximas, mas não encontrou nenhum indício de um "ritual" como ela havia descrito. Ninguém havia visto ou ouvido algo incomum nas florestas que cobriam os arredores.

Foi somente depois que recebeu alta do hospital que Christine confidenciou à mãe alguns detalhes do que supunha ter acontecido. Ela explicou que um amigo do Culto, um sujeito que ela conhecia apenas como "Grant", a havia convidado para participar de um ritual numa floresta fechada com mais três pessoas. O objetivo deles era invocar uma entidade da natureza. A cerimônia no entanto, acabou falhando e o que respondeu ao chamado deles não foi um Ser Elemental, mas um Demônio.

Sem dar maiores detalhes, Christine confidenciou à mãe que Grant e seus demais companheiros jamais seriam encontrados, pois eles haviam sido arrastados por esse Demônio para o Inferno. Na ocasião, ela ainda manifestou seu receio de que essas forças nefastas poderiam encontrá-la a qualquer momento. Christine estava aterrorizada e embora a mãe tenha se mostrado cética diante do que a filha contou, parecia óbvio que ela acreditava em tudo aquilo. 

Christine queria voltar a Wisconsin com a família e retomar a sua vida normal. Ela disse estar muito arrependida dos acontecimentos e que desejava virar essa página de sua vida: esquecer suas escolhas desastrosas e se afastar dos demais membros da Green Life Evolution. Estes ainda tentaram entrar em contato com ela, o que motivou uma Ordem de Restrição da família para que os membros da seita mantivessem distância dela. Os advogados que representavam a seita negaram a existência de um membro chamado "Grant". A jovem retornou a Wisconsin no início de dezembro e as coisas pareciam ter voltado ao normal, até que tomaram um novo e inesperado curso.


Em 14 de janeiro de 2009, Christine visitou uma loja copiadora perto de sua casa, parecendo um pouco desgrenhada, vestindo apenas pijama e chinelos. Os funcionários disseram que ela estava confusa e que fez algumas cópias de documentos particulares como certidão de nascimento, passaporte e carteira de motorista. Em seguida ela perguntou onde ficava o Departamento de Trânsito (DMV) mais próximo e uma vez informada, saiu à pé. Ela foi vista em seguida à cerca um quilômetro e meio de distância, próxima de um prédio comercial, vestindo a mesma roupa. A filmagem de uma câmera de vigilância registra sua entrada na garagem, mas ninguém lembra dela no local. A última imagem que se tem, é ela se dirigindo para um corredor lateral, olhando por cima do ombro como se estivesse vendo alguém que a seguia. Depois de entrar nesse corredor ela simplesmente some sem que ninguém saiba como ela saiu do prédio. 

A família, assim que deu pela ausência de Christine comunicou seu desaparecimento à polícia. A investigação preliminar falhou em determinar seu paradeiro. Sua conta bancária não teve nenhuma alteração, ela não comprou passagens em seu nome e ninguém sabia dizer para onde a mulher havia ido. Desesperada a família buscou a imprensa e fez um apelo pedindo que qualquer pessoa com informações sobre a jovem viesse à público. A foto dela foi estampada nos principais jornais do país. À pedido da família, filiais da Green Life Evolution foram revistados e membros interrogados, mas ninguém sabia dizer onde ela poderia estar.

O caso de Christine Walters se transformou num Enigma. 

Até hoje, não há nenhuma pista sobre o que aconteceu com ela, nenhuma informação verificada, nada que possa dizer se ela está viva ou morta. Ela parece ter simplesmente evaporado da face da Terra. Alguns amigos mais íntimos disseram que Christine após retornar à Wisconsin nunca mais foi a mesma moça inteligente e amigável de antes das experiências com a Seita na Califórnia. Ela parecia assustada, triste e ansiosa. Após seu retorno, ela passou a se consultar com um psiquiatra e tomar remédios pesados, prescritos para que ela pudesse lidar com um quadro agudo de depressão. Foi teorizado que a "cerimônia de limpeza" e os efeitos prolongados da ayahuasca possam ter causado algum surto psicótico, mas seu teste para drogas e álcool sempre deram negativo. 


Os pais de Christine sempre acreditaram que a filha foi sequestrada por membros da Green Life Evolution. Sobre isso, sua mãe declarou em uma entrevista em 2013:

"Acredito que minha filha confiou demais nas pessoas que conheceu na Califórnia. Ela não conhecia essas pessoas ou sabia no que elas estavam envolvidas. Eu sei que há muitos jovens adultos que procuram por um sentido na vida, algo maior e acabam sofrendo um tipo de lavagem cerebral nas mãos de cultos ou seitas. Minha filha sempre foi uma jovem brilhante. Não sei explicar em que momento ela foi levada para esse outro caminho, mas sei que ela jamais iria sumir desse modo sem que alguém a obrigasse a fazê-lo. Eu tenho esperança que ela apareça um dia, que consiga escapar de seja lá onde está, e que venha até nós... pois nós a receberemos de braços abertos."  

Em 2014, uma bolsa com documentos pertencentes a Christine Lindsey Walters foi encontrada numa reserva florestal nos arredores de Arcata. A bolsa estava largada na mata e foi achada por um frequentador do parque que a devolveu. Em seu interior, além de roupas e objetos reconhecidos como pertencentes a Christine, havia uma embalagem de remédios prescritos para um tal Edward Franklin Grant, supostamente o indivíduo misterioso que teria conduzido a cerimônia de invocação. A polícia investigou essa pessoa e descobriu que Edward Grant, nascido em Dale, Nebraska em 1981, se encontrava desaparecido desde 2009.   

O caso bizarro permanece em aberto, as autoridades continuam procurado Christine Walters e Edward Grant mas até o presente momento nenhuma informação sobre o paradeiro deles foi obtida pelos canais oficiais. A família chegou a contratar investigadores particulares mas nenhuma pista de seu foi levantada. Até mesmo médiuns e investigadores psíquicos foram consultados e estes após visitar a Reserva Florestal em Arcata disseram ter sentido uma forte presença no lugar - algo maligno. Em 2018, a Green Life Evolutions encerrou suas atividades e a última sede da organização fechou suas portas em 2020.

Para todos os efeitos, a jovem segue desaparecida e a Família Walters continua esperando por qualquer informação que possa levá-los a saber o que houve com sua filha.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Cinema Tentacular: O Homem do Norte - O Filme definitivo sobre Vikings


O diretor americano Robert Eggers estabeleceu-se como uma voz cinematográfica singular com o arrepiante filme "A Bruxa" (New England Folktale - The Witch) que se passava num sinistro século XVII, e seguiu com "O Farol" (The Lighthouse), um pesadelo imersivo com direito a sereias e assassinato. Ambos os filmes tinham uma atmosfera tão densa que você podia sentir os cheiros, gostos e texturas além de é claro ver e ouvir. Ambos fizeram sucesso, não apenas pelas suas virtudes, mas pelos seus orçamentos relativamente baixos, colecionando elogios mundo afora.

Havia muitos questionamentos sobre qual seria o próximo projeto de Eggers e do que ele seria capaz com um orçamento polpudo. Essas perguntas são respondidas nesse artigo à respeito de "O Homem do Norte" (The Northman) que estreou recentemente nos cinemas de todo país.

Indo direto ao ponto, O Homem do Norte é um ÉPICO, com letras maiúsculas. 

Não apenas isso, mas um épico Viking, com orçamento na casa dos 70 milhões de dólares e que surge como um mashup de Beowulf, Hamlet (o filme de Eggers e Shakespeare compartilham de lendas escandinavas) e a série Vikings, contado em crescente tons de realismo, crueza e por que não, poesia ultra violenta.


Co-escrito com o islandês Sjón, e descrito por Eggers como uma tentativa de fazer "o filme viking definitivo", Northman é tão ambicioso quanto exagerado, absurdo e visceral (tudo isso no bom sentido). Repleto de epítetos distorcidos sobre vingança e destino que são sussurrados, murmurados, ou berrados à plenos pulmões. Aliás, esse talvez seja um dos melhores filmes a tratar do tema vingança nos últimos tempos com um roteiro afiado e salpicado de sangue. 

Northman é uma história impiedosa sobre crianças nascidas e criadas em meio à selvageria de um mundo no qual homens estão habituados a tomar o que querem e matar quem se colocar em seu caminho. O filme não pede desculpas ao mostrar uma época de violência extrema e barbárie inenarrável, com demonstrações de que os povos nórdicos, que convencionamos chamar de vikings, não eram heróis românticos idealizados, e sim, saqueadores implacáveis. Durante o filme não faltam lutas selvagens, tripas sendo arrancadas, cabeças sendo decepadas e gente sofrendo as mais medonhas mortes. Mas tudo isso é amplamente apoiado pela história. Se você vivesse nessa era, a última coisa que iria querer seria topar com uma horda de saqueadores nórdicos. Provavelmente, a face barbada de um deles, babando e gritando, seria a última coisa que veria antes de um machado arrebentar o seu crânio.
   
Os vikings são retratados como homens duros, forjados no calor da batalha e habituados a ignorar o lamento dos feridos e as lamúrias de suas viúvas. Pilhagem na forma de prata e escravos é tudo o que almejam. Eles se lançam em águas geladas em busca de terras distantes, onde poderão lutar e saquear, enquanto suas mulheres uivam como demônios para os deuses, invocando seu favor. 



O filme é dividido em capítulos, cada qual com um título que nos insere numa cronologia linear, que se inicia em 895 e que se encerra anos mais tarde, literalmente nos "Portões do Inferno". A sensação de grandiosidade está em todo canto e o filme é um espetáculo maravilhosamente brutal. 

Imagens belíssimas das paisagens nórdicas, cenários que vão de simples vilarejos até requintados salões e a recriação fiel da época nos mínimos detalhes, fazem com que Northman seja uma aula de como construir um filme de época. Robert Eggers é conhecido pelo nível de detalhamento megalomaníaco em suas produções - em a Bruxa, os atores tiveram de aprender como falar à moda dos colonos puritanos, em o Farol, precisaram aprender como operar cada instrumento que estava em cena de forma correta, como fariam pessoas do século XIX. Em Northman o respeito e até rigidez com a história são notáveis. Pelas mais de duas horas de filme, você se sente como parte daquela sociedade escura, suja e agressiva, um observador privilegiado dos costumes e tradições. Somos convidados a acompanhar um ritual de passagem de um jovem, uma cerimônia de preparação para o ataque de Berserkers e um funeral que não apenas são muito bem conduzidos, mas que estão inseridos num perfeito contexto histórico. O mundo que envolve o espectador é rústico e pouco acolhedor, mas é impossível se esquivar da aspereza e fascínio proporcionado pelo ambiente.  

As atuações são nada menos que brilhantes. O elenco de Northman, conta com nomes consagrados e estes se entregam perfeitamente à proposta do diretor e devoram o roteiro, como se ele fosse um cálice de hidromel, bem ao gosto dos personagens. Alexander Skarsgard é o taciturno protagonista disposto a sacrificar sua felicidade no altar da vingança. Nós acompanhamos sua jornada frenética de órfão lamentando a perda do pai e o sequestro da mãe, até o golpe final de seu sangrento rastro de retribuição. O sujeito parece ter nascido para esse papel, ele tem o bio-tipo do que se imagina ser um guerreiro viking. Mas é o elenco de apoio que carrega a trama com maestria. Nicole Kidman e Ethan Hawke dão um show como Rei e Rainha, mas é o personagem de Willen Dafoe em um papel relativamente pequeno que chama mais a atenção, como um bobo da corte que conversa intimamente com os deuses. Anna Taylor-Joy, que foi a protagonista de A Bruxa, também se sai muito bem.


O filme tem início no reino fictício de Hrafnsey, localizado nas Ilhas Shetland/Orkney, no distante século IX. Aqui, o Rei Aurvandil (Ethan Hawke) é assassinado por seu traiçoeiro meio-irmão Fjölnir (Claes Bang) na frente do filho, Amleth (Oscar Novak). Ele em seguida testemunha sua mãe, a Rainha Gudrún (Nicole Kidman), sendo levada aos gritos pelo usurpador que sequer espera o sangue do antigo rei esfriar para ordenar que lhe tragam a cabeça do herdeiro.  

Amleth consegue escapar, e enquanto rema para uma enseada mais segura repete o mantra que irá guiar seus passos dali em diante: "Vou te vingar, pai; vou te salvar mãe; Eu vou matar você Fjölnir!”. Alguns anos mais tarde Amleth, já crescido se torna um berserker de coração de ferro na terra dos Rus (atual Ucrânia). Uma impressionante sequência de plano estendido acompanha um ataque furioso de seu bando a uma vila eslava, com direito a machadadas, sanguinolência e assassinato de camponeses inocentes. A cena é um prólogo para o que virá em seguida.

Após o ataque, Amleth tem um encontro com uma vidente (a cantora Björk) que coloca o berserker em uma rota direta para a Islândia onde ele planeja cumprir suas promessas. Marcando-se como escravo, ele se infiltra no círculo de seu tio para poder observá-lo e planejar o curso de suas ações. Uma vez instalado entre os inimigos, ele ganha a confiança deles disputando um esporte que parece um misto de Quadribol e Vale Tudo e se une a outra escrava, Olga, que lhe convence com a seguinte proposta: "Sua força quebra os ossos dos homens. Eu tenho a astúcia para quebrar suas mentes."  


Uma sacada interessante em O Homem do Norte é que a linha entre o real e o sobrenatural é difícil de ser percebida. Em determinados momentos, os personagens parecem estar diante de coisas inexplicáveis e grandes mistérios, mas que podem ser explicados pelo consumo de substâncias alucinógenas ou de suas crenças e superstições. A cena em que Amleth vai atrás de uma espada supostamente mágica que o ajudará a executar sua missão, e essa precisa ser tomada de um morto vivo é especialmente bem realizada.

Como não poderia deixar de ser, a trama sofre algumas reviravoltas, sobretudo quando Amleth consegue se aproximar de sua mãe e descobre verdades que ele desconhecia sobre seu pai. Além disso, o envolvimento de Olga, acena com uma outra vida, e isso faz com que ele questione se deve ou não prosseguir com o plano vingativo, já que este provavelmente irá consumir tudo e todos à sua volta.

Eggers deu entrevistas recentemente afirmando ter sofrido pressão para tornar O Homem do Norte um filme mais acessível e assim atrair mais público. Mas mesmo sem provocar debate ou criar dúvidas no espectador como aconteceu em seus dois filmes anteriores, The Northman é muito superior a qualquer filme de ação e aventura convencional que vemos por aí nos multiplex. Esse é um épico histórico de violência para ser desfrutado do início ao fim.

Se o objetivo era criar o filme definitivo sobre Vikings, parabéns, O Homem do Norte é esse filme. 

Trailer:


terça-feira, 17 de maio de 2022

Legado das Trevas - O Professor M.R. James e seus fantasmas em Financiamento Coletivo da Clock Tower


A já conhecida Editora Clock Tower, especializada em oferecer o que há de melhor em Literatura Fantástica e de Horror, está com um novo Financiamento Coletivo.

Dessa vez, trata-se de LEGADO DAS TREVAS e o autor escolhido é ninguém menos do que o britânico M.R. James um dos mais conhecidos e respeitados escritores de histórias de terror. Famoso principalmente por narrativas evocativas envolvendo fantasmas, espíritos e assombrações. Suas contribuições para o gênero fizeram seu nome ser celebrado por dezenas de outros expoentes da Literatura, como Clark Ashton Smith, Fritz Leiber, Stephen King e claro, H.P. Lovecraft que lhe dedicou elogiosas palavras em seu ensaio "O Horror Sobrenatural na Literatura".

Montague Rhodes James nasceu no dia primeiro de agosto de 1862 em Kent na Inglaterra. Era filho de um clérigo e passou grande parte de sua vida na Universidade de Cambridge onde realizou diversos estudos de documentos antigos (paleografia), além de catalogação de manuscritos da biblioteca da universidade e traduções de grandes clássicos. Era um verdadeiro erudito e um pesquisador dedicado. James ficou muito conhecido e foi admirado em sua época pelas suas contribuições ao processo de organização da Biblioteca de Cambridge. 


O grande reconhecimento, entretanto viria graças à literatura, com a qual ele se envolveu primeiramente por hobby e que decorria de seu talento para contar histórias assustadoras aos seus amigos mais próximos. Sua habilidade como "contador de histórias" era lendária e ele entretinha os colegas mais chegados com narrativas góticas "de gelar o sangue nas veias". Incentivado por esses amigos que conheciam sua habilidade em construir histórias assustadoras, ele escreveu seus primeiros trabalhos, reunidos em "Histórias de Fantasmas de um Antiquário", publicado em 1894, coleção que teria uma continuação em 1911, com "Mais Histórias de Fantasmas de um Antiquário". Ambos os trabalhos seriam sucesso de crítica e público. 

James viajou por toda a Europa muitas vezes, tendo sido reitor do King's College, Cambridge (1905-1918), e também do prestigioso Eton College (1918-1936). Atuou como vice-chanceler da Universidade de Cambridge (1913-15), títulos e encargos que lhe trouxeram enorme prestígio.

Grande acadêmico e medievalista, teve nos antiquários seu grande interesse. No campo da literatura o escritor irlandês Sheridan Le Fanu foi sua grande influência.

Tudo isso formou as bases para suas histórias que eram a princípio contadas oralmente.

James nunca se casou e pouco se sabe sobre relacionamentos seus, embora exista alguma evidência que tenha tido casos amorosos com algumas de suas alunas.


No ano de 1930 foi condecorado com a importante Ordem do Mérito e seis anos mais tarde, veio a falecer (com 73 anos), sendo enterrado no cemitério de Eton em 12 de junho de 1936.

M.R. James influenciou toda uma nova geração de autores que reconheceram a genialidade de suas obras. Derivado das obras de James estão muitos programas gravados no rádio, filmes e trabalhos acadêmicos.

AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE SEUS CONTOS:

1 — Abandono do clichê gótico.

2 — Os fantasmas em suas histórias são seres maus e nunca misericordiosos.

3 — O cenário de suas histórias é geralmente de uma vila inglesa, cidade litorânea, universidade ou o interior e sempre contemporâneo a ele.

4 — O protagonista na maioria das vezes é um cavalheiro muito erudito.

5 — Apresenta a descoberta de algum objeto antigo de antiquário ou um livro misterioso que atrai forças sobrenaturais.

O conceito para LEGADO DAS TREVAS, proposto pela Clock Tower, teve início em 2015 quando o conto "Count Magnus" muito referenciado por H.P. Lovecraft e tido como primordial na obra de M.R. James, foi traduzido. 

M.R. James escreveu 4 grandes livros em vida: Ghost Stories of an Antiquary (1904), More Ghost Stories of an Antiquary (1911), A Thin Ghost and Others (1919), e A Warning to the Curious and Other Ghost Stories (1925). 

OS CONTOS ESCOLHIDOS:


A coletânea visa trazer o melhor desses contos após muitos debates e escolhas quanto ao conteúdo a ser oferecido ao leitor.

Para quem, assim como eu, adora uma pequena sinopse das histórias que irá encontrar numa antologia, aqui estão breves resumos delas, obviamente, SEM SPOILERS. Apenas para dar um gostinho do que, LEGADO DAS TREVAS trará em, termos de conteúdo.

Conde Magnus – Uma das mais importantes e elogiadas obras de M.R. James, obrigatória para os fãs do gótico e tratada por Lovecraft como uma das melhores do gênero. Nela, um inglês viaja para a Suécia a fim de escrever um livro guia sobre o país. Ao se deparar com documentos históricos de uma família nobre, ele se torna obcecado com o terrível Conde Magnus, um homem cruel interessado no oculto.

Apite e eu virei – Outro clássico absoluto de MR James. Em uma viagem de férias pelo litoral, o professor Parkins descobre um misterioso apito de bronze nas ruínas de um local usado pelos templários. Que coisas terríveis o afligirão caso utilize o objeto?

Sr. Humphreys e sua herança – O jovem Humphreys recebe uma herança inesperada de seu avô: uma luxuosa mansão no interior. A propriedade possui um intrigante labirinto, com um sombrio
segredo em seu coração. Stephen King usou a ideia do enorme labirinto do qual não se consegue escapar em seu clássico, O Iluminado

Número 13 – Numa viagem à Dinamarca, o inglês Anderson se hospeda em um hotel que segue o costume local de não ter um quarto número 13. O que seria então a misteriosa porta que aparece entre o seu quarto, número 12 e o vizinho, número 14, apenas durante a noite?

O Livro de Recortes do Cônego Alberic – O antiquário Dennistoun descobre um tesouro em forma de livro em uma cidade francesa. O assustado sacristão da catedral local, dono do objeto, vende a preciosidade por uma quantia irrisória, parecendo feliz com a negociação. Mais tarde, Dennistoun descobrirá o porquê.

O Mezzo-Tinto – Um homem chamado Williams recebe, por conta de seu trabalho, um mezzotinto que não o impressiona. As coisas ,começam a ficar assustadoras quando ele e seus colegas começam a notar que a obra de arte, que antes mostrava apenas uma paisagem, agora não parece mais tão vazia.


O Tesouro do Abade Thomas – Acompanhe a história do reverendo Justin Somerton, um medievalista que descobre uma mensagem secreta em um vitral sobre o tesouro do falecido e desonrado abade Thomas. Logo Somerton descobrirá que forças além da compreensão não deixaram o tesouro escapar tão facilmente.

Os Bancos da Catredal de Barchester – O talentoso clérigo Haynes assume o cargo de Arquidiácono após a morte misteriosa de seu antecessor. Sua competência e seu zelo são inegáveis, mas o homem é atormentado pelas estranhas figuras gravadas nos bancos de madeira da catedral.

Caso o Financiamento atinja as Metas Estendidas, os seguintes contos serão incluídos no livro:

Um Episódio na História das Catedrais – A renovação de uma catedral revela uma antiga tumba escondida. Logo após esta descoberta, algumas pessoas começam a ficar doente e outras acabam morrendo. O que são os estranhos barulhos que assolam as noites dos moradores locais?

Corações Perdidos – O jovem órfão Stephen chega à mansão do seu recluso tio, Sr. Abney. A vida feliz e tranquila do garoto dura apenas alguns meses, pois ele começa a experimentar misteriosos e perturbadores eventos. Corações Perdidos é considerada por muitos a melhor história de M.R James.

O trabalho da Editora Clock Tower já é conhecido pelos leitores brasileiros, que sabem da qualidade e comprometimento de seus organizadores. O livro trará além dos contos ensaios, fotos, imagens e biografia do autor para que os leitor possa conhecer um pouco mais sobre ele. 

M.R. James infelizmente ainda é um autor pouco lembrado aqui no Brasil, então, essa é uma oportunidade de ouro para conhecer um dos Mestres Imortais do Horror e as histórias que fizeram sua fama.

O FINANCIAMENTO COLETIVO está no ar através do Catarse, no seguinte link: